terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE SEPÚLVEDA PERTENCE - A UNE abriu espaço para novas lideranças políticas no país


Sepúlveda Pertence
A UNE abriu espaço para novas lideranças políticas no país


Eu vivi a UNE num período de plenitude democrática. Militei no movimento estudantil exatamente no qüinqüênio Juscelino Kubitschek, de 56 a 60, marcado por uma grande tolerância política. De tal modo que foi um qüinqüênio em que a entidade desempenhou, com toda a liberdade, o seu papel fundamental, de não apenas atuar no plano político do país, mas a funcionar como instituição básica na formação de lideranças políticas a partir do mundo universitário. Tempo em que a UNE – e essa era uma característica muito importante – conseguiu manter-se apartidária, tomando posições conforme a conjuntura, ora contra o governo, ora a favor. Lembro-me até que estando no exercício da presidência, fui orador num dos momentos mais raros do que os de crítica, que a UNE comandou, nos jardins do Palácio do Catete, numa manifestação em favor do presidente Kubitschek a propósito do rompimento com Fundo Monetário Internacional. A tônica do meu discurso foi que aquela era a prova de que não tínhamos partidarismo. Então, repetia diversas vezes: “Hoje estamos aqui para aplaudir o senhor presidente, como ontem estávamos...” Assim, revivi, no discurso de homenagem, todas as críticas que fizeram ao presidente. Quando eu terminei, o presidente perguntou: “Você é filho do Zé Pertence?” Eu falei que sim e o presidente: “Ah sim. Da próxima vez que encontrá-lo, vou dizer que seu filho é muito desaforado. Você veio aqui para me homenagear e passou a metade do tempo a me criticar...”. nessa época, no campo universitário houve uma série de questões em que a UNE atuou, como na discussão da Lei de Diretrizes e Bases, acompanhando as polemicas na Câmara dos Deputados entre San Thiago Dantas e Carlos Lacerda. Mas, realmente, foi uma época em que a tônica maior caia sobre os problemas nacionais, e a UNE engajada no que se poderia chamar de a grande bandeira da época, a do nacionalismo econômico. A gestão de que participei começa com um fato marcante ao mesmo tempo pitoresco: anunciava-se a vinda do então secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles, que se associava a uma pressão pela quebra do monopólio estatal do petróleo, que era o nosso símbolo. E a diretoria que nos antecedeu, para chamar a atenção para o fato, lançou o slogam Dulles não passará em frente à UNE. E difundiu que tinha um plano que impediria a sua passagem pela Praia do Flamengo, o que era urbanisticamente difícil. O
certo é que nós tomamos posse em Bauru, onde foi o congresso nacional, no sábado, e a chegada de Dulles seria na segunda-feira pela manhã. A essa altura, corriam versões as mais disparatadas sobre o plano secreto que a UNE teria guardado em um cofre na sala da presidência. Entre elas, a de que disporíamos de não sei quantas centenas de mães para atravessar os carrinhos de seus bebês na Praia do Flamengo. Chegamos ao Rio domingo, com essa batata quente para descascar. O que faríamos? O governo preocupadíssimo. Tão logo chegamos fomos procurados por Oswaldo Aranha, que nos convidou para uma conversa no Praia Bar, que ficava ao lado da UNE. Ele fez apelos dramáticos e nós duros, não arredamos pé. Às tantas, o próprio presidente da República chegou a cogitar de resolver o problema para nós: receberia Dulles no Palácio do Catete e, conseqüentemente, ele passaria pela rua do Catete e não pela praia. Mas veio o veto do Itamarati, porque em não se tratando de chefe de Estado ele não poderia ser recebido no Palácio no mesmo dia da chegada ao país. Teria que ser no dia seguinte. Aí, gorou tudo. E fomos nós, então, nos reunir em Copacabana, no apartamento do Zé Aparecido, à busca da solução que só surgiu pela madrugada: mudar a sede da UNE, simbolicamente, para o Diretório Acadêmico da Faculdade Nacional de Arquitetura, na Urca. Isso propiciou a manchete irônica dos jornais do dia seguinte: Para que Dulles não passasse a UNE mudou para a Praia ... Vermelha. Tão logo ele passou de volta para o Galeão, com o apoio da UMES, de centenas de estudantes secundaristas, com baldes, limpamos a Praia do Flamengo, lavamos, desinfetamos, para podermos voltar e reinstalar solenemente a UNE. podemos falar de dezenas e dezenas de nomes da maior significação que passaram pelo movimento estudantil naquela época. Muito importante, porque marcou uma certa virada política da UNE e a sua completa desvinculação do Ministério da Educação – que superou uma fase cheia de suspeitas, chamada de ministerialismo, em que alguns presidentes deixavam a direção da UNE e se transformavam em chefes de gabinetes do Ministério da Educação – foi a eleição de José Batista de Oliveira Júnior, em 1956. ele se tornara nacionalmente famoso quando era presidente da UME carioca e comandou a greve que, por uns três dias, paralisou os bondes e grande parte do trânsito do Rio de Janeiro. As linhas em frente à UME foram ocupadas por estudantes jogando damas, xadrez, pingue-pongue. Este marcou o início ao qüinqüênio de minha participação na UNE. E, ao final, outra figura – ainda hoje um grande símbolo de cidadania brasileira – que foi o Betinho, quando a JUC, da qual ele
participava, se tornou um dos segmentos mais importantes da frente ampla, que nós chamávamos O grupão e que controlou as diretorias da UNE durante esse tempo todo. Betinho foi o nosso pré-candidato em 60, mas foi vencido no grupo. A JUC foi ganhar, logo em seguida, com Aldo Arantes, e seguiu nessa linha até José Serra, em 64.
José Paulo Sepúlveda Pertence foi vice-presidente da UNE na gestão 1959/60. Ex-procurador-geral da República, assumiu a vice-presidência do Supremo Tribunal Federal em 1994.

O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.


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