sábado, 1 de março de 2008

DEPOIMENTO DE JOSÉ WILKER

DEPOIMENTO DE JOSÉ WILKER

ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO

PROJETO: A ENGENHARIA NACIONAL, OS ESTUDANTES E A EDUCAÇÃO SUPERIOR: A MEMÓRIA REABILITADA (1930-85)

DATA: 18/02/2008

POR TELEFONE

OTÁVIO: Eu gostaria que falasse um pouco da experiência que você teve com o MCP (Movimento de Cultura Popular) aqui em Recife, sobretudo em relação ao aprendizado profissional que tal experiência lhe proporcionou a sua atividade de ator?

WILKER: o MCP foi para mim uma experiência muito importante. Basicamente minha atuação no MCP foi no campo do teatro, pois ali se tinha tantas outras divisões de atuação. Foi muito importante para mim porque aí eu fiz parte de fato de grupo de teatro. Eu adquiri e obtive uma boa base com o MCP. E isso ficou para mim o resto da minha vida. E serve para mim até hoje. A gente foi convocado no início para fazer esse trabalho de ilustração das aulas de alfabetização de adultos. E para o trabalho a gente não tinha nenhuma informação. E nenhuma indicação de como fazer esse tipo de trabalho de teatro que ninguém tinha feito no Brasil. A gente tinha como uma única informação a idéia de Mao-Tse-Tung durante a grande marcha. Que fazia se acompanhar por um grupo de teatro que ia aos camponeses, que ia nas cidades e em outros setores do campo. A gente queria contar para as pessoas a grande marcha que o Brasil na época percorria. Uma marcha para o progresso, uma marcha para a educação ou uma marcha para o desenvolvimento. Uma marcha que ampliaria as condições de igualdade e de oportunidades. E assim por diante. Então no primeiro momento a gente fez um teatro mais voltado para as questões imediatas e mais preocupado em apresentar para as pessoas problemas de sua realidade. Num certo momento a gente se tocou sobre o quanto o teatro era importante como veículo de mobilização das pessoas. E que o teatro era um meio cultural importante num processo de educação. Pois não bastava só dizer abaixo isto ou abaixo aquilo. A gente chegou ao ponto de compreender que era preciso falar ao coração. O MCP proporcionou para nós a oportunidade de ir aos extremos. E finalmente fazer teatro de verdade. É preciso considerar que isso a gente foi muito mal visto na época por causa da nossa associação com partidos políticos. Mas em nenhum momento a nossa associação foi negativa. Ou interferiu de forma direta naquilo que se produzia em termos culturais. Não nos reportávamos às organizações partidárias. O Arraes tentava de alguma forma tal ligação. Mas a gente não se sentia comprometido com o programa político partidário. Pode ser que isso tenha ocorrido em um breve momento. Mas de modo geral a nossa preocupação era com o teatro e com a produção de bens culturais mais permanentes. Era por aí.

OTÁVIO: Qual era a juventude da época? Como você a caracterizaria?

WILKER: era uma juventude muito irrequieta e muita ciosa do nosso papel na sociedade. Era atraída por uma postura de inquietação que a todo o momento tentava adquirir um papel que permitisse contribuir para que as coisas se alterassem.

OTÁVIO: Qual a herança da sua juventude para o Brasil em termos de ideário de transformação e de projeto para o país?

WILKER: o trabalho que realizamos na época foi mais eficiente do que a nossa própria capacidade de perceber. Não diria que a gente tenha deixado de fato uma herança sólida. Mas eu acho que a gente deixou algo. Nós deixamos uma preocupação que de alguma maneira se sedimentou depois.

OTÁVIO: e quanto ao Serviço de Extensão Cultural da então Universidade do Recife (atual UFPE), que também existia naquele período, o setor do MCP com quem trabalhou não tinha um confronto com vocês?

WILKER: não havia confronto, porque a gente trabalhava junto.

OTÁVIO: A matriz de ambos era o educador Paulo Freire.

WILKER: a gente trabalhou muito juntos. Nós trabalhamos com organizações que a gente suspeitava que tivesse os mesmos objetivos comuns, mesmo que seguissem meios ou caminhos diferentes dos nossos. A gente tentou se aproximar deles. Eu me lembro que quando a gente produziu um espetáculo, também convocamos a inteligência pernambucana e recifense para participar dos debates, pois eles eram entendidos por nosso grupo como momentos de aproximação. Na verdade, o debate era sem dúvida nenhuma uma oportunidade de crescer dependendo da avaliação. Mesmo que em alguns momentos fôssemos massacrados. A gente conseguiu crescer. Eu não sou tão pessimista na medida em que eu percebo hoje um movimento musical que funciona nas periferias de forma muito forte. Tem o cinema feito por jovens muito interessantes e de altíssima qualidade.

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