terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE NILMÁRIO MIRANDA À OTÁVIO LUIZ MACHADO

DEPOIMENTO DE NILMÁRIO MIRANDA À OTÁVIO LUIZ MACHADO


UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA

DEPOIMENTO DE NILMÁRIO MIRANDA À OTÁVIO LUIZ MACHADO

ENTREVISTA REALIZADA PELO PROJETO "A CORRENTE REVOLUCIONÁRIA DE MINAS GERAIS”
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: NILMÁRIO MIRANDA
LOCAL: OURO PRETO-MG
DATA: 07/02/2003
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Nilmário Miranda
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Ouro Preto-MG
Data: 07/02/2003
Duração: 20 min. aprox.
Fitas cassete: 1
Páginas: 5
Proibida a publicação no todo sem autorização


Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:



OTÁVIO LUIZ MACHADO*: Nilmário, gostaríamos que você traçasse rapidamente o perfil do movimento estudantil em Minas Gerais. E o papel do estudante na luta pela democracia.

NILMÁRIO MIRANDA: o movimento estudantil em Minas Gerais começou logo em 65 com a reação contra a ditadura. Existia o MCD (Movimento Contra a Ditadura) e a reorganização de várias organizações tinha como base principalmente estudantes, pois eram os que tinham maior mobilidade. Já em 66 tinham as primeiras passeatas e manifestações de rua que enfrentava a repressão. Houve a prisão de oito estudantes em um Edifício, quando eles estavam estudando alguns documentos. E houve manifestação contra a prisão deles. Já na reconquista e na reconstrução da UNE, da UEE, DCEs, Das e de outras entidades havia um amplo trabalho na capital e no interior. Minas Gerais desde o início começou a participar desta reconstrução. Depois cresceu em 67. E em 1968 teve o seu auge. Com o AI-5 – como em todo o lugar – os estudantes tiveram que ir para a clandestinidade. Aí começaram as prisões, exílios, mortes e desaparecimentos, como em todo o lugar, que afetou profundamente. Mas logo, em 1967, o movimento estudantil já estava reorganizado em Minas. Teve um famoso Encontro – o III Encontro Nacional dos Estudantes de Medicina – que ficou como marca na retomada do movimento estudantil no Brasil e em Minas.

Você teve uma participação em grupos clandestinos de luta, né?

Não podia haver partidos legais, as eleições eram controladas e havia censura de imprensa. Em suma, havia diversas formas de restrição de liberdade. Então, milhares de estudantes foram também para as organizações políticas clandestinas buscar meios de atuar na política já que não tinha possibilidade de fazer nada por via legal.

Você chegou a freqüentar Ouro Preto e a se organizar com o pessoal daqui?
E tinha uma turma boa aqui. E eu cheguei a conversar com o João Batista dos Mares Guia – que foi da Colina (Comando de Libertação Nacional) e Presidente da UEE (União Estadual dos Estudantes) em 1968 – e ele elogiou muito Ouro Preto pela questão da organização estudantil. Havia uma referência daqui?

Havia. A Corrente (Corrente Revolucionária de Minas Gerais) – que era uma dissidência do PCB – e a AP (Aliança Popular), que também era muito forte aqui até 1968. Era praticamente as duas mais fortes. O movimento estudantil aqui era considerado de ponta naquela época. Depois – já na fase de 1977 em diante – os estudantes daqui da UFOP se organizaram rapidamente, participando bastante da Anistia, da retomada do movimento estudantil e dos grandes movimentos como a luta pela democracia e as Diretas. O movimento estudantil daqui participou ativamente.

Inclusive da reconstrução da UEE, que aconteceu aqui em 1979?

Inclusive da reconstrução da UEE.

E o 21 de abril? Ouro Preto era (e ainda é) considerado um lugar privilegiado por ter uma solenidade em que aparecia geralmente o Presidente, o Governador de Estado e várias autoridades do Estado, permitindo assim um grande ato de protesto?

O 21 de abril de 1966 ficou na história. Costa e Silva era Ministro da Guerra e veio até Ouro Preto. E foi realizada uma manifestação, onde vários estudantes em muitos ônibus vieram dispostos inclusive a ser presos, conseguiram surpreender e saíram daqui sem serem presos. Aí teve uma assembléia no DCE da Gonçalves Dias em Belo Horizonte com o povo que chegou de Ouro Preto. E dali ocorreu uma arrancada para uma chapa da UEE muito combativa, que é muito vinculada ao 21 de abril de Ouro Preto. Ali também era um lugar de manifestação que fazia o Governo Militar. Sempre fez manifestações de apoio à ditadura utilizando o 21 de abril. Portanto, os estudantes se mobilizavam para protestar no 21 de abril.

O que você estudou naquele período?

Eu estudava naquela época economia. Depois eu saí com o Ato 5 da Universidade, e quando eu voltei após o meu período de prisão fiz jornalismo e ciência política.

OTÁVIO LUIZ MACHADO: quando você acha que começou a politização estudantil em Minas Gerais?

Sempre teve (politização) aqui. Por exemplo, os estudantes de Minas já participaram da Revolução de 30, participaram do movimento de 35 na luta pela redemocratização do Estado Novo, na luta pela entrada do Brasil na Guerra contra o Nazismo e o Fascismo, participaram bastante na denúncia da Guerra da Coréia na luta pela paz. E participaram muito d’ O Petróleo é Nosso, que em 1954 se lutava pela criação da Petrobrás. O movimento estudantil de Minas sempre foi ligado às causas nacionais. Na década de 60, antes do Governo Militar, as famosas lideranças eram o Herbert José de Souza, o Betinho, o Jair Ferreira de Sá e o Roberto Brant. Essa turma tinha uma grande projeção nacional. A AP foi quase praticamente fundada em Minas Gerais a partir do movimento estudantil da Juventude Universitária Católica (JUC).

De Ouro Preto quais nomes você colocaria assim pra gente? Quais os principais nomes de Ouro Preto?

Dos mais famosos, alguns que nós perdemos, como o Hélcio Pereira Fortes, que teve uma passagem marcante aqui. E o Antônio Carlos Bicalho Lana. O atual Prefeito do Rio, César Maia, era grande liderança, uma referência. O Jarbas Cerqueira também teve uma certa importância.

Eu estive com o César Maia há algumas semanas atrás lá no Rio de Janeiro. E ele nos prestou um depoimento entrando nestas questões do movimento, da UEE. Você teria mais alguma coisa a relatar sobre os movimentos?

O Brasil sempre avançou na luta social quando a juventude e os estudantes entraram intensamente nelas. A juventude dá uma qualidade nova às lutas sociais. O jovem é muito desprendido, muito voluntarioso, muito generoso, porque quer tomar o céu de assalto. Na luta pela Anistia, das Diretas e do impeachment do Collor todas ganharam um colorido novo com os jovens. Na própria eleição do Lula – agora em 2002 –, acho que a juventude fez a diferença.

Você acha que o estudante puxou vários movimentos, como a primeira greve de Contagem, que ocorreu depois do golpe e que tiveram na sua organização vários estudantes?

Nossa história está repleta de exemplos. Até antes disso. A Abolição da Escravidão não seria possível sem a participação de jovens.

Qual o papel da memória e da história na reconstrução destes fatos e da própria cidadania?


As elites sempre procuram afastar o povo da história para tirar qualquer do povo. Eles atribuem todas as mudanças históricas às personalidades, à inclinação ou opção política deste ou daquele governante. Na verdade nosso povo sempre lutou, sempre lutou. E se hoje nós estamos vivendo este momento privilegiado é graças à luta de quem veio antes de nós. A memória é fundamental para impulsionar a luta presente, e para construir o futuro.

* Parte do depoimento integral prestado a Otávio Luiz Machado.

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