terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE OCTAVIO ELÍZIO ALVES DE BRITO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
PROJETO INTEGRADO: RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPÚBLICAS ESTUDANTIS DA UFOP
DEPOIMENTO DE OCTAVIO ELÍZIO ALVES DE BRITO
A
OTÁVIO LUIZ MACHADO
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: OCTAVIO ELIZIO ALVES DE BRITO
LOCAL: BELO HORIZONTE-MG
DATA: 06/01/2003


FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Octavio Elizio Alves de Brito
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Belo Horizonte-MG
Data: 06 de janeiro de 2003
Duração: 1 h 30 m
Fitas cassete: 2 (duas)
Páginas: 20
Proibida a publicação no todo ou em parte.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
ALVES DE BRITO, Octavio Elizio. Depoimento de Octavio Elizio Alves de Brito a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto, Projeto Reconstrução Histórica das Repúblicas Estudantis da UFOP, 2003.





OTÁVIO: hoje são 06 de Janeiro de 2003. E estou aqui em Belo Horizonte com o senhor Octavio Elizio. Primeiramente, gostaria de pegar os seus dados pessoais, como nome completo, profissão, idade, cargos que ocupou enquanto estudante, caso tenha ocupado, sua atividade atual, cidade natal, sua profissão e a atuação profissional dos seus pais (passei uma folha para que pudesse responder a todos estes itens).

OCTAVIO ELIZIO: Bom, meu nome é Octavio Elizio Alves de Brito. Eu sou engenheiro de minas e metalurgista, fui das últimas turmas do curso geral da Escola1 (de Minas), formando no 5o ano. Depois fiz curso de engenharia econômica na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Minas Gerais. Eu tenho 62 anos. Enquanto estudante, não tive nenhum cargo no Diretório. Participei de uma diretoria do Centro Acadêmico. Atualmente sou Professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Instituto de Geociências. Dou aula de Economia e Legislação Minerais. Nasci em Belo Horizonte, mas me considero ouro-pretano, porque a minha mãe só veio a Belo Horizonte para ter o parto. Todos os meus familiares – meus irmãos, meu pai, minha mãe, meus tios e primos – são ouro-pretanos. Eu me considero ouro-pretano. Acabei de terminar um período em que eu trabalhei no Ministério da Cultura, na área de Patrimônio Cultural e Museus2.

OTÁVIO: a gente começou a nossa conversa (informal) a respeito do estopim do movimento estudantil, e a relação com a ideologia. Eu gostaria que falasse mais nesse ponto. E você citou o Governo JK como um pólo importante na conscientização ou num debate sobre as questões do Brasil.

OCTAVIO ELIZIO: estamos falando de uma época de muitas mudanças no nível nacional, e que teve seus desdobramentos em Ouro Preto. É muito importante nós nos situarmos no tempo. Estamos falando do final da década de 50 e início da década de 60. No final da década de 50, tivemos o Governo Juscelino Kubitschek. O Governo Juscelino construiu uma experiência, na segunda metade do século, essencialmente democrática. Depois da Revolução de 30 e o Governo Getúlio, tivemos um processo de democratização e a Constituinte de 1946. Tivemos depois o golpe de 64, e nesse período, até o golpe de 64, merece destaque a democracia que vivemos no Governo Juscelino. Juscelino teve a competência de devolver ao Brasil a sua auto-estima. Desenvolvimento, com oportunidade de emprego, pela realização do Plano de Metas. Democracia, tolerância, confiança no futuro O país passou a acreditar nele mesmo. A população passou a entender o seguinte: “estou vivendo num país viável”. E isso, evidentemente, significou para os estudantes uma mudança, também. Aquela submissão, aquela incapacidade que o estudante se via de mudar as coisas, e cujo papel era simplesmente estudar, aquilo mudou. Eu acho que Juscelino teve a capacidade de mostrar a todos nós o seguinte: “olha, este país é um país viável e que vai ser construído por nós todos”. Nesta época começou a mudar o movimento estudantil. Não ser alienado era participar da vida política do país. A UNE mudou nesse final da década de 50. A UNE se tornou um movimento efetivo na época. Juscelino – quando o Eisenower veio ao Brasil – negociou com a UNE para que o Eisenower pudesse passar em frente a UNE, ali na Praia do Flamengo, que era um ponto de estrangulamento ao qual certamente o Presidente Eisenower teria que passar. Então, essa mudança no nível nacional refletiu efetivamente em Ouro Preto. No final da década de 50 nós estamos falando de uma Ouro Preto isolada e de uma Ouro Preto de poucos alunos. As primeiras turmas dos cursos especializados da Escola de Minas começaram a se formar em 61. Então, foi em 1957 que começaram – 56, 57 – as primeiras turmas especializadas. Até então era o quê? Era o curso geral. A minha turma do curso geral tinha 25 alunos. Então, era uma cidade pequena e fechada, e onde ser aluno da Escola de Minas em Ouro Preto significava ser elite da cidade. Foi dentro deste contexto que nós tivemos uma mudança. Uma mudança que aconteceu no nível nacional e que teve desdobramentos no nível local. Pensar Ouro Preto: eu nunca tive uma vida de “república”. Eu morei lá toda a minha vida até me formar, mas tive uma convivência com as “repúblicas” muito forte. Eu participei do movimento de Ação Católica. Eu acho que um dos instrumentos fortes que levaram a mudança do movimento estudantil no Brasil, e também em Ouro Preto, foi a Ação Católica. O que que era a Ação Católica? A Ação Católica era um movimento de leigos que entendiam que a Ação Católica deveria significar um compromisso social. O compromisso com as encíclicas da Igreja Católica levavam a um engajamento do leigo numa ação social. Isto significa em outras palavras, que ser cristão não era ir a missa aos domingos e comungar de vez em quando. Era se engajar politicamente e socialmente por uma sociedade mais justa. Isso foi um movimento que começou a acontecer na Ação Católica no nível nacional no final da década de 50. Em 1960, houve um grande encontro no Rio de Janeiro de Ação Católica, que produziu um documento que se denominou “Um ideal histórico”. Esse “Ideal Histórico” foi um documento-base que provocou no Brasil inteiro uma mudança no movimento leigo. Eu estou falando do movimento leigo universitário, que era a JUC. A Ação Católica tinha um movimento estudantil secundarista, universitário, independente, operário, a JOC e a JUC. Então, em Ouro Preto nós começamos a organizar um movimento de Ação Católica JUC. Nós éramos uma turma pequena, que foi crescendo aos poucos, e que começamos a nos engajar politicamente. Isto levou a uma mudança importante no movimento estudantil, porque o fato de você ter engajado no movimento estudantil pessoas que estavam na Igreja, que eram identificados com a Igreja, e que portanto, não poderiam ser taxadas de comunistas, isto significava uma mudança de uma relação do movimento com a sociedade de Ouro Preto. Isto foi importante. Eu não tenho dúvidas em te dizer que o engajamento da Ação Católica no movimento estudantil foi absolutamente estratégico, foi absolutamente fundamental. O Presidente do Diretório Acadêmico – responsável por esta mudança – foi o Marcelo (Guimarães), que era um militante de Ação Católica. Era uma pessoa que era vista todo domingo na missa do Padre Mendes, na Igreja do Carmo, que estava com freqüência participando dos encontros de Ação Católica em Ouro Preto, em Mariana, e vindo a Belo Horizonte. Então, isto tudo gerou realmente um tipo de mudança. Então, quando a gente chegava numa reunião de assembléia do Diretório Acadêmico e falávamos do engajamento nosso no movimento de mudança da Escola na época, isto não poderia ser chamado de um movimento de comunista. Eu acho que isso foi muito importante para dar uma conotação que levou à cidade, e era importante isso, porque nós éramos da cidade. Uma assembléia era feita numa sala – naquela época o Diretório era lá embaixo onde é o Fórum hoje – de cima ali que batia 150 alunos. Ali é que se fazia a assembléia. E fazer uma assembléia para que se votasse uma greve era um fato absolutamente inusitado em Ouro Preto. Não se imaginava nunca a Escola de Minas voltada para um compromisso deste. E se você olhar este documento aqui (mostra um documento que o entrevistador levou sobre as reivindicações mínimas dos estudantes na greve do 1/3 de 1962)percebe que são absolutamente sintonizadas com teses de nível nacional, né? Você vê coisa do tipo: “o professor acha que esta é uma das oportunidades fundamentais para a formação dos alunos, sendo portanto favorável a participação de um número de 50%”. Nós fizemos uma greve, como você vê por esta fotografia, que era pelas mudanças na Escola: a gente queria melhoria nas condições de atendimento dos alunos, de “repúblicas”, melhoria nas condições dos professores, e quando a gente estava neste movimento em maio... Isto aqui foi em que?


OTÁVIO: junho de 1962

OCTAVIO ELIZIO: isto aqui foi no final de maio de 1962, está vendo? Logo em seguida veio a greve do 1/3. O que que era a Greve do 1/3? Era a greve reivindicando a participação dos estudantes nos órgãos colegiados. Naquela época era a Congregação. Então, era ter 1/3 da Congregação formada por alunos. Isto era um negócio absolutamente inaceitável na Escola. Esse foi um movimento nacional, tanto é que se teve um movimento que foi de maio a setembro. Eu que ia me formar em 62, acabei me formando em março de 63, porque o ano foi esticado até o início. E as provas foram feitas em janeiro. E as provas de quem não passou, a segunda época foi feita em fevereiro.

OTÁVIO: então, esta greve começou bem antes que a da UNE?

OCTAVIO ELIZIO: antes da UNE. A Greve do 1/3 da UNE pegou a nossa greve já iniciada. Havia uma mobilização. Então, o que a greve da UNE fez foi reforçar a nossa greve. Sob certos aspectos, foi um negócio complicado, porque manter uma greve de 04 meses foi muito duro, né? Foi muito ruim. De modo que houve um movimento... você manter o pessoal mobilizado durante este período todo foi um negócio realmente difícil.

OTÁVIO: agora, esta mobilização, por exemplo, dos problemas da Escola, teve um fundo nacional suscitado por aquele debate do Álvaro Vieira Pinto sobre a Universidade e os seus problemas?

OCTAVIO ELIZIO: o Álvaro Vieira Pinto era nesta época uma figura de proa, porque funcionava no Rio (de Janeiro) um órgão que se chamava ISEB, do qual o Álvaro Vieira Pinto era um dos expoentes. Uma outra pessoa da época é o Hélio Jaguaribe, que está aí até hoje.

OTÁVIO: eu estive com ele e com o Roland Corbisier.

OCTAVIO ELIZIO: é, você esteve com os dois. Funcionava o ISEB naquela época no bairro de Botafogo, onde hoje funciona o Museu do Índio. Eu fui lá uma vez, e lá eles produziam uma série de livros. E o importante era isso: era que nós estávamos sintonizados com estas pessoas, com este pessoal, que na época produzia um tipo de visão desenvolvimentista...

OTÁVIO: de tentar superar o subdesenvolvimento....

OCTAVIO ELIZIO: de tentar superar o subdesenvolvimento. Isto foi toda uma tese...

OTÁVIO:...nacionalista....

OCTAVIO ELIZIO: nacionalista, que se consolidou muito no ISEB. E o Álvaro Vieira Pinto foi um dos expoentes disto.

OTÁVIO: então, vocês começaram primeiramente (a greve) em Ouro Preto, mas já tinha uma influência por esta ideologia....

OCTAVIO ELIZIO:...por uma ideologia que eu acho que se formou a partir do governo JK, se consolidou no ISEB, e que criou este espírito seguinte: é acreditar no país, e mais do que acreditar no país, acreditar que nós podemos mudar este país. Entende? O Governo Juscelino foi o primeiro momento em que nós acreditamos no seguinte: este país é subdesenvolvido, mas ele é viável. E prá ser viável depende de nós. Vamos falar: como Juscelino criou um espírito democrático; ele foi um indivíduo que anistiou quem foi contra ele, que teve a capacidade de construir a democracia do diálogo. Eu acho que tudo isto contribuiu para que a gente tivesse um momento fértil para que ideologicamente o movimento estudantil entendesse; primeiro: que é possível mudar a Escola; é possível mudar a nossa educação, e mais do que isso, por essa mudança nós vamos construir um país novo. Isto gerou uma certa responsabilidade. O estudante se sentia responsável pela construção deste país novo. Eu acho que a grande força ideológica desta época era você acreditar que era possível você mudar a Escola, e que mudando a Escola você estava mudando o país. Eu acho que essa confiança, esta autoconfiança que se criou era própria deste momento do final da década de 50.

OTÁVIO: por exemplo, acabou e suspendeu a greve da UNE, mas continuou a greve da Escola de Minas?

OCTAVIO ELIZIO: mas logo depois mudou, suspendemos, também. Eu não lembro exatamente quanto tempo se ficou naquela época. Você já pegou estes dados?

OTÁVIO: já tenho alguns dados neste sentido, que eu não me lembro agora. Sei apenas que ainda não são tão ingênuos como deveriam ser.

OCTAVIO ELIZIO: eu não lembro quando foi. Eu sei que nós começamos antes. A greve da UNE entrou, negociou-se o que seria o 1/3. E logo em seguida nós voltamos e conseguimos e conquistamos uma representação na Congregação, negociou-se o término do ano letivo até fevereiro do ano seguinte e depois entrou no período normal. Mas eu acho que isto aí foi uma mudança, foi uma mudança em Ouro Preto. Eu acho que você ter em Ouro Preto um movimento estudantil preocupado com o trabalhador de Passagem de Mariana, que estava sendo desempregado e que sofria problemas no nível da higiene do trabalho, você ter um estudante de Ouro Preto engajado num movimento de greve para a mudança da Escola, e engajado num movimento de nível nacional, isto era absolutamente novidade em Ouro Preto. Eu acho que a credibilidade que isto trouxe ao movimento – numa aceitação na cidade – foi muito no fato de que este movimento não podia ser chamado de movimento de comunista. Era um movimento que tinha a liderança de pessoas que se identificavam com a Igreja, com o movimento da Igreja, com as transformações que a Igreja estava sofrendo naquela época. A Igreja Católica estava se transformando, entende? Ser leigo a partir deste período era um processo de engajamento. Então, eu vejo uma mudança forte no país. E vejo uma mudança no movimento de Ação Católica e no engajamento da Igreja no processo de transformação da sociedade com o entendimento de que o leigo tinha que ter uma participação ativa de construção de uma sociedade mais justa, o que levava a que o movimento de Ação Católica dentro da Universidade fosse um movimento engajado na mudança, não apenas em mudar a Escola, mas fazer com que esta escola fosse comprometida com a mudança da sociedade.

OTÁVIO: tinha um entendimento por parte da população de que a Escola poderia acabar, fechar ou transferir para outro lugar? E isto gerar um caos na cidade?

OCTAVIO ELIZIO: não, eu acho que não, sabe? Isto poderia talvez ser uma preocupação isolada de algumas pessoas, mesmo porque aqueles que reagiam contra o movimento procuravam criar este tipo de pensamento: “este movimento vai acabar com a Escola”. A Escola é aquela – que tem que entender – que durante todo o seu período foi uma escola engajada. E se você for pegar a história da Escola ela teve greve. A Escola teve um engajamento docente muito maior do que teve naquela época que nós estávamos conversando. Tanto docente, e num período teve engajamento discente, também. Eu acho que depois ela passou por um processo de esfriamento. Eu acho que o final de 40 para 50 foi um período que a Escola viveu uma depressão institucional grande. A criação dos novos cursos levou a um ressurgimento, que é o período no qual nós estamos falando. Então, a Escola passou... Por que isto mudou? Porque o número de alunos mudou, a visão da Escola mudou – saiu daquela visão do curso geral e daquela rigidez de cem anos quase de vida escolar – e passou realmente por um processo de transformação.

OTÁVIO: JK realmente incentivou a Escola de Minas? O Getúlio deu algumas contribuições através de alguns parlamentares, como o Israel Pinheiro.

OCTAVIO ELIZIO: na época do Getúlio, a Escola tinha uma respeitabilidade institucional muito forte. Tanto é que tem uma sessão da Congregação que protestou junto ao Getúlio, porque o Código de Mineração – o primeiro Código – foi editado em 1934 e a Escola não foi consultada. O Conselho Nacional de Petróleo surgiu, e a Escola não foi consultada. Então, a Escola tinha a consciência da sua importância na engenharia mineral e procurava garantir esta importância. Então, no período do Getúlio isto aí foi um período realmente efetivo disto. Depois eu acho que passou por uma depressão. Tem um livro do José Murilo (de Carvalho) que conta bem esta história. E depois eu acho que na década de 50, neste período que nós estamos falando, e que quando eu tive o privilégio de freqüentar a Escola, este foi um período em que a Escola começou a levantar: aumentou o número de alunos, Ouro Preto ficou mais ligada a Belo Horizonte e isto fazia com que Ouro Preto não fosse mais um espaço isolado como foi durante muito tempo, né? Mas foi um período em que a cidade começou a se ligar a Belo Horizonte...

OTÁVIO:... e já tinha a estrada pavimentada desde 1951 ou 1952?

OCTAVIO ELIZIO: é. Foi no Governo Juscelino como Governador. A estrada deve ter sido inaugurada em 1953, talvez, ou em torno disto. Mas mesmo assim era um negócio mais difícil, porque o pessoal não estava muito acostumado. Antes demorava 06 horas. Quando eu era menino, eu demorava de trem 06 horas para vir de Ouro Preto a Belo Horizonte. Então, era isolado. Naquela época você ouvia Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Nós estamos falando de uma Ouro Preto isolada, que é muito diferente do que você tem hoje, que você vai em uma hora e meia ou uma hora e vinte de carro, você tem televisão, você tem rádio, tem gente que vem aqui e mora lá, e vice-versa. Então, eu acho que essa quebra do isolamento da cidade e o aumento do número de alunos em Ouro Preto fez com que as coisas efetivamente passassem por uma transformação.

OTÁVIO: e aquela tese do José Murilo (de Carvalho) de decadência ou perda do antigo vigor? Ele coloca que o período inicial desta decadência seria a partir dos anos 40, embora muitos ex-alunos não concordam e acham que a criação da Universidade (Federal de Ouro Preto) é que trouxe a decadência à Escola de Minas, enquanto muitos nem concordam com a tese.

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que Ouro Preto teve esta decadência entre meados da década de 40 – terminando Getúlio por ali –, e esse período foi um período em que a Escola entrou em decadência e ressurgiu na segunda metade da década de 50 com a criação dos novos cursos, com uma ampliação da Escola, entende? Eu acho que foi esse um período. Depois se criou a Universidade. O que houve com a criação da Universidade é que a Escola de Minas deixou de ser hegemônica, e foi difícil perder essa hegemonia. Entender a Escola de Minas como parte de um corpo e não como exclusividade dentro do corpo como ela sempre viveu isolada da Escola de Farmácia, ou seja, cada uma era cada uma, né? Eu acho que isso certamente faz sentido, mas eu
não concordo que a criação da Universidade é que tenha sido a responsável pela decadência da Escola. A Escola já tinha passado por algumas experiências de decadência muito mais fortes.

OTÁVIO: eu já tive lá no Rio no arquivo do Getúlio e vi um telegrama de dois professores pedindo para que o Getúlio vinculasse a Escola de Minas ao Ministério das Minas e Energia ressaltando “para que a Escola readquira o seu antigo brilho e prestígio”. Então, é uma demonstração de que ela buscava um apoio neste sentido de sair da decadência ou de readquirir o vigor perdido.

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que a Escola de Minas neste período buscava sempre uma responsabilidade para fora do que para dentro dela. Agora sempre tinha: “não foi a Universidade que foi criada”. “É o fato de nós pertencermos à Universidade no Rio de Janeiro”. Depois a Universidade do Brasil. Eu acho que era sempre uma desculpa para que ela enfrentasse os problemas que eram internos dela: era professor, a relação professor-aluno, a falta de pesquisa, entende? É todo um processo que todo o ensino superior estava passando. Era uma transformação muito mais ampla e muito mais forte que todo o ensino superior estava passando, e ela não se dispunha a enfrentar.

OTÁVIO: no tempo em que você começou a estudar, então, quais os pontos fortes e fracos que você destaca, ou seja, o que ela tinha de extremamente positivo e o que ela tinha de extremamente negativo ou fraco?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que é difícil colocar. Eu fiz um curso de pouca especialização – , o curso geral, e me formei em engenharia de Minas e Metalurgia. O que eu achava de forte: eu achava muito importante o ensino de matemática. E via a matemática, especialmente descritiva e analítica, como fundamentais, e eu sinto que foram importantes para mim para dar uma visão espacial importante. Eu acho que não é possível você fazer um curso bom de lavra de mina se você não tiver um bom curso de descritiva. Eu acho que é impossível você fazer um bom curso de lavra, tanto subterrânea, quanto de lavra de superfície sem noção espacial. Eu acho que a matemática me deu essa visão. Um outro ponto que eu acho importante: eu tive um curso bom de metalurgia e de lavra, e eu tive um curso muito forte de química e de física, que eram os dois terrores da Escola, que eram teoricamente bons. O que que eu achava fraco: que a Escola não tinha pesquisa. Nós tínhamos pouco contato com laboratório. E em nenhum momento este contato com laboratório estava engajado ou estava articulado como um esforço de pesquisa. O que que eu quero dizer com isso: entrar num laboratório para pegar um microscópio, pegar uma lâmina e saber examinar um mineral identificando quartzo, (Palavra não compreendida) ou mica, é uma coisa. Outra coisa é você como aluno estar participando de um projeto de pesquisa dos professores, onde aquele trabalho de laboratório estava engajado dentro de um trabalho de investigação mais amplo. Isto não havia como parte do currículo e engajando os alunos num trabalho. O professor não fazia pesquisa, e como não fazia pesquisa, o aluno não estava em nenhum momento envolvido ou comprometido com aquilo. Para nós, se você estudasse bem um livro você tinha condição de fazer um curso todo sem nenhum engajamento em termos de pesquisa. Isto é muito diferente do que você tem hoje dentro do ensino. Eu não diria somente dentro da Universidade, mas em qualquer nível superior de hoje dificilmente termina o curso sem se envolver em um trabalho de pesquisa.

OTÁVIO: um outro ponto forte poderia ser o nome da Escola?

OCTAVIO ELIZIO: a Escola sempre teve a marca. Eu acho que ainda naquela época, só para você ver, a Usiminas surgiu neste período. A primeira corrida de forno lá dela deve ter sido em 1962, porque ela faz 40 anos agora. Então, o que nós estamos falando? A nossa turma e o pessoal meu contemporâneo é o pessoal que se engajou na construção da Usiminas, na mudança da Acesita, na mudança da geologia no país e na pesquisa mineral. Isto tudo se consolidou nesta época. E a Escola de Minas foi um dos berços pra isso. Não se falava em engenharia mineral neste país sem se falar na Escola de Minas. E isso pra nós não era só um orgulho, como era cartão de visita. Em todos os momentos de crise da Escola de Minas você aparecer como ex-aluno da Escola de Minas era cartão de visita, mesmo porque havia ex-alunos da Escola de Minas em todos os lugares, e você eventualmente poderia buscar trabalho.

OTÁVIO: como pontos fracos, quais os outros que você enumeraria?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que o ponto mais fraco é esse: é que nós nos descansamos no nosso nome. A Escola de Minas sentiu que ter um bom nome era suficiente. E de repente começou a surgir outros cursos: de minas, de metalurgia, de geologia tão bons ou melhores do que o nosso. E o nosso ia ficando para trás.

OTÁVIO: a representação era feita pelo Diretório. Você acha que teve uma mudança de postura deste Diretório?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que houve, porque até então o Diretório era essencialmente paternalista...

OTÁVIO:...corporativo...

OCTAVIO ELIZIO:...era corporativo. Era buscar o quê? Era assistencialista. Era o Restaurante, era melhorar a qualidade da comida, entende? Era essencialmente assistencialista. Um Diretório engajado na mudança e na qualidade do ensino, na melhoria dos professores e na preocupação da Escola voltada para um projeto de desenvolvimento econômico, isto foi novidade. Eu acho que foi a grande mudança que se teve antes. E a representatividade em Ouro Preto tinha uma separação entre o D.A. e o Centro Acadêmico, né? O Centro Acadêmico era envolvido com a parte social, e o Diretório era voltado para esta questão mais paternalista, e em grande parte, para o Restaurante.

OTÁVIO: O Restaurante foi fundado ali em 1959.

OCTAVIO ELIZIO: é. Mas essa era a grande bandeira do Diretório Acadêmico.

OTÁVIO: eu acho que a aceleração da mudança ficou mais evidente nesta gestão do Marcelo Guimarães?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que esse período que começou com a gestão do Marcelo mudou essa visão: o Diretório Acadêmico não é apenas uma instituição paternalista e corporativa. Mas é acima de tudo uma instituição que para dentro estava preocupada com a qualidade do ensino, a mudança do aluno e sua participação no processo de decisão escolar, e de outro lado...

FIM DA FITA 1 LADO 1

INICÍO DA FITA 1 LADO 2

OTÁVIO: então, a principal discussão neste período era a Escola e a questão nacional. E a SICEG?






OCTAVIO ELIZIO: este foi um fator importante, também, né? Os alunos da geologia se engajaram logo na montagem de uma instituição, a SICEG, a Sociedade de Intercâmbio Cultural e Estudos Geológicos. Eu fui talvez o primeiro, que durante o primeiro ano, talvez o único, ou talvez dois ou três, que não éramos do curso de Geologia, e que participávamos da SICEG. Porque a SICEG começou a fazer seminários para discutir política mineral. O primeiro seminário foi para discutir minério de ferro e manganês; o segundo foi para discutir não-ferrosos, como zinco, chumbo etc, e foram seminários extremamente positivos. Isto era novidade em Ouro Preto: trazer para dentro da Escola um debate político sobre a questão mineral. Isso era novidade. E começou a surgir através da SICEG, e depois se criaram instituições semelhantes a SICEG nos outros cursos. Mas a SICEG foi pioneira. E é produto deste processo de mudança da classe estudantil. “nós não seremos bons alunos apenas tirando dez em cálculo, em álgebra, em geometria, em geometria analítica, geometria descritiva, cálculo infinitesimal, física ou química. Nós seremos bons alunos se nós tivermos engajados e conscientes do papel nosso na mudança da política mineral”. Entendendo aí a Escola como uma escola fundamentalmente de engenharia mineral.

OTÁVIO: o grande debate seria a Escola ou a questão nacional?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que as duas coisas sempre andavam juntas. A gente começou a ter claro que não seria uma boa escola se a gente não tivesse um debate sobre a questão mineral. Eu não seria um bom engenheiro de minas se eu não entendesse o que era a mineração de ferro que a gente tinha, como ela estava estruturada, quem produzia minério de ferro e para onde ia esse minério. Isso começou a fazer parte da nossa consciência política enquanto estudante.

OTÁVIO: então, você concordava com essa postura do Diretório de não ser corporativa e assistencialista, e que entrava nas questões políticas?

OCTAVIO ELIZIO: sem nenhuma dúvida.

OTÁVIO: eu refaço esta pergunta, porque o estatuto do Diretório dizia que não se discutia política neste período

OCTAVIO ELIZIO: eu acho o que a gente entendia na época era que o Diretório Acadêmico não podia ser engajado em termos de política partidária. Ele não podia ser PSD, UDN, PTB. Mas ele tinha que ter discussão política. O que é uma discussão política? É você pensar a escola no Brasil e pensar o estudante sendo um instrumento ativo de mudança da nossa Escola e do país. Isto é uma discussão política. E nós achávamos que isso fazia parte da discussão em termos de reforma acadêmica.

OTÁVIO: no seu período de estudantes quais os episódios mais importantes ocorridos no meio estudantil?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que o episódio mais importante foi esta greve (do 1/3 da UNE). Eu acho que um outro episódio, que eu me lembro muito, foi a preocupação com o engajamento do Diretório com um movimento dos mineradores lá de Passagem de Mariana. Eu acho que esse foi o que eu me lembro de mais forte. Esta greve, associada à greve do 1/3, foi um movimento especialmente importante nesta época.

OTÁVIO: como era o convívio do Diretório com a Direção da Escola de Minas?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que foi um negócio difícil. Eu acho que entender a mudança que o Diretório estava passando foi difícil para a direção da Escola e para os professores, como foi também para boa parte dos alunos. Mas acho que isso foi se fazendo de uma forma tranqüila depois. Eles sentiram que era uma mudança, e que isto aí precisava ser incorporado. A luta por 1/3 se transformou na luta por uma representação do Diretório, mas isso foi importante e representava uma voz e um ouvido dentro da Congregação, que era importante. Era menos um voto através uma voz, e era muito mais todos os professores saberem que o que eles estavam falando ali era objeto de observação e de ouvido do Diretório. O Diretório, evidentemente, depois discutia isso em assembléia ou numa reunião do Diretório. Então, isso mudou substancialmente a Escola.

OTÁVIO: e os membros mais atuantes nas gestões do Diretório que você conviveu ou contracenou?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que há várias pessoas. E eu não teria condição de recordar. Mas eu acho que uma liderança importante nessa época foi o Marcelo Guimarães de Melo. Havia algumas lideranças importantes. Eu acho que no movimento de Ação Católica a liderança do Marcelo (Guimarães), do Roberto Menescal e do Roberto Augusto Barbosa Campos foram importantes. Marcelo tinha uma formação intelectual muito grande e uma respeitabilidade interna por causa disto muito forte. E isto depois se expandiu. Foi muito grande e ampliou-se bastante dentro do corpo da Escola. Eu acho que havia algumas lideranças por parte do Partido Comunista (Brasileiro). Um deles foi o Sérgio Azevedo, o Serjão, que foi uma liderança importante na época. Eu acho que mais do que isso, o movimento estudantil permitiu com que o movimento passasse menos a sua liderança e muito mais todo o movimento estudantil que estava provocando uma mudança no corpo de alunos da Escola. Então, começaram a surgir as lideranças no movimento de geologia, outros ma metalurgia ou no curso de minas. Então, em todo lugar você tinha pessoas que tinha uma presença mais efetiva e uma liderança grande.

OTÁVIO: em relação ao Diretório a gente pode falar que era um diretório de esquerda?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que sim, eu acho que sim. Eu acho que naquela época a gente entendia como esquerda o movimento dos insatisfeitos com o status quo. Eu acho que o movimento era essencialmente de esquerda, e com esse movimento de esquerda se identificava o Partido Comunista e alguns outros movimentos que foram surgindo no movimento estudantil. E eu colocaria a esquerda, principalmente a JUC.

OTÁVIO: agora, no conjunto dos estudantes, a tendência era mais para a esquerda ou para a direita?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que a tendência do movimento era conservadora. Eu acho que no conjunto era conservador. Essa transformação não foi uma transformação fácil, mas ela foi provocando um comprometimento dos estudantes com aquelas bandeiras que eram trazidas pelos movimentos de esquerda. Eu acho que é difícil a gente entender e qualificar isso sem pensar o processo. Todo o processo era um processo extremamente rico de mudança. E as pessoas se engajavam nisso porque acreditavam na mudança. Ainda que ideologicamente eles pudessem não estar comprometidos com os movimentos de esquerda, eles entendiam como possível aquela mudança. Acreditavam, e portanto, se engajavam-se no processo. Então, eu acho que esse processo é mais importante de ser analisado do que tentar focalizar isso em pessoas ou em grupos. Eu acho que todo o processo foi extremamente rico de mudança. E alguma coisa que
acontecia no nível nacional acontecia no movimento estudantil, acontecia na Igreja e aconteceu em Ouro Preto. E tudo isto junto provocou uma mudança, que é essa que a gente está falando.

OTÁVIO: houve uma mudança na própria sociedade.

OCTAVIO ELIZIO: na própria sociedade. Ouro Preto mudou. Ouro Preto passou a aceitar isso com mais tranqüilidade do que aceitava antes.

OTÁVIO: você citou o Diretório exercendo uma participação externa lá em Passagem de Mariana. Houve outros tipos de envolvimento fora da Escola?
OCTAVIO ELIZIO: é provável que sim. Neste momento eu não estou recordando de outros engajamentos, mas possivelmente houve.

OTÁVIO: no Diretório, quais eram as tendências políticas: a JUC, o Partido Comunista...

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que era o PC (B) e a JUC, que compunham. Você não conseguia fazer uma chapa só Partidão, ou só JUC. Você tinha Partidão e JUC juntos, e tinha outras pessoas que não tinham nenhum tipo de engajamento em nenhum outro, mas tinha uma aceitação. Naquela época, como hoje, você não conseguia ganhar espaço político sem aliança. E essas alianças passavam por concessões de um lado e de outro. Eram pessoas que não eram ideologicamente comprometidas com esses movimentos de esquerda no movimento estudantil, mas que por outro lado acreditavam no processo de mudança. E é aí que se tinha um esquema de composição.

OTÁVIO: quais principais realizações do Diretório no seu tempo de estudante?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que a greve teve um desdobramento de começar a mudar o problema da qualidade de ensino, né? Eu acho que além da representação de 1/3, isto não tinha sentido em ser pensado isoladamente. Isto foi pensado dentro de um contexto de melhoria de qualidade. Melhoria de qualidade era mais professores, era melhores laboratórios, era professores mais qualificados e um maior compromisso do estudante com o ensino. Eu acho que isso tudo teve neste período o seu embrião. Neste período, não só em Ouro Preto, mas como em todo o Brasil, a Universidade ou o ensino superior começaram a mudar.

OTÁVIO: a JUC teve um encontro ou seminário em 1960 quando foi redefinido o seu caminho. A JUC já existia anteriormente, não?

OCTAVIO ELIZIO: a JUC já existia antes. A Ação Católica já existia antes. Entretanto, a Ação Católica antes era um movimento muito para dentro da Igreja. Foi no final da década de 50 que houve uma conversão da JUC. Isto é decorrente de que a Igreja estava mudando, como as encíclicas papais, e tudo isso estava apresentando uma Igreja comprometida com o social. Isto é: “não é possível ser cristão num quadro de injustiça social. Nós temos que começar a construir a salvação a partir de um maior engajamento nosso aqui no movimento leigo. Aqui é que a gente tem que começar a construir a sociedade mais justa”. Isto fez com que o movimento de Ação Católica buscasse este tipo de engajamento no social. E houve nesse movimento um grande encontro no Rio de Janeiro. E nós fomos a esse encontro, eu e mais seis de Ouro Preto, e neste encontro houve uma grande discussão sobre o ideal histórico, ou seja, o ideal nosso. Qual era o ideal histórico nosso nesta época? Era um engajamento na busca de uma sociedade mais justa. É buscar coerência na ação nossa como cristãos, e aquilo que as encíclicas estavam exigindo de nós. Então, isso teve uma mudança em termos de Ação Católica extremamente significativa. Desde a JEC até a JOC e a Juventude Independente, JEC, JOC JUC, JAC etc, todos estes movimentos foram muito importantes na busca de um engajamento político. E o desdobramento disto três ou quatro anos depois foi a criação da Ação Popular (AP). O que a gente percebeu pelo engajamento político, é que esse engajamento político tinha que ir além da ação como movimento católico, como movimento cristão. E esse movimento político, então, teve uma conotação ou uma configuração que foi a Ação Popular.
OTÁVIO: podemos associar esta Ação Católica de Ouro Preto ao GLTA? Uma coisa tem haver com a outra?
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que não, sabe? Muitos de nós, como era o meu caso, eu era de Ação Católica e era do GLTA. O nosso orientador espiritual na Ação Católica era o Padre Mendes, que era um homem também do GLTA. Mas eu acharia prematuro associar o GLTA com a Ação Católica, e o movimento de engajamento político dos militantes de Ação Católica.
OTÁVIO: mas a figura do Padre Mendes, pode ser associada?
OCTAVIO ELIZIO: a figura do Padre Mendes foi uma figura muito importante pela sua visão espiritual e pelo respeito dele ao processo de mudança que a gente estava passando. O Padre Mendes foi acima de tudo um exemplo de humildade que a gente teve: de um sacerdote engajado em Ouro Preto que viveu uma Igreja extremamente conservadora, que era a Arquidiocese de Mariana. E que apesar de tudo isto fez um GLTA – que depois foi até expulso do Colégio Arquidiocesano e foi para a cidade – e se engajou como líder espiritual da Ação Católica, numa Ação Católica que foi extremamente transformadora. O Padre Mendes foi muito importante pela simplicidade dele e pelo tanto que ele funcionou como líder espiritual.
OTÁVIO: ele realmente teve um papel importante na Ação Católica.

OCTAVIO ELIZIO: sem nenhuma dúvida. Como teve no GLTA. Era alguém de uma Igreja conservadora, que era a Igreja de Mariana – da Arquidiocese de Mariana – e por outro lado extremamente aberto a um processo de transformação.

OTÁVIO: quando foi a institucionalização da JUC em Ouro Preto? Podemos colocar este período a partir de 60?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que sim. Em 59 nós começamos a Ação Católica, que era um movimento ainda muito incipiente. 60 foi o marco que realmente fortaleceu a JUC. A JUC em Ouro Preto passou a ser uma JUC importante. Nós tínhamos inclusive um representante na regional da JUC em Minas Gerais. E pra você ter uma idéia, a JUC em Minas – a equipe regional – era formada por Betinho, por Vinícius – e foi uma figura importante de Ação Católica e de AP – e Paulo Haddad, entende? Então, foram figuras extremamente importantes, e com as quais a gente conviveu. Eu era o representante de Ouro Preto nesta regional da Ação Católica. Então, tudo isto mostra como Ouro Preto estava integrado. Eu vinha quase todo domingo a Belo Horizonte para participar de reunião de JUC.

OTÁVIO: como a JUC agia e se organizava em Ouro Preto?

OCTAVIO ELIZIO: a gente tinha reuniões em Ouro Preto toda semana, tínhamos uma missa aos domingos, fazíamos leituras... Naquela época a Igreja ainda era voltada para o atraso: o padre de costas para o público e para o povo. Nesta época, a gente já tinha um acompanhamento da missa em voz alta pelo povo todo. E tinha uma reunião regional aqui em Belo Horizonte, e com freqüência a gente vinha a Belo Horizonte para ter reuniões aqui. E a gente tinha reuniões de nível nacional.

OTÁVIO: na JUC tinha esse negócio de ocupar espaços...

OCTAVIO ELIZIO: a idéia da gente era buscar uma ação articulada. Se tinha uma reunião de Diretório Acadêmico, se tinha uma reunião de UNE ou de UEE, a gente procurava participar dos encontros e ir nestas reuniões de forma articulada. A gente via isto como uma missão.

OTÁVIO: o Diretório logicamente passou por isto...

OCTAVIO ELIZIO: passou, também. Era um projeto nosso.

OTÁVIO: e começou com o Marcelo?

OCTAVIO ELIZIO: exatamente. Isto era missão. A gente sentia que ser cristão era participar do Diretório, era participar da UEE, era participar da UNE. Era missão. A gente sentia isso como Ação Católica mesmo.

OTÁVIO: e como era a disputa com o Partidão?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que em alguns momentos... na UNE isto foi efetivo. Tinha uma disputa entre Ação Católica, de um lado, e Partidão, do outro. Mas em Ouro Preto nesse período a gente atuou junto. Eu acho que o inimigo estava do outro lado, e eram realmente aqueles que não queriam nenhuma mudança.

OTÁVIO: parece que em 63 e 64 o Presidente do Diretório era do PCB, com o Nuri, o Nuri Andrauss...

OCTAVIO ELIZIO: é, o Nuri Andrauss.

OTÁVIO: e tinha membros da JUC, como o Kelé, que era o tesoureiro...

OCTAVIO ELIZIO: o Sérgio (Nertan Alves de) Brito meu irmão.... Eu acho que esse pessoal todo eram pessoas que tinham, às vezes estavam juntos, às vezes era um que estava na frente e o outro não estava. Mas em geral procurando ter uma articulação entre Partidão e da Ação Católica.

OTÁVIO: Qual sua participação em entidades?

OCTAVIO ELIZIO: eu só fui da Diretoria do Centro Acadêmico, mas do Diretório Acadêmico eu nunca fui não.

OTÁVIO: você saberia dizer se naquele Diretório do Aziz Assi ou no outro houve alguma desistência de quem ganhou o Diretório ou cancelou eleição?


OTÁVIO: na JUC tinha esse negócio de ocupar espaços...
OCTAVIO ELIZIO: a idéia da gente era buscar uma ação articulada. Se tinha uma reunião de Diretório Acadêmico, se tinha uma reunião de UNE ou de UEE, a gente procurava participar dos encontros e ir nestas reuniões de forma articulada. A gente via isto como uma missão.

OTÁVIO: o Diretório logicamente passou por isto...

OCTAVIO ELIZIO: passou, também. Era um projeto nosso.

OTÁVIO: e começou com o Marcelo?

OCTAVIO ELIZIO: exatamente. Isto era missão. A gente sentia que ser cristão era participar do Diretório, era participar da UEE, era participar da UNE. Era missão. A gente sentia isso como Ação Católica mesmo.

OTÁVIO: e como era a disputa com o Partidão?

OCTAVIO ELIZIO: eu acho que em alguns momentos... na UNE isto foi efetivo. Tinha uma disputa entre Ação Católica, de um lado, e Partidão, do outro. Mas em Ouro Preto nesse período a gente atuou junto. Eu acho que o inimigo estava do outro lado, e eram realmente aqueles que não queriam nenhuma mudança.

OTÁVIO: parece que em 63 e 64 o Presidente do Diretório era do PCB, com o Nuri, o Nuri Andrauss...

OCTAVIO ELIZIO: é, o Nuri Andrauss.

OTÁVIO: e tinha membros da JUC, como o Kelé, que era o tesoureiro...

OCTAVIO ELIZIO: o Sérgio (Nertan Alves de) Brito meu irmão.... Eu acho que esse pessoal todo eram pessoas que tinham, às vezes estavam juntos, às vezes era um que estava na frente e o outro não estava. Mas em geral procurando ter uma articulação entre Partidão e da Ação Católica.

OTÁVIO: Qual sua participação em entidades?

OCTAVIO ELIZIO: eu só fui da Diretoria do Centro Acadêmico, mas do Diretório Acadêmico eu nunca fui não.

OTÁVIO: você saberia dizer se naquele Diretório do Aziz Assi ou no outro houve alguma desistência de quem ganhou o Diretório ou cancelou eleição?

OCTAVIO ELIZIO: disto aí eu já não estou lembrando.

OTÁVIO: a seqüência foi Faro, Aziz...
OCTAVIO ELIZIO: Foi o Faro, depois o Aziz Assi, depois foi direto o Marcelo?
OTÁVIO: isto é o que eu não sei.
OCTAVIO ELIZIO: eu também não estou lembrado disto, não.
OTÁVIO: parece que o Marcelo foi Presidente em duas gestões?
OCTAVIO ELIZIO: isto aí eu não estou lembrado como foi, não. Não sei se a gente já ganhou a eleição já depois do Aziz Assi. Eu não lembro.
OTÁVIO: aí já mudou
OCTAVIO ELIZIO: aí já é um esforço de memória. Estamos falando demais...
OTÁVIO: é foi um recorte grande
OCTAVIO ELIZIO: foi.
OTÁVIO: eu acho que aí que começa a mudança de postura: a esquerda já não perde mais a eleição.
OCTAVIO ELIZIO: ali foi um protesto de inflexão. Eu acho que isso acontecia realmente com uma figura como o Marcelo. Você teve com ele, você entrevistou o Marcelo. Marcelo era uma pessoa mais ou menos simbólica. Uma pessoa extremamente simples, catolicão (???), entende? Comungava todo dia, mas extremamente comprometido. Então, ele entrava, ele brigava, ele ia na frente e ele obrigava você a acreditar no projeto dele, que estava frente muito na frente, entende? Eu acho que isso foi muito importante.
OTÁVIO: então, na politização a JUC entrou com um papel essencial?
OCTAVIO ELIZIO: sem dúvida, eu não tenho nenhuma dúvida em dizer que isso tudo aconteceu por um processo forte de conscientização, da JUC e da conscientização da JUC em termos de uma mudança “fermento na massa”. Do qual o seguinte: qualquer um de nós que queira engajar, engaje e lute.
OTÁVIO: isso não era exclusivo de Ouro Preto?
OCTAVIO ELIZIO: isto era geral. Isso era geral. A JUC estava mudando em todo o lugar.
OTÁVIO: Vamos falar um pouco desta greve novamente. Nas atas do Diretório circula o seu nome. Por exemplo, quando a greve da UNE acaba vocês continuam. Aí numa destas reuniões ou assembléias você diz: “a nossa greve é apenas o início de um movimento”. E aí o pessoal pergunta de qual movimento você se referia. Aí você diz: “um movimento para reformar a EMOP”.
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que é importante isso. Você vê que isso tudo está articulado. Não adianta você conquistar uma representação pela greve de 1/3 se isto não significar um


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instrumento de mudança. Isso é apenas o início de quê? O início de uma mudança da Escola. E se perguntassem ainda: “mas para que mudar a Escola?”. “É para nós termos uma boa educação, para melhorar o nosso ensino, mas para que a nossa escola seja um instrumento de mudança e de construção de um país desenvolvido”. Então, eu acho que tudo isto estava articulado. Nada disso significava: “conquistamos uma representação, e portanto, terminou a greve de 1/3 e por causa disso, tudo bem”. “Não, nós temos um movimento que ainda tem coisa pela frente, que é a construção da melhoria da nossa escola”.
OTÁVIO: houve um relatório que foi feito pelo Diretório para discussão, onde se fez um levantamento dos problemas da Escola de Minas neste período. Você saberia dizer como o relatório foi montado?
OCTAVIO ELIZIO: eu não lembro como é que... eu sei que foi feito um extenso relatório sobre a situação da Escola e sobre o que precisava mudar. Houve uma discussão com professores, mas eu não tenho isso com muita precisão hoje de como isso aconteceu, não.
OTÁVIO: esse relatório foi repassado inclusive a ex-alunos?
OCTAVIO ELIZIO: Ouro Preto sempre teve o canal do ex-aluno, né? Você sempre buscava uma associação com o ex-aluno. Como o movimento tinha sempre um discurso de melhorar a Escola, e como o ex-aluno sentia que a Escola estava num processo de mudança, então eu acho que o canal com o ex-aluno era sempre um canal importante. E tudo que se fazia tinha sempre um desdobramento no 12 de outubro, na reunião com ex-aluno e na busca de alguns ex-alunos chaves. Eu acho que isso sempre foi um instrumento importante de todo movimento de estudante em Ouro Preto.
OTÁVIO: e funcionou bem?
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que sim. Acima de tudo, eu acho que ainda naquela época já naquela época os ex-alunos sentiam a importância de revigorar a Escola. A Escola estava perdendo a sua hegemonia na educação mineral brasileira. Então, era importante todo o esforço que fosse feito para garantir uma melhoria na Escola e que assim garantisse o seu papel hegemônico.
OTÁVIO: assim, podemos dizer que o estudante era o elemento dinâmico na Escola?
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que sim.
OTÁVIO: porque tinha a questão dos catedráticos que...
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que naquela época não só em Ouro Preto, mas em todo o esforço de mudança do ensino superior, o aluno e o movimento estudantil eram o fator de mudança. O fator dinâmico de mudança estava no movimento estudantil, muito mais do que no professor. Quem fazia greve era aluno, não era professor. Recentemente você tem greve agora de professor, e menos de aluno. Mas naquela época o fator realmente dinâmico era o aluno.
OTÁVIO: você acha que teve um clima de otimismo quando a Escola se desliga da Universidade do Brasil e se torna autônoma? Houve um ambiente de otimismo na Escola, ou seja, que as coisas realmente iriam melhorar?


OCTAVIO ELIZIO: o meu sentimento é o seguinte: é que na Escola toda vez que havia um tipo de mudança como essa da sua saída da Universidade do Brasil e a passagem para um quadro de autonomia – sendo apenas uma entidade vinculada ao MEC -, eu acho que tudo isto e – uma autonomia relativa porque não tinha nada a haver com o que a gente defende hoje em termos de autonomia – em todos estes momentos, especialmente nesta época, gerava um crédito de que era possível mudar. Por tudo isso que a gente falou antes, por todo um clima de mudança que havia no nível nacional, mas especialmente em Ouro Preto, os cursos novos tiveram um papel importante para mudar a Escola.
OTÁVIO: para oxigenar?
OCTAVIO ELIZIO: para oxigenar a Escola e aumentar o seu corpo discente. Houve com isso uma possibilidade de crédito, ou seja, a gente tinha condição de construir uma escola nova.
OTÁVIO: a gente percebe que eram várias iniciativas neste período, como a Fundação Gorceix, a autonomia e a melhoria das condições dos estudantes, como a criação do REMOP. Estas foram iniciativas que de alguma forma envolvia ex-alunos, envolvia os professores e envolvia a máquina administrativa da Escola?
OCTAVIO ELIZIO: sempre houve essa coisa. E nessa época os ex-alunos foram ficando fortes e assumindo lideranças em coisas, por exemplo, a Usiminas, que era uma coisa efetiva. Quando a gente fala em Usiminas nesta época, nós estamos falando em Amaro Lanari. Quando a gente fala em Amaro Lanari nós estamos falando em Fundação Gorceix. Entende? O que que era a Fundação Gorceix? Era o crédito... era o fato de que os professores acreditavam, assim como os ex-alunos, de que era importante criar um canal de envolvimento maior dos ex-alunos e das empresas no processo de formação do aluno na mudança da Escola. O que que era a Fundação Gorceix? Era um instrumento para que aumentasse a pesquisa, melhorasse a qualidade do ensino e engajasse os alunos num processo de estágios, né? Eu acho isso tudo foi de fato (silêncio)...
OTÁVIO: ... um suporte para o ensino e a pesquisa?
OCTAVIO ELIZIO: era o que a gente falou. Até essa época Ouro Preto não fazia pesquisa.

OTÁVIO: só vou trocar a fita porque está acabando.

{FIM DA FITA 1 LADO 2}
[INÍCIO DA FITA 2 LADO A]
OTÁVIO: Eu gostaria que você falasse um pouco da Fundação Gorceix, que nos parece que teve aí uma grande movimentação do movimento estudantil, pelo fato de se achar que ela tomaria conta da Escola.
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que houve uma reação, e eu acho que não tenha sido tão significativa em termos de alunos. Houve depois uma reação de professores, também, na medida que a Fundação Gorceix foi um instrumento de ação dos ex-alunos. E falando em ex-alunos, nós estamos falando em empresas, nós estamos falando em Usiminas, nós estamos falando em Acesita, nós estamos falando em Belo-Mineira, nós estamos falando em Petrobrás, nós estamos falando em empresas onde os ex-alunos estavam em liderança e que viram o seguinte: “nós temos que criar uma instituição que garanta condições de apoio à Escola e que seja um instrumento de melhoria da qualidade do ensino através da melhor formação do aluno, da
pesquisa e dos estágios. Então, eu acho que a Fundação Gorceix foi um instrumento importante. Surgiu num momento fundamental da Escola. Foi num momento em que ela estava passando por estas transformações. Então, fazer pesquisa num curso de seis anos que formava engenheiro civil, de minas e metalurgia, geólogo etc. era difícil imaginar. Agora, na medida em que você começou a ter um curso que só formava metalurgista, e portanto, podia fazer pesquisa em metalurgia, e que além de você fazer o seu curso de graduação, você sabia que era importante fazer um curso de mestrado para poder melhorar a sua capacidade profissional. Então, isso tudo apresentava um horizonte de trabalho. E uma instituição como a Fundação Gorceix, que passou a ser um instrumento importante para poder pegar o aluno, como foi o caso do Rinaldo (Campos Soares)3, por exemplo, da Usiminas, e levar para fazer um estágio na França. Então, essas foram coisas importantes, como buscar um financiamento para construir um laboratório dentro da Escola de Minas. Eu acho que a Fundação Gorceix é o embrião de uma série de exemplos que surgiram posteriormente nas Universidades e nas escolas de nível superior, ou seja, de instrumentos que tivessem condições para buscar recursos fora...
OTÁVIO: ...a relação Universidade-Empresa...
OCTAVIO ELIZIO: ... a relação Universidade-Empresa.. entendendo o seguinte: como os recursos para a educação sempre foram pequenos, vamos tentar complementar estes recursos com a busca de recursos em outras fontes, como as empresas, com a busca do apoio... Nisso aí a Escola de Minas teve uma vantagem grande, porque já tinha uma articulação dos ex-alunos. E isto facilitava a montagem de uma Fundação Gorceix e ao mesmo tempo articular o ex-aluno da Petrobrás com o ex-aluno que estava trabalhando na CEMIG, ou com aquele que estava na USIMINAS, na ACESITA e na Belgo-Mineira.

OTÁVIO: não havia o medo de que esta iniciativa caísse num tecnicismo barato, ou seja, a Escola abandonaria todo aquele “Espírito de Gorceix”, ou seja, o oferecimento de uma formação completa e ligada às questões nacionais? Talvez o temor seria o da Escola passar a formar técnicos, simplesmente, e não aquele profissional completo que ofereceria...

OCTAVIO ELIZIO: eu não acho que houve reação à Fundação Gorceix por causa disto. Eu acho que sempre teve acima de nós na Escola esta preocupação “Espírito de Gorceix”. Precisamos entender o seguinte: a Escola de Minas foi criada na época do império com uma preocupação de que, não bastava ter recursos minerais, se estes recursos minerais mesmo que não fossem conhecidos, e sendo conhecidos fossem usados para o conhecimento do país. Essa eu acho que era a visão central do “Espírito de Gorceix”. Quando Dom Pedro II trouxe Gorceix e seu grupo da França para cá, a preocupação fundamental era essa: “temos que conhecer o nosso subsolo. Esse é um país rico e temos que conhecê-lo para saber transformar esse minério e fazer disso instrumento de desenvolvimento”. Isso marcou muito a Escola de Minas. Eu acho que nesse período o “Espírito de Gorceix” era sempre alguma coisa que você chamava muito mais como reação à mudança do que como instrumento que facilitasse a mudança. Então, se você falasse: “Os cursos especializados”. Aí você vinha e reagia: “Mas isto é fora do ‘Espírito de Gorceix’. O ‘Espírito de Gorceix’ é a Escola com cursos de seis anos, curso geral, etc etc etc”. E não era nada disso. Então, eu acho que a gente tem que ter uma certa cautela ao analisar o que que era “Espírito de Gorceix”. Eu acho que o “Espírito de Gorceix” sempre foi alguma coisa levantada por quem era contra os cursos especializados, contra a Universidade depois, e sendo um instrumento muito mais de reação à mudança do que instrumento que levasse à mudança. Isto é, o “Espírito de Gorceix” hoje, final da década de 50, significa uma Escola de Minas
competente em metalurgia, competente em mineração e competente em geologia. Entende? Esse tipo de visão sobre o “Espírito de Gorceix” foi uma coisa que veio e que tinha uma força grande. Nós estamos falando de uma instituição que veio com a possibilidade de gerar recursos. Gerar recursos e fazer a canalização destes recursos para a pesquisa ou para o estágio de alguns ex- alunos. Eu acho que tudo isto do mesmo modo que foi um instrumento importante de transformação, e evidentemente gerou reação.

OTÁVIO: você poderia me dizer quem seriam os grandes incentivadores deste “Espírito de Gorceix”? Quais professores eram mais adeptos e faziam uma maior difusão?
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que o “Espírito de Gorceix”, em geral, foi sempre chamado como argumento para aqueles que se reagiam à mudança.
OTÁVIO: alguns encarnam mais do que outros?
OCTAVIO ELIZIO: exatamente
OTÁVIO: quais daqueles professores, por exemplo?
OCTAVIO ELIZIO: ah, eu não....
OTÁVIO: o professor Joaquim Maia, por exemplo?
OCTAVIO ELIZIO: eu não viria o Joaquim Maia como alguém que chamasse o espírito de mudança. O Joaquim Maia era uma pessoa que tinha – eu fui assistente dele no curso de geologia – muita curiosidade, além de ser ele próprio uma pessoa extremamente curiosa. Era uma das pessoas mais competentes que eu conheci, absolutamente integrada numa realidade de mudança da engenharia mineral e praticamente fixado em Ouro Preto. As leituras que ele fazia e as relações profissionais que ele mantinha faziam com que ele nos desse um curso que seria absolutamente engajado. Eu trabalhei com o Joaquim Maia fazendo pesquisa. Não era uma pesquisa no sentido efetivo de pesquisa. Era um trabalho de laboratório. Naquela época no curso de geologia, tinha tratamento mineral I e II. E no tratamento mineral I. Joaquim Maia dava teoria da britagem, da moagem etc. E no tratamento mecânico II, a gente dava teste de laboratório. O que que era isso? A gente pegava um minério de Pirita lá em Ouro Preto, e colocava nas mãos dos alunos e falava: “Olha, vocês vão calcular uma estação de tratamento para este minério”. Isto foi uma experiência interessante. E isto surgiu sob a orientação do Maia. Eu acho que o Maia foi uma pessoa com todas aquelas características que ele tinha de uma pessoa fechada extremamente rigorosa, mas foi uma pessoa absolutamente inovadora tecnologicamente.
OTÁVIO: eu estou falando que ele é um difusor do “Espírito de Gorceix”, porque na REM (Revista da Escola de Minas) e em outras revistas, como a do Rotary, por exemplo, sempre difundia o nacionalismo e aquela preocupação com o país. Eu acho que o autêntico “Espírito de Gorceix” é isso, não?
OCTAVIO ELIZIO: mas se você pensar o “Espírito de Gorceix” como aquele espírito que orientou a formação da Escola, aí você tem que pensar uma Escola engajada na mudança. Porque para isto ela foi criada.
OTÁVIO: a tradição não é boa ou ruim, o problema é como ela é usada.


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OCTAVIO ELIZIO: o que eu estou te dizendo que com freqüência quando se chamava o “Espírito de Gorceix” estava se chamando muito mais no sentido da busca da tradição, e portanto, do imobilismo da Escola do que no espírito transformador. Pensar e identificar o “Espírito de Gorceix” como esta proposta de mudança no artigo do Joaquim Maia, tudo bem. Mas o que eu estou querendo dizer é que, quando com freqüência você evocava o “Espírito de Gorceix”, na verdade ele era chamado com freqüência contra as mudanças.
OTÁVIO: e eu estou querendo chegar no seguinte: dentro de uma escola tradicional que tinha esse “Espírito de Gorceix”, ao mesmo tempo tinha um movimento estudantil de vanguarda, que não absorve este discurso do “Espírito de Gorceix” tradicional, mas o supera.
OCTAVIO ELIZIO: eu acho que ele absorve o “Espírito de Gorceix” não tradicional. Eu acho que ele absorve o “Espírito de Gorceix” no sentido da transformação de uma escola engajada na formulação de uma política mineral para o país, política mineral essa que levasse ao conhecimento do subsolo, ao seu adequado aproveitamento e ao uso deste recurso mineral para o desenvolvimento econômico. Eu acho o que aconteceu nesse período em Ouro Preto estava voltado para isso. Eu acho que nós não tivemos a capacidade de dar a esse o rótulo de Gorceix, o “Espírito de Gorceix”. Mas acho que isso era coerente com o “Espírito de Gorceix”. Agora, toda vez que você faz isso, então “era tradição”. Tinha gente que estava brigando para que continuasse o curso de seis anos. Houve reação na Escola aos cursos especializados. O Sérgio (Nertan Alves de Brito), meu irmão, por exemplo, fazia o curso geral, e saiu do curso geral para fazer o curso de Geologia. Ele foi obrigado a fazer o vestibular outra vez, entende? E todo mundo chamava o Sérgio e dizia: “isso é uma loucura. Como é que você vai sair do curso tradicional da Escola para ir para um curso especializado de Geologia”. Essa era a reação que tinha na medida que você tinha os novos cursos especializados. Mas todo mundo via estes cursos como cursos de segunda categoria. O que valia era o curso geral. Esse apego à tradição era algo que nessa época estava associada essencialmente a esta reação contra a mudança.
OTÁVIO: o curso de geologia então era um curso marginal?
OCTAVIO ELIZIO: não era marginal apenas o curso geral. O curso de Geologia era considerado um curso de segundo nível.
OTÁVIO: inclusive em relação ao Marcelo (Guimarães), é surpreendente alguém de geologia ganhar uma eleição do Diretório.
OCTAVIO ELIZIO: porque esse Diretório que ia mandar no curso geral. Como é que nós estamos no tempo, terminando?
OTÁVIO: Sim. Mas eu queria que você falasse um pouco de dois professores: o Salathiel Torres e o Theódulo Pereira. Você conviveu com eles?
OCTAVIO ELIZIO: eu vivi na época do Salathiel Torres como Diretor da Escola (de Minas) e professor de estabilidade das construções. Era um bom professor e era um diretor de escola que se exigia naquela época: um diretor que estava comprometido com a gestão tradicional da Escola. Era muito menos preocupado com a preocupação da Escola para fora, mas mudanças internas da Escola. Acho que o Salathiel foi um Diretor absolutamente tradicional e um grande professor. E o Theódulo Pereira eu fui aluno num curso que não era apenas de Direito, mas tinha um pouco de administração. Era um curso bem genérico, e eu não o sentia como um grande
professor. Certamente, para mim pessoalmente, teve um papel de pouco destaque dentro de Ouro Preto como professor.
OTÁVIO: e como político?
OCTAVIO ELIZIO: ele foi o padrão do político tradicional de Ouro Preto. Em Ouro Preto foi um líder político do PSD de Ouro Preto durante muito tempo. E isto o fez... porque ele era o líder político? Porque ele era o dono de uma indústria de tecelagem. O primeiro telefone que a gente teve em Ouro Preto era de uma empresa que era dele. Então, isso tudo fez com que ele tivesse uma força política na cidade muito grande. Theódulo Pereira era figura forte, e depois passou além disto a ser um homem dos Diários Associados, do Estado de Minas, e portanto, com prestígio. E isto fez dele um homem politicamente importante em Ouro Preto.
OTÁVIO: você conviveu com ele como Reitor?
OCTAVIO ELIZIO: eu não convivi com ele como Reitor.
OTÁVIO: mas, nessa parte da institucionalização da Universidade, você estava lá, participou?
OCTAVIO ELIZIO: eu não estava período, e não participei do processo que foi com ele de implantação da Universidade de Ouro Preto. Mas o fato de você ter uma figura feito ele escolhida para implantar a Universidade, mostra a força política dele, né? E nessa época isso certamente foi uma das razões de ter gerado uma reação interna. Ou seja, não foi uma universidade que surgiu por um ex-aluno que foi levado a criação de uma Universidade, mas foi uma Universidade que surgiu com pessoas definidas politicamente. Eu acho que isso certamente teve um peso. Um peso negativo.
OTÁVIO: para concluir, eu gostaria que você falasse um pouco da tradição daquelas “repúblicas” de Ouro Preto. O que acha deste espaço? Seria de politização e de aprendizado naquela época?
OCTAVIO ELIZIO: eu sempre via a “república” como um espaço... primeiro o seguinte: a “república” foi em Ouro Preto sempre um instrumento paternalista da Escola. Isto é, como era difícil você ter habitação em Ouro Preto, a Escola nunca preocupou em permitir que um Diretório buscasse criar instrumentos para melhorar as condições de uma casa, e o aluno pudesse alugar aquela casa e ficar lá. Então, o que aconteceu? A Escola começou a comprar casas, e comprando esta casa, colocá-la a disposição dos alunos. Isto era uma atitude paternalista. Desde o início, isto foi visto muito como um instrumento através do qual você estava fazendo com que os alunos sempre tivessem claro que moravam em um “próprio” que era da Escola, e que portanto tinham que ter uma relação com a Escola, que era uma relação de filho para pai. Eu convivi muito com “repúblicas”. Sempre sentia a “república” como um espaço extremamente importante de convivência. Mais do que doze ou treze alunos que freqüentavam ou moravam em uma “república”, mais do que isso, essas “repúblicas” sempre tinham em torno de si um grupo de pessoas que circulavam, conviviam e freqüentavam ali, inclusive pessoas de Ouro Preto e de outras “repúblicas”. E isso sempre fez da “república” para mim um espaço de convivência social. E se era um espaço de convivência social, era um espaço também de formação política e de discussão política, e eventualmente de engajamento. Com freqüência, a conversa na “república” sempre era uma conversa importante politicamente. Eu acho que esse é um privilégio importante.
Ouro Preto sempre foi um lugar aonde os alunos viviam a vida da “república”. E nesta vida de “república” você tinha sempre a oportunidade de criar um momento de discussão política.

OTÁVIO: você acha que essa intenção de relação de pai e filho com a Diretoria da Escola de Minas não se efetivou?

OCTAVIO ELIZIO: a partir de determinado momento o número de “repúblicas” cresceu muito. E algumas “repúblicas” foram criadas pelos próprios alunos, na medida em que a Escola não tinha condições de dar casas para todos os alunos. E eles próprios se organizavam, alugavam a casa, faziam a “república”.

OTÁVIO: e inclusive tinha a Casa do Estudante da Escola de Minas?
OCTAVIO ELIZIO: a Casa do Estudante da Escola de Minas.
OTÁVIO: naquela época da renúncia do Jânio teve uma agitação grande em Ouro Preto?
OCTAVIO ELIZIO: a renúncia do Jânio foi um período (silêncio)...
OTÁVIO: e que poderia ter ocorrido o golpe militar naquele momento.
OCTAVIO ELIZIO: naquela época teve internamente em Ouro Preto uma reação muito cautelosa de que alguma coisa pudesse acontecer. Nós estávamos vivendo um momento de ebulição política em Ouro Preto. Os alunos estavam começando o engajamento político, e de repente houve a renúncia do Jânio. E nós todos ficamos cautelosos de que alguma coisa pudesse acontecer. E o movimento estudantil todo vivia a preocupação da perseguição e do engajamento das pessoas ligadas contra a mudança, do DOPS, do agente do DOPS e daquele que vivia clandestinamente para fazer espionagem do movimento dos alunos. Esse tipo de preocupação estava forte. Quando estourou a renúncia do Jânio isto foi bastante pesado.
OTÁVIO: os estudantes se envolviam com a política local, tipo o PTB, que seria grosseiramente um tipo do PT de hoje?
OCTAVIO ELIZIO: mas o PTB de Ouro Preto tinha uma coloração que não era igual ao PT de hoje, mas era talvez o partido mais engajado que se tinha, porque ele vinha toda uma história de Getúlio
OTÁVIO: e aqueles seminários de engenharia, os encontros de estudantes de engenharia, os nacionais.
OCTAVIO ELIZIO: quando eu participei desse encontro em São José dos Campos, depois teve um encontro de engenharia aqui na Escola de Engenharia de Belo Horizonte. Eu acho que em todos esses encontros a gente começava a articular um tipo de participação e de engajamento político dos alunos. Ser estudante não é ser apenas ser um bom aluno, tirar boas notas e passar de ano. Ser um bom aluno era aquele que procurava fazer com que a sua profissão fosse um instrumento de construção de um país desenvolvido. Então, essa passou ser a tônica. E aí a gente começou a se engajar nestes movimentos ou em movimentos de cunho estudantil – UNE, UEE, DCE etc –, como nos movimentos de engenharia; os específicos.

OTÁVIO: então, não teve apenas um fator de politização mais válido...

OCTAVIO ELIZIO: em todos estes encontros a gente procurava dar uma conotação de que era importante melhorar a qualidade do ensino e era indispensável formar bons engenheiros, mas era acima de tudo indispensável fazer com que esse engajamento profissional fosse alguma coisa comprometida com a justiça social e com o desenvolvimento econômico. E isto começava na Escola.
OTÁVIO: sim. Muito obrigado, Octavio Elizio. E esperamos novas contribuições.

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