Texto produzido para o "Simpósio Internacional Métodos Qualitativos nas Ciências Sociais e na Prática Social"
A leitura das narrativas dos ex-alunos da Escola de Engenharia de Pernambuco: a formação profissional e o profissionalismo[1]
Otávio Luiz. Machado[2]
Introdução
O trabalho busca analisar a atuação dos estudantes universitários de Engenharia no período compreendido entre 1958 e 1971, no qual se busca identificar a luta cognitiva em torno do conteúdo da formação profissional em destaque na Escola de Engenharia de Pernambuco (EEP)[3], que foi uma das primeiras escolas específicas desta carreira criada no país (1896).
Assim pretendemos analisar se o conteúdo de formação delineia/remete a uma concepção de educação superior, assim como se os desenhos de formação provocaram alteração/cisão no projeto de formação profissional dos estudantes de Engenharia. E verificar até que ponto o debate empreendido pelo movimento estudantil possibilitou a construção de novos desenhos de formação voltados para um projeto de país.
Este estudo recupera qualitativamente um debate sobre formação profissional num período relativamente recente, que associou qualidade do ensino, a adequação dos currículos e a situação dos profissionais a um projeto de país. Ao mesmo tempo, o nosso trabalho desvenda a origem dos projetos profissionais e sua consistência em relação à situação profissional de fato, sobretudo o impacto destes projetos profissionais na experiência universitária.
Os estudantes universitários – neste caso os militantes estudantis da Escola de Engenharia de Pernambuco – construíram uma importante análise da universidade brasileira por meio de um profícuo debate a partir do ambiente escolar, que associava universidade e sociedade, profissão e intervenção social, carreira e participação política, formação profissional e projeto de país. A análise da documentação que restou deste período tais como boletins, atas, discursos escritos, panfletos e manifestos, além das memórias destes ex-alunos, são os elementos que serão objeto de estudo, ao lado de depoimento dos estudantes que muitas vezes o produziam.
A preocupação dos estudantes com o tema formação profissional passou a ter destaque a partir de 1940, no 1o Congresso do Ensino de Engenharia do Brasil, em Belo Horizonte, quando pela primeira vez um Diretório Acadêmico (o da Politécnica do Rio de Janeiro) apresentou uma tese sobre o que deveria ser o ensino de Engenharia no Brasil. Ainda dois anos antes, durante a instalação do 2º Congresso Nacional dos Estudantes, na recém-criada União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1938, dentre os diversos trabalhos apresentados dois estavam relacionados à temática profissional: 1) formação e orientação profissional e técnica; 2) a mulher estudante frente ao problema do trabalho e em face das organizações profissionais.
Nos anos seguintes foram criados fóruns de discussão próprios dos diversos cursos universitários: Direito (1950, 1a Semana Nacional de Estudos Jurídicos); Engenharia (1953, 1o Congresso Nacional dos Estudantes de Engenharia)[1]; Arte (1953, 1o Congresso Nacional de Estudantes de Arte); Arquitetura e Urbanismo: (1955, 1o Congresso Nacional de Estudantes de Arquitetura e Urbanismo); Filosofia (1958, I Semana Nacional dos Estudantes de Filosofia); e outros. Por iniciativas dos estudantes foram criados eventos acadêmicos, revistas científicas, escritórios-pilotos e outros visando um primeiro contato com o mundo profissional.
A importância do estudo advém da inexistência de investigação que identifique no movimento estudantil brasileiro uma preocupação com a questão educativa, mesmo que o tema da formação profissional estivesse posto como “ponto fulcral de reflexão da juventude brasileira, tanto do ponto de vista da sua adequação às necessidades sociais, quanto às oportunidades ocupacionais” (Brandão, 2005, p. 21).
A contextualização da história brasileira se faz necessária para que possamos analisar sociologicamente a questão da formação e do papel do engenheiro na sociedade, quando a definição das fronteiras das profissões foram postas em destaque, como a luta pelo profissionalismo, na qual a formação profissional e as lutas empreendidas a partir do movimento estudantil no sentido de construir novos desenhos de formação.
Para Costa & Weber (1977, p. 1-2), mudanças significativas na educação superior ocorreram em dois momentos: uma nos anos 1930 e outra nos anos 1950. Quanto aos anos 1930:
“No Brasil o esforço para a industrialização desde 30, determina modificações no ensino superior, fundamentalmente na criação de cursos e estruturação de currículos e programas(1). Tais modificações, decorrentes também da crescente complexidade do conhecimento, se fazem inicialmente de forma espontânea sem a obediência a uma sistemática definição de metas e planos ou a tentativa explícitas de adequação do ensino à realidade sócio-econômica”.
Quantos aos anos 1950:
“Somente na nova etapa da industrialização brasileira, marcada pela produção interna de bens duráveis, que se inicia na década de 50, colocou-se mais explicitamente a problemática do planejamento econômico e do desenvolvimento, e se fez ênfase no planejamento correspondente dos recursos humanos e, assim, do sistema educacional, que deveria adequar-se às necessidades da realidade sócio-econômica” (idem).
Tal estrutura pouco se modificou até os anos 1960.
“Mas, foi só na década de 1960 que uma doutrina sistemática sobre a reforma universitária tomou forma no Brasil, respondendo a esses antigos anseios de superação do modelo napoleônico de ensino superior. Essa doutrina teve suporte institucional no Conselho Federal de Educação e suporte político no regime autoritário resultante do golpe de Estado de 1964. Foi naqueles pensadores alemães que a doutrina da reforma universitária buscou seus fundamentos (Cunha, 1988, p. 17).
A partir dessa década a Universidade passou a ser convocada para resolver problemas sociais e econômicos da sociedade brasileira. Assim, uma nova universidade foi pensada nos anos 1960, em contraposição às universidades tradicionais, privilegiando novas formas para as carreiras consagradas, na qual foi voltada para a formação profissional diversificada e com conteúdo utilitário.
A UFPE, com a qual trabalharemos com uma de suas faculdades – a Escola de Engenharia de Pernambuco –, vivenciou a transformação na sua organização interna – de uma fase democratizante-modernizante para uma fase burocratizante-autoritária (Canuto, 1987).
A primeira fase (1959 a 1964) foi marcada pelo “intenso dinamismo, estimulado pelo debate e pelo livre trânsito de idéias, malgrado a presença institucional de uma tendência conservadora para a qual, inclusive, se deixou espaço de expressão (Canuto, 1987, p. 7-8). Ainda, neste período, afirmou-se
“que é “dever” da Universidade atuar como centro de investigação e pesquisa voltadas para a solução de problemas próprios de uma realidade nacional e regionalmente subdesenvolvida e para a promoção do bem estar da população carente” (Canuto, 1987, p. 17).
A segunda fase (1964 a 1975) foi amplamente diferente da primeira, pois esta vem seguida de um projeto que está
“apregoando a racionalidade e eficiência administrativas, justifica o controle da IES por uma elite imbuída da desejada “mentalidade racional” localizada nas instituições centrais que lidam com a educação, e à qual competirá, por mérito, definir objetivos e conteúdos a serem defendidos e veiculados pelas IES” (idem, 1987, p. 27).
Nestas duas fases identificamos um debate sobre formação profissional advinda das entidades estudantis organizadas ou espontaneamente suscitadas por algumas lideranças. Por outro lado, a própria instituição também produziu um debate sobre o mesmo tema, embora nem sempre em coincidência com a outra, que conduziria à formulação de propostas de desenhos de formação.
Na construção de um conhecimento sobre os estudantes universitários nos anos 1950/1960, sobretudo por se tratar de uma época marcada por enorme efervescência política, pluralidade ideológica, movimentos sociais e políticos de caráter revolucionários e também pela “modernização conservadora da economia, concentradora de riquezas e considerada pela classe dirigente como a única saída viável para superar a crise vivida em meados da década de 60” (Ridenti, 1993, p. 30), cremos que alguns aspectos devem ser especialmente percebidos e captados, pois a questão temporal muitas vezes nos impede a captação do real de forma satisfatória. Será um dos aspectos que trataremos a seguir.
Os caminhos metodológicos adotados
Os indivíduos que identificamos entre os anos 1950 e 1960 eram estudantes universitários considerados privilegiados e que representavam uma minoria a adentrar na universidade brasileira. Tinham grande conhecimento das carências do país, sobretudo da questão do subdesenvolvimento, que pode ser observada na melodia “canção do subdesenvolvido”[4]. Explora um país “deitado em berço explêndido” que sempre foi colonizado. Mas um país que também tenta se soerguer.
Uma particularidade deste grupo que entrevistamos, sobretudo os que exercem ainda a Engenharia, é a participação ativa em entidades associativas como Clube de Engenharia, CREA ou mesmo os eventos esporádicos desenvolvidos formalmente pela instituição de ensino ou informalmente por eles próprios.
Estes mesmos profissionais vivenciaram o auge da Engenharia brasileira, assim como a gradativa perda destes espaços na sociedade ao longo do tempo. Mas a perda desta visibilidade e de reconhecimento não foi de encontro ao controle de mecanismos simbólicos que visam a reproduzir e impor sua autoconcepção profissional. Pelo contrário. Eventos comemorativos, publicações e discursos em solenidades diversas mantêm o discurso do profissional formado pela Escola de Engenharia de Pernambuco e reforçam a imagem dos mesmos como muito ligados ao social, o que denominam “engenheiros do social”.
O contato inicial com muitos destes ex-alunos que estiveram presentes na EEP no período de 1958 a 1971 já foi feito por meio de realização de entrevistas, que totalizam de vinte e dois (22) depoimentos. As entrevistas tiveram um caráter não-estruturado, ou seja, entrevistas em profundidade, quando realizamos uma conversação guiada – sem a exposição sistemática de perguntas pré-formuladas –, para a obtenção de informações detalhadas e propícias uma análise qualitativa.
Desta amostra, 80% dos depoentes tiveram atuação como presidentes ou vice-presidentes do Diretório Acadêmico da Escola de Engenharia de Pernambuco[5] e concluíram seus cursos. 10% dos depoentes tiveram atuação junto ao movimento estudantil da EEP, mas não ocuparam cargos no Diretório Acadêmico, além de concluírem sua formação superior em outros cursos. Outros 10% são estudantes que estudaram em outras escolas, no qual ocuparam cargos em DCEs, UEP ou em movimentos importantes que estiveram atuando juntamente com estudantes da Escola de Engenharia de Pernambuco.
Dentre os entrevistados que tiveram atuação em entidades ligadas à UFPE, podemos informar que vários deles militaram em partidos políticos ou organizações, tais como, o PCB, PCBR, AP e JUC. E tratamos questões específicas sobre: a) A imagem sobre a Escola de Engenharia; b) Pontos discutidos pelo movimento estudantil que tratavam de desenhos de formação; c) O peso da formação profissional nas preocupações cotidianas dos estudantes; d) o ponto de encontro da formação profissional com um projeto de país; e) A preocupação com a realidade brasileira; f) o papel do engenheiro na sociedade; g) A importância da universidade para o desenvolvimento brasileiro; h) A contribuição dos estudantes para a efetivação de uma reforma universitária.
Foi estabelecido um ambiente favorável para entrevistar este grupo de ex-alunos da Escola de Engenharia da Escola de Engenharia de Pernambuco, ou seja, um "rapport" positivo entre pesquisador e cada depoente, o que permitiu a criação de uma relação de confiança, reforçada pelo fato de o contato ter sido feito ou mediado por indivíduos que mantêm relações com os mesmos, conhecedores da realidade que eles próprios contracenaram.
O uso de depoimentos pode fornecer ao pesquisador maior segurança no tratamento das questões obscuras no exame de documentos, já previamente realizadas nos arquivos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Arquivo Público Estadual de Pernambuco (APEJE) e Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), além dos diversos arquivos particulares, permitindo alargar o conhecimento do universo em que elas estavam imersas e das interpretações que realizam a um sujeito. Vale dizer que muitos dos documentos foram produzidos pelos próprios entrevistados tempos atrás. Então os depoimentos, no caso, auxiliam na construção do contexto histórico, social, cultural e político em que novos desenhos de formação do engenheiro eram postos.
Embora o uso de entrevistas ou depoimentos nas ciências sociais constituam uma técnica para se “registrar o que ainda não se cristalizara em documentação escrita, o não-conservado, o que desapareceria se não fosse anotado” (Pereira de Queiroz, 1991, p. 1-2), para o caso em estudo o recurso a esta técnica visa a esclarecer os pontos que orientaram os projetos de formação então em debate.
Dessa forma, os registros orais uma vez transcritos tornam-se igualmente documento, e o seu aproveitamento na pesquisa dependerá de uma análise rigorosa, o que significa a devida decomposição deste texto, a fragmentação de seus elementos fundamentais para que se possa utilizar o que é compatível com o problema estudado.
De todo modo, “é específico das ciências sociais necessitar sempre o pesquisador de dados colhidos de fontes as mais variadas, quando quer abarcar de forma ampla a realidade que estuda” (idem, 1991, p. 12).
Nas narrativas (no caso dos ex-alunos), as mesmas não constituem por si uma forma de explicação da realidade, mas “um procedimento expressivo que visa a explicar uma mudança sucedida entre dois pontos terminais” (Lima, 1988, p. 46). Aliás, a narrativa histórica embora exija um aparato documental (idem, p. 50), o ultrapassa a análise do acontecido, e busca a sua significação.
Neste tipo de narrativa são trazidos elementos históricos que têm significado nas experiências dos depoentes, o que pode ser observado nas falas, nos gestos, nos silêncios e na própria ênfase dada a cada questão levantada na relação entre pesquisador e entrevistado e própria relação estabelecida entre eles.
Vale lembrar que a memória é posição social do presente. A relação entre presente e passado em cada texto vai explicitando as marcas da própria vivência de quem vai narrar. Assim, certamente são inevitáveis anacronismos, pois ao se lembrar de determinados fatos ao mesmo tempo se apagam diversas trilhas da memória.
No contato com diversos “personagens” da história do movimento estudantil da Escola de Engenharia de Pernambuco percebemos surpresa de sua parte porque um pesquisador se interessava em abrir um espaço para que compartilhassem experiências de um período estimulante e enriquecedor de suas vidas. E isto teria mobilizado a disposição para retrabalhar a memória da própria escola, pela indicação de outros informantes e de documentos.
As condições favoráveis à reflexão sobre a sua formação fizeram da entrevista um caminho para o acesso a todos documentos importantes para a análise da questão, complementando os parcos dos arquivos universitários e públicos do Recife. Desse modo, foi possível trabalhar com uma parte da documentação oriunda de arquivos particulares, que se tornou fonte documental relevante.
As “falas” destes ex-alunos trazem elementos significativos, como a forte presença da antecipação de elementos sobre a futura profissão nas preocupações dos estudantes (aproximando-se do que Merton chamou de socialização antecipatória), a socialização profissional como etapa de aprendizagem conjunta entre profissão e participação política, forte responsabilidade pela sua própria formação profissional, a preocupação com a reforma universitária como fator essencial para melhorias necessárias a uma excelente formação profissional etc. Elementos que são propícios para que possamos compreender como foram incorporadas ao projeto de formação profissional os desafios do país na fase de capitalismo tardio brasileiro, assim como o discurso sobre formação profissional foi construído e tornou-se hegemônico no curso de Engenharia.
O perfil do estudante a ser formado profissionalmente pela Escola de Engenharia de Pernambuco, privilegiava a formação generalista, menos teórica, considerando questões regionais nos currículos e propondo intervenções para a sua resolução. A tônica da época era que ser engenheiro era também ser responsável e tomar parte na resolução de problemas nacionais, rejeitando assim a formação de natureza meramente acadêmica.
Algumas conclusões iniciais apontam para uma participação positiva dos estudantes em defesa de propostas que iam ao encontro à redução da desigualdade da sociedade brasileira, à inclusão de temas que defendiam o nacionalismo e a soberania do país com a defesa de uma maior abertura dos cursos universitários a amplos setores da população brasileira. Mas também na reserva de mercado, na supervalorização da profissão do engenheiro em detrimento das demais carreiras profissionais e de uma ideologia do profissionalismo.
Nas entrevistas buscamos apreender suas visões de mundo, lembranças e domínio do tema que tratamos, sendo ouvidos quase todos os presidentes e vice-presidentes do Diretório Acadêmico da EEP do período escolhido para a análise, que foram divididos em dois sub-grupos: os que exercem atualmente a Engenharia, e os que realizam outras atividades profissionais. Tratamos seus relatos como depoimentos, tendo em vista que eles puderam narrar de forma livre sobre os desenhos de formação na Escola de Engenharia de Pernambuco do período em pauta. Ainda tivemos acesso, via depoimento de terceiros, menções às atuações de dois líderes estudantis que ocuparam a presidência da União dos Estudantes de Pernambuco (UEP)[6].
Entre os depoentes entre que continuaram na área de Engenharia foi possível observar que a questão da formação profissional foi vista com maior profundidade sendo freqüente a referência aos anos dispendidos no sistema universitário e a sua influência no seu desempenho e rendimento na vida profissional.
Quanto aos estudantes que não concluíram o curso de Engenharia, mas voltavam-se para outras carreiras liberais clássicas (Medicina e Direito), ou para a Economia.
Num momento em que as entidades corporativas da área de Engenharia buscam trazer a profissão de engenheiro para um espaço que fez parte do passado, cremos que estudos acadêmicos que tratam desta profissão poderão ser alvo de atenção quando os mesmos estiverem publicizados, sobretudo visando um maior aproveitamento dos dados que lhe sejam de interesse.
A análise dos resultados
Na análise mais adiantada dos dados pretendemos trabalhar com análise de discurso, pois estaremos mais preocupados em analisar como os discursos foram construídos e não a sua significação e conteúdos em si. È fundamental para percebermos que os sentidos são construídos a partir de outros discursos, ou melhor dizendo, como o significado é construído neste processo. Pretendemos ir além do que está posto nos textos, diferentemente da chamada Análise de Conteúdo, pois o que nos importa na análise são as formas como este conteúdo foi construído, a posição assumida pelos sujeitos e as inferências necessárias para a construção do discurso propriamente dito. Assim, consideramos que os sujeitos atuam dentro de uma formação discursiva que geram processos discursivos efetivos (Eagleton, 1997, p. 173), e que o que falam nos remete à questão da polifonia, conceito elaborado inicialmente por Bakhtin, que pensa um discurso sempre tecido ao discurso do outro, ou melhor, toda fala é atravessada pela fala do outro. Assim, o locutor não fala diretamente, mas através de várias fontes enunciativas.
Em Marxismo e filosofia da linguagem, Bakhtin reforça que o ser humano é um ser de linguagem, ou seja, um ser que se comunica, embora reconheça suas limitações, pois a palavra não é verbal, mas é a expressão de uma linguagem , que não é só a palavra verbal. Assim, toda a questão se coloca em termos de comunicação, que vincula indivíduo e sociedade. Se sente e se manifesta além das palavras. O indivíduo nasce num mundo de linguagem: antes de vir ao mundo já falam dele. Para Bakhtin, a palavra está em todas relações entre indivíduos e são tecidos por “fios ideológicos”, e será “sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados” (Baktin , 1992, p. 41).
Por outro lado, a língua que é um fato social e é fundada nas necessidades de comunicação entre os indivíduos. Aponta para o enunciado (que é verbal), mas também para o contexto da enunciação, que não é verbal.
Para ele a vida é dialógica por natureza. E é preciso centrar na questão da interação e da vida cotidiana, pois a linguagem é criada coletivamente. Ele trata do textual, do intertextual e do contextual, da linguagem como uma resposta a alguma coisa, um diálogo cumulativo entre o eu e o outro. Um diálogo é sempre um diálogo com outros textos.
Ademais, a juventude universitária do período que estudamos (1958-75) são identificados como os protagonistas de movimentos pela reforma universitária, formação profissional e a construção de novos desenhos de formação. Eventos que precederam este período como a criação da UNE, os congressos nacionais de estudantes de Engenharia nos anos 1950, a campanha “O Petróleo é Nosso” etc fizeram parte da memória discursiva dos estudantes dos anos posteriores.
Considerações finais
Para compreender o sentido de intervenção dos estudantes universitários seria preciso estabelecer o elo das palavras participação, construção e intervenção com a formação discursiva em que ela se inscreve (Orlandi, 2005). Para essa formação discursiva que toma como paradigma de participação dos estudantes na questão da formação profissional, as formas consagradas como as reivindicações e propostas apresentadas estavam inseridas dentro de um contexto em que existiam outros movimentos reivindicatórios, cujos discursos também foram utilizados para reforçar as questões postas. Assim, o discurso do movimento estudantil da Escola de Engenharia de Pernambuco passava pelos movimentos sociais também atuantes através de um interdiscurso, que também estará sendo identificado na análise dos dados.
Referências bibliografia
BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Hucitec, 1992.
BRANDÃO, C. S. Movimento Estudantil Contemporâneo: uma análise compreensiva das suas formas de atuação. Recife: Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFPE, 2005. (Tese).
CANUTO, V. R. “Projetos Institucionais e conjuntura política”. In: Comunicações Pimes, n. 31, UFPE/PIMPES, 1987.
CARVALHO, M. A. R. O quinto século: André Rebouças e a construção do Brasil. Rio de Janeiro: Revan/IUPERJ-UCAM, 1998.
COSTA, L. P. & WEBER, S. “Universidade e desenvolvimento: novas considerações sobre uma velha ilusão”. In: A Universidade e seus mitos, Comunicações Pimes, n. 18, UFPE/PIMES, 1977.
CUNHA, L. A. A Universidade Reformanda: O golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988.
EAGLETON, T. Ideologia: uma introdução, São Paulo: Editora da UNESP/Editora Boitempo, 1997.
LIMA, L. C. Aguarrás do tempo. Rio de Janeiro: Imago, 1988.
ORLANDI, E. Análise do discurso: princípios e procedimentos. Campinas: Pontes, 2005.
PEREIRA DE QUEIROZ, M. I. Variações sobre a técnica de gravador no registro da informação viva. São Paulo: Editora T.A. Queiroz, 1991.
RIDENTI, M. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 1993.
[1] Trabalho apresentado no GT Socialização, Cultura e Educação
[2] Mestrando em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pesquisador do Grupo Educação e Sociedade (UFPE) e Coordenador de Atividades do Projeto nacional “A Engenharia Nacional, os Estudantes e a Educação Superior: a Memória Reabilitada (1930-85)” (UFPE/CTG/PROEXT).
[3] Desde os anos 1960 o nome da Escola de Engenharia de Pernambuco está vinculada ao Centro de Tecnologia e Geociências da Universidade Federal de Pernambuco (CTG/UFPE).
[4] A “canção do Subdesenvolvido” foi uma das canções mais difundidas pelo Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), no início dos anos 1960.
[5] Já mantivemos contatos com as seguintes gestões de presidentes do Diretório Acadêmico da EEP: 1958-59, 1962-63, 1964-64, 1964-65, 1965-66, 1967-68, 1968-69 e 1971-72. E com as seguintes gestões de vice-presidentes do Diretório Acadêmico da EEP: 1961-62, 1962-63, 1963-64, 1966-67, 1967-68 e 1968-69. Além destas 14 entrevistas, ainda fazem parte do corpus da pesquisa correspondências do Diretório Acadêmico, atas, boletins, panfletos, artigos de estudantes etc.
[6] Os dois líderes foram: Sylvio Lins (gestão 1960-61) e Cândido Pinto (gestão 1967-68).
2 comentários:
sou sobrinha de Sylvio Lins e fiquei feliz de ver a menção a ele aqui. Abs, Renata Lins
Renata, oi, mande um e-mail para a gente ir te informando sobre a divulgacao das histórias. Recentemente li um livro sobre o Marcos Lins
meu e-mail é: otaviomahado3@yahoo.com.br
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