quarta-feira, 19 de março de 2008

Depoimento de Cesar Maia

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
PROJETO INTEGRADO: RECONSTRUÇÃO HISTÓRICA DAS REPÚBLICAS ESTUDANTIS DA UFOP
DEPOIMENTO DE CÉSAR MAIA
A
OTÁVIO LUIZ MACHADO
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: CÉSAR EPITÁCIO MAIA
LOCAL: RIO DE JANEIRO-RJ
DATA: 28/01/2003


FICHA TÉCNICA
Entrevistado: César Epitácio Maia
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Colaboradores durante a Entrevista: Leila Castanheira e Nelson Carvalho
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Rio de Janeiro-RJ
Data: 28 de Janeiro de 2003
Duração: 1 hora e 30 minutos
Fitas cassete: 2 (duas)
Páginas:
Proibida a publicação no todo ou em parte.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz. Depoimento César Maia à Otávio Luiz Machado. Ouro Preto, Projeto Reconstrução Histórica das Repúblicas Estudantis da UFOP, 2003.



Otávio: O que o levou a deixar família e se fixar em Ouro Preto?
César Maia: Meus pais tratavam com muita seriedade a questão dos estudos. Minha mãe trabalhava no Ministério da Educação e meu pai era engenheiro e professor da Escola Nacional de Engenharia, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ, e servidor público do DASP1, sendo aprovado no primeiro concurso em 1937. Ele foi também diretor da Casa da Moeda de 1946 a 1960 e depois diretor do grupo de Trabalho de Brasília, que mudou administrativamente a Capital Federal. Fui estudar engenharia em Ouro Preto por orientação de meu pai. A Escola de Minas2 era de longe a mais tradicional e a mais importante em matéria de geologia e de engenharia de minas, e segundo meu pai este era o mercado mais promissor para o engenheiro. De fato a Escola de Minas está na origem do sistema universitário brasileiro3. Até praticamente 1870, por influência do Visconde de Rio Branco, havia uma grande escola central no Rio de Janeiro e depois surge a Escola Militar, que se transforma em escola técnica, formando engenheiros. Na mesma época é inaugurada a Escola de Minas de Ouro Preto, por intermédio de um engenheiro de minas chamado (Claude-Henri) Gorceix, que é uma figura venerada na Escola de Minas.

Otávio: Você decidiu enfrentar sozinho o desafio?

César Maia: Eu prestei vestibular em Ouro Preto juntamente com três estudantes. Éramos vizinhos no Rio de Janeiro e freqüentávamos juntos o curso Vetor. Eu os convenci a estudar engenharia de minas. Eram dois irmãos, Helvécio e Gerson, filhos de um getulista fanático, e um outro amigo descendente de turcos. Chegamos a Ouro Preto e logo fomos procurar uma “república” que aceitasse jovens que ainda prestariam o vestibular. Todas aceitavam, mas era necessário contribuir com as despesas. Fomos encaminhados para a “república Pureza4”. Na época o presidente daquela “república” era Nelson Maculan Filho5, que estava prestes a concluir o curso de engenharia. Nelson era um grande líder dos estudantes de Ouro Preto e muito admirado, e que havia sido preso durante o golpe militar de 19646 como membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB)7. Seu pai era o Senador Nelson Maculan .

Otávio: Como era a vida em Ouro Preto e qual a influência de Nelson na “república Pureza”?
César Maia: Em Ouro Preto as noites eram regadas à cachaça, que era a bebida dos estudantes. A cerveja era muito cara. As “repúblicas” aglutinavam os estudantes. Nelson era uma figura que nós admirávamos. Ele nos contava diversas histórias e passamos a conhecer um pouco melhor a história política e do papel do movimento estudantil naquele período. Estávamos no final de 1965 e o vestibular seria no início do ano seguinte. Nelson nos explicou o que era a URSO – União das Repúblicas Socialistas Ouro-pretanas, que congregava os estudantes de esquerda de “repúblicas” a “Pureza”, “Canaan” e “Castelo dos Nobres”. Não me recordo se a “república Reino de Baco” fazia parte da URSO. Já a “Vaticano”, que ficava no andar de cima do prédio onde estava a “Pureza”, era marcada pela contradição, pois tinha pessoas da esquerda e da direita.

Otávio: Nelson era um dos líderes da URSO?

César Maia: A cúpula da URSO estava nas “repúblicas” “Pureza”, “Canaan” e “Castelo dos Nobres”. Os dois grandes líderes eram o Nuri (Andrauss Gassani)8 e o Nelson Maculan Filho. O Nuri era da “Canaan” e se manteve na liderança por mais tempo, pois se formou um ano depois do Nelson. Os dois se atrasaram nos estudos por causa do golpe militar de 1964. Além destes, quando entrei na “república”, outros dois estudantes compunham a direção, o Sérgio Maculan9 e Jacques Herskovic 10, que assim como o Nelson, eram do Partido Comunista local.
Otávio: As “repúblicas” de estudante tiveram um papel fundamental no movimento estudantil em todo País. Como era a inserção política nas “repúblicas” da URSO?
César Maia: Os livros lidos nestas “repúblicas” eram doutrinários. Primeiro na linha de doutrinamento do Partido Comunista. A sensibilização começava com a leitura da Mãe11, de Máximo Gorki12, e dos Subterrâneos da Liberdade, de Jorge Amado13. Assim era a introdução do militante do Partido Comunista. Depois vinham os livros de doutrinação, que eram clandestinos naquela época, eram aqueles que tinham sobrado da Editora Vitória14. Ficavam escondidos dentro das “repúblicas” ou fora, em sacos plásticos. A Editora Vitória publicava as obras marxistas, casos de Os Fundamentos do Materialismo Dialético, de (Victor Grigorievitch) Afanassiev15, que era um livrão amarelo. Primeiro vinham os livros tipo manual. Depois de ter lido aqueles livros tipo manual, você se achava o próprio filósofo. Lia-se aquele resumo de As Teses sobre Feubarch16: “Vamos transformar o mundo e não interpretar”, e tal e tal. Primeiro era-se doutrinado por intermédio dos manuais e depois nos textos. O primeiro texto era o Manifesto do Partido Comunista17. E depois vinham os outros textos de leitura mais difícil. Em seguida, o estudante era classificado como simpatizante.
Otávio: Este também foi o seu itinerário?
César Maia: Eu e o Helvécio passamos por esta iniciação. Depois o Helvécio não quis entrar no Partido, e ficou fora. E eu entrei no Partido sozinho. Ao se tornar simpatizante você começava a recebe o jornal Voz Operária (jornal oficial e clandestino do Partido Comunista Brasileiro). Naquele momento estava se iniciando o 6º Congresso do Partido Comunista. Então a Voz Operária vinha com os anexos, que eram as posições dos grandes dirigentes do Partido Comunista naquele momento. Passei a integrar e a ser militante do Partido Comunista. Naquela ocasião houve uma mudança no Partido Comunista local, e ele passou a adotar teses mais radicais.

Otávio: O que aconteceu com o Partido?

César Maia: O Partido foi se tornando progressivamente foquista. E passou a se inspirar no Partido Comunista de Minas Gerais, cujo líder maior na época era Mário (Roberto Galhardo) Zanconato 18, o “Xuxu”, que acabou trocado pelo embaixador norte-americano19 – com o grupo do Vladimir (Gracindo Soares) Palmeira e do José Dirceu (de Oliveira e Silva)20 –, rumando depois para Cuba. Mário Zanconato se tornou um grande cardiologista em Cuba. Ele era um homem frio, muito magro, baixinho, duro. Mário acabou levando o Partido Comunista para uma linha foquista. No mesmo período, houve uma mudança na direção do Partido Comunista de Ouro Preto, assumindo a liderança Hélcio (Pereira) Fortes21. Depois veio a substituir o “Velho” (Joaquim Câmara Ferreira)22. (Carlos) Marighella23 morreu. O “Velho” ficou no lugar de Marighella. E ficou substituindo o “Velho” depois do assassinato do “Velho”. Hélcio foi assassinado brutalmente na cidade do Rio de Janeiro24.

Otávio: Você conviveu com Hélcio Fortes neste período. Como ele era?

César Maia: Hélcio era uma pessoa suave, filho de farmacêutico. Em Ouro Preto havia três grandes escolas: a Escola de Minas, a Escola de Farmácia e a Escola Técnica, que era uma grande escola. Era uma das melhores escolas técnicas do Brasil. O Hélcio vinha da Escola Técnica. Ele era secundarista. Era estudioso, dedicado 24 horas por dia. Ele assumiu a Presidência do Partido Comunista Brasileiro de Ouro Preto e a Secretaria Geral. No Partido eram três secretarias: a Secretaria Geral, que era a modelagem do Partido Comunista, a Secretaria de Organização e a Secretaria de Agitação e Propaganda. Me tornei o secretário de Agitação e Propaganda e Jacques (Herskovic) era secretário de Organização.

Otávio: Qual era o trabalho que você desenvolvia na Secretaria de Agitação e Propaganda?
César Maia: A orientação do Partido era basicamente fazer a agitação contra a ditadura. Para tanto, utilizamos dois instrumentos: a pichação e a panfletagem. A pichação era feita com aqueles blocos de piche. Nós produzíamos aqueles blocos e depois deixávamos Ouro Preto em direção ao mato, onde preparávamos uma fogueira para fazer mingau de piche. Depois colocávamos aquele mingau em moldes e confeccionávamos cilindros de piche. O material ficava escondido. Quanto a panfletagem, ela ocorria principalmente nas portas de fábrica. Priorizávamos a Aluminas, da Alcan, e os mineiros de Passagem de Mariana. Na época a luz era muito fraquinha, da CEMIG (Centrais Elétricas de Minas Gerais).

Otávio: Você deve se recordar de diversas ações de campo?

César Maia: Vale destacar a ocasião em que fiz uma pichação com mais duas pessoas. Era a véspera do dia 21 de abril25. Acredito que isso foi em 1967, se não me engano, ou em 1966, pois eu já estava traquejado. Após uma panfletagem, na hora em que os trabalhadores rumavam para o trabalho, por volta das 5 horas da madrugada, fizemos pichação enquanto voltávamos para Mariana, com objetivo de pegar o ônibus. O resultado foi que no relatório do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social)26 ficou registrado que foram deslocados militantes de Minas Gerais e de outros lugares do Brasil para pichar a cidade na presença do Presidente, do Governador de Minas e de outras autoridades no dia 21 de abril. Mas foram apenas três pessoas. Pichamos a cidade e todo o caminho até Passagem de Mariana. Pichar e panfletar era basicamente a nossa ação.
Otávio: Que outros trabalhos você desenvolvia?

César Maia: Eu acumulava também a Tesouraria do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto27 e era responsável pela edição do jornal do Diretório, O Martelo28. Foi aí que teve a primeira grande confusão. Eu vinha para o Rio de Janeiro e rodava o jornal na Gráfica do Jornal do Comércio. Fiz duas edições. Porém foi a segunda que deu o problema mais grave. Foram citações de Mao Tse-Tung, do Livrinho Vermelho29, que ainda não tinha sido publicado no Brasil. Por isso todo mundo queria ter aquele jornal (risos). A edição anterior era sobre a Guerra do Vietnã, se eu não me engano.

Otávio: Cada vez você se envolvia mais na militância?

César Maia: Na época tínhamos como referência a OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade)30, que era referência a Cuba. Passei a pertencer ao Diretório do Partido Comunista Brasileiro em Minas Gerais, com o comando do “Xuxu”. Passei a ter relação direta com o “Xuxu” quando começou a discussão sobre o VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro31. A nossa inspiração era o Mário Alves32. Nós éramos da corrente Marioalvista, que resultou na CORRENTE (Corrente Revolucionária de Minas Gerais)33.

Otávio: Houve uma cisão das lideranças?
César Maia: Mário Alves resolveu, junto com Apolônio de Carvalho34, criar o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Enquanto o “Xuxu” estava mais ligado ao Marighella. Mário Alves reunia-se conosco para dar as orientações. Então, quando houve a ruptura no VI Congresso, e Mário saiu para fundar o PCBR, o “Xuxu” nos levou em direção ao Marighella. E nós passamos a ser a (organização) CORRENTE, pois a idéia de Marighella era que todas as dissidências e correntes não se organizassem. Cada um ficava como um grupo solto, com ligações que se definiam por senhas e com diversas normas de segurança. Marighella não queria uma organização grande35.
Ele queria dezenas de organizações pequenas e que ele seria uma delas, que acabou sendo a ALN (Ação Libertadora Nacional). Foi quando aconteceu um fato que mudou o rumo. Eu já estava deslocado do Movimento Estudantil, já estava profissionalizado na política em Minas Gerais, e havia me inscrito como estudante da UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro, na Escola de Engenharia, em 1968. Vinha para o Rio uma vez por semana. A profissionalização veio depois da minha prisão ocorrida em Belo Horizonte por panfletagem.

Otávio: Como foi a prisão?
César Maia: Eu estava me preparando o 30º Congresso da UNE – União Nacional dos Estudantes36. Eu tinha participado lateralmente do 28º Congresso da UNE em Belo Horizonte, em julho de 196637. Depois fui mandado pelo PCB de Minas Gerais para participar do 29º Congresso da UNE em Vinhedo, São Paulo, na casa dos padres38. Eu não ia para Ibiúna, porque estava em outra missão. Fui preso em Belo Horizonte, fazendo a preparação para o Congresso de Ibiúna39. A CORRENTE considerou essa prisão um desperdício, pois eu estava panfletando para o Congresso da UNE, quando deveria estar atuando em tarefas mais nobres. Quando eu estava neste processo de treinamento para a luta armada, não participei de nenhuma ação direta, mas sim de ações de apoio. Eu participei, por exemplo, do primeiro assalto à banco em Minas Gerais, que se eu não engano, foi o assalto da Caixa Econômica, na periferia de Minas Gerais. No assalto, eu ficava fora, ficava vigiando apenas de longe, pois se acontecesse algo errado, eu entraria e daria apoio aos companheiros que estavam na ação. Não me recordo bem, mas acho que participaram daquela ação secundaristas de Ouro Preto e Belo Horizonte.


Otávio: Você já era uma pessoa importante para a CORRENTE?

César Maia: Eu já era tratado pelo “Xuxu” como um quadro qualificado para o debate. Eu participaria do Congresso representando a linha da CORRENTE, do Partido Comunista. Era para polemizar. O Congresso de Ibiúna foi dirigido pelo José Dirceu. A liderança do Congresso de Campinas foi o (Luís Gonzaga) Travassos (da Rosa). Houve um grande debate entre o Vladimir (Palmeira) e o Travassos. Eu representava a nossa ala, e tínhamos aquelas coisas de estudante. Você citava: “Não é assim que (Vladimir Ilitch) Lênin40 pensava, companheiro? De que livro? Quando ele foi escrito?”. Então não bastava estar com tudo decorado, não. Você tinha de estar naquele texto. Você só usava frases do livro que tinha lido, pois depois havia uma plenário. Era no plenário onde as coisas não aconteciam. Elas aconteciam nas reuniões. Eu participava representado a CORRENTE em um debate com os grande líderes, que eu não era. Mas era ali que nós polemizávamos. Nosso livro de cabeceira, a partir de 1967, já era Revolução na Revolução41, do Régis Debray42. Foi neste manualzinho que aprendi a Teoria do Foco, que demonstrava que você cria um ponto que eletriza, que existem razões de eletrização e de multiplicação. Portanto, o importante é ter avaliação deste quadro, preparar as condições de multiplicação e deflagrar o foco. Isto como metodologia geral. Em 1968, fui preso uma segunda vez em uma reunião do Diretório de Direito, se eu não me engano. É que eu fui mandado para retirar o nosso pessoal de lá. Porque aquilo ali era uma provocação, as pessoas acabariam presas. Em Belo Horizonte, eu ficava na casa da minha tia ou no Edifício Maleta43. A maioria se hospedava no Maleta, e se a polícia cercasse o edifício acabava a revolução em Minas.

Otávio: No edifício Maleta você dividia apartamento com Play44?

César Maia: Não era algo constante morar com o Play, pois eu nunca residia em lugar fixo. Dormia, saía, e retornava para casa de minha tia, como um estudante pacato. Vivia essa constante movimentação. Porém, quando fui tirar o pessoal da reunião do Diretório de Direito, a polícia cercou o local e eu fui o único preso, pois já tinha ficha. Saiu aquele bando de estudante, e disseram: “Você pra cá”. Me colocaram no camburão e levaram porque eu já era fichado, manjado. Então tive que entrar na clandestinidade. Na mesma época veio a convocação para o Congresso de Ibiúna, que era considerado um Congresso muito importante. E quem representaria a CORRENTE era um rapaz magrinho, de óculos, da Escola de Direito. Se eu não me engano, chamava-se (Sérgio) Bitencourt (Siqueira).

Otávio: E como você acabou sendo escalado para o Congresso?
César Maia: É que o Bitencourt ficou doente, ficou com febre. Não sei exatamente o que houve com ele, mas ele desistiu de ir. Foi a minha sorte, na verdade. E aí eu fui chamado pela direção do Partido, pela CORRENTE, pelo “Xuxu”: “Nós temos que estar representados. Nós temos que ir num Congresso desse. Você vai ter que voltar e vai representar o Partido”. Eu estava na Escola de Engenharia do Rio. Eu representava quem? Na verdade ninguém. E aí eu fui. Durou muito pouco, mas o Congresso de Ibiúna era gigantesco, organizado lá no meio do mato. Fizeram um descampado. E cada vez que alguém chegavam na padaria da cidade comprava mil pães. E ninguém desconfiava de nada (riso geral).
Otávio: O atual ministro José Dirceu era uma das estrelas do Congresso?
César Maia: O José Dirceu era uma espécie de ídolo das mulheres. Ele usava um cabelo grande, assim (mostra alguém com uma cabeleira), e uma capa preta. Ele era o ídolo, as mulheres ficavam “Oh” (ar de suspiro das mulheres). Todo mundo queria dar pro Zé Dirceu. E eu ficava ali, discreto, sentado na minha arquibancada, aguardando o Congresso começar.
Otávio: E o Congresso estava fervilhando...
César Maia: Só que antes do Congresso começar era muita discurseira. Aí entrou a polícia. Uns correram. Correram para todo lado. E eu fiquei ali sentado, quietinho e parado. Já estava acostumado a ser preso. Aí tiros de metralhadora: “ta tá tá tá tá tá tá tá tá tá” (sinal de tiros de metralhadoras). Não ficou ninguém! Aquele plenário ficou vazio. E eu continuei sentado. Então escolhi o melhor cobertor. Se vou ser preso, por que correr? Escolhi cobertor, peguei balas e comida dos outros. Eu fiz um farnel, escolhi casacos, escolhi roupas, peguei cobertor. Grosso. Botei assim, em cima (mostra alguém com algo pendurado pelas costas). E ali fiquei sentado. Até que aparece alguém e diz: “Opa, você aqui para baixo, entra na fila!”. Desci com as minhas coisas e: “O que tem aí dentro?!” Eu falei: “Comida, bala”, e tal. Entrei na fila, aquela fila enorme, em direção aos ônibus, que levaram a gente para o Carandiru. E aí eu fiquei preso no Carandiru ali alguns dias. E daqueles oitocentos e tantos estudantes presos, só vinte foram selecionados: doze de Minas Gerais e oito do resto do Brasil. Foi o Vladimir (Palmeira), o (Luís) Travassos, o Franklin (de Souza Martins)45, que eu acho também, que era Presidente da UNE, o Franklin Martins. Entre os doze de Minas que já tinham vida pretérita intensa, ali estavam eu, o João Batista dos Mares Guia46, o Valdo Silva, o Presidente do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Pedro, João Batista – excelente quadro – o (José Carlos da) Matta Machado47, que foi assassinado depois em guerrilha no Nordeste. Enfim, foram oito ou doze de Minas e oito ou doze do resto do Brasil. Eu acho que o número era esse, eram vinte. Quase todo mundo foi dispensado. E a gente foi colocado num ônibus e mandado de volta pra Minas.

Otávio: Como foi sua passagem pelo Carandiru?
César Maia: No Carandiru – eu já tinha experiência de prisão, e aí – resolveram fazer greve de fome por melhores condições. Aquelas prisões tinham muitos estudantes. “Greve de fome!”. As mães lá embaixo: “ah” (sinal de apreensão). Estava minha mãe lá também (risos), aquela coisa toda. Aí eu disse: “Vai dar greve de fome, mas eu não vou passar fome”. Então eu peguei dropes dulcora, peguei uma palhetinha e fui dividindo o dropes dulcora em quatro. Escondi aqui (na cintura) Fiquei com o meu dropes dulcora aqui guardado (na cintura). Aí, um pouquinho sal. Porque guerrilheiro só andava com um saquinho de sal. A gente sempre tinha um saquinho de sal. Não estava na guerrilha, estava na aula, mas tinha um saquinho de sal aqui (risos). Aí botei um pouquinho de sal, guardei e tal. Aí “Greve de fome, companheiros. Nós temos que ser coerentes na greve de fome. Todo mundo vai colocar o seu material ali do lado, ninguém come nada” e tal. E eu com o meu dropes ducora aqui. Aí, ia ao banheiro, pegava aquele pedacinho assim (retirando da cintura e colocando levemente na boca). Comia tranqüilamente. Aí o pessoal voltava. Eu estava sempre com energia, com um pouquinho de sal: “Companheiro, vamos ter energia aí rapaz, vamos levantar rapaz!”. Eu estava ali, com fibra ali. Aí fui mandado pra Minas. Em Minas, eu fui mandando para IV Companhia, que era um bonito quartel. Ali tinha outras pessoas presas, estudantes, que estavam divididos em cela.
Otávio: A rotina na IV Companhia não devia ser nada fácil?
César Maia: A gente mantinha ali uma disciplina férrea. A gente acordava, tomava banho frio e fazia ginástica canadense. Dez minutos de ginástica. Era um livrinho de ginástica para todo mundo. Depois começava as sessões de doutrinação e discussão: os erros cometidos, para onde é que vai a guerrilha e fazia-se uma discussão. Não se podia ler, é claro, livros doutrinários, mas os pais traziam romances, livros e tal. E se usavam muitos aqueles jogos de palavra cruzada. A gente acabava adquirindo um vocabulário enorme. E ali fiquei um tempo. Aí começou a parte de interrogatórios, que foi feito no Colégio Militar. Quando eu cheguei para o meu interrogatório no Colégio Militar, quem estava saindo dos interrogatórios eram os padres dominicanos. Eu substitui um deles no quarto e quando ele retornou estava muito arrebentado. E o tenente Gomes Carneiro, que era um homem forte, um homem alto, vinha bofeteando o tal padre dominicano. Um padre baixinho. Ele reagia. E reagia dizendo palavrão: “Vai a merda, eu não tenho medo de você”. Ele estava todo arrebentado. E o tenente deste tamanho. Eu falei: “Meu Deus do céu”. Quando eu cheguei no quarto ele estava no interrogatório. Vi que ali havia um exemplar do Novo Testamento. Aí eu peguei aquele Novo Testamento, sentei e pensei: “Vou ler este Novo Testamento”. Tudo marcado pelo padre. Aí me lembro de uma marcação dele, que eu guardei, que é um versículo da passagem quando Jesus Cristo diz: “Eu trago a espada, não trago a paz”. Ali ele marcava, botava ponto de interrogação. “Eu trago a espada, não trago a paz”. Depois eles me levaram. Naquela época não tinha tortura sofisticada. A tortura sofisticada só entra depois do AI-5 (Ato Institucional Número 5)48. Até o AI-5 não tinha esse tipo de tortura.

Otávio: Era só violência brutalizada na base da porrada, vamos dizer assim no coloquial?

César Maia: Sim! Era porrada. Aí eu entrei para o depoimento. E entrou um oficial qualquer, dois oficiais e mais: “César, você é estudante. Nós não estamos aqui para prejudicar ninguém. Nós estamos aqui simplesmente para saber o que vocês fazem. Informação. Porque é a nossa tarefa aqui. E você também, não é temor nenhum, é estudante. Não é nada de outro mundo, de guerrilha”. Bateu um papo curioso. E eu fui dizendo: “Em uma das panfletagens e pichação que eu fui fazer lá em Passagem de Mariana. E panfletar no ponto de ônibus, onde os trabalhadores moravam, porque eles entravam em direção a Aluminas, a Alcan. Aí de repente, a gente estava de volta, aí começou a aparecer carro do Exército. Aí nós três, eram sempre três: ‘Estão atrás da gente’. Aí soltamos pra ribanceira, ao lado da estrada e ficamos: ‘Não respira, eles estão atrás da gente’. E vendo aqueles caminhões, tanque, canhão, e tal. Estavam voltando de Caparaó49. E depois é que a gente soube. Agente pensou que tinham descoberto a gente. E mandou o Exército atrás da gente. Era o Exército voltando de Caparaó. Depois a gente voltou. ‘O que aconteceu? E os caras? Não, eles estavam voltando de Caparaó’. Aí que a gente ficou sabendo que a gente não era tão importante assim. E continuei falando, mas aí o cara no interrogatório, com os oficiais, dizia: “Vocês não têm nada. Vocês não estão em nada de guerrilha, nada disso. Não têm porque não dizer o partido que vocês pertencem”. E eu afirmava: “Sou estudante”.

Otávio: Você fingia que era um inocente útil?
César Maia: Eu sempre dava uma de idiota. Tanto, que eu fui um dos poucos não “abriu”50 nada, em nenhuma prisão. Porque eu não me colocava perante o inquisidor. Eu me colocava como um manipulado, um idiota. Contava histórias assim, como a que contei anteriormente. Falava como é que eu estava ali, como me prenderam. Naquele dia o inquisidor me disse: “Olha, eu tenho um problema. Tenho meu revezamento. E os caras que vão entrar aí, o sargento, é muito violento, muito violento. E vai acabar maltratando vocês”. Eram assim os depoimentos. Aí saíam eles e entravam os caras. Já entravam te dando bolacha: “ta tá tá” (sinal de tapas). E a coisa que mais me impressionou naquele depoimento, era que tinha dois alunos do Colégio Militar, considerado de primeira, e assistiam ao preso político apanhar. Garotos para ver o que eram os comunistas. No meu depoimento tinham garotos fantasiados do Colégio Militar. Ficaram quietos, sentados, como se fosse uma aula de formação de anti-comunista. Os garotos ficaram impressionados com aquilo. E eu perguntei: “Os garotos aí?”. Eles disseram: “Eles são grandes alunos nossos, e estão se preparando contra estas pessoas que enganam”. Então, dei o depoimento. Dali, eu fui mandado para o DOPS. Já tinha sido preso no DOPS. E acho que o problema que eu tive de coluna, e permanece até hoje, não só este aqui na cervical (mostrando o local da cervical), foi em função desta primeira prisão no DOPS.
Otávio: Como isso aconteceu?
César Maia: Quando fui preso no DOPS, entrei e apareceu um homem que tinha uns três metros de altura, um armário, um cara enorme. E disse assim: “Você vai para o calabouço, mas pode ficar tranqüilo que aqui tem uma escada rolante”. Mas eu falei: “Pô, escada rolante aqui dentro?”. Ele falou: “É, pode virar de costas, que você vai ver. Pode andar”. Aí ele me pegou por aqui (pelas costas), me levantou, pegou o joelho. E aí eu: “UAA !!!” (um gemido de dor). Aí ele me deu uma porrada e eu já saí rolando aquela escada. Então, fiquei com a marca por toda minha vida e fiquei com este problema aqui (na coluna). Acho que fiquei três meses nesta primeira prisão. E esse caso é um dos que está citado no livro51 do Sobral Pinto52. Eu fui a primeira pessoa presa com habeas-corpus negado em base na Lei de Segurança Nacional53. Sobral Pinto me defendeu. Era o primeiro caso que usava a Lei de Segurança Nacional para se negar habeas-corpus. Sobral Pinto depois tive que trocar. O Sobral Pinto era desabrido54. E foi quando ele disse para os juízes, quando algum juiz dormia, outro cochilava, outro fazia assim (posição de bocejo): “Eu estou falando para os juízes ou para os peixes”. Aí provocou mais ainda e eu continuei preso ali. Depois eu fui mandado para uma viagem, talvez a pior que eu tenha feito na minha vida. Foi uma viagem de Belo Horizonte para Juiz de Fora para ser ouvido pela Auditoria Militar. Fui em um camburão. Fiquei algemado em cima e em baixo, assim (mostra a posição das algemas nos braços e nas pernas). De Belo Horizonte a Juiz de Fora são umas cinco horas. Hoje, não conseguiria fazer isso. Com 57 anos, com esta cervical aqui, estando ali, agachado, com algema em cima, algema em baixo, na parte detrás do camburão...

Otávio: No DOPS você encontrou outros estudantes?

César Maia: No DOPS, praticamente o nosso grupo foi todo reunido. Quem se deu bem ali, para ver o grau de desorganização da Polícia e do Exército naquela época, foi o Vice – Presidente da UNE, o Spyer, que acabou sendo solto. Porque ele tinha duas carteiras de identidade. Em uma delas seu registro era Luiz Carlos Spyer, e na outra Luiz Carlos dos Santos. Como o DOPS tinha o nome Santos, e ele era conhecido como Spyer, acabou sendo libertado, pois ninguém ali tinha a folha corrida dele. No DOPS ficou José Carlos de Matta Machado, o João Batista dos Mares Guia, o Jorge Batista. Ficou também o Edson. Na UNE, os Vice-presidentes eram Edson Arantes, que era de São Paulo, um cara inteligentíssimo, preparado e um orador de primeiríssima qualidade. O Edson de Minas, que era da POLOP (Política Operária). E o Spyer. Havia três grandes movimentos antes da guerrilha urbana, entre 1966 e 67: o Partido Comunista, a POLOP e a AP. A AP era católica, e depois se tornou AP marxista – leninista. O Secretário-Geral era o Betinho55, o mesmo do movimento contra a fome.

Nelson Carvalho: José Serra56 também foi da AP?
César Maia: Ele foi da AP, porém não da AP marxista, porque foi exilado em 1964. Em relação a AP, eu e o Betinho não nos entendíamos muito bem. A AP ficava pra lá, e nosso grupo ficava pra cá. E nós combinávamos. O Betinho chegava na reunião e falava. “Quem leu o romance?”, de não sei quem. E o Betinho tinha lido tudo. Aí nós dizíamos: “Não é possível! Ele não pode ter tempo pra ler essa coisa toda que ele diz”. Então, a gente se revezava, seguindo o Betinho. E o Betinho entrava na livraria. Pegava um livro, lia a apresentação do livro, a orelha, anotava. Depois ele pegava outro, lia, anotava. E saía. Então falamos: “Deixa o Betinho com a gente”. (risos). Na reunião seguinte, Betinho veio cagando goma. E interrompemos: “Pára aí! Betinho, rapaz, eu te vi lendo na livraria a orelha e a introdução. Você não leu o livro”. Ele ficou vermelho. E o outro disse: “Eu vi também”.
Otávio: Muitos de seu grupo ficaram no DOPS?
César Maia: No DOPS a gente ficou em duas celas. Estava o Edson. O Valdo não estava mais. Estava o José Carlos de Matta Machado, eu, o Jorge Batista, o João Batista. E ali ficamos um tempo. Passamos por uma disciplina muito rigorosa, porque a sala era pequena. Um banheiro, e banheiro de quartel, né. Você tinha no mesmo espaço doze pessoas, dormindo, morando. Então tinha que ter uma disciplina grande por causa de higiene. Era algo impecável. Todo mundo cobrava. O cara não podia ficar sem tomar banho. Não existia isso. Tinha que se molhar, ou não dava para conviver. E foi assim. E aí eles começaram a afrouxar a entrada de comida, que as famílias levavam, bem como a entrada de livros, de coisas para jogo, para banco imobiliário, os jogos de palavras cruzadas. Até o dia do AI-5. Foi uma coisa inacreditável o AI –5.
Otávio: Qual o impacto do AI-5 na prisão?
César Maia: Nós fomos chamados pelo Delegado Geral do DOPS na época, que se não me engano era o Tacyr Menezes Sia. Um homem que tinha uma força muito grande. Um cara cujo nome sempre aparecia na imprensa: “O Delegado Tacyr Menezes...”. E minha mãe dava brinquedos eletrônicos para o filhinho dele. Agradava. Ela só gastava dinheiro do meu pai com aquilo. Mas levava no dia de visita. E chamaram a gente no dia do AI-5. Disseram: “Todo mundo lá pra cima...”. E o Delegado: “Há um ato que não permite mais a manutenção de vocês na prisão”. Leu a decisão da Justiça. Eles falavam muito do negócio do Márcio Moreira Alves, mas o que eu vi na prisão é que havia uma decisão da justiça que deu habeas-corpus para todos nós. Foi lido o habeas-corpus e: “Vocês estão soltos, vão preparar a roupa, se arrumar”, e tal. Todo mundo ficou eufórico. Arrumamos nossas coisas, subimos e chegamos na sala do Delegado. E ele disse: “Agora eu vou ler pra vocês um novo ato”. E aí leu o AI-5 e mandou a gente voltar, presos. Leram o habeas-corpus, leram o alto de soltura... Subimos e ele veio com outro ato e cancelou o habeas-corpus. Então, fora havia o negócio do Márcio Moreira Alves, e você tinha a justiça tomando as decisões. Mas não no caso específico dali. Você pode se inspirar no Brasil, também: a justiça tomando decisão e dando habeas-corpus para os estudantes ali. E depois disto veio o 13 de dezembro de 1968... Começaram aquelas ações espetaculares em Minas Gerais. Daí o grupo que antigamente era da POLOP, que era mais próximo a nós, este grupo se transformou em COLINA (Comandos de Libertação Nacional), que era o grupo do qual fazia parte o João Batista dos Mares Guia. O José Carlos de Matta Machado era AP Marxista-Leninista. Depois entrou em luta armada rural.
Otávio: Em Ouro Preto não havia ninguém da COLINA?
César Maia: Não da COLINA, mas havia da POLOP. Não sei se depois foram para a COLINA. Mas a COLINA começou a fazer umas ações espetaculares, aquelas ações de Bonny and Clyde57, no qual um se fantasiava como Bonny e o outro como Clyde, e assaltavam os bancos. E faziam coisas de provocação. Encostavam o carro na porta da Delegacia, faziam o assalto ao banco, pegavam o carro novamente na porta da Delegacia e saíam. Então começou a ter manchete em jornal: “Bonny and Clyde voltam a atacar” (risos). Tinha um garoto que era da CORRENTE, muito corajoso, que fez uma destas operações com a COLINA. Isto porque a COLINA e a CORRENTE começaram a fazer operações em conjunto. Falo garoto, mas eu tinha 23 anos e ele devia ter 20 ou 21. Era de Belo Horizonte, muito valente, e tinha acabado de participar junto da COLINA de algumas ações. Até que todos eles foram presos no aparelho58. Em certa ocasião também estive em um aparelho conjunto CORRENTE-COLINA. E disse a eles: “Isto é um absurdo! Eu vou dormir aqui hoje, porém nunca mais volto aqui”. Você bota todo mundo que estava em ação armada, bota todo mundo junto. Eu estava no apoio, na retaguarda. Era das pessoas que eles queriam preservar a vida, e tal. Então: “Vocês estão loucos de ficar aqui, eu vou embora agora”. “Como você vai sair daqui?”, perguntaram. Simplesmente saí.

Nelson Carvalho: Eram operações tecnicamente perfeitas?

César Maia: As do Bonny and Clyde eram tecnicamente perfeitas. Primeiramente porque as pessoas eram todas universitárias ou quase universitárias, e seguiam os manuais que vinham de Ho-Chi- Minh59, não sei das quantas, Guerra de Guerrilhas60, etc. Depois, quando surgiam surpresas, algo impecável. Todo mundo cobrava. O cara não podia ficar sem tomar banho. Não existia isso. Tinha que se molhar, ou não dava para conviver. E foi assim. E aí eles começaram a afrouxar a entrada de comida, que as famílias levavam, bem como a entrada de livros, de coisas para jogo, para banco imobiliário, os jogos de palavras cruzadas. Até o dia do AI-5. Foi uma coisa inacreditável o AI –5.
Otávio: Qual o impacto do AI-5 na prisão?
César Maia: Nós fomos chamados pelo Delegado Geral do DOPS na época, que se não me engano era o Tacyr Menezes Sia. Um homem que tinha uma força muito grande. Um cara cujo nome sempre aparecia na imprensa: “O Delegado Tacyr Menezes...”. E minha mãe dava brinquedos eletrônicos para o filhinho dele. Agradava. Ela só gastava dinheiro do meu pai com aquilo. Mas levava no dia de visita. E chamaram a gente no dia do AI-5. Disseram: “Todo mundo lá pra cima...”. E o Delegado: “Há um ato que não permite mais a manutenção de vocês na prisão”. Leu a decisão da Justiça. Eles falavam muito do negócio do Márcio Moreira Alves, mas o que eu vi na prisão é que havia uma decisão da justiça que deu habeas-corpus para todos nós. Foi lido o habeas-corpus e: “Vocês estão soltos, vão preparar a roupa, se arrumar”, e tal. Todo mundo ficou eufórico. Arrumamos nossas coisas, subimos e chegamos na sala do Delegado. E ele disse: “Agora eu vou ler pra vocês um novo ato”. E aí leu o AI-5 e mandou a gente voltar, presos. Leram o habeas-corpus, leram o alto de soltura... Subimos e ele veio com outro ato e cancelou o habeas-corpus. Então, fora havia o negócio do Márcio Moreira Alves, e você tinha a justiça tomando as decisões. Mas não no caso específico dali. Você pode se inspirar no Brasil, também: a justiça tomando decisão e dando habeas-corpus para os estudantes ali. E depois disto veio o 13 de dezembro de 1968... Começaram aquelas ações espetaculares em Minas Gerais. Daí o grupo que antigamente era da POLOP, que era mais próximo a nós, este grupo se transformou em COLINA (Comandos de Libertação Nacional), que era o grupo do qual fazia parte o João Batista dos Mares Guia. O José Carlos de Matta Machado era AP Marxista-Leninista. Depois entrou em luta armada rural.
Otávio: Em Ouro Preto não havia ninguém da COLINA?
César Maia: Não da COLINA, mas havia da POLOP. Não sei se depois foram para a COLINA. Mas a COLINA começou a fazer umas ações espetaculares, aquelas ações de Bonny and Clyde57, no qual um se fantasiava como Bonny e o outro como Clyde, e assaltavam os bancos. E faziam coisas de provocação. Encostavam o carro na porta da Delegacia, faziam o assalto ao banco, pegavam o carro novamente na porta da Delegacia e saíam. Então começou a ter manchete em jornal: “Bonny and Clyde voltam a atacar” (risos). Tinha um garoto que era da CORRENTE, muito corajoso, que fez uma destas operações com a COLINA. Isto porque a COLINA e a CORRENTE começaram a fazer operações em conjunto. Falo garoto, mas eu tinha 23 anos e ele devia ter 20 ou 21. Era de Belo Horizonte, muito valente, e tinha acabado de participar junto da COLINA de algumas ações. Até que todos eles foram presos no aparelho58. Em certa ocasião também estive em um aparelho conjunto CORRENTE-COLINA. E disse a eles: “Isto é um absurdo! Eu vou dormir aqui hoje, porém nunca mais volto aqui”. Você bota todo mundo que estava em ação armada, bota todo mundo junto. Eu estava no apoio, na retaguarda. Era das pessoas que eles queriam preservar a vida, e tal. Então: “Vocês estão loucos de ficar aqui, eu vou embora agora”. “Como você vai sair daqui?”, perguntaram. Simplesmente saí.
Nelson Carvalho: Eram operações tecnicamente perfeitas?
César Maia: As do Bonny and Clyde eram tecnicamente perfeitas. Primeiramente porque as pessoas eram todas universitárias ou quase universitárias, e seguiam os manuais que vinham de Ho-Chi- Minh59, não sei das quantas, Guerra de Guerrilhas60, etc. Depois, quando surgiam surpresas, isto é, que a pessoa não estava preparada, a Polícia também estava completamente dividida. Não tinha arquivo. Não havia muitos canais de comunicação entre a Marinha, Aeronáutica, Exército e DOPS. Eles não tinham unidade. Eles se unificaram pra valer depois do AI-5. Foi quando começaram a surgir os comandos centralizados. Os serviços de inteligência do Exército, da Marinha e da Aeronáutica61 eram voltados para a luta interna, o combate à subversão como eles chamavam. Eles não sabiam como reprimir a guerrilha, não estavam preparados para combater a guerrilha. Então você fazia a ação e se dava bem. E quando era uma ação nova, quando começaram os assaltos a bancos, por exemplo, eles não estavam preparados. Não sabiam como reprimir. É todo um esquema de segurança: de segurança de aparelhos, de senha, de não fazer contanto antes de ter o cuidado de usar a senha, de usar a posição quando caia a senha. Quando o Apolônio de Carvalho foi preso, disse: “Eu fui preso porque não segui as normas de segurança”. As normas de segurança eram muito rígidas. Então, a pessoa tinha de fazer contato com o outro por telefone, de onde estivesse, dizendo uma fruta e desligando o telefone. Muito bem, se por exemplo é necessário fazer este procedimento segunda, quarta e sexta-feira, hipoteticamente, e você está no aparelho e alguém liga: “Abacate”, tudo bem. Mas se na quarta-feira ele não liga, é necessário abandonar o aparelho do jeito que está, porque a pessoa pode ter caído62. Prenderam naquele aparelho da COLINA o grupo mais importante da COLINA e da CORRENTE, isto é, o grupo operacional. E chegaram ao DOPS todos presos pelo pescoço com uma corrente. Desceram a escada rolante do DOPS. Eu estava no DOPS. Após descerem a escada, vieram andando, todos arrebentados. Já tinham sido submetidos à tortura. Todos arrebentados63. E aí: O que se vai fazer? O que se vai fazer?”. Aquele pessoal passando. E foram sendo interrogados à noite. Eles tinham que ficar olhado para a parede, não podiam deitar, não podiam dormir, não podiam sentar. E aí todos nós ficamos na prisão do DOPS. Todo mundo ali. E daqueles todos, levava-se um, que já voltava arrastado. E eu pensava: “Temos que fazer alguma coisa. Mas o que fazer ali dentro?”. E aí que a dona Dalila funcionou. Pois quando passou um garoto completamente arrebentado, desfigurado, pensei: “Tenho que me comunicar com ele”. Aí me comuniquei. Olhei pra ele e disse: “Fique firme aí, nós estamos juntos”. Ou alguma coisa assim. E o cara lá de cima deve ter ouvido. Então o Tacyr Menezes me chamou e interrogou: “Você conhece aquele cara?”. Eu disse: “Você acha que vou deixar passar um rapaz desses por mim, um garoto. E eu não vou dar força pra ele. Não vou me solidarizar?”. Eu saquei que eles tinham visto, mas eu não havia percebido que eles estavam nos observando. Aí eu fuçava de noite e cantava músicas para eles. Cantava músicas do Roberto Carlos, entre outros. Ficava cantando de noite. Eu percebia que eles estavam ali. Dava uma energia. Gente tinha passado por isto micro. Eles passaram por isto macro. E aí me mandaram para São Paulo, para o Batalhão de Guardas.
Otávio: Como foi essa transferência?
César Maia: Viajei para o Batalhão de Guardas em São Paulo de camionete utilitário, algemado nas mãos e nos pés. E se está algemado, você tem que relaxar. Na algema você não pode fazer força, caso contrário ela vai apertando, apertando, apertando (mostra uma algema se apertando). Você tem que relaxar e ficar relaxado. Não pode fazer uma pressão. Ao chegar no Batalhão de Guardas, dei um azar tremendo, pois quando ali cheguei soube que o (Carlos)64 Lamarca tinha fugido do Batalhão de Guardas, com as armas, um ou dois dias antes. Então aquilo ali em São Paulo era um pânico só. E eu fui para a prisão juntamente com outro cara que não conhecia; ele era de São Paulo. Na prisão da frente havia dois japoneses, dois nisseis. Nós estávamos em cima do processo de Ibiúna, que foi aberto em São Paulo. Então, a gente tinha que responder lá por Ibiúna. Em Ibiúna eu tinha dois processos: esse e o outro de estar presente ali. Aquela besteirada toda. E havia um terceiro processo também, referente ao Partido Comunista, não sei do que era o assunto. E aí fiquei no Batalhão de Guardas.
Otávio: O que mais te incomodava naquela prisão?
César Maia: O mais difícil ali era a visita. Porque durante a visita eu ficava na frente de minha mãe. E ao meu lado se postava um sargento, ou um cabo, um oficial que olhava para minha mãe. E ao lado dela outro, que olhava para mim. E conversávamos. Ela entregava o biscoito, a bolacha, perguntava como estavam as coisas: “Como está fulano? Como está sicrano?”. Conversava um pouco e depois saía. Nisto era necessário ir para a sala de enfermagem. Aí a gente ficava nu. Tinha de levantar o saco, se dobrar e abrir o ânus. E eles ficavam com a lanterna, era um negócio vexatório. Com a lanterna lá dentro. Faziam assim (mostra uma pessoa virando uma lanterna em círculos com as mãos) para ver se a gente tinha colocado alguma coisa no ânus. Essa era a visita. Banho de sol: a gente ia porque a gente sabia que para a saúde era importante tomar banho de sol. Só que eles colocavam um ninho de metralhadoras, uma metralhadora grande, ponto cinqüenta, antiaérea, apontando assim pra gente (mostra alguém apontando uma arma). E um garoto ali no gatilho. Eu dizia para o tenente: “Tenente, não é por nada não. Mas pô, acha que dá pra gente correr aqui, colocando um garoto desses apontando pra gente com este troço aqui. Um garoto que está servindo o Exército com 18 anos! Pó, tira pra lá!”. Então, quando íamos para o banho de sol, nem mexíamos com nada.
Otávio: E como eram as noites no Batalhão?
César Maia: Toda noite era a mesma coisa. Eles cercavam o Batalhão de Guardas com uma grande barreira. Tudo escuro. Às vezes um carro vinha, com um motorista bêbado, e batia na barreira, suponho. E aí era aquele Onnnnnnn (sinal de sirene), papapapapapa (sinal de tiros intensos), tiros para o alto. E prendiam o sujeito, e tal. Quando nós chegamos, os japoneses já tinham vivido isso. Os japoneses nos ensinaram: “Quando começarem a atirar em função de barreira que caiu lá fora – eles explicaram o que acontecia à noite –, se vocês estão na cama, devem rolar em direção ao banheiro. E dizer para o soldado de plantão: “Olha, nós estamos aqui apenas por uma questão de segurança nossa, por causa destes tiros que saíram aí. Mas pode ficar tranqüilo!”. Era necessário tranqüilizar o soldado que tomava conta: “Fique tranqüilo. Nós estamos aqui. Ninguém saiu daqui não. Estamos perto do banheiro, deitados. Temos feito isto com medo dos tiros chegarem aqui. Entenda isso!”. E ainda: “Saia daí rapaz!”. Ou: “Deixa acalmar!”. E quando tudo se acalmava, nós ficávamos em pé, ele olhava, sentava e deitava na cama. Até que um dia, de tardezinha, eu estava lendo um livro. Eu estava lendo em voz alta, andando de um lado e para o outro, para treinar a voz, o vocabulário, a dicção. A gente achava que ia tomar o poder dali a quinze minutos e tinha que estar preparado para os companheiros assaltarem aquilo ali (risos geral). Então, eu estava lendo e dali a pouco um garoto daqueles se apavora, por um fato qualquer que aconteceu. Pegou aquele fuzil, ou metralhadora, e apertou o gatilho: “pá!” (sinal de tiro). Rapaz, quando eu me olhei era um sangue só, de cima em baixo. E a minha sorte foi que a bala pegou naquelas barras de ferro da grade da prisão. E bala pegou ali, estilhaçou e entraram no meu corpo todos aqueles estilhaços. O maior foi aqui (mostra a coxa na altura do joelho), que abriu um buraco grande. E saía muito sangue. Entrou aqueles estilhaços todos. Roxo aqui (mostra o pescoço para baixo), aquela sangueira. E o garoto apavorado com aquilo. Logo chegaram os oficiais: “O que houve?”. Já chegaram com metralhadoras, com canhão, e tal. E o garoto: “Eu me distraí, apertei aqui!”. Eu não sabia o que tinha acontecido, porque as pessoas diziam que quando você leva um tiro você não sente. E eu não estava sentindo. Eu só estava xingando: “Filho da puta! Olha o que você fez!”, e tal. Eu sabia o que tinha acontecido, mas não sabia que era só superficial. Então me levaram lá na enfermaria. Pegaram uma pinçazinha e foram tirando cada um dos estilhaços e colocando numa solução tipo éter, um remédio. Esta aqui (mostra a coxa na altura do joelho), eles precisaram dar um cortezinho um pouco maior. Depois tiraram o fragmento.
Otávio: Qual foi a conseqüência desse episódio?
César Maia: A conseqüência é que resolveram me tirar dali e me mandar para o Carandiru. Antes me interrogaram: “Você tem alguma coisa contra o soldado ou ele tem alguma coisa contra você?”. Eu disse: “Pô, eu não tenho nada. O soldado deve ter se cagado de medo e deu um tiro. Apertou o gatilho sem querer. O rapaz não tem nada e eu não tenho nada contra ele”. E afirmaram: “Então está arquivado o inquérito. O preso reconhece que o soldado, não sei das quantas, não tem culpa sobre o que aconteceu. Que foi um mero acidente.”. Em seguida me mandaram para o Carandiru. E foi interessante ter ido para o Carandiru. Porque eu cheguei lá e eles tinham transformado a área central do escritório do Carandiru em prisões, com exceção de um escritório, que ficou ainda como escritório de burocracia. Eu entrei, e aqui desse lado estava o pessoal de Osasco. E estava preso o Alemão. O Alemão que é do movimento sindical hoje. E estava preso também um grande líder sindical do PCB, que era o Pacheco, se eu não me engano, que já estava com seus 70 e blá blá blá. E que era uma figura histórica do movimento sindical. Eu acho que o nome dele era Pacheco. Aí eu entrei nesta cela de cá, que me mandaram entrar. Eu entrei de noite. E quatro pessoas estavam jogando cartas. Um sentava-se de lado. E eu entrei. E tinha um cara com bigode branco. Aí ele penteou o bigode assim (mostra alguém penteado o bigode de um lado para o outro). Era Deputado Federal, namorava a filha do Franco Montoro. Penteou o bigode e disse: “Navarro, Hélio Navarro, Deputado Federal65”. E o cara do lado de cá, disse o nome dele sacaneando. Eu vou chutar um nome qualquer. “Gutierrez, Antônio Gutierrez gângster”. Aí eu disse: “é esse que vai ser meu amigo!” (riso geral). Quem mandava na sala era o Hélio Navarro. As regras da prisão: Hélio Navarro que tinha comida, boa, Hélio Navarro que tinha não sei o que. Hélio Navarro era o capitalista daquela prisão. Era uma cela grande, e que naquele momento passava a ter seis pessoas. Assim, a maioria ficava em fileira. “As pessoas dormirão logo após o café, isto é, das oito da manhã até seis horas da tarde. Ficarão acordadas de noite”. Aí eu disse: “Como é este negócio? O cara fica acordado de noite e dorme de dia? O que é isso aí?”. Aí o cara: “aqui é a regra nossa. Está todo mundo de acordo...”. “Eu vou dormir de noite e ficar acordado de dia!”. “Mas o Deputado Hélio Navarro, é ele que mantém aqui as coisas. Ele tem esse regime dele”. E eu retrucava: “Vou ficar acordado de dia. Vou falar, vou ler livros e acabou!”.

Otávio: Hélio Navarro era tão poderoso assim na prisão?

César Maia: Só que a partir daquele momento começaram os conflitos. E havia o gângster aqui me dando corda. E o gângster na verdade era um detetive de polícia, que juntamente com um delegado, tinham sido presos por falsificação de dinheiro. Foi um caso rumoroso em São Paulo. Ele me explicou o que aconteceu com eles. E aí que eu aprendi o negócio da falsificação de dinheiro. Ele disse o seguinte: “Falsificar dinheiro não é difícil. O problema é distribuir o dinheiro falsificado, porque as pessoas de banco têm tato. Então, o que você tem de fazer é uma nota de valor intermediário”. Por exemplo, em dinheiro de hoje, vamos pensar uma nota de dez reais, ou vinte reais, ou trinta reais, ou cinqüenta reais. E aí você pega aquelas notas e, com uma capanga de um lado e uma outra do outro (mostra a posição de uma pessoa com uma capanga à direita e outra à esquerda). Aí você pega aqui (de um lado da pessoa), você tem o dinheiro na capanga pequena. Aqui (do outro lado da pessoa) você tem uma mala, que é uma capanga maior. Então você entra na ponta da Avenida Nossa Senhora de Copacabana. E, em todo botequim que entra, você compra um maço de cigarros. A pessoa te dá o maço de cigarros e você dá aquela nota. O comerciante lhe devolve o troco. E o troco vai para o compartimento. O maço de cigarros vai pra lá. E aí você vai distribuindo. Então, em uma falsificação a gente leva três anos, quatro anos para distribuir o dinheiro. Com inflação não se pode ter moeda falsa. Leva quatro anos pra distribuir aquilo ali. E o empresário que bancou aquela falsificação, um dia resolveu pagar seus empregados com dinheiro falsificado. Os trabalhadores levaram e depositaram. E aí pegaram. Chegaram no empresário, prenderam o empresário, e depois chegaram nos policiais. E prenderam todos. E estavam todos ali. E eu até comecei a me dar bem com eles.

Leila Castanheira: E os seus companheiros?

César Maia: Valdo Silva estava preso. Ele ficou preso comigo, depois foi para uma outra cela, lá no Carandiru. Aí eles resolveram tirar aquele bureau administrativo dali e transformar numa cela, numa cela melhor. Quem foi para aquela cela melhor?
Todos: Hélio Navarro!

César Maia: Sim, Hélio Navarro foi para a cela e tinha direito de levar três pessoas. Nós éramos ali em seis. Quem ele levou? Os outros. Não levou nem eu nem o gângster. Aí o gângster veio comigo para uma outra cela menor. O gângster, outro cara, o Valdo Silva e eu na cela menor. A partir daquele momento começaram a dar algumas facilidades. Duas vezes por semana eles abriam todas prisões e fechavam o corredor. Era como se o local fosse um cubo. E ali você tinha os quartos que foram transformados em prisão e podia ter contato com os outros prisioneiros. Era quando se fazia o torneio de biriba, cujos campeões em geral eram o gângster e eu (riso geral). O gângster – eu não me lembro do nome dele, oh meu Deus do Céu – era uma figura, cabelos grisalhos. Ele devia ter naquela época... Bem, se eu tinha vinte e três anos, ele devia ter sessenta ou uma coisa assim. Ele me chamou e disse: “Oh César, esse negócio de biriba ninguém sabe jogar esse troço não. Eu te ensino como se joga biriba. Só trinca, não me faça aquela seqüência, porque eu vou te dar um pontapé . É só trinca; não adianta querer disputar um com o outro. Quem fizer isso, deu um gesto qualquer lá, está bem pra bater. O outro saí do jogo pra ele. Não interessa que você esteja melhor do que ele. Se ele disse que vai bater, quem disser na frente leva o bate”. E aí começa. E aqueles sinais que ele dizia, quando é que era ás, quando era paus, quando era espadas. A gente ia treinando, não tinha nada pra fazer (risos). E ficava treinando. Ficava treinando espadas, onde é que era o três. Ele
ensinava todos os sinais que tinha que fazer. E tinha aquelas linguagens, aqueles códigos. E fazia e sentava: “Pa pa pa” (sinal de ganhos freqüentes no jogo). Ganhava todas, impressionante. Invicto! No Carandiru fiquei alguns meses invicto. Não teve nenhum jogo que a gente perdeu. Podia perder uma jogada, mas o jogo, 1500 pontos, aquilo ali era vitória absoluta. O Carlos André (mostra uma das pessoas que o acompanha no depoimento) conheceu esta prisão. Era pequenininho e foi lá. “Posso ir lá ver, tio?”. Aí eu disse assim: “Quando abrir a porta pra gente entrar, você saí correndo e entra na frente para você ver onde eu estou”. Eu expliquei para ele onde era o segundo e o terceiro andar. Aí ele: “Chiiiiiii” (sinal de rapidez). E atravessou um cara: “O que houve menino?”. “Eu quero ver onde esta o meu tio!”. “Saí daí!” (risos). E aí fiquei ali no Carandiru. E ali no Carandiru eu fui julgado e condenado. Já tinha cumprido a pena. E aí fui posto em liberdade. Mas tinha mais dois processos. E aí imediatamente eu saí. E fui pra casa.
Otávio: Mas não ficou passivamente aguardando o julgamento...
César Maia: Meu pai imediatamente me levou para um sítio aí, não sei onde. E eu fiquei naquele sítio. E eles esperando vir o meu julgamento. Eu tinha que informar onde estava. Não tinha documentos. Aí o Heleno Fragoso, que era o meu advogado, conseguiu no Instituto Teles Pacheco, no Leblon, uma carteira de identidade. Só que eu tive de chegar troncho, como se fosse um deficiente. Já estava tudo combinado. Eles abriam a fila: “Olha o cara aí!”. E eu: “eueue” (sinal de loucura). Fazia aquela coisa. Aí me botaram na frente e o cara me deu a carteira de identidade. Tudo combinado com ele. Aquilo já havia sido pago. E eu saí com a carteira de identidade. Com a carteira de identidade, naquele mesmo dia, à noite, eu peguei um ônibus para a Argentina com a minha mãe. Uma carteira falsificada, uma carteira com a minha cara, que estava tudo direitinho. Aí mamãe me deixou. Fui ao Aeroporto de Buenos Aires. E mamãe voltou diretamente. Peguei um avião para Santiago, do Chile, onde se tinha uma situação muito favorável. Mas deixei o Chile bem antes do golpe, em janeiro de 1973, indo para Portugal, antes de voltar ao Brasil e ser preso no Aeroporto do Galeão. Esta prisão era prevista, pois meu processo já estava pronto para julgamento e, segundo Heleno Fragoso, com a certeza da vitória na Auditoria Militar. Portanto, não houve constrangimento. Fiquei preso três meses, de junho a setembro de 1973, no Batalhão de Guardas do Exército, em São Cristóvão, onde hoje, coincidentemente, fica a Guarda Municipal, que eu comando como Prefeito.

Otávio: Cesar, gostaria de retornar a algumas questões, que não ficaram ainda muito claras. Gostaria que falasse um pouco sobre sua saída da Escola de Minas. Por que você pediu transferência?

César Maia: Não me recordo bem, mas eu havia repetido duas matérias. É que se fui às aulas uma ou duas vezes por mês, era apenas para registrar presença, para dizer que eu existia, que eu estava ali. Eu já estava profissionalizado em Belo Horizonte, era clandestino. Isso foi no início de 1968. Entre abril e maio, eu já havia me transferido para a Universidade Federal do Rio de Janeiro, mas vivia em Belo Horizonte.
Otávio: Preferiu pedir a transferência, pois havia perigo de você ser desligado da Escola de Minas?
César Maia: Quando eu rodei o jornal com a citação de Mao-Tse-Tung, acho que foi em 1967, houve um inquérito forte. E o Diretor da Escola, o “Mamão” (Rômulo Soares), um senhor alto, com semblante vermelho era metodista... Eu tenho coincidências com metodistas na minha vida. Esta publicação rendeu a todo o Diretório Acadêmico um IPM (Inquérito Policial Militar). Fomos salvos pelo Diretor que era metodista, durante a visita do bispo número 1 da Igreja Metodista a Ouro Preto, que era progressista e apoiava os estudantes, que o orientou a não entregar o Diretório Acadêmico. Então ele não entregou o Diretório. Não falou que os estudantes “são anjinhos”, mas disse: “Aqui nunca houve nada e não se sabe nada. Se eles fizeram foi fora da Escola. Então, não posso dizer
nada a respeito deles. E nem defendê-los”. Então não conseguiram identificar a origem do jornal. E o Diretório agiu com radicalismo. Coisa de estudante. “Por que você publicou Mao-Tse-Tung?”. “É porque está no mundo todo, e com grande sucesso”. Esta foi nossa resposta. Resposta idiota. Só tinha uma versão em francês. E foi com esta versãozinha em francês, que pedimos para alguém traduzir, é que publicamos o texto em O Martelo.
Otávio: Então, após a publicação do jornal, sua permanência em Ouro Preto se tornou mais complicada...
César Maia: Me transferi porque eu não tinha mais como ficar em Ouro Preto. E depois eu já estava em Belo Horizonte profissionalizado. Já estava dentro da CORRENTE. E saindo do movimento estudantil. Não podia ficar em Ouro Preto porque lá eu já estava manjado. Era uma figura manjadíssima na cidade. Eu tinha que sair, mas não demonstrar que vivia em Belo Horizonte, pois precisaria ter uma atividade. Eu necessitava de uma cobertura qualquer. Então: “Eu estou estudando no Rio!”. “Onde está o César Maia?”. “Está estudando no Rio!”. Para todos os efeitos, eu estava estudando no Rio. Se bem que eu nunca precisei disso. Exerci a clandestinidade em Belo Horizonte por pouco tempo. Durante uns quatro meses, ou cinco. Depois fui para Ibiúna.
Otávio: Foi difícil se transferir para o Rio de Janeiro?
César Maia: Não me lembro, porque o meu pai cuidou de tudo. Ele era professor da Escola (de Engenheira do Rio de Janeiro). Meu pai fez a minha inscrição e ficou aliviado, pois sabia da minha situação em Minas Gerais. Eu havia sido preso uma vez. Uma prisão pequena. Mas ficava marcada a história de ser comunista. Meu pai estava satisfeitíssimo de eu voltar para o Rio. E deve ter feito o lobby dele. Porque era uma matéria criada no Brasil pelo meu padrinho: a “Organização das Indústrias”. Depois passou a se chamar Engenharia de Produção. Quem trouxe para o Brasil, na Escola Nacional de Engenharia (depois UFRJ), foi o meu padrinho, César Castanheira. E papai era o adjunto dele.
Otávio: Em relação a Escola de Minas de Ouro Preto, quais os pontos positivos e negativos você destacaria?
César Maia: A Escola de Minas tinha uma forte tradição. E só veio a perder qualidade em função de reforma do ensino. Na reforma do ensino, registrava-se o número dos alunos inscritos66. E os subsídios às escolas eram por número de alunos inscritos. Só que a Escola de Minas de Ouro Preto possuía turmas de doze, treze alunos. Com a reforma, passou a ter duas turmas de quarenta. Isso ocorreu a partir de 1966, quando eu entrei. Ainda peguei a última fase do apogeu da Escola. E a partir daí a minha turma já entrou com quarenta, quarenta e cinco alunos. A Escola de Minas era extraordinária, ótima qualidade. O nível de exigência era brutal. Você inevitavelmente repetiria se não estudasse. Até era possível colar uma coisinha, colar outra coisinha, mas não tinha condição de você passar de ano em matéria alguma sem muito sacrifício, sem usar bem a “República” para estudar. Fazia-se a farra, mas estudava-se. Era possível, também, identificar claramente a esquerda e a direita. Daí que vem a memória dos dedos-duros de Ouro Preto. E a indicação de quem se devia prender. E prenderam todos que tinham que prender, não ficou nem um sem ser preso. E a direita dedurou todo mundo. Então, a gente tinha um cuidado enorme quanto à segurança, até mesmo em relação às reuniões do Partido. Quando a gente chegava da reunião do Partido não entrava direto. Alguém poderia ver. A República Vaticano contava com algumas pessoas da direita. Então entrávamos com cuidado, por trás. Deixávamos a janela aberta. Guardávamos o material de leitura direitinho. Não deixávamos nada exposto. Dentro de nossa própria “República”, para aqueles que não eram simpatizantes, não abríamos o jogo. Não falávamos as coisas que fazíamos. A atividade do estudante era beber e namorar capixabas e mineiras no fim de semana. Aquelas festas que sempre as “Repúblicas” tinham. E esporte para quem gostava. Havia aqueles torneios de futebol de salão, que eram torneios muito disputados entre as “Repúblicas”. Gente que não acabava mais. Nossa “República” disputava com outras. Eu joguei no time da ADEM67, que era Associação Desportiva da Escola de Minas, uma equipe que não era profissional, porque não recebíamos para jogar, mas que era profissional no tipo de atividade. O técnico era o Vavá, que tinha sido centroavante do Atlético Mineiro, um baixinho. O técnico era profissionalizado. O time era todo profissionalizado. Mas os jogadores, quando eram da universidade, não recebiam, como era o meu caso. Eu joguei na ADEM de lateral-esquerdo. E nós viajávamos a diversas cidades para disputar os jogos. Divisão de acesso. PÔ, aquilo ali era uma coisa fantástica!
Otávio: E o Diretório! Há informações de que vocês implantaram uma mudança no Diretório Acadêmico, inclusive alterando tradições. E me parece que você foi o coordenador do trote? E é verdade que ao invés de cortar o cabelo dos calouros, fazer aquela farra toda, você fez o pessoal ler durante um mês inteiro, um artigo por dia?
César Maia: Eu recebi um trote forte. O trote era raspar a cabeça dos calouros todos. E aí começava aquele negócio de jogar talco. O pior era você beber cachaça além do que era possível beber. Eles botavam na sua boca. E aí você ficava um troço louco e acabava no SANDU68. Eles davam aquela injeção de glicose para recuperar do excesso de álcool. Então era um trote violento. Mas no ano seguinte, quando já estávamos no Diretório, mudamos o tipo de trote. Aí o calouro podia escolher: leitura, por exemplo. E éramos exigentes, conferindo depois se de fato a leitura foi feita. Perguntávamos também sobre os livros que ele tinha lido. E questionávamos: “Leu? Quero ver se leu mesmo”. Era um trote produtivo. Quando a esquerda assumiu o Diretório conosco, ela não usava o Diretório para vexar calouro. Era leitura ou outra coisa qualquer. Ou então brincadeiras nas festas do Centro Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto (CAEM), nas grandes festas. Aquela brincadeira de se ajoelhar na frente da menina e se declarar. Coisas mais ingênuas.
Otávio: Quanto ao Centro Acadêmico, é verdade que vocês queriam torná-lo mais politizado, pois ele era voltado mais para o social?
67 Nota do pesquisador: César Maia jogou no time da Associação Desportiva da Escola de Minas (ADEM) e no Guarani, de Ouro Preto. Da ADEM foi para o Guarani, de Ouro Preto, dizendo que buscava um melhor futebol, como noticiou o Jornal de Ouro Preto, na sua edição de dezembro de 1967. Na época, também, César declarou: “A equipe da ADEM é formada por uma mescla de estudantes de todas as origens e eu acho que isso impede que exista na equipe ardor e vontade de vencer”. Declarou, também, na época: “O que prometo à torcida alvirubra é o máximo de luta pela conquista do título de Campeão de 1968”.
68 Nota do Pesquisador: o SANDU era uma unidade de saúde do município de Ouro Preto, que atendia a todos os tipos de problemas, inclusive os relacionados ao excesso de bebidas.

César Maia: Totalmente! Conosco o Centro Acadêmico se transformou. O Lincoln Ramos Viana69 era o Presidente. Eu era o Diretor Financeiro. Acho que o Vice-Presidente era o Pedro Carlos Garcia Costa70, o Pedro Mola, que depois foi para o Chile. Lincoln e Pedro eram do Partido Comunista e muito amigos meu. O Lincoln era da República Canaan e o Pedro Mola da República Castelo dos Nobres. De fato éramos muito amigos. O Pedro Mola se tornou Secretário de Organização do Partido, enquanto o Lincoln participava do Diretório do Partido, e depois se tornou Presidente do Diretório Acadêmico. Eu era o Diretor Financeiro e era responsável pela publicação dos jornais e pela agitação maior. Depois eu fui para o Chile e eles também foram para lá. Mas eles não chegar a ser presos. O Pedro Mola foi detido e o Lincoln também, mas para interrogatório. Eles acabaram não indo para Belo Horizonte, como eu e o Hélcio acabamos fazendo. Depois o Hélcio cresceu na hierarquia da ALN. Mas a CORRENTE foi dizimada na verdade. Depois da prisão do “Xuxu”, a CORRENTE foi dizimada. Acabou se incorporando. Restaram da CORRENTE a Soninha (Lima)71, o Ricardo Apgaua72 e o Hélcio. Se não me engano, a Soninha se casou com o Hélcio. E depois, no exílio, casou-se com Ricardo Apgaua. Acabaram indo para a ALN e ficaram na hierarquia da ALN.

Otávio: Qual era a principal discussão realizada dentro do Diretório?

César Maia: Debatíamos que nossa função era a luta contra a ditadura, doutrinação e agitação. Evitávamos fazer agitação dentro da Escola. Na Escola era mais doutrinar, passar uma Voz Operária para os simpatizantes já confiáveis e dar material de leitura. E a agitação era fora da porta da Escola. Mesmo porque a Escola era muito rigorosa.
Otávio: E o movimento por “Repúblicas? E o acampamento na Praça?
César Maia: Vejamos se eu me lembro disto... Não me recordo qual a razão, mas tivemos um conflito com a Escola de Minas. Se eu não me engano era um conflito mais amplo, não sei se em relação a regimento ou a regulamento. Casas para repúblicas certamente. E nos acampamos na Escola de Ouro Preto, fazendo um grande sucesso, porque Ouro Preto era muito visitada nos fins de semana. As pessoas vinham de Belo Horizonte naqueles ônibus de turistas. Pegamos aquelas tendas e armamos na Praça em frente à Escola. Em torno da estátua de Tiradentes, em frente ao muro da Escola, na praça toda. E ficávamos ali: violão, bebedeira...
Otávio: E qual seu papel neste movimento?
César Maia: Acho que não fui eu quem dirigiu este movimento. Meu papel era mais de agitação. Acredito que o movimento foi dirigido por Lincoln e Pedro Mola, que eram o Presidentes, respectivamente, do Diretório e do Centro Acadêmico, e que cuidavam das questões tipicamente estudantis. Todas as questões partidárias, do Partido Comunista, aí já eram mais de minha responsabilidade. E o Pedro Mola e o Lincoln, mesmo sendo do Partido, ficavam mais encarregados das questões estudantis. Apesar de que, quando falei dos três que foram para a Passagem de Mariana, eram eu, o Pedro Mola e o Lincoln. Nós que fomos lá.
Otávio: Você participava também na União Estadual dos Estudantes - UEE?
César Maia: Nunca fui da UEE diretamente. Porque a questão é a seguinte: os partidos tinham direito à tribuna. Você inventava uma representação. Aí você tinha direito. Na UEE, por exemplo, como você tinha o Conselho dos Diretórios, eu estava lá no Conselho dos Diretórios73. Mas o que credenciava era ser Presidente de um Diretório destacado. Isto é, um Diretório importante, como Direito, Engenharia, DCE, etc. Ou você poderia ser representante do seu partido, dos três que existiam. Então, era isto que te credenciava (retirei este trecho, pois Cesar foi da UEE, conforme a última nota e os e-mails trocados com ele, bem como os depoimentos de Mares Guia e Sonia Lima. Otávio). E no Rio de Janeiro, durante o enterro do Edson Luís, na Cinelândia, que inclusive na época foi publicada minha fotografia no Jornal do Brasil, na qual eu discursava: “Contra a ditadura, o Diretório...”, eu só peguei o início da passeata, depois tive que voltar para Minas Gerais. O caixão ficou dentro da atual Câmara dos Vereadores, depois saiu e houve a passeata. Logo após o início da passeata, tive que partir.
Otávio: Em relação à CORRENTE, você chegou a ser listado ou apenas deu um depoimento?
César Maia: Não me recordo de ter passado por qualquer tipo de enquadramento. Mesmo porque eu respondia os interrogatórios como idiota e não abria a mão de ser esta a minha condição. Não há citação a partido político, inclusive depoimento. Na ocasião do depoimento do DOPS, quando voltei do exílio, mantive a mesma linha. Eu disse: “Agora, aquelas idéias de esquerda que eu tinha, eu não tenho mais. Eu penso de outra maneira...”74. Então, em relação àquelas pessoas que enchem o saco alegando que eu disse isto ou aquilo, eu quero pegar a lista deles que botaram gente na cadeia e começar a levantar. Você vê que os da antiga, de 1968, nunca, nunca nenhum deles abriu a boca pra dizer: “César Maia é feio”. Nunca! Por acaso você encontra citação de alguém daquela geração dizendo que eu sou feio, porque se disser que eu sou feio, eu vou dizer: “Olha, então vamos ver como você se comportou na prisão. Eu sei como é que eu me comportei. Não tem ninguém que perdeu um fio de cabelo que foi penteado pela minha prisão”75. Agora, se eu começar a pegar eles
aí... A gente via, na hora que entrava ali, daqui a pouco mais três. O cara está sendo torturado e daqui a pouco vinha três. Então, ali não tem jeito não. A minha tática era sempre esta: sempre não admitia a minha condição de militante profissional. Fazia parecer que eu era um babaca que estava sendo usado. E assim foi em todos os depoimentos. Esse depoimento aí do DOPS (refere-se aos termos de perguntas ao indiciado em relação à preparação do Congresso de Ibiúna da UNE), é uma coisa inacreditável. Veja o que eu contei sobre o que estava fazendo ali: “A gente se encontrou quando eu estava chegando de Ouro Preto. Encontrei numa festa alguém dizendo: “Você não quer participar disto?”. E eu disse: “Puxa, que bom! Eu gostaria mesmo!”. Então, conto uma história sobre como fui parar lá (risos).
da UEE”. (Fonte: Documento “Têrmo de Perguntas ao Indiciado – César Epitácio Maia”. Belo Horizonte, Companhia de Comando e Serviços do Colégio Militar, p. 1, 21 de outubro de 1968).
Nelson Carvalho: E eles acreditavam na história?
César Maia: Era o que eu dizia! A minha sorte na época é que eu fui preso antes do AI-5. Então, o processo, o inquérito, foi feito numa outra fase. Após o AI-5, a história passa a ser outra. Depois de um ano preso, ou não sei lá quanto tempo, você já não tinha mais vínculos. Até porque com o AI-5 as organizações mudam de estrutura. Elas passam a ter uma estrutura clandestina e começam a atuar na luta armada com muito mais violência. Então, esses assaltos a bancos pra valer, ações de ajusticiamento, isto vem depois do AI-5. Os assaltos pra valer começam no final de 1967. Antes desse período é possível contar nos dedos: tem o assalto ao trem pagador76, o famoso assalto ao trem pagador, do pessoal de São Paulo, os assaltos em Minas77, se for contar há uns seis ou sente até o AI-5. E quando eles descobriram os procedimentos de segurança, eles passaram a precisar de informações. A tortura não era pela vontade de saber por meio da violência. A tortura era a necessidade de saber em um curto espaço de tempo para, com as informações, chegar nos outros aparelhos. Eles precisava ter velocidade na informação.
Otávio: Os teus colegas também não te entregaram? Não falaram que você participava da CORRENTE? Ao conversar com Play, ele confidenciou que na prisão uma pessoa falaria o seu nome e que ele chegou a brigar com a pessoa para não te entregar, caso contrário você estaria lascado se entrasse no inquérito da CORRENTE.
César Maia: O Play foi preso numa situação difícil. Apanhou demais. O próprio “Xuxu”, que foi preso numa outra etapa, não me citou também. Uns seis meses nesta época pareciam significar cinco anos. Quando você está preso há seis meses, está completamente desconectado de tudo. Então, você já não tem mais memória para traz. E a intensidade de vida de alguém que está em uma ação tipo guerrilha urbana, é brutal. A tensão é grande: “quem chega; barulho; quem vai; quem foi preso; viu o jornal; caiu; o cara te disse, cuidado, sa daí...”. É algo muito estressante. Uma pessoa seis meses longe, acabou. É passado, remoto.


Otávio: Dentro da Escola de Minas havia inclusive informantes, que repassavam informações aos órgãos de repressão? Você se lembra de algum episódio? 78

César Maia: Me lembro de muita fofoca. Mas, não me lembro de nada do meu tempo de estudante que tenha nos ocasionado prejuízo em função de deduragem. Porque na hora em que fomos enquadrados, ali em Ouro Preto, foi após três ações de provocação gigantescas: a publicação do jornal (O Martelo), a panfletagem contra a ditadura e a pichação no dia 21 de abril.

Nelson Carvalho: Na época havia os julgamentos de alguns grupos de esquerda? Isto é, caso a pessoa fosse torturada além do limite do suportável e acabasse confessando...

César Maia: Nós tínhamos as normas de segurança. A nossa maior segurança neste período de 1967, 68 eram os procedimentos. Você garantia a segurança de quem estava fora se todos cumprissem as normas de segurança. É o caso do depoimento do Apolônio: “Eu não cumpri as normas de segurança, por isto fui preso. Caso contrário não teria sido preso naquele momento”. E o Apolônio não apanhou tanto assim na cadeia, porque ele não aceitava falar com alguém com patente inferior a de coronel. Ele era coronel do Exército Francês, e dizia: “Não falo com você porque você é de patente inferior. Eu sou coronel do exército Francês”. Aí a “milicada” começou a ficar preocupada. Foi conferir a informação, e era mesmo. E mais, herói da Segunda Guerra Mundial. E ele não foi muito torturado. Fizeram muita “sacanagem” com ele, mas tentaram não o machucar de jeito nenhum.

Otávio: Vocês apoiaram outros Diretórios Acadêmicos que lhe sucederam? Parece que mesmo estando fora, de vez em quando você aparecia para dar algumas dicas aos seus colegas estudantes sobre como continuar o movimento? Porém naquele momento com uma certa precaução, até pisando um pouco mais no freio.

César Maia: Isto ocorreu até a prisão em Ibiúna. Para que bravatas naquela ocasião? Para expor estudantes que começavam a gostar da política? Para entregar o Diretório à direita? Então a prioridade era manter o Diretório aberto, moderar na forma e ampliar o contato boca a boca, observadas as normas de segurança.
Otávio: Então, depois de Ibiúna você não retornou mais a Ouro Preto79?

César Maia: Nunca mais. Mesmo após voltar do exílio, não retornei à cidade. De fato, tenho recordações muito boas de Ouro Preto. Se a gente volta para lá, as grandes viram pequenas...
Otávio: O que de fato ocorreu com a juventude universitária nesse período?
César Maia: Acho que há algumas razões para o fato de que parte da juventude universitária fosse potencializada a este nível de violência naquela época. De um lado há as condições externas. O mundo vivia uma situação deste tipo: a figura mística dos heróis revolucionários. Mas de outro lado, tem que ter razões internas que justificam levar à violência estudantes que hoje estão aí: um é Presidente do PT, José Genoíno (Neto), o outro é Prefeito do Rio de Janeiro, meu caso, o outro é Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, José Dirceu, entre outros. Então, estamos falando de uma juventude que tinha qualidade. O que explica o fato de uma juventude de qualidade se encantar por uma coisa absurda como o foquismo80, como eu me encantei? Que razão leva a grupos de elites do movimento universitário de São Paulo, Rio e Minas, pessoas de famílias tradicionais, como é o caso do Matta Machado? O pai dele era um líder católico importante, o Edgar de Matta Machado. Deputado à época. Um líder católico de expressão. O que leva ao limite do movimento universitário se engajar em idéias pueris? Olhando para traz, é possível questionar que força havia naquele momento para produzir este desdobramento? Qual é a razão do VI Congresso do Partido Comunista ter produzido tantas dissidências daquela forma? O Partido Comunista tinha também intelectuais importantes, quadros. Talvez uma das razões tenha sido o golpe de 1964 ter surpreendido as esquerdas. E talvez as esquerdas ainda permaneciam com a idéia de uma força que elas não tinha, mas imaginavam ter. E isto o Apolônio de Carvalho fala do Luís Carlos Prestes81 em um de seus depoimentos posteriores82. Isto é, que as esquerdas imaginavam que tudo seria muito fácil, que elas eram muito fortes, que tinham sido apunhaladas por trás83. Não há uma razão ideológica para isto. Desculpa, mas não uma razão ideológica para isto. Pode ser uma razão política, conjuntural, que criou uma expectativa de vitória fácil.

Otávio: A Escola de Minas também tinha um movimento interno contra a tecnocracia?

César Maia: Também tinha. Quer dizer, havia na Escola duas gerações de professores: a geração da escola tradicional e a geração de uma escola que buscava ser mais aberta, mais flexível. Tinha ex-alunos que eram professores. E que na verdade alguns deles chegaram a conviver com alunos, que conviviam conosco. E tínhamos uma relação direta ou indireta com os ex-alunos, que gerava um ambiente progressivamente mais flexível. O que não existia até 1965. A Escola de Minas era uma espécie de catedral. Você se formar na Escola de Minas e já saía empregado lá em cima. Falava-se da “máfia” dos ex-alunos de Ouro Preto, que controlava a Usiminas, a Vale do Rio Doce, a Petrobrás. Mas, eu acho que o básico é saber por qual razão uma elite universitária na Argentina, no Brasil, no Chile... No Chile eu diria menos, porque no Chile você tem o MIR (Movimento de Izquierda Revolucionária) e o MR-2 (Movimento Revolucionário Manuel Rodrigues), que eram grupos pequenos de guerrilha urbana. E lá você tinha uma estrutura do Partido Comunista que fazia política na legalidade, e que produziu Salvador Allende. No Chile estes grupos radicalizados eram francamente minoritários. O MIR era francamente minoritário. Era um grupo forte que cresceu muito durante o Governo Allende, diga-se de passagem. Na hora que o Allende assume a presidência, o MIR era muito fraco. Com o Allende no Governo é que o MIR cresceu muito. Para se ter uma idéia, o Allende estava na transição de assumir e o MR-2. Mataram um general, uma porra-louquice que não tem tamanho. É como se o Lula, ao assumir, alguém começa a dar tiro, o MST invade não sei o que lá, ou outra ação deste tipo.

Otávio: As “repúblicas” de Ouro Preto tinham uma infra-estrutura adequada para politizar os estudantes?

César Maia: Elas eram uma espécie de pensão, de organização coletiva. Cada um contribuía. Você tinha o Presidente mensal da “república”, que fazia as compras, que pagava a cozinheira, que definia qual era o cardápio, o que se colocava ali. E você tinha que ter uma organização muito rigorosa na questão de limpeza, pois precisávamos estudar. Se as “repúblicas” fossem uma bagunça, você não conseguiria passar de ano. Era necessário impor respeito. Todo estudante tinha um tipo de luminária para poder estudar de noite, por exemplo. A luz da “república” não possibilitava o estudo à noite. A CEMIG não tinha entrado. Você aumentava aqueles transformadores. Mas precisávamos estudar muito, pois a escola era muito pesada, muito difícil.

Otávio: Você acha que a “república” é um espaço de politização e de aprendizagem?

César Maia: Eu posso falar pelas “repúblicas” que eu convivi mais de perto, mais próximo. Havia “repúblicas” que tinham a tendência de esquerda. Nestes casos, naturalmente, os estudantes que eram calouros eu buscava levar para o Partido Comunista. E se o estudante era de direita pra valer, ele não conseguia conviver com os demais, e vice-versa. Porque, a politização da época gerava uma dificuldade de convivência de contrários. Não havia uma relação pessoal entre um cara de direita e um cara de esquerda.

Otávio: A relação então era difícil?

César Maia: A convivência era muito pouca. Quem era de esquerda pra valer e de direita pra valer tinha um convívio pessoal mínimo. Apenas formal. Até era possível diálogo com quem tinha uma tendência para a direita, mas o cara que era de direita pra valer e o cara que era de esquerda pra valer não conviviam.

Otávio: Qual sua melhor e a pior lembrança em relação à “república” Pureza?
César Maia: Olhando para o passado, eu diria que a “república” Pureza me ensinou a viver um grupo. E por isso me deu a condição de dirigir, de ir em frente, e me abriu o mundo da política. O pior é a lembrança da saída, quando tive que sair do ambiente enriquecedor Ouro Preto num momento de profissionalização política.




NOTAS

1 Nota do pesquisador: o DASP (Departamento de Administração do Serviço Público) foi criado durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945), buscando uma melhor organização e desempenho do serviço público brasileiro através de um aparelho burocrático dotado de uma racionalidade formal, bem ao estilo da burocracia na teoria social de Max Weber.
2 Nota do pesquisador: A Escola de Minas de Ouro Preto foi criada em 1876 através do desejo de Dom Pedro II, que nomeou o engenheiro francês Henri Gorceix para sua implantação e direção. Está, portanto, entre as mais antigas escolas de engenharia do Brasil, como também as Politécnicas do Rio de Janeiro (1874), de São Paulo (1894) e a Escola de Engenharia de Pernambuco (1895).
3 Nota do pesquisador: O livro mais recomendável sobre a história da Escola de Minas de Ouro Preto é: CARVALHO, José Murilo de. A Escola de Minas de Ouro Preto. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.
4 Nota do pesquisador: a República Pureza de Ouro Preto é um caso importante para a análise da politização estudantil em Ouro Preto. Nos anos 1950 passaram estudantes que eram considerados de direita, como Carlos Walter Marinho Campos – o engenheiro que coordenou a equipe que descobriu a bacia petrolífera de Campos no Rio de Janeiro –, enquanto nos anos 60 foi grande o número de estudantes de esquerda que habitou esta República, alguns deles ligados ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), como Nelson Maculan Filho e Jacques Herskovic, à Corrente Revolucionária de Minas como Cesar Maia ou à Aliança Libertadora Nacional (ALN) como o estudante Newton Morais, que foi preso em janeiro de 1971 após uma ação de expropriação a uma agência bancária de Belo Horizonte.
5 Nota do pesquisador: Nelson Maculan Filho formou-se em Engenharia de Minas e Metalurgia na Escola de Minas de Ouro Preto no ano de 1965. Dedicou-se a vida acadêmica como professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde exerceu o cargo de Reitor entre 1990 e 1994. Continua suas atividades de ensino e pesquisa nesta Universidade, e atualmente é o Secretário da Secretaria de Ensino Superior do Ministério da Educação (SESU/MEC).
6 Nota do pesquisador: Na cidade de Ouro Preto com a deflagração do golpe militar, as milícias de militares e civis foram responsáveis pela prisão de diversos estudantes, políticos, professores e outras categorias. Os chamados “Voluntários da Revolução” de 1964 se reuniam principalmente no Hotel Toffolo, que era um dos locais de reunião onde a parte militar era representada pelo Capitão Lucas, o Delegado, além de vários civis influentes da cidade, que formularam listas de pessoas a serem presas. Destes fatos é que originaram a fama dos “dedos-duros” da Ditadura de Ouro Preto.

7 Nota do pesquisador: o Partido Comunista Brasileiro (PCB) foi criado em 1922. Até 1961, a sigla PCB mantinha o nome de Partido Comunista do Brasil. Esta mudança do nome deveu-se à tentativa de se conseguir efetivamente a legalidade de partido constituído, o que não obtido sob a alegação de que era apenas uma seção da Internacional Comunista no Brasil, e não um partido nativo. A partir do seu VI Congresso, no final de 1967, O PCB passou a ser chamado de “Partidão”, pois o aumentativo designava contraditoriamente que, devido às diversas cisões e fragmentações, o PCB já devia ser considerado um partidinho.
8 Nota do pesquisador: Nuri Andraus Gassani formou-se em Engenharia Metalúrgica na Escola de Minas de Ouro Preto, em 1965. Nuri faleceu recentemente há poucos anos.
9 Nota do pesquisador: Sérgio Antônio Pretti Maculan foi da Diretoria do Centro Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto. Formou-se em engenharia Metalúrgica em 1967. Atualmente exerce atividades na área de engenharia (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas).
10 Nota do pesquisador: Jacques Herskovic foi Presidente do Diretório Acadêmico da Escola de Minas, em 1966, no Diretório anterior ao de Cesar Maia. Exerce, no momento, atividades numa grande empresa engenharia. (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas).
11 Nota do pesquisador: uma das edições deste livro em português é: GORKI, Máximo. A Mãe. Portugal, Publicações Europa-América, 1973.
12 Nota do pesquisador: Máximo Gorki foi um escritor russo que aderiu à revolução bolchevista na Rússia. Autor de romances, contos e novelas, como Meu companheiro de viagem, Reminiscências da minha juventude, porém, das suas obra, a que mais influenciou os revolucionários foi A Mãe, um livro típico do realismo político socialista. Outro texto dentro desta linha é Pequenos Burgueses, que foi levado ao teatro em 1902 por dois diretores russos.
13 Nota do pesquisador: os trabalhos do escritor baiano Jorge Amado geralmente são conhecidos por meio dos romances sobre a Bahia e o seu povo. Em sua bibliografia incluímos ainda Cavalheiro da Esperança e O Amor do Soldado, obras de conteúdo político e social que traçam a vida de duas grandes figuras que lutaram pelas liberdades individuais e um espaço maior dos “de baixo” nos rumos das sociedades, respectivamente, Luís Carlos Prestes e Castro Alves. Quanto ao livro Os Subterrâneos da Liberdade, trata-se de um romance histórico que possui como pano de fundo o Estado Novo.

14 Nota do pesquisador: a Editora Vitória, que tinha uma sede na cidade do Rio de Janeiro, foi especializada na publicação de obras marxistas e marxianas, como Obras escolhidas de Marx e Engels Vol. 1 (1956); Obras escolhidas de Marx e Engels Vol. 2 (1961); Obras escolhidas de Marx e Engels Vol. 3 (1963); Salário, Preço e Lucro, de Karl Marx (edições em 1955 e 1963); Manifesto Comunista (Edições de 1946, 1954, 1955 e 1960).
15 Nota do pesquisador: Victor Grigorievitch Afanassiev foi um teórico marxista russo, que publicou no Brasil, além de outras obras: Curso básico de comunismo científico. Dirreccion cientifica de la sociedade (sem referência completa) e Filosofia Marxista. Tradução de Mário Alves e Almir Matos. Rio de Janeiro: Vitória, 1963.
16 Nota do pesquisador: o título Teses sobre Feuerbach foi escolhido pelo Instituto de Marxismo-Leninismo quando publicou o texto juntamente com uma edição de A Ideologia Alemã, no ano de 1932. As Teses sobre Feuerbach foram escritas por Marx em 1845 e publicadas por Friedrich Engels em 1888, como apêndice de seu livro “Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã”. Portanto, é um texto publicado após a morte de Karl Marx, que viveu entre 1818 e 1883. Marx escreveu em sua 11ª e última tese do livro Teses sobre Feuerbach: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo de diferentes maneiras; o que importa é transformá-lo”.
17 Nota do pesquisador: O Manifesto do Partido Comunista ou Manifesto Comunista foi publicado em 1848 em autoria conjunta de Marx com Engels. “Na conferência da Liga (trata-se da Liga Comunista, que era uma ‘organização de trabalhadores alemães emigrados sediada em Londres da qual se tornou – Marx –, juntamente com Engels receberam a incumbência de escrever um manifesto comunista que fosse a expressão mais sucinta das concepções da organização” (Dicionário do Pensamento Marxista, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1993, p. 239).
18 Nota do pesquisador: Mário Zanconato foi exilado em Cuba após ser resgatado pelos companheiros com a situação do seqüestro de um embaixador. Foi Professor de Medicina no interior de Cuba, além de intensivista e docente de pós-graduação em Havana até 1993, quando voltou ao Brasil. É médico atualmente (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas).
19 Nota do pesquisador: a libertação de quinze militantes foi o preço do resgate no seqüestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick, em 04 de setembro de 1969. A ação do seqüestro foi organizada pela ALN e pelo MR-8, e as exigências foram prontamente atendida pelo governo, que ficou sem opção de impor nada naquele momento. Os seguintes militantes foram trocados pelo embaixador: Gregório Bezerra, Vladimir Gracindo Soares Palmeira, José Ibraím, João Leonardo Silva Rocha, Ivens Marchetti de Monte Lima, Flávio Aristides Freitas Tavares, Ricardo Villas Boas de Sá Rego, Mário Roberto Galhardo Zanconato, Rolando Fratti, Ricardo Zaratini, Onofre Pinto, Maria Augusta Carneiro Ribeiro, Agnaldo Pacheco da Silva, Luís Gonzaga Travassos da Rosa e José Dirceu de Oliveira e Silva.
20 Nota do pesquisador: José Dirceu atualmente é Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República do Brasil.
21 Nota do pesquisador: “Em Ouro Preto, a Corrente era dirigida por Hélcio Pereira Fortes, aluno da Escola Técnica, que havia militado no PCB desde 1963. no período imediatamente posterior ao golpe de março de 1964, Hélcio dedicou-se à tarefa de reagrupar as pessoas que pertenciam ao PCB e haviam se desorganizado por conta da repressão policial-militar que se abateu sobre elas. Além disto, procurou atrair novos militantes, como foi o caso de Antônio Carlos (Bicalho Lana). Acabou por constituir um grupo formado, principalmente, por estudantes secundaristas, universitários e operários da Fábrica Alcan (que produzia alumínio). Em 1967, este grupo rompeu com o PCB e integrou-se à Corrente” (MATTOS, Marco Aurélio Vannucchi Leme de. “Antônio Carlos Bicalho Lana: a trajetória de um guerrilheiro”. In: KUSHNIR, Beatriz. Perfis Cruzados: trajetória e militância política no Brasil, Rio de Janeiro, Imago Editora, p. 91, 2002).
22 Nota do pesquisador: o “Velho”, que Cesar trata aqui é Joaquim Câmara Ferreira, comandante da ALN, assassinado em 23 de outubro de 1970, num sítio clandestino pelo Delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury, o temido e terrível Delegado Fleury.
23 Nota do pesquisador: Carlos Marighella foi um dos fundadores da ALN (Ação Libertadora Nacional), em 1968, uma das principais organizações de luta armada. Além de estar envolvido na organização e nas ações armadas, Marighella produziu textos brilhantes como: Por que resisti à prisão e Pequeno manual do guerrilheiro urbano. Marighella foi morto em 1969, após sucessivas tentativas de assassinato sofridas na sua luta revolucionária, já que era considerado o inimigo número 1 da ditadura. A versão oficial de sua morte foi reação à ordem de prisão dada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury. “Conforme laudo do perito Nélson Massini, ele foi assassinado covardemente com um tiro no peito, à queima-roupa, depois de ferido por quatro disparos. A mando de Fleury, agentes do DOPS o atiraram morto dentro de um Fusca, para forjar o tiroteio” (Dênis de Moraes: “Carlos Marighella, 90 anos”, in: www.artnet.com.br/gramsci).
24 Nota do pesquisador: Hélcio Pereira Fortes, “Preso no dia 22 de janeiro de 1972, no Rio de Janeiro, foi imediatamente levado à tortura no DOI/CODI daquela cidade, sendo em seguida transferido para o DOI-CODI/SP. Em São Paulo, as torturas continuaram durante vários dias, até que, em 28 de janeiro, Hélcio morreu, aos 24 anos de idade. A versão oficial distribuída à imprensa informa a morte de Hélcio como conseqüência de uma tentativa de fuga empreendida no interior da Rodoviária de São Paulo, ao resistir à prisão. Entretanto, foram localizados depoimentos policiais prestados por Hélcio que confirmam sua prisão. Testemunhos dos presos políticos do Rio de Janeiro e de São Paulo denunciam a prisão de Hélcio nos DOI-CODIs das duas cidades e comprovam seu assassinato sob tortura” (Dossiê dos Mortos e Desaparecidos Políticos. Documento do Comitê Brasileiro pela Anistia. Seção do Rio Grande do Sul, 1984).
25 Nota do pesquisador: o dia 21 de abril simboliza as comemorações em torno de Tiradentes e a luta pela liberdade. Todos os anos, neste dia, ocorre a transferência simbólica da Capital de Minas Gerais de Belo Horizonte para Ouro Preto. Devemos lembrar, acima de tudo, que Ouro Preto deixou de ser a Capital do Estado em 1897, após a inauguração da recém-construída Belo Horizonte.
26 Nota do pesquisador: o DOPS é uma instituição antiga no Brasil, criada no primeiro Governo de Getúlio Vargas com o nome de Divisão de Polícia Política e Social – DPS. Desde então, suas atribuições e denominações foram diversas, com destaque para o regime militar brasileiro (1964-1985), lembrado como o grande órgão de repressão da sociedade brasileira, principalmente pelas inúmeras atrocidades realizadas por seus agentes.
27 Nota do pesquisador: era a seguinte composição da Diretoria do Diretório Acadêmico 67/68: “Presidente: Lincoln Ramos Viana; Vice-Presidente: Athaualpa Valença Padilha; 1o Secretário: Serafim Carvalho Melo; 2o Secretário: Benedito França Barreto; 3o Secretário: Douglas Senju Morishita; Tesoureiro: César Epitácio Maia”.
28 Nota do pesquisador: o Jornal O Martelo, é órgão do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto, embora o próprio título possa sugerir vinculações a outras questões. Embora não tenha as referências de suas origens, os exemplares a que tivemos acesso, pauta pela crítica e pela ousadia na divulgação das idéias. O nome provavelmente deve estar ligado ao lema da Escola de Minas de Ouro Preto: “Cumment et maleo” (Com a Mente e o Martelo).
29 Nota do pesquisador: Mao Tse-Tung, nascido em 26 de dezembro de 1893 na província de Hunan, China, em seus escritos reforça o papel dos camponeses como “a vanguarda da revolução”. Segundo Luís Antônio Groppo, “Os Guardas Vermelhos de Pequim iam para as províncias incentivar a crítica dos quadros locais. Era o simulacro da ‘Longa Marcha’, apesar de muitas vezes o transporte ser fornecido pelo governo. Os Guardas Vermelhos distribuíam textos de Mao, principalmente o ‘livrinho vermelho’, uma coletânea de citações criada em 1965 para os soldados do EPL. Através de copiógrafos portáteis e outros meios, foram impressos centenas de milhões de cópias do ‘livrinho vermelho’. A ação dos Guardas Vermelhos oscilava, assim, entre o real desejo de transformação social e um happening de verão (os próprios comboios pela China tornaram-se, de certa forma, estimulantes viagens turísticas para jovens que nunca haviam saído de sua cidade natal)” (GROPPO, Luís Antônio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: IFCH/UNICAMP, 2000. Tese de Doutorado sob a orientação do Prof. Dr. Octávio Ianni).
30 Nota do pesquisador: “Nos anos 1960, Cuba procurou mesmo se afirmar como um terceiro pólo de referência revolucionária, não apenas para a América Latina, mas para todo o Terceiro Mundo (como provariam incursões de cubanos desde já na África, aliás, do próprio Guevara). A tentativa cubana seria marcada pela Conferência Tricontinental, realizada em Havana em janeiro de 1966, e a criação da Organização Latino-Americana da Solidariedade (OLAS), reunida também em Havana em julho e agosto de 1967. A formação do OLAS seria a primeira ampla convocação para comunistas e outros esquerdistas revolucionários independente da União Soviética e da China. O tom agressivo, militarista e provocativo da reunião do OLAS expressou-se em frases como “O dever de todo revolucionário é fazer a revolução” e, citando Guevara, deveriam se criar na América Latina “dois, três, muitos Vietnãs”. Frases como estas parecem ter rendido tanto aliados quanto inimizades ao regime cubano. Inimizade e desconfiança principalmente por parte dos Estados Unidos, mas, também, dos partidos comunistas tradicionais da América Latina” (Groppo, op. cit).

31 Nota do Pesquisador: o Partido Comunista Brasileiro (PCB), no seu VI Congresso, em dezembro de 1967, produziu um racha provocado pelos militantes que optaram pela luta armada como estratégia política. A discussão oficial da questão já ocorria desde julho de 1966, quando o jornal clandestino Voz Operária publicou as Teses para Discussão no VI Congresso do Partido Comunista Brasileiro (GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1987, p. 90). E na reunião do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro, em setembro de 1967, o racha já se configurava mais abertamente. E a Corrente Revolucionária do PCB se reuniu em outubro, em Niterói, com trinta lideranças, como Flávio Koutzii (Rio Grande do Sul), Hélcio Pereira Fortes (Minas Gerais), Bruno Maranhão (Pernambuco), sendo o maior número mesmo do Rio de Janeiro e Guanabara e ninguém de São Paulo (idem, p. 101).
32 Nota do pesquisador: Mário Alves de Souza Vieira foi Secretário-geral do PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Jornalista, dirigiu os jornais Novos Rumos e Voz Operária, ambos de propaganda da esquerda. Membro do Partido Comunista Brasileiro, esteve presente na reformulação e cisão do Partido : “A luta interna no PCB também se acirrava e, no VI Congresso, realizado em 1967, Mário Alves, juntamente com Carlos Marighella, Joaquim Câmara Ferreira, Jacob Gorender, Apolônio de Carvalho, Manuel Jover Telles e Miguel Batista dos Santos foram expulsos”. Mário Alves, “em 16 de janeiro de 1970, entre 19:30 e 20 horas, saiu de casa para voltar dentro de pouco tempo. Foi preso pelo DOI/CODI-RJ, para onde foi levado. Na madrugada do mesmo dia, Mário Alves morreu sob torturas”. Dados de: www.torturanuncamais.org.br
33 Nota do Pesquisador: “A CORRENTE mineira não foi considerada como organização tipicamente armada porque, de início, era apenas uma dissidência do PCB, mas deve-se observar que ela chegou a fazer uma ou outra atividade armada, em 1968, em Belo Horizonte, vindo a transformar-se na ALN de Minas Gerais, cedendo bases também para o PCBR, ambos grupos armados urbanos típicos” (RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 1993, p. 57).
34 Nota do pesquisador: Apolônio de Carvalho, militar de formação, foi combatente na 2ª Guerra Mundial. Foi um dos dirigentes do PCB, e um dos fundadores do PCBR. Veja um outro depoimento de Apolônio: “Logo começa o interrogatório. Respondo com calma e firmeza. Quando aludo à justeza de nosso protesto armado contra a ditadura, um dos oficiais dá-me uma bofetada por sobre o capuz, além de insulto, trata-se de suprema covardia. Desvencilho-me do capuz e jogo-me contra eles. Por pouco tempo. Segundos depois, já por terra, desmaiado, volto pouco a pouco a mim. Agora estou algemado nos pulsos e tornozelos. Na verdade, tento apenas portar-me como aprendi na militância. Como não tenho armas, reajo com punhos aos insultos. Não sei quantos dias passei sob tortura. Sei que foi implacável, feita de ódio e sadismo. Só deixei de ser torturado quando o coração ficou por um fio, e eu literalmente apaguei. Se, por acaso, eu tivera ilusões sobre o tratamento que me dispensariam no quartel, conheceria naquela mesma noite quanto estava enganado: o exército estava atrelado à tarefa degradante da tortura. Como estivera o exército francês na Argélia. Como, por então, o norte-americano no Vietnã” (CARVALHO, Apolônio de. Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997, p. 208).
35 Nota do pesquisador: é importante destacar que no racha do PCB, e na criação de organizações como a ALN e o PCBR, em Minas Gerais, diferente do que ocorreu nas diversas cisões dos outros Estados, buscou-se uma atuação independente, pois a decisão de constituir um grupo a parte do Partido com uma nova atuação já estava praticamente definida no final de 1966 por vários militantes. No racha, em dezembro de 1967, como já se tinha um comando do partido, uma estrutura partidária e vários Diretórios ou comitês sobre o controle dos “revolucionários” em detrimento dos “revisionistas”, as lideranças não optaram nem pela criação de um novo partido nem pela ligação direta à ALN, cujo líder principal era Carlos Marighella. Tinha-se uma inspiração de Marighella, mas não um comando a partir dele em Minas Gerais. Os militantes da CORRENTE começaram a se ligar à ALN entre 1968 e 1969, quando a repressão destroçava a organização de guerrilha urbana em Minas Gerais, sobretudo da COLINA e da CORRENTE.

36 Nota do pesquisador: César Maia refere-se à preparação do 30º Congresso Nacional dos Estudantes da União Nacional dos Estudantes, que ocorreria em caráter clandestino no município de Ibiúna, São Paulo.
37 Nota do pesquisador: o 28º Congresso da UNE ocorreu no porão da Igreja São Francisco de Assis, convento dos padres franciscanos, no Bairro de Carlos Prates de Belo Horizonte.
38 Nota do pesquisador: o 29º Congresso da UNE foi marcado por uma crítica ao “reformismo”. Para Martins Filho, “nessa reunião expressou-se pela primeira vez, no plano da entidade nacional, o crescimento das correntes opositoras à Ação Popular, obrigando-a a compartilhar a diretoria eleita naquele conclave com militantes das Dissidências comunistas e da POLOP. Ao mesmo tempo, no final dos trabalhos, ficariam evidentes as dificuldades em conciliar as propostas daquelas que viriam a ser, em 1968, as duas ‘posicoes’ estudantis. Neste sentido, a Ação Popular divulgou como a “Carta Política” da UNE um documento que expressava as suas propostas, enquanto as publicações estudantis vinculadas às Dis-POLOP estamparam um texto com proposições diferentes. O 29º Congresso terminou, assim, com dois documentos ‘oficiais’” (MARTINS FILHO, João Roberto. Movimento estudantil e ditadura militar. Campinas: Papirus, 1987, p. 177-178).
39 Nota do pesquisador: a prisão de Cesar Maia distribuindo panfletos referentes ao 30º Congresso da UNE que se realizaria meses depois ocorreu em 23 de julho de 1968 (Documentos do DOPS). A segunda prisão ligada ao 30º Congresso da UNE ocorreu em 05 de outubro de 1968, após um cerco seguido de invasão em que 60 soldados da Polícia Militar e de agentes do DOPS empreenderam na Faculdade de Filosofia da Universidade Federal de Minas Gerais, dias antes da realização do Congresso. Cesar seria solto poucos dias depois e participaria do Congresso. “Depois de todas as saídas fechadas, a Faculdade de Filosofia foi invadida e como os estudantes vaiassem a ação policial, foram lançadas bombas de gás lacrimogêneo em direção as janelas. Do segundo andar até o oitavo, os estudantes que entravam em aulas decidiram esperar a consumação do ato de invasão. O coronel Luís Nunes Neto, da Polícia Militar, comandou pessoalmente, com os delegados David Hazan e Tacir Meneses, do DOPS, a ação policial. As primeiras normas foram baixadas: todos os estudantes podem sair. Desde que se identifiquem são liberados na medida em que seus nomes não constem da lista fornecida pelo Serviço Nacional de Informações” (In: “Polícia de Minas combate a ex-UNE”, Jornal do Commercio, Recife, 06/10/68, Caderno 1, p. 2). E a terceira prisão, propriamente dita ao Congresso, seria já durante o evento, em outubro de 1968.

40 Nota do pesquisador: Lênin foi o mais conhecido e influente líder teórico e político do marxismo no século XX. Foi dirigente do Partido Bolchevique na Revolução Russa de 1917, a primeira nação a organizar um Estado em bases socialistas.
41 Nota do pesquisador: uma das diversas edições seria: DEBRAY, Règis. Revolución em la revolución? La Habana, Casa de las Américas, 1966.
42 Nota do pesquisador: “Régis Debray, jovem marxista francês, aluno da Escola Normal Superior de Paris, autor de vários ensaios sobre a América Latina. Depois de diversas estadas em Cuba, Debray se juntou à guerrilha de Ernesto ‘Che’ Guevara na Bolívia. Preso pelas autoridades bolivianas, foi condenado em 1967 a 30 anos de prisão. Em 1971, após intensa campanha em seu favor na Bolívia, na França e em outros países, foi libertado pelo governo do General Juan José Torres” (Dicionário de Ciências Sociais da FGV, Coord. Benedicto Silva; Antônio Garcia de Miranda Netto [et al], Rio de Janeiro, p. 300-301, 1986).
43 Nota do pesquisador: o Edifício Maleta é um dos maiores edifícios de Belo Horizonte, conhecido por suas inúmera salas, corredores e pela diversidade de funções nos seus espaços.
44 Nota do pesquisador: Play é o apelido do então militante da Corrente Revolucionária de Minas Gerais, Marco Antônio Victoria Barros. Marco Antônio é atualmente é analista de sistemas (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas).

45 Nota do pesquisador: Franklin Martins foi comentarista de Política da Tv Globo.
46 Nota do Pesquisador: João Batista dos Mares Guia formou-se em ciências sociais da UFMG, foi membro do grupo Colina (Comando de Libertação Nacional) e Presidente da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais. Foi Secretário de Educação do Estado de Minas Gerais e atualmente exerce as atividades de consultoria para a Fundação Roberto Marinho e o Banco Mundial.
47 Nota do pesquisador: José Carlos Novaes da Matta Machado foi dirigente da Ação Popular Marxista-Leninista (APML). Em 1967, foi eleito presidente do Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP) da Faculdade de Direito da UFMG e vice-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE). Nessa época, já integrava os quadros da Ação Popular. Em outubro de 1968, durante a realização do 30º Congresso da UNE, em Ibiúna (SP), José Carlos foi preso e condenado a oito meses de reclusão nas celas do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), de Belo Horizonte. Solto, no segundo semestre de 1969, continua na luta, porém clandestinamente. Com a ajuda de seu cunhado, a repressão conseguiu monitorar os seus passos no Recife-PE. Preso no dia 27 de outubro de 1973 e levado para o DOI-CODI do Recife, morreu após torturas na madrugada do dia 28 (retirado do site: www.torturanuncamais.org.br)

48 Nota do Pesquisador: “O estopim do AI-5 foi um discurso do deputado federal Márcio Moreira Alves (do MDB) na Câmara, em 3 de setembro, em reação contra a violenta invasão da Universidade de Brasília por forças policiais em 30 de agosto. Moreira Alves afirmou que as Forças Armadas tinham se tornado um “valhacouto (refúgio) de torturadores”, propôs um boicote popular às paradas de 7 de setembro e incitou “as mocinhas casadoiras a não dançarem com cadetes e jovens oficiais nos bailes da independência”. Se o discurso teve pouca evidência na própria imprensa, dias mais tarde ele seria publicizado entre irados meios militares. Em 10 de outubro, foi enviado ao Supremo Tribunal Federal pedido para processar o deputado por ofensa aos militares. Mas, em 12 de dezembro de 1968, a Câmara dos Deputados não autorizou o pedido de julgamento de Moreira Alves, requerido pelo Supremo. No dia seguinte, o AI-5 era decretado. O AI-5 dava poderes excepcionais ao Executivo: “poder de decretação de recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de vereadores – e a conseqüente intervenção nos estados e municípios – e a suspensão dos direitos políticos de qualquer cidadão pelo prazo de 10 anos e das garantias de habeas-corpus nos casos de crimes políticos contra a segurança nacional”. E o Congresso Nacional seria mesmo colocado em recesso então. Também se estabeleceu a censura prévia à imprensa e às artes. Invocando o AI-5, que foi revogado apenas em 1/01/1979, foram punidos 6 senadores, 110 deputados federais, 161 deputados estaduais e 22 prefeitos, 6 milhões de votos foram anulados e a censura atingiu 500 filmes, 450 peças, 200 livros e 500 canções. A partir de 1969, também os métodos repressivos contra os grupos de luta armada seriam semi-institucionalizados na temível Operação Bandeirantes (Oban)” (GROPPO, Luís Antônio. Uma Onda Mundial de Revoltas. Movimentos estudantis nos anos 1960. Campinas: IFCH, 2000. Tese de Doutorado sob a orientação do Prof. Dr. Octávio Ianni).


49 Nota do Pesquisador: segundo Marcelo Ridenti, “Os movimentos nacionalistas de esquerda, compostos principalmente por ex-militares de baixa patente, cassados em 1964, criaram inicialmente o Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR), que empreendeu em 1967 a frustrada experiência conhecida como guerrilha de Caparaó. Remanescentes do nacionalismo pré-64 organizaram ainda outros pequenos grupos, como o Movimento de Ação Revolucionária (MAR), a Resistência Armada Nacionalista (RAN), a Frente de Libertação Nacional (FLN), o Movimento Revolucionário 21 de abril (MR-21) e o Movimento Revolucionário 26 de março (MR-26). Grande parte desses contingentes nacionalistas acabaram integrando-se às organizações ditas marxistas de esquerda armada. O caso mais significativo oi a fusão de uma parcela do MNR com a dissidência paulista da POLOP, para fundar, em 1968, a organização que viria a ser chamada Vanguarda Popular Revolucionária (VPR)” (RIDENTI, Marcelo. O fantasma da revolução brasileira. São Paulo: Editora Unesp, 1993, p. 29).
50 Nota do pesquisador: “abrir” era um termo indicado pelos militantes no sentido de entregar , de delatar sob tortura.

51 Nota do pesquisador: segundo Sobral Pinto, “o requerente César Epitácio Maia convoca o povo, não para subverter a ordem pública nem para levantar-se contra o Governo federal, estadual ou municipal, MAS PARA APOIAR A REALIZAÇÃO DO 30º CONGRESSO DOS ESTUDANTES” (In: Lições de Liberdade, p.106). Sobral Pinto observa que os panfletos distribuídos por César Maia naquela oportunidade não tinham nada que ocasionasse em crime. E prossegue em seu ofício ao Ministro Waldemar Torres da Costa, Relator do Hábeas-Corpus nº 29.584: “Não é possível, Sr. Ministro, tratar como criminosos, que devam ser mandados para o cárcere, jovens das melhores famílias brasileiras, que lutam para o problema da educação, em nossa Pátria, seja resolvido” ( In: Lições de Liberdade, p. 109).
52 Nota do pesquisador: Sobral Pinto, Heráclito Fontoura. Lições de Liberdade. Belo Horizonte: Editora Comunicação; Editora da Universidade Católica de Minas Gerais, 1977.
53 Nota do pesquisador: o Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967, é o que “define os crimes contra a segurança nacional, a ordem política e social e dá outras providências”. Destacaria o Art. 3º, no qual “a segurança nacional compreende, essencialmente, medidas destinadas à preservação da segurança externa e interna, inclusive a prevenção e repressão da guerra psicológica adversa e da guerra revolucionária ou subversiva”.
54 Nota do pesquisador: o tom provocativo de Sobral Pinto está manifestado igualmente não apenas nas sessões dos julgamentos, mas nos ofícios enviados. Como já mostramos em alguns trechos do ofício enviado ao Ministro Waldemar Torres da Costa, Relator do Hábeas-Corpus n º 29.584, segue um outro ponto que demonstra o teor de suas declarações fortes: “Note V. Exª ., Sr. Ministro , que os movimentos estudantis nos Estados Unidos sãos mais graves que os movimentos estudantis em nossa Pátria” (In: Lições de Liberdade, p109).
55 Nota do pesquisador: o Sociólogo Herbert de Souza, já falecido, foi o idealizador da Campanha Contra a Fome, que na época ainda se encontrava no Brasil.

56 Nota do pesquisador: José Serra era Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) no período do golpe de 1964. Foi exilado. Serra concorreu às eleições presidenciais de 2002 pelo PSDB, perdendo para Luís Inácio Lula da Silva.

57 Nota do entrevistado: Bonny and Clyde foram os famosos bandidos norte-americanos que deram nome a um livro e a um filme.
58 Nota do pesquisador: “Aparelhos” são os locais seguros montados pelos guerrilheiros tanto para viver como para organizar a guerrilha, ou simplesmente local para fins clandestinos.
59 Nota do pesquisador: “Os movimentos contra o colonialismo na Indochina começaram em 1918, com uma série de revoltas desencadeadas por sociedades secretas, que esperavam conseguir reformas da França, que não aconteceram. Destas sociedades surgiram partidos nacionalistas clandestinos, inclusive o comunista, dirigido por Ho Chi Minh (que havia estudado na França). Nos anos 1930, o Partido Comunista Vietnamita (o Viet-Minh) mobiliza, nos moldes de Mao Zedong na China, massas camponesas. Em 1941, durante a ocupação japonesa, grupos nacionalistas do Vietnã organizaram-se em território chinês e fundaram a Liga das Organizações Revolucionárias do Vietnã, lutando tanto contra japoneses quanto franceses. O principal grupo desta Liga era o Viet-Minh, que disseminava uma ideologia baseada no marxismo-leninismo e no nacionalismo para os camponeses. Em 1945, com o fim da Segunda Guerra, Ho Chi Minh proclamou a independência do Vietnã. A França inicialmente reconheceu o novo Estado, mas voltou atrás, violando tratados ao bombardear Hayphong. O governo de Ho Chi Minh entrou então na clandestinidade e preparou a resistência nos moldes da “Guerra Popular Prolongada” do maoísmo, disseminando guerrilheiros pela população camponesa solidária. Contudo, a luta no Vietnã passaria do âmbito do antigo imperialismo para o da Guerra Fria. O Vietnã tornou-se um pião da Guerra Fria no entender dos Estados Unidos, que passaram a auxiliar com material de guerra os franceses, temendo o caráter socialista da guerrilha. Apesar disto, em maio de 1954, na batalha de Dien-Bien-Phu ocorreu a derrota total francesa. Após acordo em Genebra, além de se criarem os Estados de Laos e Camboja, o Vietnã foi dividido em duas partes pelo paralelo 17: ao norte, a República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói e governada por Ho Chi Minh; ao sul, o Vietnã do Sul, com capital em Saigon e governado por Bao-Daí (imperador do Anã). O acordo firmava que a separação era provisória e seria decidida através de eleições gerais a serem convocadas para 1956 sob o controle de uma comissão internacional, mas isto não ocorreu, por decisão do primeiro ministro do Vietnã do Sul, Ngo Dinh Dien, católico e anti-comunista que, ajudado pelos Estados Unidos, destronou o rei Bao-Daí e proclamou a República do Vietnã do Sul, tornando-se seu presidente. Os comunistas do Sul resistiram, criando a Frente de Libertação Nacional (FLN) e, em 1961, o Exército de Libertação Nacional, o Vietcong. O Vietcong era auxiliado pelas tropas do Vietnã do Norte de Ho Chi Minh (que viria a falecer em 1969). Iniciava-se, então, a Guerra do Vietnã” (Groppo, op. Cit).

60 Nota do pesquisador: uma das edições seria: CHE GUEVARA, Ernesto. Guerra de Guerrilhas. La Habana, Dep. de Instrucción del Minfar, 1960.
61 Nota do pesquisador: e já ocorria, a partir de 67, uma atuação conjunta entre os órgãos de informações do Centro de Informações da Marinha (Cenimar), do Centro de Informações do Exército (CIE) e do Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica (CISA) – os dois últimos criados pela repressão depois de 1964 – com o Serviço Nacional de Informação (SNI). “O SNI se uniu a estes órgãos para, através do culto ao segredo, atuar em defesa do Estado de Segurança Nacional” (BRANDÃO, Priscila Carlos. SNI e ABIN – uma leitura da atuação dos serviços secretos brasileiros ao longo do século 20. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2002, p. 26).
62 Nota do pesquisador: “Cair” é um termo que significa que o esquema organizado foi falho e por isso não funcionou como deveria. Fulano “caiu”: foi pego e preso. O “Aparelho caiu”: o esconderijo dos militantes foi descoberto.
63 Nota do Pesquisador: sobre alguns conceitos importantes em casos policiais, o estudo de Martha Huggins diz: “Veja-se a Guatemala, que foi onde se originou, na década de 60, o termo desaparecido: ela contara com programas norte-americanos de treinamento da polícia desde a derrubada do Presidente Jacobo Arbenz Guzman, democraticamente eleito, orquestrada pelos Estados Unidos em 1954. Desde então, a polícia participou, juntamente com o exército guatemalteco, da tortura e morte, ou ‘desaparecimento’, de pelo menos cento e trinta mil civis” (Americas Watch, 1988:5-6)” (HUGGINS, Marta K. Polícia e Política: relações Estados Unidos/América Latina. Trad. Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Cortez, p. 5, 1998). No Brasil, a morte do primeiro desaparecido político da ditadura militar brasileiro foi esclarecido em junho de 2004. Trata-se de Virgílio Gomes da Silva (codinome de Jonas), militante da ALN e um dos comandantes da ação de seqüestro do embaixador norte-americano, Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969. Ele foi morto menos de um mês depois desta ação na sede da OBAN (Operação Bandeirantes), em São Paulo (Folha de S. Paulo, 24 de junho de 2004, caderno Brasil, p. 10).
64 Nota do Pesquisador: Carlos Lamarca, o Tenente que se rebelou contra o Exército e aderiu à luta revolucionária. Foi morto em 1971.
65 Nota do pesquisador: Hélio Navarro, Deputado Federal pelo PMDB de São Paulo, foi um parlamentares cassados e perseguidos com a decretação do AI-5.
66 Nota do pesquisador: o objetivo de se expandir a educação superior brasileira estava em 1966 ainda sob a égide das decisões de anos anteriores. Para Cunha, “quanto ao Plano Nacional de Educação, de 1962, foi revisto pelo CFE, seu autor, em 1965. No tocante ao ensino superior, a revisão mantinha os objetivos anteriores de se admitir nesse grau, em 1970, pelo menos a metade dos concluintes do grau médio em 1969, assim como de se manter pelo menos 30 % de professores e alunos em regime de tempo integral” (CUNHA, Luiz Antônio. A universidade reformanda: o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 73). Novas legislações, a partir do Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, seriam medidas continuadas para forçar uma modernização das faculdades e universidades, inclusive com expansão das vagas para estudantes. Em Ouro Preto, já se buscava medidas concretas em 1965, com a apresentação do anteprojeto da obra de construção da “cidade universitária da Escola Federal de Minas de Ouro Prêto” pelo escritório técnico do arquiteto Sérgio Bernardes, feito a pedido da Fundação Gorceix em parceria com a Escola de Minas, e que previa também a construção de moradia para estudantes levando-se em consideração a atração de diversos alunos que tais medidas ocasionariam com a pouca disponibilidade de imóveis em Ouro Preto.

69 Nota do pesquisador: Lincoln Viana foi desligado pelo Decreto-Lei 477 em 1969. A partir daí foi para o exílio no Chile, retornando ao Brasil em 1973. É comerciário em Minas Gerais.
70 Nota do pesquisador: Pedro Garcia foi desligado pelo Decreto-Lei 477 em 1969, juntamente com Lincoln. Retornou ao Brasil em 1973, após exílio no Chile. É funcionário público em Minas Gerais.
71 Nota do pesquisador: Sônia Lima, após sua militância na Corrente Revolucionária de Minas Gerais, ficou exilada no Chile e na Suécia. Atualmente é professora no exterior (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas). César Maia durante o seu exílio no Chile presenteou Sônia Lima quando ela estava voltando para o Brasil com o livro "A Ilha do Tesouro", pois este não criaria problemas na volta ao Brasil.
72 Nota do pesquisador: Ricardo Apgaua foi um dos líderes da Corrente Revolucionária de Minas Gerais. Exerce atividades de comerciário (retirei dados que auxiliam a localização fácil do nome citado para evitar problemas). Ricardo Apgaua foi receber treinamento militar em Cuba, juntamente com Antônio Carlos Bicalho Lana. Lana morreu em 1973, assassinado pela repressão.

73 Nota do pesquisador: ainda em 1967, na União Estadual de Estudantes (UEE) de Minas Gerais houve um trabalho efetivo após a “eleição” de uma diretoria de esquerda com os principais representantes dos grupos políticos que militavam nas universidades mineiras, um dos raros momentos em que houve unidade das diferentes organizações revolucionárias que atuavam no movimento estudantil. Algumas militantes que assumiram cargos a partir de suas organizações na Diretoria da UEE/MG foram: Doralina Rodrigues (AP); Raimundo Mendes (AP); Cesar Maia (CORRENTE); Sônia Lima (CORRENTE); João Batista dos Mares Guia (COLINA).
74 Nota do pesquisador: sobre este aspecto, César Maia já declarou o seguinte: “...voltei ao Brasil em 1973, no ano seguinte fui trabalhar como estagiário na Klabin [indústria de papel] e, depois, fiz a seleção para a Universidade Federal Fluminense, onde comecei a lecionar. Mas o serviço de informação da universidade questionava a minha permanência como professor, em função do meu passado. Então fiz uma declaração explicando minha condição de social-democrata e que não participava de nenhum tipo de movimento político, não era comunista nem pensava como comunista. Quando abriram os arquivos do DOPS, depois, fiz até questão de que publicassem minha ficha, porque era absolutamente limpa, não havia o nome de um companheiro em nenhum depoimento. Perguntaram se era comunista e eu disse: “Não. Não sou. Imagine se vou me envolver com um partido na clandestinidade nesse momento. Acho que tudo isso foi um delírio, uma besteira, uma loucura, um atraso de vida para a população brasileira e para o movimento revolucionário”. Não tenho dificuldade em dizer o que penso” (in: Revista Playboy, maio de 1996, p. 41).
75 Nota do pesquisador: nos documentos referentes a César Maia analisados nos arquivos do extinto DOPS de Minas Gerais pudemos verificar que ele preservou os nomes de companheiros e muitas das vezes propiciou respostas para desviar as atenção dos inquisitores, como a que segue abaixo: “...alegou não saber identificar o nome nem os diretórios que representavam os demais presentes uma vez que todos os elementos deveriam usar nomes falsos conforme orientação dada um elemento que aguardava os participantes da reunião na Faculdade de Filosofia; que durante a reunião o depoente usou o próprio nome com o objetivo de iludir os demais estudantes presentes à reunião do Conselho

76 Nota do pesquisador: uma das ações de “expropriação” mais ousadas foi o assalto ao trem pagador da estrada de ferro Santos-Jundiaí, ocorrido em 10 de agosto de 1968, poucos meses antes da decretação do AI-5.
77 Nota do pesquisador: uma das poucas ações de “expropriação em Minas Gerais foi o assalto da Caixa Econômica Federal de Ibirité, na grande Belo Horizonte.
78 Nota do Pesquisador: houve muita troca de correspondências entre o Diretor da Escola de Minas e o SNI (Serviço nacional de Informação), como pudemos detectar, bem como do Diretor com os operadores dos serviços de informação. 78 No decorrer dos inquéritos os órgãos de segurança buscaram informações sobre César em todos os lugares, inclusive
na Escola de Minas de Ouro Preto, mesmo após ele não estar mais ligado a mesma. Um exemplo é o ofício enviado pelo Tenente Coronel Newton Dias da Motta, encarregado do IPM contra César Maia, para o Diretor da Escola de Minas de Ouro Preto, pedindo as seguintes informações: “a) Sua atuação no Movimento Estudantil”; b) ideologia política; b) Frequência por matéria às aulas nos anos 67/68; c) Sua ideologia política como presidente do DA; d) Razão de sua transferência dessa Escolas (sic)” (documentação do DOPS/MG).
79 Nota do Pesquisador (resposta do entrevistado por e-mail): “Depois de Ibiúna, não voltei a Ouro Preto. Tinha três processos e cumpri a pena do primeiro que era depois em São Paulo. Na época os serviços de repressão eram desorganizados e não unificados. Quando saí fiquei escondido para que não fosse preso pelos outros dois, o que só aconteceu na volta, em 1973, quando fiquei preso mais uns três meses até a absolvição. Enquanto estava escondido, o Heleno Fragoso (meu advogado) providenciou uma carteira de identidade, levando-me ao local da retirada como se eu fosse um deficiente físico e mental. Com esta carteira, saí por ônibus pela Argentina em direção ao Chile”.

80 Nota do pesquisador: “Em A Guerra de guerrilhas, Guevara ainda faz a ressalva sobre a inviabilidade do foquismo em países sob regimes constitucionais, nos quais se realizem eleições, mesmo fraudulentas. Escritos posteriores do próprio Che anularam a ressalva, salientaram o beco sem saída das formas legais de lutas de massas e converteram a guerrilha rural na forma absoluta da ação revolucionária” (GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. A esquerda brasileira: das ilusões perdidas à luta armada. São Paulo: Ática, 1987, p. 80).
81 Nota do pesquisador: Luís Carlos Prestes foi Secretário-Geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB) de 1945 a 1980.
82 Nota do pesquisador: César Maia se refere à entrevistada do Apolônio de Carvalho que foi apresentada no Programa Memória Política, da TV Câmara, em 20/11/2000. O Citado Programa, iniciado no dia 06/11/2000 nesta TV entrevistou antes de Apolônio o jornalista Barbosa Lima Sobrinho e o Coronel Jarbas Passarinho.
83 Nota do Pesquisador: veja também estes dois trechos de um depoimento-livro de Apolônio de Carvalho: 1) “"No PCB, sequer se aceita a possibilidade de sua deflagração (em relação ao golpe de 64). Se os golpistas ousarem levantar a cabeça, nós a cortaremos, dissera Prestes em entrevista, poucos dias antes” (CARVALHO, Apolônio de. Vale a pena sonhar. Rio de Janeiro, Rocco, 1997, p. 186); 2) “Partimos para o contra-ataque. Lance inicial, o Diário da Noite insere em primeira página longa entrevista nossa, cuja manchete surpreende a todos: A UJC é legal, e está oficialmente registrada. Acatar seu funcionamento é apenas uma questão de respeito à lei ou de disciplina diante da Constituição. A repercussão é intensa. O tento alcançado, todavia, tem fôlego curto: três dias depois o governo Dutra cassa o registro oficial da UJC. Ela não chegara a completar um mês de vida. As forças da reação cantam vitória. - É uma prova de fraqueza - afirma Prestes aos jornalistas. - o governo Dutra fecha a UJC porque não pode fechar o PC. Dois meses e uma semana após, demonstra-se de todo apressada a avaliação da correlação de forças do dirigente comunista. Em 7 de maio, o TSE cassa o registro eleitoral do Partido" (idem, p. 175).

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