UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE PEDRO CARLOS GARCIA COSTA A OTÁVIO LUIZ MACHADO
Depoimento realizado pelo projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”.
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: PEDRO CARLOS GARCIA COSTA
LOCAL: BELO HORIZONTE-MG
DATA: 02/12/2002.
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: PEDRO CARLOS GARCIA COSTA
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Belo Horizonte-MG
Data: 02/12/2002
Duração: 1 h aprox.
Fitas cassete: 1
Páginas:11 págs.
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Pedro Carlos Garcia Costa a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”, 2003.
OTÁVIO LUIZ MACHADO*: primeiramente, gostaria de pegar os seus dados pessoais. Nome completo, data de nascimento, cidade natal, sua origem familiar e os cargos que ocupou enquanto estudante.
PEDRO CARLOS GARCIA COSTA: Pedro Carlos Garcia Costa, nascido em 29 de junho de 1945 na cidade de Viçosa, Minas Gerais, filho de pai ferroviário e funcionário da Leopoldina, e mãe do lar, sem outra profissão que não seja a profissão doméstica. E na Escola de Minas de Ouro Preto durante o período de escola participei por várias vezes da diretoria do Centro Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto (CAEM). E como representante de turma por dois anos.
E quando você chegou em Ouro Preto qual a visão que o senhor teve da Escola de Minas dos seus pontos fortes e fracos, qual a expectativa que teve?
Bom, a Escola de Minas naquele período era tida como uma das melhores escolas na área de engenharia voltada para a mineração, especialmente no caso da engenharia de minas, na geologia e na área de transformação mineral, ou seja, a engenharia metalúrgica. E o curso de engenharia civil sempre teve uma fama muito grande porque ali passaram vários dos grandes nomes da engenharia brasileira, principalmente na área de engenharia de construções pesadas e uma série de outras coisas. Então, a Escola de Minas sempre foi pródiga em produzir na área de engenharia civil os grandes calculistas, pessoas ligadas a construções de grandes estruturas na área de civil. Na área de geologia, a Escola foi uma das pioneiras no Brasil na implementação do curso de formação de geólogos, naquela antiga campanha de formação de geólogos chamada Cage. Foi uma das quatro primeiras escolas de engenharia do Brasil. E isso mesmo pela fama que a Escola tinha e tem ela sempre se constituiu um pólo de atração para nós que éramos da região próxima a Ouro Preto. No caso de Viçosa, fica pouco mais de 100 kilômetros de Ouro Preto. E é uma cidade que para você ir para à capital do Estado você obrigatoriamente passava por Ouro Preto. Então, é um local relativamente de fácil acesso já que nos idos de 1960 o transporte era muito precário no Brasil. Então, até mesmo para cidades mais próximas você gastava seis ou sete horas de viagem.
E os professores da Escola? Qual a posição como educadores? E a distância que eles tinham dos alunos?
Os professores da Escola de Minas de Ouro Preto do ponto de vista como profissionais eles tinham muita fama como profissionais da área de ensino. Entretanto, a metodologia empregada era a metodologia mais tradicional, com aulas meramente expositivas e com muito pouca participação dos alunos. E até mesmo com uma certa resistência dos professores em aceitar esta participação. Eles eram professores naquele estilo mais tradicional do antigo catedrático brasileiro, que terminava a aula fechava a sala, punha a chave no bolso e ia pra casa. E só reabria a sala no outro dia quando tivesse que dar outra aula. Os professores eram figuras que se colocavam num pedestal, ficavam acima e distante dos alunos e eram de difícil acesso. Eram raros os professores que permitiam ter um diálogo mais franco e mais aberto com os alunos. Isto provocava um distanciamento e ao mesmo tempo de respeito, porém também de abandono.
Eu queria que o senhor falasse um pouco do ambiente cultural e também o movimento político e estudantil da cidade. Como o senhor caracterizaria este ambiente?
O ambiente de Ouro Preto naqueles idos de 64 em diante você tinha muita pouca opção social na cidade. O estudante normalmente vivia nas repúblicas numa vida mais centrada no interior das repúblicas e num convívio inter e intra repúblicas. E muitas vezes ele se limitava a ter um contato muito pequeno com as pessoas da cidade. Nesse sentido, até a república que eu morei, a Castelo dos Nobres, foi de certa maneira pioneira no contato maior especialmente com a vizinhança nossa, porque a gente começou a fazer uma série de jantares e de convívio com os vizinhos aos domingos. A gente sempre convidava alguns vizinhos para fazer um lanche ou um jantar na república. E com isso nós conseguimos nos aproximar também um pouco da vizinhança. E também algumas vezes alguns vizinhos nos convidava, alguns vizinhos que já tinham televisão, fato raro naquela época, que nos convidavam para assistir televisão em suas casas. E com isso criou-se um convívio maior entre a nossa república e a vizinhança. Mas isso era um fato isolado no contexto geral do convívio. Normalmente, o convívio se limitava a gente estudar durante os dias de semana e nos fins de semana, sábado e domingo, às vezes sexta-feira, ir em algum bar ou alguma coisa nesse sentido e fazer aquelas chamadas curriolas de repúblicas, onde a gente tomava uma cerveja, tomava algumas outras bebidas, as vezes ia para uma hora dançante lá no CAEM, o Centro Acadêmico da Escola de Minas, ou Centro Acadêmico da Escola de Farmácia. E geralmente nós tínhamos uma grande freqüência de estudantes, especialmente na sessão das seis e trinta lá no cinema do Salvador Trópia, que era o único cinema de Ouro Preto. E todo mundo ia pra lá logo depois do jantar no restaurante. A gente descia e assistia a um filme, quando não era reprisado. E depois voltava para a república para estudar. A vida social era mais ou menos essa. Existia assim muito pela questão da limitação de transporte. Uma dificuldade maior de você obter uma informação atualizada em termos de jornais. Os jornais eram geralmente de um dia para o outro. Você recebia jornais do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte geralmente com um dia de atraso. O Centro Acadêmico sempre tinha um jornal a disposição para leitura dos estudantes, mas com um dia de atraso. Era mais ou menos o quadro social que você tinha. E o convívio com o grosso da população ouro-pretana era de certa forma meio traumática.
Os momentos de grande agitação da cidade seriam o 21 de abril e o Festival de Inverno?
Sim, geralmente o dia mais importante do ponto de vista para manifestação política em Ouro Preto sempre foi o 21 de abril, onde a vida política da nação muitas vezes se concentrava em Ouro Preto. Era comum a presença do Presidente da República, do Governador de Minas Gerais, de vários deputados federais, senadores da república, deputados estaduais e diversas outras autoridades, por exemplo, os comandantes, já na época do período militar, os comandantes militares. Enfim, era a data mais solene em Ouro Preto do ponto de vista de momento político. No restante do ano as outras datas eram comemorativas, como o 12 de outubro, a semana santa. E posteriormente quando começou a ocorrer o festival de inverno, em julho. E a cidade adquiriu um colorido diferente em função desta prática de se criar lá o Festival de Inverno que congregava estudantes do Brasil inteiro, não só estudantes, mas pessoas interessadas na arte e na cultura. E você tinha um mês de intensíssima movimentação cultural na cidade, com apresentação de peças de teatro, grupos de danças, apresentações de performances, cursos de pintura, cursos de interpretação de arte. Enfim, cursos de aperfeiçoamento, de aprofundamento e de introdução a diversos elementos da cultura.
E no regime militar como era a mobilização?
É, na realidade toda a mobilização política em Ouro Preto ela tem início na vida de Diretório e Centro Acadêmico da Escola de Minas, e especialmente com na ligação com o DCE da Universidade Federal de Minas Gerais. Desse núcleo de dirigentes de Diretórios Acadêmicos e de Centros Acadêmicos e nas ligações com os movimentos estudantis de Minas Gerais representados aqui na UFMG no DCE foi que começou a se desenvolver mais um palco de organização do movimento estudantil, e posteriormente organização também de movimentos políticos no sentido de trabalhar essas coisas.
E essa organização tinha vários desmembramentos também em Ouro Preto. Fora deste circuito mais organizado de Diretório Acadêmico e de Centro Acadêmico existia também um grupo da cidade que gravitava em torno do Grêmio Literário Tristão de Ataíde, onde as pessoas por se dedicarem a uma atividade cultural intensa ligada a determinado ramo da Igreja, a Ação Popular, muitas pessoas que participavam do Grêmio Literário Tristão de Ataíde participavam da Ação Popular. Então lá também se criou um grupo de resistência política, que vamos dizer assim, que tinham ligações com o movimento estudantil, porque muitas pessoas participavam de uma coisa ou outra. Mas era mais ligada a questão do grêmio em si...
A pergunta seria em relação à organização dos estudantes. Eu queria que falasse que posturas se ligavam lá em quais predominavam?
No princípio não existia assim uma ligação maior enquanto a gente estava fora da Escola. Só mesmo esta ligação com a turma de esquerda de conversas de calçada, de conversa de bar e conversa de botequim. Posteriormente, com a entrada para a universidade a gente começou a atuar na área de Diretório Acadêmico. Eu já no primeiro ano fui representante da minha turma de um curso básico, porque naquela época os cursos eram feitos de uma forma que nós chamávamos de curso básico. O primeiro ano da escola era comum as quatro engenharias: engenharia geológica, engenharia civil, engenharia metalúrgica e engenharia de minas. A partir do segundo ano é que você separava engenharia civil das outras três; as outras três continuavam juntas até o segundo e depois terceiro ano. Então, neste período é que nós começamos a atuar como representante de uma das turmas do primeiro ano. Fomos 127 colegas que entramos neste ano. E formamos três turmas. E eu fui representante da minha turma. Com isso tive uma ligação mais intensa com o Diretório Acadêmico. E a partir daí a nossa militância política começou. Nós entramos inicialmente para o Partido Comunista naquela época. Nós criamos uma base do Partido em Ouro Preto e procuramos contato com outras bases do Partido que podia nos dar assistência. E com isso conseguimos criar um núcleo do partido Comunista em Ouro Preto. E posteriormente com a evolução da questão do governo militar, nós conseguimos também entrar num sistema de participação mais intensa. Houve um congresso do Partido Comunista que deu origem a um racha nacional. O Partido se dividiu em diversas correntes. E nós então começamos a trabalhar em Ouro Preto mais intensamente com uma destas correntes formadas a partir do racha com o Partida Comunista, que foi a Aliança Libertadora Nacional, a ALN, que na época era liderada pelo Marighela.
Este congresso foi em que lugar?
Este congresso foi nacional. Foi o VI Congresso do Partido Comunista brasileiro que deu este racha.
Qual o local?
Eu agora eu não me lembro do local. Este congresso foi dividido em seções e depois o congresso nacional. Nós tivemos reuniões em Ouro Preto e em Belo Horizonte. Depois teve a célula estadual. Depois o congresso estadual, que estabeleceu uma posição que depois foi levada por delegados ao congresso nacional. E este congresso nacional eu agora eu não me lembro se foi em São Paulo ou em Recife. Eu não tenho assim uma lembrança, porque eu não participei do congresso nacional. Mas foi realizado e neste congresso surgiu um racha. E estas posições estavam muito cristalizadas na forma de diversos artigos e trabalhos em uma publicação interna do Partido Comunista que circulava clandestinamente. E com isso nós fomos parar no chamado núcleo da Aliança Libertadora Nacional. Mas, a partir daí surgiram vários outros grupos paralelos, vindo de núcleos de pessoas que atuavam dentro do Partido Comunista. E nesta situação abriu um racha maior.
Então, vocês começaram a ter uma atuação mais nacional. O movimento não ficou na esfera corporativa de Ouro Preto?
Isso, nós nos ligamos a movimentos nacionais. A ligação era com esses movimentos nacionais. E com isso aí a atuação passou a ter um novo rumo. Houve um comprometimento maior com outros elementos. Por exemplo, participação em movimentos que visavam já trabalhos de derrubar a ditadura militar pela via armada, com alguns colegas nossos deixando escola e tudo mais e ir participar mais ativamente. E outros ficando numa situação de tratar de viabilizar apoios financeiros e ampliar a área de atuação da organização. E com isso houve também uma setorização dos trabalhos e tudo mais da nossa área política.
E havia muitas pessoas de Ouro Preto?
Tinha diversas pessoas de Ouro Preto que se nuclearam em torno desta posição da Aliança Libertadora Nacional, tanto pessoas que antes participavam da AP como pessoas que participavam do Partido Comunista. Houve na realidade uma grande reestruturação. As bases foram totalmente modificadas na sua forma de agrupamentos e passaram a trabalhar mais com blocos, né?
Agora, lá de Ouro Preto o Causim, o Goulart e o Hélcio faziam parte do grupo?
Faziam parte do grupo e eram colegas que participavam como estudantes secundaristas. E já participavam conosco que éramos da universidade, o que era uma coisa complicada pra gente, porque a gente tinha determinado grau de responsabilidades com eles porque eram estudantes secundaristas. E o universitário estava num contexto bem diferente.
Então vocês montaram um grupo da ALN? E este grupo não era chamado Corrente?
Não, não. Não chamava Corrente. Chamava núcleo. Então o núcleo de Ouro Preto. Um núcleo que tinha militantes de várias áreas. Mas que era o núcleo de Ouro Preto. E era um núcleo que tinha, vamos dizer assim, militantes de várias áreas. Mas 90% da nossa militância era de estudantes universitários e secundaristas. E muitos poucos operários. Essa era uma deficiência que a gente tinha em Ouro Preto e que a gente só com muito custo conseguiu sanar, adquirindo uns poucos operários. Mas, tinha uma militância muito mais dificultada até pela própria maneira de viver, e também pelo distanciamento, porque eram pessoas mais ligadas ao Saramenha e viviam naquele povoado que na época era distante de Ouro Preto. E a gente tinha que se deslocar e tudo, mas o contato era mais difícil. Mas tínhamos alguns poucos militantes operários propriamente dito.
Qual o projeto de vocês? O que queriam?
A idéia da época era muito do chamado foco revolucionário. Aquelas idéias transmitidas pelo filósofo francês Régis Debray, que tinha na teorização da revolução cubana como ponto de criar o foco, a movimentação de Fidel em Sierra Maestra, e a partir dali irradiar paras as cidades e para todo o país uma movimentação que fosse envolvendo em círculos de expansão maiores contingentes da população. A idéia era começar mesmo com uns poucos para ir paulatinamente abrindo caminhos até chegar a uma situação que permitisse uma confrontação mais direta com o poder instalado. E com isso provocar uma mudança com o embate revolucionário. Com o embate de choque mesmo. Mas, era um misto de uma revolução cubana, mas com ingredientes que Mão Tse-Tung também fez na China com a revolução camponesa partindo do campo para a cidade. E uma série de outras coisas.
Vocês tinham um financiamento?
Não, nenhum financiamento. Esta história de financiamento externo é balela. Era a maior dificuldade. E a gente tinha que fazer tudo com recursos próprios ou recursos que você conseguia de simpatizantes. Mas geralmente muito escasso, muito escasso mesmo. Algumas pessoas se dispunham a ajudar, mas nós nunca extrapolamos nessa questão de mobilização de recursos na nossa esfera de Ouro Preto. E, aliás, até arcávamos com uma despesa de uma pessoa que fosse a Ouro Preto participar de uma reunião. Às vezes se deslocava do Rio de Janeiro, ou de Belo Horizonte pra lá e nós tínhamos sempre uma forma de dar pousada e alimentação e as vezes ajudar no custo da passagem. Mas nunca recebemos nenhum tipo de financiamento ou alguma coisa deste gênero.
Por exemplo, teve pessoas de Ouro Preto que partiram para a expropriação em bancos, comércios?
Isto foi numa outra fase posterior. E esta arrecadação de recursos então essa geralmente não aparecia nestes grupos mais distantes porque você não tinha nem como movimentar estes recursos para auxiliar. Você não podia fazer as mesmas transferências bancárias que são feitas hoje, você não podia ficar levando dinheiro até pela dificuldade e você não tinha estes contatos assim tão facilitados. Depois o que eles arrecadavam com essa movimentação era muito mais importante no âmbito do apoio a eles que estavam na clandestinidade e tudo. Você não tinha nem como pensar em usar este tipo de financiamento. Lá eu pelo menos que fui do núcleo de Ouro Preto desconheço qualquer entrada de dinheiro externo que pudesse auxiliar o pessoal de Ouro Preto. Tinha assim contribuição nossa as vezes que o pessoal aqui de Belo Horizonte, do DCE algum dinheiro pouco, e mesmo assim muito escasso, dentro dos limites de uma arrecadação de recursos no meio estudantil. Nunca passava disso.
Por exemplo, o César ajudou numa ação aqui (em Belo Horizonte). Ele declarou isto em entrevista à Revista Playboy. Mas na retaguarda, não como participante direto.
Vários colegas de Ouro Preto participaram de ações diretas de arrecadação por via do chamado assalto usando da tomada de dinheiro pela força.
Mas justificando que estaria retirando dinheiro de bancos capitalistas.
Sim, mas nós não tínhamos acesso a este dinheiro. Este dinheiro era arrecadado aqui (em Belo Horizonte) e aqui ficava. Não retornava a Ouro Preto para financiar nada.
Tinha uma ligação forte de Belo Horizonte com Ouro Preto?
A ligação de Ouro Preto com Belo Horizonte era estrutural. Ela não passava pela questão dos mecanismos financeiros de financiamento. Isto aí não existia.
Mudando de assunto, porque nem tudo pode ser revelado, talvez. Dentro da EM era um grupo estudantil que era recomendado a não ter um movimento fora do ME. Então dentro da Escola não havia uma sondagem sobre a atuação dos estudantes?
Na escola naquela época estava cheia de agentes da repressão ao movimento estudantil e ao movimento político. Basta dizer que um Tenente da Polícia, que durante muito tempo também foi delegado de polícia em Ouro Preto era nosso colega. Ele foi estudante de engenharia civil e se formou em engenharia civil. E hoje é engenheiro, e segundo informações mais recentes, depois deste episódio ele deixou a Polícia Militar e passou a atuar no campo da engenharia. Mas além dele existia outros, que era até mais perigosos porque você não detectava que ele era um agente da polícia já que atuavam infiltrados e disfarçados. E muitos outros eram também conhecidos, principalmente aqueles que tiveram uma atuação aberta na época do movimento de 1964, o movimento militar, e chegaram inclusive a invadir diversas repúblicas na busca de colegas e apontando os colegas para a polícia, que naquela época tinha um nível de informação muito deficiente, muito precário.
E eles chegaram a apontar para os policiais quais os colegas que deveriam ser presos ou não. Eles ficaram durante muitos anos e até hoje são conhecidos como dedo-duros. São pessoas que estão dentro da área dos ex-alunos marginalizados. Exatamente por causa desta atitude deles de tomar uma posição tão agressiva em relação a colegas. Foram talvez os precursores dos acirramentos de ânimos de um lado e outro para desembocar num movimento mais drástico que foi a participação em movimento armado.
Esta participação política trouxe prejuízos para vocês?
Prejuízos nós todos tivemos. Por exemplo, eu fui desligado da Escola de Minas de Ouro Preto. Eu fui desligado da Escola no mês de novembro. Naquela época era um sistema que já estava vigorando que era o sistema de aprovação por semestre, e você era obrigado a fazer todas as provas, independente. Você não podia ter nota abaixo de três em nenhuma prova. E aí, Otávio, um primeiro ponto: ao ser impedido de fazer as provas no dia 19 ou 17 de novembro, eu perdi todas as médias do mês de novembro e conseqüentemente fui reprovado naquele semestre. Esta reprovação no semestre me provocou então a perda dos seis meses anteriores à suspensão. E depois disso a portaria só foi publicada em março de 1970. Conclusão: em 69 eu perdi um semestre, em março de 70 eu fui suspenso por três anos. Até mesmo a forma de agir da direção da universidade foi extremamente maldosa e capciosa. Porque ela me suspendeu em novembro e deixou para editar a portaria em março. Ou seja, neste caso ela me prejudicaria como me prejudicou por mais um semestre ainda no ano de 1973, porque me impediu naquele semestre já que eu não poderia me matricular para o primeiro semestre de 1973. Então na realidade fui uma suspensão de três anos que corresponderam a quatro anos da minha vida como elemento de perda e de afastamento com a Escola de Minas de Ouro Preto. Porque eu não pude mais atuar e seguir nesta área.
Por motivos de segurança vocês resolveram não permanecer no país?
É. Então neste período também a gente não podia participar de nada de vida estudantil aqui, porque eu estava suspenso de qualquer atividade estudantil neste período. Então fui obrigado a sair do país e fui morar no Chile, onde morei de 1969 até setembro de 1973. E voltei ao Brasil no dia 25 de setembro de 1973. Então, eu fiquei no Chile num período correspondente a quatro anos de vida. Lá eu consegui fazer estudos na área de geologia e tudo, mas de toda maneira quando eu voltei ao Brasil isto ainda me significou um prejuízo imenso, porque como eu tinha um grau de formação no exterior sem reconhecimento no Brasil, eu tive que voltar a Escola para fazer este reconhecimento. Então, eu gastei mais dois anos na Escola de Minas de Ouro Preto para tornar a colocar o meu currículo em dia e poder exercer a profissão sem nenhuma restrição: estar registrado nos conselhos, como o conselho federal da ordem, o chamado CREA, Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. E com isso é que eu pude me considerar formado só em 1978.
Voltando um pouco mais na questão do CAEM, que era o lado social dos estudantes e não representava nada em termos políticos e houve uma tentativa por parte de vocês deste modelo?
O Centro Acadêmico tinha uma tradição maior na promoção de eventos na área social, ou seja, o estudante tinha o Centro Acadêmico como local de lazer, já que Ouro Preto, conforme nós já dissemos, tinha uma grande carência na área de lazer. Ouro Preto naquela época era muito pobre em atividades culturais, em atividades de lazer, como, por exemplo, locais onde você pudesse integrar um grupo para dançar ou encontrar um local para o estudante poder participar de um espaço de vida social sem ser onerado, porque naquela época todos nós em Ouro Preto tínhamos uma dificuldade muito grande para ter outras fontes de rendas que não fosse aquela estritamente de origem familiar. Era muito difícil você ter um emprego em Ouro Preto. O único emprego disponível e que era viável era ser professor de cursos secundários. Mas como a procura também por parte dos estudantes por estas vagas era muito intensa. Elas também eram difíceis de ser conseguidas dentro da massa de alunos da Escola. Então, você tinha um estudante muito limitado no seu poder aquisitivo. A grande válvula de escape de participação social para uma vida mais social era o Centro Acadêmico. O Centro Acadêmico sempre foi tomado e mais voltado para essas atividades culturais e recreativas. E com isso o Diretório cuidava mais da parte política. O Centro acadêmico cuidava mais da parte social. Mas a partir de uma determinada época nós procuramos estes grupos de ação para politizar um pouco a atuação do Centro Acadêmico, somando esforços com o Diretório Acadêmico. Nós conseguimos unificar numa mesma corrente política a direção do Centro Acadêmico e do Diretório Acadêmico. A direita, que tradicionalmente dominava o Centro Acadêmico, foi substituída pelo pessoal que atuava na esquerda. E com isso o Centro Acadêmico passou a ter uma atuação mais próxima do Diretório Acadêmico. E isto de certa maneira era importante também do ponto de vista econômico e financeiro, pois como nós já dissemos, a questão de financiamento externo isto nunca existiu. Então, uma das formas que a gente tinha de juntar recursos para poder trabalhar mais intensamente, especialmente na área de divulgação de idéias, quer dizer, era utilizar os jornais e impressos do Centro Acadêmico e do Diretório Acadêmico para divulgar as linhas de ação e de pensamento destas correntes de esquerda. Então, quando a gente estava na Diretória do Centro Acadêmico e na diretória do Diretório Acadêmico você tinha mais facilidades para editar, pra produzir e pra distribuir uma mensagem para o conjunto de estudantes de Ouro Preto, seja secundarista, seja da Escola Técnica. Seja no sentido de realizar panfletagens na cidade alusivas a estas datas importantes ou geralmente ligada à movimentação a estas datas importantes quando você tinha uma quantidade de gente maior nas repúblicas participando. Então, a gente sempre usava para fazer as panfletagens, a divulgação de idéias e tudo mais. Isto era importante para a gente. De certa maneira você tinha um respaldo financeiro, porque você dispunha de mimeógrafos e de facilidades para você imprimir as coisas. Facilidade entre aspas como é nos dias atuais, porque era na base do mimeógrafo a álcool, a tinta. Mas tinha que trabalhar nisto aí.
Tinha um grupo de estudos de questões brasileiras?
Tinha sempre tinha grupos de estudos. Isto era uma obrigação e parte da vida do núcleo.
E os livros e os trabalhos?
Os livros eram adquiridos pela gente. Quando a gente podia comprava livros, trocava ou pedia emprestado para colegas. Aí você tinha um intercâmbio maior com Belo Horizonte e Rio de Janeiro. Muitas das vezes os colegas tinham algumas coisas no Rio de Janeiro e podia emprestar. E a gente fazia um empréstimo. Também não era muito fácil você fazer naquela época uma cópia xerox. As coisas não eram tão simples. Não existia esta facilidade de você copiar as coisas. Naquela época você falava muito em fotocópia, que era um processo complicado e lento. E a gente tinha acesso a esta bibliografia e tudo por empréstimo e por intercâmbio. A gente emprestava os que a gente tinha e recebia em troca outras publicações por meio do empréstimo.
Das instâncias superiores vinham mensagens, como as do Marighela?
Não. Marighela usava desses meios normais nossos de comunicação. Por exemplo, você tinha um jornalzinho que circulava pelas bases, impressos mimeografados com escritos dele. Você tinha publicações antigas. Você tinha uma quantidade imensa de artigos que ele publicou nestes debates que tiveram no VI Congresso do Partido Comunista, que deu origem a este racha que eu te falei anteriormente. Então, era essa a coisa que a gente tinha. Até que na clandestinidade depois a produção de todo mundo cai um pouco, porque você não tem tanta facilidade de estar escrevendo. E também não tem tanta facilidade para se reunir e discutir. Ele então diminuiu um pouco a produção dele. Outros líderes importantes da ALN, como Mário Alves escreveu muito. E os escritos deles não fez como o Fernando Henrique. Continuou valendo.
Qual era o idealismo e a utopia?
Era aquilo próprio da juventude: aquele impulso da juventude de você querer participar intensamente e de achar que com algumas poucas ações você vai resolver o problema do mundo. Aquele voluntarismo intenso. E você trocar a teoria pela prática, querer fazer tudo no mesmo dia e levar adiante. Ter pouca paciência para esperar as coisas se cristalizarem e amadurecer. Isto era comum com todos nós que éramos jovens naquela época e que queria fazer tudo num dia só. Foi uma época interessante. Foi uma época que você mesmo disse: ela trouxe prejuízos, mas também do ponto de vista do amadurecimento e da cristalização de uma consciência trouxe muita informação e muita vivência para todos nós. Perdemos, mas também ganhamos.
O Brasil era uma grande promessa?
Como sempre continua sendo. Infelizmente, nós estamos ficando na promessa. Nós somos uma grande promessa em tudo. Temos recursos naturais, temos condição de montar e estruturar um ambiente educacional e cultural muito interessante, mas nós muitas vezes abandonamos nossas linhas culturais para seguir outras tendências mundiais. Nós, ao invés de voltar nossa economia para colocá-la com base no mercado interno nós temos como esperança apenas o mercado externo. Enfim, nós continuamos na base de ser o país da esperança. E há muito tempo nós estamos nesta expectativa esperança, esperança, esperança.
E agora ela não veio com a posse do Lula?
Mas é um outro contexto. É uma outra situação em que você não tem mais uma bipolaridade de poder no mundo. Hoje se tem uma única fonte de poder, e tem uma dificuldade maior para ter uma política independente. Você não tem para quem recorrer para ter uma política independente. Você vai estar atrelado necessariamente ao sistema político implantado pelos EUA por meio da ONU. Quer dizer, hoje o núcleo de poder está cristalizado numa só região. Então as possibilidades de você trabalhar do ponto de vista de mudanças políticas de criar uma opção ou uma realidade nova é muito complexa e muito difícil.
Parece-me que o grupo de esquerda fechou basicamente na ALN?
A ALN era uma opção. Você tinha além da ALN a Ação Popular, que passou a ter uma atuação mais radical. E foi até muito perseguida pelos órgãos de repressão por causa desta mudança. E também POLOP e uma série de outros movimentos que surgiram. Eram tantos os movimentos e as correntes que é difícil da gente lembrar. Um turbilhão de siglas.
* Parte do depoimento integral prestado ao historiador Otávio Luiz Machado. E-Mail de contato: otaviomachado3@yahoo.com.br
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