DEPOIMENTO DE MOEMA SÃO THIAGO A OTÁVIO LUIZ MACHADO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO/INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS/LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE MOEMA SÃO THIAGO A OTÁVIO LUIZ MACHADO* - projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”.
Entrevistador: Otávio Luiz Machado/Depoente: Moema São Thiago/Local: Brasília-DF/Data: 2004
FICHA TÉCNICA
Tipo de entrevista: Temática
Levantamento de dados, roteiro e elaboração de temas: Otávio Luiz Machado;
Local: Brasília-DF
Data: 31/01/2004
Duração: 2 h
Fitas cassete: 02
Equipe
Levantamento de dados: Otávio Luiz Machado
Pesquisa e elaboração de roteiro: Otávio Luiz Machado
Técnico de gravação: o próprio entrevistador
Proibida a publicação no todo ou em parte sem autorização. Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte. Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Moema São Thiago a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”, 2004.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Moema, gostaria que narrasse um pouco a questão dos últimos momentos da ALN (Aliança Libertadora Nacional), principalmente a sua saída para o exterior em busca de auxílio para a organização.
MOEMA SÃO THIAGO: depois de três anos e meio de clandestinidade em 1973 eu saio para me encontrar com o Carlos Eugênio (Paz) no Chile. Quando eu chego no Chile o Carlos Eugênio já tinha viajado. Era já o fim da ALN. A ALN estava num período muito difícil para sobreviver. Era queda atrás de queda. A gente já tinha certeza que a organização estava sofrendo uma infiltração. E a gente não sabia, porque não era do terceiro escalão que caía. Caia quem assumia o comando. Então, assumia alguém o comando e dali seis meses a cabeça era cortada. E eu já saí numa fase muito difícil. A ALN já tinha tirado alguns cargos no sentido de preservar, como o Carlos Eugênio. O Mateus (Antônio Carlos Bicalho Lana) se recusa a sair do país. E se coloca como maneira de proteção para sair, mas ao mesmo tempo de contatar e de buscar apoio inclusive que deveria ser feito pelo Carlos Eugênio.
Mas não havia uma estrutura bem organizada e exigente em termos de disciplina e cumprimento das tarefas?
A organização foi bem organizada e montada, só que o cerco da repressão foi tão violento que foi descabeçando a organização e chegou numa situação de dificuldades totais. E quando me mandaram sair do país atrás do Carlos Eugênio – eu não decidi sair, mas fui mandada como soldado –, a organização basicamente já tinha tido várias quedas. Já tinha morrido a Aurora, já tinha morrido o Hélcio (Pereira Fortes), o Iuri (Xavier Pereira), o Alex, o Jibóia. Então, eu saí num momento em que a organização estava toda no meu ‘aparelho’. Naquela noite o pessoal ia fazer uma ação de sobrevivência para poder pagar o aluguel. E esse aluguel era a casa onde era morava e era o único aparelho da organização naquele momento. Então, todo o comando da ALN estava naquele aparelho. Então, imagina a minha responsabilidade e a minha tensão de atravessar a fronteira sabendo disso e correndo o risco de ser pega. Então, era uma responsabilidade muito grande. Quer dizer, isso fugia a qualquer regra de segurança. A própria morte do Causim (apelido de Antônio Carlos Bicalho Lana) morando num aparelho alugado pela família da Sônia (Morais Angel) já mostrava que as regras de segurança estavam prejudicadas em função das necessidades de sobrevivência. A gente já estava fazendo uma ação de sobrevivência pela sobrevivência.
Moema, você teve experiências posteriormente enquanto parlamentar com duas pessoas que tiveram presença fundamental, embora em lados opostos, no período da ditadura militar. Gostaria que comentasse a experiência e o convívio no Congresso com Jarbas Passarinho e com Fernando Henrique Cardoso.
E eu conheci o Passarinho democrático. E o Passarinho que tinha uma fama de repressor, de autoritário, da ditadura militar. E eu o encontro com uma postura democrática. E o Fernando Henrique que eu o lia no exterior como sociólogo das questões democráticas, na Constituinte, no jogo político e na prática política era extremamente autoritário. Então era um contra-senso. E sobre o Fernando Henrique eu poderia dar a seguinte explicação: ele incorporava o viés autoritário e criticava o autoritarismo teoricamente. Mas ele vivia esse autoritarismo, talvez até pela formação do seu próprio pai. O Passarinho tinha vivido a vida e o autoritarismo real, mas tinha desenvolvido toda uma prática de vivência democrática. Sabia ser autoridade sem ser autoritário. A surpresa é que ele era democrático nos trabalhos da Constituinte (de 1987-88).
Para terminar, estamos vivendo num contexto de amplo debate sobre a ditadura militar, com a ocupação de diversos espaços nos meios de comunicação e no mercado editorial com o tema. Como é para você estar sempre relembrando fatos daquele período, seja no momento de abrir um jornal ou através de depoimento como este?
Olha, eu não gostaria de estar relembrando com você num sábado a tarde. Eu faço isso porque é um compromisso que eu tenho com o resgate histórico. Mas hoje é uma coisa que por mais eu venha a discutir – mas não só eu mas como muitos companheiros – a gente tem um certo cuidado, um certo pudor para contar estas histórias com detalhes. A gente não conta para qualquer um. É muito difícil. Você tem que ter uma certa vivência, ter que ter um feeling que te diga essa pessoa vai entender. Sabe? Então eu estou te falando estas histórias porque você é um historiador. Você tem que trabalhar em cima disso. E eu por ter vivido e feito parte desse movimento tenho que relatar e dar este testemunho. Mas realmente não seria um programa que eu escolheria para hoje a tarde.
* Parte do Depoimento integral
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Um comentário:
Nasci em Moema. Eu estudei na Universidade Federal de Ouro Preto. Eu recomendo-la, acho que é a melhor universidade do Brasil. Estou tão feliz que eu estudei lá.
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