terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE RUI MOURÃO A OTÁVIO LUIZ MACHADO

DEPOIMENTO DE RUI MOURÃO A OTÁVIO LUIZ MACHADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE RUI MOURÃO A OTÁVIO LUIZ MACHADO
Depoimento realizado pelo projeto “"Estudantes, Universidade e a contribuição ao patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto"”.
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: RUI MOURÃO
LOCAL: OURO PRETO
DATA: 26/02/2003

FICHA TÉCNICA
Tipo de entrevista: Temática
Levantamento de dados, roteiro e elaboração de temas: Otávio Luiz Machado;
Local: Ouro Preto-MG
Data: 26/02/2003
Duração Total da Entrevista: 1 h
Fitas cassete: 1
Páginas: (depoimento parcial)
OBSERVAÇÃO: Texto após revisão feita pelo entrevistado
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Rui Mourão a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “Estudantes, Universidade e a contribuição ao patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto", 2004.

OTÁVIO: eu queria que o senhor traçasse uma opinião sobre os estudantes de Ouro Preto e os estudantes universitários. O que que eles estão contribuindo e o que eles podem contribuir com a cidade em termos de patrimônio, de convivência, e também no sentido de uma divulgação um pouco mais e cidade?


RUI MOURÃO: eu acho que os estudantes podem contribuir muito para a cidade. E a prova disto é que os ex-alunos - aqueles que se formaram aqui e depois se realizaram lá fora ocupando cargos importantes no país - sempre tiveram grande amor pela cidade e grande disposição para servi-la.. A Universidade principalmente tem sido muito beneficiada por esses ex-alunos que nunca se esquecem de Ouro Preto. Isto é uma grande coisa. Acredito, os alunos que estão aqui no momento vão seguir o mesmo caminho, ajudando no que puderem. A vida em Ouro Preto acaba por atrai-los para as belezas da cidade e para o seu lado cultural. Os moços precisam se envolver com os problemas locais. Quanto mais puderem participar, mais estarão em condições de contribuir. Sendo a camada mais esclarecida da população, eles têm responsabilidade a esse respeito O estudante deve procurar se posicionar em torno dos movimentos de defesa do patrimônio. A cidade vive em luta contra os fatores que a degradam, contra pessoas que querem destrui-la e que não têm interesse na preservação do seu patrimônio. A classe estudantil, mais independente, não tem ligações com interesses comerciais ou econômicos que desvirtuam as pessoas. A juventude é sempre generosa.

OTÁVIO: o senhor não acha que as “repúblicas” e seus estudantes mantendo as casas com nenhum recurso da Universidade já não dão uma grande contribuição...?

RUI MOURÃO: É um trabalho interessante esse. Se estas casas estivessem vazias elas se degradariam mais rapidamente. A sua preservação representa uma contribuição. Estando ali gratuitamente, é natural que os estudantes tenham interesse em manter bem esses imóveis.

OTÁVIO: agora, se eu falasse para o senhor que muitos estudantes - não só de “repúblicas”, mas estudantes de um modo geral - conhecem pouco a cidade? O que o senhor acha deste jovem que às vezes sai daqui conhecendo muito pouco Ouro Preto?

RUI MOURÃO: Antigamente a vida do estudante era muito isolada . Ouro Preto era quase como um refúgio. Nada acontecia por aqui. Eles conviviam mais intensamente entre si e, ao mesmo tempo, participavam de tudo o que acontecia na cidade. Hoje a situação mudou. Há estudantes que vêm de longe e estão muito ocupados apenas com a sua formação. A vida moderna é cheia de solicitações e eles não têm tempo para dedicar uma atenção maior a Ouro Preto. Há aqueles que não conhecem, por exemplo, os nossos museus. Talvez nem tenham visitado as igrejas existentes por aqui.

OTÁVIO: têm ainda a natureza de Ouro Preto, as cachoeiras...

RUI MOURÃO: é, existe tanta coisa bonita. A cidade é atraente sob todos os aspectos. Se o estudante não toma conhecimento disso, o que fazer para ajudá-los? Talvez fosse conveniente que se formassem em torno de Ongs e órgãos de defesa do patrimônio. Na medida que houver participação, vão tomar mais interesse pela cidade.

OTÁVIO: o senhor acha que existe uma convivência sadia entre o estudante e a própria população da cidade?

RUI MOURÃO: não conheço bem este problema, porque moro em Belo Horizonte e venho aqui trabalhar. Então, eu não sei como é a questão de vizinhança da “república”. Não posso me pronunciar sobre isto. Mas vejo que há convivência muito boa dos estudantes dentro da cidade. Acredito que não existam problemas mais sérios com relação a isto. Como o senhor informa, os estudantes dão festas e a vizinhança reclama. Mas isto acontece em qualquer lugar. Problemas de vizinhança em Belo Horizonte não são diferentes. Lá, se você dá uma festa na sua casa e ela se prolonga - se é uma festa alegre, barulhenta - logo o telefone está batendo para reclamações.

OTÁVIO: e estas grandes festas em Ouro Preto como o carnaval e o 12 que atraem muitas pessoas?

RUI MOURÃO: isto já não é um problema dos estudantes com a cidade. Ouro Preto é um grande chamariz por se encontrar nas proximidades de Belo Horizonte. A Capital não tem condições para atender certos setores da sociedade - a juventude que deseja se divertir, realizar programas mais interessantes. Sua população jovem acaba saindo para cidades como Ouro Preto, que em datas especiais reúne multidões. A cidade aqui não tem outra saída senão acolher essa gente. Eu acho que ela deve partir para se estruturar bem e aprender a conviver com este tipo de coisa. A festa do 12, por exemplo, é tradição tão arraigada que jamais será abolida. E o carnaval tenderá a crescer, porque não existe a possibilidade do desenvolvimento dessa festa em Belo Horizonte.
OTÁVIO: outra questão é em relação à presença de “repúblicas” no centro histórico. Muitos questionam que deveria levar os estudantes para o campus ao construir novas casas para os estudantes lá. O senhor acha importante o estudante estar morando e convivendo com a comunidade? É algo positivo?

RUI MOURÃO: isto é outra coisa a ser pensada. O espírito da Universidade é o de criar convivência. O campus visa estabelecer um regime de intercâmbio entre as várias especialidades. É interessante que o estudante de Letras conviva com o de Ciência, de Matemática e de Música.Esse seria o ideal da Universidade. Então, não sei se viver isolado na cidade seria a solução mais interessante. A Universidade de Brasília, além de estabelecer moradia no campus, criou os cursos de integração. A integração é fundamental para que o educando tenha visão mais ampla do fenômeno cultural, não se tornando um especialista de viseira, que só enxerga o mundo do seu canto. A convivência no campus talvez fosse mais benéfica, mas reconheço que existe outro problema. A pessoa passa o dia na Universidade, e, à noite, vai continuar convivendo com as mesmas pessoas e envolvida com o mesmo tipo de problema. Ela não descansa nunca. Outra questão a considerar seria do transporte. A Universidade mantém ou financia o transporte?

OTÁVIO: não.

RUI MOURÃO: é por conta do estudante?
OTÁVIO: é por conta, mas já foi financiado há muito tempo atrás pela Universidade. Do centro para o Campus, de Ouro Preto para Mariana, o estudante banca. E muitas vezes o estudante prefere morar em Ouro Preto a Mariana, pois se tem lá piores condições de moradia. Mas o aluno muitas vezes escolhe o seu estudo em função da cidade e das condições onde vai morar. E Ouro Preto o custo é menor.

RUI MOURÃO: será?

OTÁVIO: se a pessoa morar em “república”, sim.

RUI MOURÃO: pode ser que seja mais barato. Mas não é por isso que escolhem Ouro Preto. Hoje o problema do vestibular é muito sério. A pessoa faz vestibular e fica onde consegue aprovação. Grande parte dos estudantes está aqui porque foi onde conseguiu passar no vestibular. Outros alunos, acredito, estão realmente mais interessados no curso que estão fazendo, nos cursos técnicos de maior prestígio daqui. Mas, por outro lado, é preciso considerar, os cursos técnicos já evoluíram muito por todo o lado. Você pode fazer, por exemplo, em alto nível, engenharia civil ou geologia em Belo Horizonte. Não podemos nos enganar, os jovens hoje fazem vários vestibulares e ficam onde der. Temos aqui estudantes - eu sei, eu vejo - que são de São Paulo e vêm estudar letras ou nutrição em Ouro Preto.

OTÁVIO: aqui tem muita gente do Espírito Santo.

RUI MOURÃO: do Espírito Santo, mas da região de Ribeirão Preto já vi muito aluno.

OTÁVIO: pra encerrar eu gostaria que o senhor deixasse uma mensagem para o estudante que esta vindo para Ouro Preto. O que ele deve priorizar em relação à
cidade, em relação a esta beleza da cidade? E a preocupação que ele deve ter com a cidade, levando-se em consideração que ele não esta vindo para qualquer lugar, que ele esta vindo para um lugar que possa se dizer especial.

RUI MOURÃO: pois é, Ouro Preto é especial, é privilegiada. É um milagre. É cidade que foi plantada num lugar onde ninguém pensaria em fazer uma cidade. Ela nasceu no meio de morros, porque a mineração aconteceu aqui, as minas estavam aqui. E as minas foram se espalhando sem deixar de estar concentradas por esta geografia aqui, hostil, difícil. Mas, devemos reconhecer que isso se transformou num motivo de grande beleza do conjunto urbano. Estas descidas e subidas, este movimento permanente das ruas dão especial beleza à cidade. O seu entorno é maravilhoso. Ouro Preto é bonita paisagisticamente, é bonita urbanisticamente, é bonita arquitetonicamente. Além disso tem uma grande significação histórica. Ela é um centro cívico. Aqui nasceu a primeira idéia de liberdade. Seu conjunto é talvez o maior patrimônio que o Brasil possui. Americanos que aqui estiveram preparando uma exposição para o bicentenário do seu país, disseram o seguinte: “Não há nada igual na América. Nem as ruínas do Peru”. Foi a opinião expressa deles. Eu tenho um pouco de dúvida a respeito (risos), porque o Peru é maravilhoso. Mas essa leveza, essa fragilidade e esta multisignifcação de Ouro Preto realmente possuem força extraordinária.O estudante que vem para cá deve tomar conhecimento de tudo isso. Esse é o caminho para que ele acabe se comprometendo com a sua preservação. Ouro aspecto a considerar, Ouro Preto não é uma cidade do interior. Ela é, cosmopolita e metropolitana. Mais ligada a Belo Horizonte do que aquelas que se encontram na periferia da capital. A mentalidade da população é mais aberta. É um povo que pensa diferente, sem provincianismo. Sua população é mais semelhante à da capital mesmo.

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