terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE Joel Barcelos: Um teatro que pretendia mudar a realidade social

Joel Barcelos
Um teatro que pretendia mudar a realidade social


Eu fui testemunha ocular do célebre encontro entre Aldo Arantes, então presidente da UNE, e o grupo de artistas do Arena, que deu origem ao Centro Popular de Cultura. Nós estávamos montando A mais valia vai acabar, seu Edgar, do Vianinha, e havíamos brigado com o Teatro de Arena de São Paulo que na época, é bom frisar, foi um dos ciclos mais profícuos do teatro brasileiro. O teatro brasileiro vinha de instantes distintos, iniciado pelo teatro português, seguido do TBC, com um modo de interpretar diferente, como o de Cacilda Becker e Luiz Linhares e depois o Arena. Foi então que surgiu o convite da UNE para montarmos um centro de cultura popular – nós discutimos quinze dias para saber se era esse mesmo o nome, até optarmos pelo CPC – e a coisa teve início, depois dos primeiros contatos feitos com a Faculdade de Arquitetura, pelo Chico de Assis, que resultou na reunião com o Aldo Arantes. Nós partimos para um tipo de teatro diferente, que não acariciasse a massa, na base do “olhem como nós somos virtuosos”, como faz hoje a maior parte dos artistas e intelectuais brasileiros, com o apoio das televisões. Começamos a fazer um teatro que não era apenas para divertir mas, principalmente, para politizar. Deixamos de lado o velho conceito de arte pela arte. Uma coisa curiosa foi nossa indagação para aceitar a nova parceria: por que não fazer teatro dentro da UNE? a UNE vai se transferir para Brasília e aquele prédio ficará obsoleto? Embora muita gente não lembre, o estatuto da UNE de então determinava que a sede tinha que ficar na capital federal. Nós resolvemos topar, com o firme propósito de, através da nossa arte, mudar a realidade social, coisa que anos mais tarde foi feita pelos Beatles. Houve muitos erros provocados pelo radicalismo, que hoje, depois de trinta anos, nós enxergamos. Por exemplo – e talvez o maior deles – dizer-se então que a televisão era coisa de empregada doméstica. Porque se em 1964 nós tivéssemos feito um trabalho de mobilização através de uma televisão, talvez o golpe não tivesse dado certo. Mas de qualquer maneira, com os primeiros financiamentos feitos pelo Jânio Quadros, o CPC funcionou e deixou profundas marcas na cultura brasileira. Com o auxílio da UNE nós transformamos esse país. Graças à sua iniciativa de procurar um grupo de artistas de vanguarda, profissionais mais sensíveis à necessidade de transformações, é que a cultura brasileira tomou rumos mais definidos, com profundas transformações no teatro, na música e nas mais variadas expressões artísticas.
Joel Barcelos é ator de cinema, teatro e televisão. Participou da criação do CPC.

O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.

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