terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE ROMEU DELAROLI A OTÁVIO LUIZ MACHADO

DEPOIMENTO DE ROMEU DELAROLI A OTÁVIO LUIZ MACHADO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE ROMEU DELAROLI A OTÁVIO LUIZ MACHADO
Depoimento realizado pelo projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimentimentismo e o radicalismo entre 1956 e 1969”.
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: ROMEU DELAROLI
LOCAL: IPATINGA-MG/RECIFE-PE POR ESCRITO
DATA: NOVEMBRO DE 2004




FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Romeu Delaroli
Tipo de Entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Data: junho de 2002
Duração: entrevista por escrito s. t.
Equipe
Levantamento de dados: Otávio Luiz Machado
Pesquisa e elaboração de roteiro: Otávio Luiz Machado
Técnico de gravação: entrevista por escrito
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento por escrito de Romeu Delaroli a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: LPH/UFOP/Projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”, 2004.





OTÁVIO LUIZ MACHADO: gostaria inicialmente de pegar os seus dados.

ROMEU DELAROLI: atualmente sou aposentado como engenheiro metalúrgico e administro construções de prédios, eventualmente. Nasci em 01 de março de 1949 na cidade de Poços de Caldas/ MG. Hoje tenho 55 anos. Meu pai Jylbes Delaroli estudou até completar o primário e era industrial e atuava no ramo de refrigeração. Desde pequeno eu freqüentava a fabrica e tinha muita amizade com os empregados que faziam brinquedos para mim com sobras de madeira.A partir de 1966, meu pai deu sociedade para os empregados constituindo uma empresa com participação dos empregados, e isto me deixava muito orgulhoso. Minha mãe Romilda Gorini Delaroli, cursou apenas o 1º ano primário na roça e era filha de fazendeiros e cuidava da casa, fazia pão em casa por que era mais barato. Desde os 7 anos, meu pai me levava para freqüentar a conferência dos vicentinos e ajudar os pobres assistidos. Na minha infância, além dos estudos, eu gostava muito de praticar esportes ( vários ) o que não era muito aceito pelos meus pais.

Quando chegou a Ouro Preto para estudar?

Eu cheguei em Ouro Preto em 1965, com 15 anos de idade para cursar o 2º ano do curso cientifico no Colégio Arquiodicesano. Fui morar na república T.X., a qual era particular. Convivia com outros colegas na república que eram estudantes da Escola de Minas e vestibulandos. Ouvia relatos da revolução de 1964 e de estudantes que tinham dedado seus colegas, o que na minha cabeça era inconcebível e fazia questão de não me aproximar ou até conversar com os denominados dedos duros. No Arquiodiocesano era exigida uma disciplina com regras que eu e mais outros colegas ( Renan,...) logo passamos a questionar abertamente, até que fomos expulsos e fomos estudar no Colégio Baeta. No último ano do Científico me destacava no Cursinho e tinha direito de freqüentar o DA. O esporte continuava ocupando o tempo que me sobrava. Tinha muita curiosidade sobre a vida de Che Guevara e consegui arrumar um livro, não me lembro com quem para ler. Depois que passei no vestibular em 1967, fui morar na República Vaticano, a qual pertencia à Escola de Minas. E depois em meados de 1969 voltei para morar na TX, a qual havia sido comprada EM e me formei lá.

Quais atividades exerceu no movimento estudantil?

Fui Representante de Turma em 1967, no meu primeiro ano de EM. Em 1968 exerci o cargo de 3º secretário do Diretório Acadêmico da EM, na gestão do Serafim. Retornando a 1966 em que era estudante do 3º do curso científico e convivia com os estudantes da EM na República, no CAEM e peladas e campeonatos de República me chamava atenção o César Maia pela sua liderança forte e ao mesmo tempo muito brincalhão.
Em 67 foram aprovados cerca de 120 ( eu acho ) para a EM. Eu tinha muitos convites de Repúblicas da EM para morar, por que era goleiro e havia poucos. As Repúblicas queriam se fortalecer para a disputa do campeonato entre elas. Então fui morar na República Vaticano, ao lado da República Pureza, onde morava o César Maia. O Lincoln, ponteiro direito do time de futebol da EM, do qual era goleiro e o César Maia ( lateral esquerdo reserva) vieram falar comigo para candidatar a representante de turma em 67 e trabalhar para conseguir os votos dos recém admitidos na EM que seriam decisivos na eleição do DA. Se não me engano ira representar 25% do total . Comecei então a participar de reuniões ( conchavos ) . Eu me lembro que tinha o César Maia como uma espécie de ídolo ( questionava com determinação), mas eu tinha dúvidas, pois ele era muito brincalhão.

Como era a Escola de Minas?

A EM, quando cheguei em OP em 65 representava para mim um desafio a ser alcançado e tinha um conceito muito alto. Eu aprendi a admirar mais a EM porque convivi com estudantes de muito gabarito na TX como Elmer e Jorge Salomão,... Ao mesmo tempo ouvia relatos de autoritarismo dos Professores, falta de condições para estudar, pois os livros ( bibliografias ) eram escassos e a não era permitida por alguns dos Professores a impressão de apostilhas e tinha o problema de moradia. Uma de minhas providências como Representante de Turma foi ir até a casa do Prof. Cristiano, temido Catedrático de Química. Bati na porta e ele próprio veio atender e perguntou logo o que eu desejava. Falei que queria conversar com ele porque precisava de sua autorização para imprimir uma apostilha de Química que o meu colega de República TX tinha escrito com compilações de suas aulas, no 1º ano de EM. Recebi um não, mas consegui alongar a conversa por insistência minha. Para surpresa fui convidado a entrar e durante a conversa argumentei que o Elísio faria uma declaração que seria colocada na primeira página da apostilha que ele Prof. Cristiano estava apenas autorizando a publicação e que ele não tinha feito nenhuma correção no seu conteúdo e por conseguinte não tinha nenhuma responsabilidade pela mesma. Procurei o Elísio, o qual não acreditou inicialmente, pensando que eu estava fazendo uma brincadeira, mas depois fez a declaração e eu levei à casa do Prof. Cristiano que me convidou para entrar e assinou a declaração. Durante o bonde à noite na República contei o fato e ninguém acreditou, pois era a primeira vez que seria publicada uma apostilha autorizada pelo Prof. Cristiano. Com este fato assumi um desafio de passar em Química no meu primeiro ano e cumpri, sendo o único que passei direto. Tinha quebrado um paradigma. A EM tinha um grande valor acumulado ao longo de sua existência, mas já passava da hora de fazer mudanças e esta rigidez era o que mais nos afetava estudantes naquela época. Ponto forte da EM, na minha opinião: Tradição em ensino. Grandes profissionais eram formados na EM. Ponto fraco de EM. Enfoque essencialmente acadêmico na maioria das disciplinas.

E o Diretório Acadêmico?

Após a gestão do Lincoln, não poderíamos permitir que o DA fosse parar nas mãos do pessoal de direita (dedos-duros ). O César tinha se desgastado e a solução deles ( Lincoln e César ) foi colocar o Serafim. César passou a comandar indiretamente. Nesta altura, fui convidado para entrar na chapa conchavada que teve o Serafim como Presidente, pois iria puxar muitos votos da minha turma. Participei do DA e ajudava nos serviços burocráticos de secretaria, impressos a serem distribuídos. Depois chegou o Newton Morais, conterrâneo e este foi morar na Pureza, depois de ingressar na Escola de Minas, tornando-se o maior discípulo do César Maia. A minha convivência com o Newton aumentou. E quando íamos
a Poços de Caldas um ia à casa do outro para levar cartas e trazer coisas: bolos, doces etc. Eu ficava triste porque os pais do Newton davam pouca atenção a ele e não mandavam nada. Nestas ocasiões minha mãe providenciava alguma coisa para eu levar como se fosse a mãe dele que estava mandando. Após a participação no DA continuei a trabalhar sempre nas eleições principalmente a do José de Lourdes que era meu colega de turma no curso de Metalurgia.

Havia muita repressão neste período nas repúblicas pelos militares?

Num certo dia ocorreu uma batida nas Repúblicas da rua das Mercês e o pessoal do DOPS estava procurando o César e o Lincoln. Fomos todos rendidos e obrigados a ficar deitado de bruço na sala com as mãos sobre a nuca, por um certo tempo. A república foi toda revirada. Eles procuravam livros com literatura subversiva, armas, ... . depois ficamos sabendo que o César e o Lincoln foram ao cinema e depois embora de OP. Alguns tempo depois circulou notícia que eles estavam no Chile. Pode ter havido um baque aparente no movimento devido a grande liderança que exercia o César e o Lincoln. Um dado que me parece memorizado é que o César tinha ido para o Chile e trabalhava na Embaixada do Brasil devido a sua família ter Generais. Esta informação foi circulada pelo pessoal da Pureza que diziam ter recebido uma carta dele. Conversando com você Otávio eu pude informar-me que não era isto e que o César foi preso antes de ir para o Chile e não trabalhou na Embaixada. Tempos depois o Newton foi preso, após assalto ao banco Nacional em BH, e eu sempre buscava notícias com a Jolia, sua namorada, pois seus pais nem queriam falar sobre sua prisão. Lembro que conseguia material: livros, apostilhas e até exercícios com alguns professores para mandar para o Newton preso, através da Jolia. Tinha vontade de visitá-lo, mas a Jolia dizia que se fosse seria marcado. Eu me lembro que o Newton foi mostrado na TV, mas estava irreconhecível. Apanhou demais.

Agora, qual era o papel adequado do Diretório Acadêmico?

O Diretório Acadêmico era para ser o fórum das reivindicações, mas era totalmente fragilizado pela repressão existente na época e pela limitada mobilização que ele podia conseguir em torno de uma idéia. Assim mesmo ações eram realizadas como a mobilização do acampamento na Praça Tiradentes para reivindicar mais moradia. Foi um sucesso. Mas os estudantes da EM eram muito acomodados. Discutia-se na sala do DA na EM problemas específicos em relação à EM e aos alunos. Nos conchavos eram discutidos temas políticos.
O DA na minha época não era organizado, com reuniões regulares e acompanhamento dos trabalhos em andamento, mesmo assim era palco de uma luta constante contra o que se achava na época uma injustiça dentro da EM.
Para eu ir para OP significou uma independência dos meus pais e que eu já podia cuidar da minha vida sozinho. Se não tivesse ido para OP, teria ido para outra cidade. Fui conhecer o convívio saudável das repúblicas de OP depois de estar lá. Acertei na escolha.
Sobre a criação da UFOP o que me lembro que era totalmente contra, pois ia desfigurar a EM. Não me lembro de ter participado de discussões. Quanto à convivência com estudantes de outro curso ( Farmácia ) para mim era normal, pois tinha feito Científico junto com alguns e disputava torneio de futebol com participação deles.Mas não me lembro de debates sobre problemas comuns e integração maior como reuniões, festas,...
Viver em República era ter uma família grande de irmãos na mesma idade, numa organização democrática e com limites para cada membro da República. Os novos Republicanos, quando possível, eram escolhidos por critérios simples e eficientes. O primeiro era que o candidato freqüentasse a República durante um certo tempo e depois escolhesse um dos veteranos para tomar um bom gole. Depois participasse de uma pelada de futebol, onde ele ia tomar muitas caneladas. O candidato era avaliado pela sua maneira de reagir e conviver nestas situações. Uma das características marcante era a humildade de todos os colegas da República e o espírito de colaboração de um para com o outro. Estas qualidades marcaram-me para resto da vida.
Em relação à população da cidade, ficávamos distantes e fazíamos muita molecagem. Exceção existia, pois convivia muito com o Sr. Petrônio, parceiro de tênis de campo.
Sobre a escolha do general Médici eu não me lembro dos fatos. Foi um absurdo.
Sobre a compra das Repúblicas eu me lembro que houve abusos por parte da direção de EM, mas não me lembro dos detalhes.
Pouco antes de formar nós tínhamos que escolher os Paraninfos e nossa preocupação maior foi de escolher pessoas ligadas à EM. Neste fato o José Vandir, colega de turma, teve papel importante na condução das escolhas. Nossa turma escolheu o Prof. Orlando Euler de Castro, do curso de Metalurgia, chefe do Inst. de Pesquisa Costa Sena. ?? Costa Sena ??. Costa Sena ( ??).
Saindo de OP, na nossa formatura eu trabalhei para que fosse a mais democrática possível e conseguimos. Todos participaram. Aqueles formandos que não tinham condições financeiras para comprarem roupa(terno,...) foram assistidos pela comissão de formatura e puderam ir à BH escolherem seus ternos. Os empregados da EM ( Bedel, secretárias,...) homenageados puderam escolher suas roupas em BH e a comissão pagou. Para fazer caixa no começo de 71 eu consegui convencer a comissão de formatura para sortearmos 2 Volks e a renda da rifa fosse usada na formatura. Vendemos os bilhetes para pagamento parcelado e o sorteio foi no final do ano. Nenhum formando teve despesas com convites, baile,... Ainda sobrou dinheiro, o qual foi destinado para a ADEM,...
Depois destes anos vividos a lição que aprendi é que nem o comunismo e nem a extrema direita levam a nada, mas as coisas boas de um com as coisas boas do outro podem trazer grandes benefícios para a sociedade. Eu já tinha vivido uma experiência com Ditadura de direita que se baseava em repressão. E lá em Cuba tive grande decepção com o comunismo, quando eu estive lá buscando assistência para o meu filho que tinha sido lesado, em 92.

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