Velasco e Cruz, Sebastião C. 1968: movimento estudantil e crise na política brasileira. IFCH: Unicamp, 1991. (Primeira Versão n. 32).
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“Mas, se o trama da morte de Edson Luis repercutiu de tal forma na cena política, o seu impacto sobre os estudantes não seria menor. Com efeito, a inesperada ativação do setor, a amplitude e a radicalidade sem precedentes das manifestações que logo passaram a eclodir por toda parte lançaram no centro das atenções os líderes nacionais do movimento. E, subitamente obrigados a se mover no terreno da grande política, sem que nada do que disseram ou fizeram antes os tivesse preparado para tal eventualidade , a ação desses dirigentes vai desvelar as contradições íntimas, toda a gama de ambigüidades que os habitavam.
Não deixa de ser irônico. Depois de elaborar criticamente a experiência das mobilizações sobrepolitizadas de 1966, já bastante avançado na mudança de rumos que o fazia privilegiar, cada vez mais, os temas relativos à Universidade, o movimento estudantil era atropelado pela conjuntura política , que recolocava na ordem do dia a questão das liberdades. Vinho novo, em odre velho. Como a dois anos atrás, estava em foco a violência do Estado; como então, era desafiadora a resposta dos estudantes – só que agora eles se mostravam mais audazes. Aparentemente, pouco mudara; no fundo era uma outra partida que se jogava. Que as lideranças estudantis não tenham tido uma percepção clara desse dado não é estranho – mesmo aos políticos mais traquejados ele era obscuro na época. Mas isso não anula o fato: no momento em que, no momento em que, nos mais altos conselhos do regime, tramava-se o golpe final contra o que ainda restava das instituições democráticas no país, o desprezo do movimento estudantil pela institucionalidade, a insistência na tática do confronto de rua com a polícia e a retórica das lideranças – que nessas ocasiões exortavam estudantes e populares a apoiar o futuro Exército Popular, pois “só a luta ar-...
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...-mada derruba a ditadura” - nada disso contribuía para evitar aquele funesto desenlace.
Fica pendente a dúvida: poderia ser de outra forma, quando sabemos que no segundo semestre de 68 as organizações de esquerda mais influentes no movimento estudantil já ultimavam os preparativos para passar às ações que a seus olhos realmente importavam – a proletarização de quadros, no caso da AP, convertida na época a uma versão caricata do maoísmo; para as outras, a guerrilha? É impossível responder com segurança a pergunta. Mas uma coisa é certa: com alguns grupos já inteiramente votados às ações armadas, o espaço para a ambivalência característica das lideranças estudantis tornava-se cada dia mais reduzido. E, qualquer hipótese, mais cedo do que tarde a escolha entre o movimento social e condições de clandestinidade requeridas pelo engajamento na luta armada se imporia,.
O clico de mobilizações estudantis de 68 atinge o seu ápice no final de junho, com a “Passeata dos 100 mil”, no Rio de Janeiro. A partir daí, o movimento começa a perder substância , sob o efeito concomitante de seu crescente radicalismo e da escalada recessiva. Acirram-se nessa fase as lutas de tendências, e aos poucos o movimento passa a ser dominado pela dinâmica das organizações.
Sobre esse movimento já é combalido, o desastre de Ibiúna - a dissolução do Congresso da UNE, naquela localidade – vai cair com um golpe quase fatal. Num instante, a polícia política tinha nas mãos os líderes nacionais mais importantes, além de fichas de centenas de dirigentes intermediários de vários estados. Desde então, até mesmo por razões de segurança, as organizações começam a deslocar maciçamente seus quadros estudantis para outras frentes de atuação. Quando, a partir de 13 de dezembro, a repressão policial e militar se abate com todo o peso sobre o movimento estudantil, com algumas exceções , os militantes mais ativos não serão alcançados”.
quarta-feira, 19 de março de 2008
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