GROPPO, Luis Antônio. Uma onda mundial de revoltas. Movimentos estudantis de 1968. Piracicaba: Editora Unimep, 2005a.
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“Desde o início do ano, uma série de eventos anunciava os temas e as questões de 1968, sobretudo no Rio de Janeiro: atos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e de artistas de teatro contra a censura, a primeira passeata dos estudantes do restaurante Calabouço (em 15 de janeiro) e outras manifestações estudantis, com destaque à questão dos excedentes. Em março, ocorreram protestos em São Paulo, Brasília, Curitiba, Goiânia e Porto Alegre. Não se pode deixar de lembrar também a revolta nos meios intelectuais e artísticos contra aspectos mais sensíveis do regime, como a censura, mas esses acontecimentos não faziam prever a amplitude que as ações tomariam. Certamente, a irrupção de 1968 deveu-se a um fato e a uma repercussão igualmente imprevistos – o assassinato de um estudante secundarista no Calabouço.
Esse restaurante carioca, freqüentado essencialmente por secundaristas pobres, era um local de grande e radical agitação político-estudantil. A Frente Unida dos Estudantes do Calabouço (FUEC) controlava o acesso ao lugar, recebia aluguel do comércio local, mantinha cursinhos (supletivos e pré-vestibulares) e uma pequena livraria. Em 28 de março, no final da tarde, os ativistas do Calabouço preparavam nova passeata contra o aumento do preço da refeição e reivindicavam a conclusão das obras do restaurante. O governo estava ciente e, no momento do protesto, em torno das 18h, o lugar foi cercado pela polícia militar, polícia civil e agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Os policiais receberam vaias e assobios e, por isso, resolveram invadir, já com armas na mão, em meio da nova vaia ensurdecedora. Atiraram , matando o secundarista de 18 anos, Edson Luís de Lima Souto, além de ferir outros ativistas com disparos a esmo e pancadas de cassetetes.
Os companheiros de Edson Luis levaram seu corpo até a Assembléia Legislativa, próxima ao restaurante. A polícia estadual a cercou, contra as ordens do governador Negrão de Lima – que pertencia ao partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) - , fez várias prisões e lançou ...
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... bombas de gás lacrimogêneo. Acabou recuando, diante de uma multidão cada vez maior afluindo ao local. Frases de efeito ditas durante o velório e repetidas no enterro, no dia seguinte, encontram ecos nas classes médias do Rio de Janeiro e em estudantes de todo o país, entre elas, “Mataram um estudante. E se fosse um filhjo seu?”. Intelectuais e artistas também mobilizaram-se em solidariedade contra o assassinato.
Naquele 29 de março, a Cinelândia amanheceu tomada por populares. Marcharam 50 mil pessoas para enterrar o corpo de Edson Luís. Desde as marchas pela vitória, no golpe de 1964, era a maior mobilização popular já ocorrida. O cortejo foi recebendo a adesão da população, ao passo que as luzes de certas ruas não foram acesas na tentativa de detê-lo, uma vez que ele adentrava a noite”.
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