segunda-feira, 10 de março de 2008

(Des)caminhos da ditadura - Entrevista com Rodrigo Patto Sá Motta

FONTE: http://www.ufmg.br/liberdade/descaminhosdaditadura.htm

(Des)caminhos da ditadura

Entrevista com Rodrigo Patto Sá Motta

Mais de 15 mil documentos que revelam a engrenagem do sistema de informação do regime militar na UFMG estão sendo catalogados e serão colocados em breve à diposição do público. A organização do acervo da Assessoria Especial de Segurança e Informações (Aesi) está sendo coordenada pelo professor Rodrigo Patto Sá Motta, do Departamento de História da UFMG. Nesta entrevista, Sá Motta resgata a trajetória do acervo da AESI e avalia a importância desse material, para a sociedade e para a comunidade universitária.
O que era a Assessoria Especial de Segurança e Informações – Aesi?Era uma engrenagem do sistema de informações que o regime militar construiu para combater seus inimigos e para garantir a estabilidade do regime. A Aesi, no organograma desse sistema ou comunidade de informações, era subordinada à Divisão de Segurança e Informações do Ministério de Educação e Cultura, que, por sua vez, era subordinada ao Serviço Nacional de Informações – SNI. O papel dela era atuar no âmbito da UFMG, no controle e na vigilância dos eventuais inimigos do regime.
Como está sendo organizado o acervo Aesi da UFMG?Como todo órgão de informações, a Assessoria criou seu próprio arquivo, com documentos que começaram a ser recolhidos em 64, antes mesmo de ser criada. Provavelmente por decisão da Reitoria da UFMG, começou-se a juntar a documentação sobre as relações entre a administração da Universidade e o aparato repressivo do Estado. Na segunda metade dos anos 80, quando foi extinta, esse arquivo foi lacrado e ficou guardado na Biblioteca Central. Vários anos depois, foi feito um levantamento inicial da documentação por solicitação da Reitoria e coordenado pela professora Maria Efigênia Lage, mas ainda não era um instrumento de pesquisa suficiente e a documentação continuou fechada. No final da década de 90, a Reitoria criou a Comissão de Gestão do Acervo Aesi, para a qual fui nomeado. Quando eu e a professora Heloísa Starling montamos o Projeto República, um dos objetivos era organizar o acervo Aesi e isso já está sendo feito há dois anos. A expectativa é de que o banco de dados esteja pronto no final de 2004 ou no primeiro semestre de 2005.
O acervo é composto de quantos e de quais documentos?A estimativa é de que exista algo em torno de 15 mil documentos, o que corresponde a cerca de 40 caixas. Existem ofícios encaminhados por comandantes do Exército e por autoridades da área de informações, documentação sobre membros da comunidade universitária (estudantes, funcionários, professores). Há material do movimento estudantil (jornais, publicações), de divulgação do aparato do Estado e de instrução para agentes de informação. Eu me lembro de um livreto que ensina os agentes a identificar filmes de inspiração comunista e dá exemplos de cineastas comunistas, entre eles o americano Robert Altman, que não é de jeito nenhum um comunista.
Qual é a importância política e acadêmica do acervo para a UFMG?Em primeiro lugar, é o fato de a Universidade ter o controle sobre a documentação de uma instituição que foi criada para ajudar o funcionamento do regime autoritário. É uma demonstração de que as instituições e os valores democráticos estão fortes. Isso é muito significativo, porque quando acabou a ditadura Vargas, nos anos 40, ninguém teve acesso à documentação dos órgãos de repressão. Que eu saiba, só a UnB tem um acervo do tipo, mas não está aberto à consulta pública. Já a importância acadêmica está representado na chance que temos de conhecer melhor o funcionamento do regime militar no âmbito da universidade. Esse é um capítulo importante da história da ditadura, porque afinal de contas a comunidade universitária foi um dos principais opositores do autoritarismo. Das universidades saíram as lideranças intelectuais e alguns dos que lutaram, pegaram em armas. Eu destaco que essa documentação é inédita, até agora não tinha sido pesquisada, não tinha sido utilizada para a produção de conhecimento. Então isso dá a ela uma relevância ainda maior.
Yara Castanheira

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