terça-feira, 11 de março de 2008

DEPOIMENTO DE JOSÉ CESAR CAIAFA JUNIOR

DEPOIMENTO DE JOSÉ CESAR CAIAFA JUNIOR

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE JOSÉ CESAR CAIAFA JUNIOR
A
OTÁVIO LUIZ MACHADO
Depoimento realizado pelo projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre o desenvolvimentismo e o radicalismo (1956 e 1969)”
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: JOSÉ CESAR CAIAFA JUNIOR
LOCAL: São Paulo-SP/Recife-PE POR ESCRITO
DATA: 17 de Agosto de 2004.
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: José César Caiafa Junior
Tipo de Entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Data: junho de 2002
Duração: entrevista por escrito s. t.
Equipe
Levantamento de dados: Otávio Luiz Machado
Pesquisa e elaboração de roteiro: Otávio Luiz Machado
Técnico de gravação: entrevista por escrito
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.




A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento por escrito de José Cesar Caiafa Junior à Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: LPH/UFOP/Projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimento e o radicalismo entre 1956 e 1969”, 2004.
INÍCIO
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Qual seu nome completo?
JOSÉ CESAR CAIAFA JUNIOR: José Cesar Caiafa Jr

Sua Profissão?
Empresário

Sua Idade?
55

Quais cargos que ocupou enquanto estudante?
Primeiro Secretário do Diretório Acadêmico da Escola de Minas (DAEM)

E sua atividade atual?
Empresário
Qual sua cidade natal?
Juiz de Fora - MG

Fale um pouco da sua origem familiar e as condições de vida e estudo que teve em Ouro Preto enquanto estudante.

No meu caso, meu pai, embora tivesse curso superior, era de classe média baixa. Meu pai era economista e trabalhava com seguros, exercendo o cargo de supervisor de escritório. Quando entrei na escola ele não tinha condições financeiras de bancar minha estada em Ouro Preto. Consegui uma bolsa parcial da Fundação Gorceix. Era muito pouco, mas já ajudava na composição do orçamento. Dava aulas na Escola da Doutora Eponina à noite (quatro aulas por noite, todos os dias da semana a Cr$ 1,00 a hora de aula - registrado na Carteira Profissional). O Babalu (José Armando Figueiredo Campos) também chegou a dar aulas no mesmo colégio, na mesma época. Trabalhava na Cooperativa do DA, na hora do almoço, para ter o almoço grátis e na hora do jantar, para ter o jantar gratuito. Aos sábados a Cooperativa não abria no horário do jantar, então procurava retardar ao máximo o almoço, para não passar fome no restante do dia. No domingo a Cooperativa não abria, então, se eu tivesse conseguido alguma economia durante a semana, podia me dar ao luxo de almoçar. Caso contrário, me virava como podia. Tinha muitos amigos nativos e, não raro, ia almoçar com suas famílias. Às vezes não dava certo e aí a situação ficava mais difícil - teve um domingo que, na falta de algo mais consistente, passei todo o dia tomando um litro de caldo de carne Knorr. Durante um período tive problemas de hipoglicemia e, embora tivesse direito à refeição, não podia desfrutá-la ao máximo, pelas limitações impostas pela dieta do tratamento. Por causa desta proximidade com os alunos que passavam sempre em frente da Cooperativa, vendia alguns bagulhos como calça Lee, perfumes franceses e outros contrabandozinhos, que eram trazidos pelo cunhado de um outro aluno, que era piloto da Air France. Isto também ajudava na composição da renda mensal. Durante algum tempo cheguei a dar aulas no Curso de Propedêutica da Escola de Minas (Pré-Vestibular). Foram tempos bons, onde ganhei algum dinheiro além do que me era necessário. Às vezes pegava também algumas aulas particulares, normalmente no final de semana, arranjando alguns trocados a mais. Posteriormente obtive uma bolsa da Fundação Itaú (Banco Itaú), que era mais do que todos os meus "empregos" juntos. Desta bolsa pude retirar uma parte para o meu sustento e deixar um saldo para ajudar nas despesas de meu pai. Posteriormente meu pai recebeu algumas promoções e não teve mais necessidade desta ajuda. Minha mãe era a típica dona de casa. Vivia para cuidar da casa e dos filhos, não tendo qualquer atividade econômica externa. Quando meu pai veio a falecer, muitos anos após a minha formatura, ela sequer sabia como preencher um cheque.
Quando chegou em Ouro Preto para estudar?

Entrei na Escola de Minas através do vestibular de 1.968, até então havia morado em Belo Horizonte, excetuado um ano em que estudei interno em Campinas.
Como era a Escola de Minas de seu tempo? Quais eram os pontos fortes e fracos da Escola?
De início, como toda novidade, instigante. Posteriormente, quando você caía na realidade de que estava na fase final de preparação para a vida. Decepcionante. A escola era muito focada no saber do mestre, não estimulando a consulta e a pesquisa. A aula academicamente ministrada era a expressão suprema da verdade, que era complementada por apostilas produzidas pela própria escola e de autoria dos mesmos professores que lhe proporcionavam as aulas. Qual o estímulo à pesquisa ? O ponto forte da escola ficava a cargo de sua tradição que, paradoxalmente, era a origem de seu ponto fraco. Este peso da tradição emperrava a tomada de medidas modernizadoras e mais adequadas aos novos tempos.

Como era o Diretório Acadêmico da Escola de Minas (DAEM), quais os principais pontos de discussão, os desafios do Diretório para aquele ano de 1969 em diante?
Havia vários desafios. Havia a discussão do momento político - foi o período da assinatura do AI-5 e o endurecimento do regime. Não só sofreu o DA, como também sofreram todas as instituições políticas do país que não leram a cartilha dos donos do poder. Havia o desafio da transição do sistema de ensino. Nós não gostávamos do poder central, mas mesmo assim acreditávamos que ele tinha razão quando julgávamos a escola que tínhamos que encarar. Era muito difícil conjugar esta relação de amor e ódio.
Em 1967, havia o problema da moradia, enfrentado pelo Diretório?
Havia, porém não era tão relevante como se revelou em 1968, uma vez que no vestibular desse ano foi a primeira vez que se aplicou o dispositivo legal que obrigava a escola ao preenchimento de todas as vagas disponíveis. Isto criou uma demanda adicional imensa em relação à moradia. O problema da moradia era realmente importante, inclusive foi tema de campanha. O acampamento foi o meio e que já tinha sido utilizado em outros períodos durante as reivindicações, principalmente relacionadas a entidades como a Casa do Estudante da Escola de Minas, tanto na Praça como defronte algumas casas de repúblicas. Naquele filme Rebelião em Vila Rica teve a apresentação cômica mas real dos estudantes fazendo um protesto em frente a uma república em que tinha sido despejados. O despejo já foi algo endêmico em Ouro Preto. Não creio que foi totalmente um factóide, embora foi algo criado para dar visibilidade.
Caiafa, fale um pouco da questão do movimento pela compra de repúblicas, bem como das compras questionadas de imóveis, da Escola de Minas.
A casa do Doutor Washingthon (de Moraes Andrade), trata-se, se não me engano, do imóvel onde está a Ninho do Amor. Este imóvel estava em tão bom estado de conservação que somente muitos (e bota muitos nisto) anos depois, sua reforma foi terminada. Provavelmente, você (o entrevistador) que viveu na República Aquarius muito depois de eu ter me formado ainda presenciou parte desta "pequena reforma". Uma coisa é o fato da escola ter adquirido algumas casas, outra coisa é o fato destas casas terem se transformado em repúblicas. Não sei a data precisa da aquisição dos imóveis mencionados, mas lembro que, em 1968 já funcionavam as repúblicas Adega e TX (Território Xavante) nos locais atuais. Também a República dos Deuses já se encontravam no imóvel atual. As repúblicas Ninho do Amor, Nau sem Rumo e Pulgatório fixaram-se nos imóveis em que estão no início de 1.969; a República Aquarius um pouco mais tarde, talvez em meados de 1.969; a Baviera, não sei; a República Poleiro dos Anjos, bem depois. É importante verificar que, ao mesmo tempo em que a escola adquiria algumas casas para a moradia de alunos, também adquiria outras para a moradia de professores, como nas ruas Direita e Senador Rocha Lagoa e, somente posteriormente definia a destinação do imóvel.

E os professores que se tornaram lendários, como o Joaquim Maia? Parece-me que teve um episódio que ele queria aplicar o 477 numa turma inteira?
O professor Joaquim Maia era um caso folclórico. Foi um notável cientista, inigualável conhecedor das ciências da mineração que acabou se fechando em si mesmo. O que resultou em um péssimo professor. Suas aulas, constituídas de longos monólogos técnicos, eram uma demonstração inequívoca de um grande saber e nenhuma didática. Cansados deste processo discursivo, alguns alunos resolveram passar a interromper as suas aulas e questionarem aquilo que não estavam entendendo. O Maia, após atender a algumas solicitações, passou a interpretar as interrupções como uma contestação, um ato de rebeldia, uma insubordinação ou qualquer outra forma de protesto que não seria adequado a uma instituição como a Escola de Minas e muito menos a ele próprio. Pediu a aplicação do 477 a uma turma inteira de alunos. Dias depois chegou à Escola de Minas, no meio da tarde, o professor Newton Sucupira, que era o braço direito do Ministro da Educação (Jarbas Passarinho). Apresentou-se na portaria (o porteiro era o senhor Wilson) e disse que queria falar com o diretor da escola (que era o Pinheirinho). O senhor Wilson disse-lhe que o Doutor (Antônio) Pinheiro (Filho) já havia se retirado e de imediato recebeu do Professor Newton Sucupira a ordem de chamá-lo à escola naquele instante. E o doutor Pinheiro teve que ouvir do professor Sucupira para que servia o decreto 477. Posteriormente, a revista Veja fez até uma reportagem sobre este fato, mostrando uma fotografia do Maia andando pelas ruas de Ouro Preto com um imenso medalhão dependurado em uma corrente no pescoço, legendada com a frase: "O professor Joaquim Maia ou não lê os jornais ou não acredita no que lê."

Cesar Maia (atual Prefeito da cidade do Rio de Janeiro) não foi o líder do movimento por repúblicas, mas do Diretório Acadêmico da Escola de Minas. O papel de Cesar era o de agitação, tanto do Diretório como no Partido Comunista Brasileiro, grupo posteriormente tornado definitivamente Corrente Revolucionária de Minas Gerais.

O Lincoln (Ramos Viana) era o presidente do DA, o Serafim (Carvalho Melo) era o Primeiro-Secretário e o Cesar (Maia) o tesoureiro. Embora o Lincoln fosse bastante prestigiado, a figura que mais apareceu neste movimento foi a do Cesar Maia. Isto era fácil de ser percebido, dado a própria natureza do movimento. A face mais visível de tudo isto era o acampamento montado na Praça Tiradentes, uma simbologia inequívoca de um processo de protesto e agitação (obviamente que ninguém iria ficar morando acampado na praça indefinidamente) - que era a especialidade do Cesar Maia (criar factóides), coisa que ele faz até hoje.

Caiafa, em relação ao Cesar Maia, que em outras conversas você tinha que falado que ele tinha sido desligado por foca do decreto 477, na verdade, sim, ele pediu transferência para a Escola de Engenharia do Rio. Lincoln Ramos, Pedro Garcia e Newton Morais foram vítimas deste Decreto-Lei.
Não tenho certeza se o Cesar foi vítima do 477 ou não. Na época, esta foi a versão que nos foi passada. Da mesma forma que também ficamos sabendo que o Linquinho (Lincoln Ramos Viana) e o Pedro Mola (Pedro Carlos Garcia Costa) também foram vítimas daquele ato.

Vamos falar um pouco do Diretório que participou. Poderia nos falar quais eram os seus companheiros de chapa e as respectivas funções dentro do Movimento?
A nossa gestão no DA ocorreu depois do apogeu do movimento pelas moradias. A gestão do Lincoln terminaria em 1.968, tendo sido sucedida pela do Serafim (Carvalho Melo) e posteriormente a nossa. O presidente era o Zé de Lourdes (José de Lourdes Ribeiro Motta), tendo por companheiros de chapa o José Thomaz (Gama da Silva), o Babalu (José Armando Figueiredo Campos), o Zé Wandir (José Vandir Nunes), o Pasquinelli (Paulo César Pavanelli Moura) e a mim.

Qual papel achava que o Diretório deveria ter junto à Escola e aos estudantes? Ou seja, qual era o papel que pensavam que o Diretório deveria exercer na sua gestão?
Deveria ter o papel que legalmente lhe cabia: ser o representante legal dos alunos. A escola é uma instituição que não pertence aos professores ou burocratas que lá trabalham ela pertence ao país e existe para servir ao país. A função da escola é formar pessoas que sejam úteis às carências do país e para que isto ocorra de forma harmoniosa é necessário que todas as partes sejam ouvidas. O país, que é o maior interessado na formação desta mão-de-obra, os professores que são os responsáveis pela sua formação e os alunos que se encontram em processo de formação. Se uma destas partes não for ouvida, os interesse deixarão de ser coincidentes e a resultante poderá não atender a todas as partes.

O Diretório na sua gestão coincidiu com o início do AI-5? Tiveram dificuldades de atuação estudantil?
O DA era uma instituição política, e todas as instituições políticas não alinhadas com o governo tiveram suas dificuldades maiores ou menores. Um dos sucessos do governo foi o esvaziamento político do movimento estudantil pela castração de suas lideranças mais expressivas.


Qual era a relação institucional entre o DAEM e a direção da Escola de Minas?
A direção da Escola de Minas reconhecia formalmente a existência do DA, mas não lhe creditava as funções devidas, isto é, é como se o DA fosse apenas uma associação de estudantes e não a associação que legalmente representava os estudantes.
O que representava ir para a conhecida cidade de Ouro Preto em seu período de estudante?
Uma aventura. No meu caso, eu já havia estudado em escola interna, mas no caso de outras pessoas era uma novidade saírem do conforto do lar. Morar em uma república, sem a tutela de pais, sem horário para chegar ou sair, sem ter que dar satisfação de onde foi ou com quem foi, sem ter quem lhe cobrasse por você não estar disposto a se levantar compensava amplamente o outro lado que correspondia as privações (comida na mesa, roupa lavada, cama arrumada, etc) que passava ou as obrigações que adquiria (orçamento da casa, administração do tempo, etc).
Qual a participação dos estudantes da Escola de Minas na criação da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto)? Como era essa discussão interna para se criar a UFOP? Não houve muita resistência?
Pouca. A criação da UFOP foi mais uma determinação do governo federal, que acabou com as escolas independentes do que um ato de vontade de professores, dirigentes ou alunos da Escola de Minas. É oportuno observar que na criação da UFOP houve o concurso de outras escolas (Escola de Farmácia, Escola de Letras de Mariana, etc) de modo a haver um conjunto de faculdades que justificasse o rótulo de universidade. No fundo, acredito até que os dirigentes da Escola de Minas eram contrários a esta criação, tendo em vista a dotação orçamentária da Escola, que era bastante relevante quando comparada às suas congêneres. Com a criação da UFOP, inevitavelmente haveria um remanejamento de verbas.

A criação da UFOP era vista como ponto fundamental de crescimento das escolas isoladas, a saber, a Escola de Minas e a Escola de Farmácia?

Isto não era verdade, mas talvez apenas um argumento a mais. O agrupamento de escolas isoladas em universidades obedecia algumas diretrizes lógicas. A primeira delas era a da redução do custo operacional (por isto havia a resistência dos dirigentes da Escola de Minas), com a redistribuição de funções administrativas. Outra razão era a otimização dos institutos de ciências (um instituto de matemática, por exemplo, pode servir de curso básico a uma escola de engenharia, uma de física, uma de administração, etc). No caso da Escola de Minas e da Escola de Farmácia, não aconteceu nenhuma das duas economias, logo não houve sobra de recursos para qualquer crescimento.
Havia um espírito universitário em Ouro Preto (digo em termos de integração entre todos os estudantes e cursos)?
Não era algo amplo e irrestrito. O convívio entre os alunos da Escola Técnica e da Escola de Minas era mais fácil do que entre a Escola de Minas e a de Farmácia. Não que houvesse qualquer animosidade entre eles - só não havia integração. Socialmente cada qual tinha o seu próprio Centro Acadêmico, suas datas festivas próprias, suas repúblicas e seus ideais distintos.
Como era viver em uma república de estudantes de Ouro Preto nos anos 60?
Era muito interessante, considerando-se o período histórico determinado. Os anos 60 marcaram profundamente a cisão da unidade familiar no mundo inteiro. Aquele estilo de vida eternizado nos filmes hollywoodianos da família perfeita desmoronou-se naquela década e este fenômeno alastrou-se pelo mundo. Foram os anos do movimento hippie, dos Beatles e tudo o mais que significava um rompimento irreversível com o passado bucólico da vida familiar das pessoas comportadas e cobertas de brilhantina. Morar em uma República em Ouro Preto significava poder exercer este poder libertário sem ter que romper com os laços familiares. Mais interessante ainda estar morando com pessoas que estavam em situação semelhante à sua.
As repúblicas de Ouro Preto se inspiraram nas tradicionais repúblicas de Coimbra, Portugal?
Não sei dizer da sua origem histórica.
A república em que morou foi fundada em qual ano?
Em 1.969.
Quanto a efetivação da UFOP, houve um apoio incondicional dos ex-alunos do SEMOP do Rio de Janeiro. A oposição quanto a criação da UFOP viria dos ex-alunos de Brasília? Não sei lhe precisar isto.
Neste sentido, este Diretório produziu um relatório e enviou para ex-alunos, professores e estudantes. Com uma crítica contundente sobre a situação da Escola, que segundo o relatório era “fruto da rotina, indiferença e inoperância de administrações que se sucedem cometendo os mesmos erros” (relatório intitulado “Síntese da atual situação da Escola de Minas de Ouro Prêto”, 15 de maio de 1970, p. 1), o seu Diretório demonstrou que a Escola não estava acompanhando as transformações da educação: “Na atual administração, estas deficiências adquiriram caráter mais grave, em virtude das reformas que se processam nas Universidades Brasileiras, requerendo homens de visão, iniciativa e atualizados, para acompanharem estas transformações, o que efetivamente não existe na administração da Escola de Minas”. Gostaria que me falasse com detalhes da produção deste relatório, quem participava, quais os membros mais ativos e como chegou ao fechamento do texto.
O surgimento da Escola de Minas foi um parto doloroso. No momento em que praticamente toda a economia do país estava voltada para o café, por vontade (e visão) imperial de Dom Pedro II, criou-se a Escola de Minas de Ouro Preto, tendo por modelo a Escola de Minas de Paris. Os embates legislativos foram renhidos, para que se justificasse tamanho investimento. A concepção original da escola era a de que se tornasse muito mais um centro de pesquisa, tipo Fundação Oswaldo Cruz do que uma escola nos moldes tradicionais. Por isto a quantidade de formandos a cada ano era pouco expressiva. O grande impulso aconteceu com o surgimento das siderúrgicas, onde o capital humano inglês foi sendo substituído pelo nacional. A criação do antecessor do DNPM (Departamento Nacional de Pesquisa Mineral) foi outro impulsionador importante deste destino manifesto. Com o passar do tempo esta função de instituto para o desenvolvimento da ciência foi perdendo espaço para outras instituições, sem que a escola adquirisse excelência como centro de ensino. O ensino, por força do engessamento do conjunto de professores e administradores, presos à concepção histórica da escola, continuava essencialmente acadêmico, num momento em que a sociedade cobrava a formação de mão-de-obra (e cabeça-de-obra) com visões empresariais e práticas (foi a era do milagre econômico), isto é, voltadas para o lucro. Esta (de)formação acabava por dificultar a progressão dos engenheiros de Ouro Preto no campo de trabalho, isto é, formava cientistas (pessoas que pensavam em como deveria ser feito o negócio) enquanto o mercado pedia tratores (pessoas que colocassem o negócio em funcionamento).
Em função do Relatório, o Diretório 69/70 foi recebido pelo então Ministro da Educação, Jarbas Passarinho. Quanto às sugestões deste Diretório ao MEC (Ministério da Educação e Cultura), estava a de empreender por parte do MEC uma atuação direta e imediata na administração da Escola para que fossem “aplicados os artigos da Reforma Universitária que já produziram efeitos positivos em outras Escolas” (idem), além do reinício das obras da nova sede da Escola de Minas, no Morro do Cruzeiro, inexplicavelmente paralisadas. Assim, poderia dizer que Jarbas Passarinho ajudou o Diretório a resolver em conjunto os problemas da Escola de Minas, que não era resolvida por seus dirigentes?
Certamente. A administração da escola estava acomodada a padrões que talvez tenham sido válidos meio século antes. As aulas eram em sua maioria discursivas e os mestres de então ficavam indignados com a falta de empenho dos alunos em tentarem apreender o que achavam que estavam ensinando. Não entendiam que se os alunos não enxergassem a aplicação prática do que era ensinado, este ensinamento serviria apenas como lastro cultural e não lhes acrescentava qualquer vantagem na vida profissional. Isto é, a perspectiva dos alunos havia mudado de pesquisadores para técnicos, mas a escola não havia se apercebido disto e nem mudado a sua perspectiva. Este descasamento pode-se avaliar pela aula inaugural de um desses anos, quando o Doutor Moacyr (do Amaral) Lisboa, diretor de ensino, aventou a hipótese de melhorar o desempenho da escola pelo retorno de alguns hábitos salutares (ou seculares). Dentre eles encontrava-se o de que os alunos deveriam comparecer às aulas trajando terno e gravata (e sapatos com meias, obviamente) e os professores de beca acadêmica.
Os desdobramentos de tais episódios, poderíamos remeter à escolha do General Médici como Paraninfo da turma de 1970? Para alguns, escolher um general como Paraninfo poderia significar a eliminação de uma possível aplicação do 477 numa turma que estava se formando. Para outros, a escolha foi natural: “A escolha do paraninfo se deveu ao sucesso da política econômica do governo, que apresentava crescimento contínuo do PIB em níveis acima de 8% ao ano a partir de 1968, alcançando 11% ou 12%, em 1973. A expansão das indústrias e, por conseqüência, de empregos e melhoria de salários criava um clima altamente favorável ao governo e suas teses. No ano anterior, o paraninfo já havia sido o Ministro de Estado das Minas e Energia, Dr Dias Leite, se não me engano. Portanto, a escolha foi democrática e por maioria quase absoluta, refletindo nítida aprovação ao governo de então pela maioria dos estudantes e professores da Escola. Lembro-me que nosso Diretor, o boníssimo Prof. Pinheiro, ficou desvanecido com a escolha e fez questão de ir junto com a comissão que foi a Brasília fazer o convite”. Poderia me passar sua versão sobre a escolha do General Médici como paraninfo de uma turma de engenheiros?
Na minha opinião aquela escolha foi um misto de vários ingredientes: desde o sucesso do milagre até a conquista do tricampeonato, passando pelo episódio do 477, do qual já lhe falei. Naquele momento, a imagem do presidente, com o ouvido colado ao seu radinho de pilha, depois do Pelé, era a estampa mais popular do país. É oportuno verificar que o DA não tinha qualquer ingerência no convite realizado, uma vez que tal escolha refletia exclusivamente a opinião dos formandos. E, a opinião dos formandos poderia não estar refletindo necessariamente a opinião do conjunto de alunos e professores (por motivos mais do que óbvios). A escolha foi democrática, considerando-se o colégio eleitoral que o elegeu. Acho que para se saber mais sobre esta escolha, o melhor caminho seria o de se procurar a opinião dos formandos que o elegeram. O Professor Pinheiro foi a Brasília mais como um ato de penitência, uma vez que as suas relações com o poder não eram das mais relevantes.
Poderia me explicar o processo de despolitização na Escola de Minas no final dos anos 1960? Teria duas versões interessantes para apresentar. A primeira coloca a questão da repressão: “Em resumo, você não pode pegar uma entidade (como o Diretório Acadêmico) e começar a falar ‘liberdade!’ porque os caras fecham a universidade e não adianta, que você não vai estar contribuindo com nada”. Por outro, segundo um dos entrevistados, “houve uma mudança muito grande nessa mentalidade e no debate político. Eu diria que pelo menos a nível nosso de Ouro Preto, houve uma despolitização consentida da juventude, que passaram a acreditar em outras coisas. Passaram a acreditar em eficiência econômica, em oportunidades de empregos melhores porque a gente via concretamente empresas como a Usiminas, a Companhia Belgo-Mineira e como a Acesita e chegar lá em Ouro Preto e dizer: ‘eu quero vocês todos para trabalhar conosco’. Tinha oportunidade de emprego. A crise veio dez anos depois, porque aquele modelo econômico também se esgotou”.
Acredito que haja um pouco de tudo isto, mas acrescentaria também alguns outros itens. Em primeiro lugar acho oportuno verificar que o movimento político precisa ter uma face visível e Ouro Preto não era um lugar apropriado para este fim. Por um lado porque abrigava uma sociedade extremamente conservadora e acomodada, que não daria guarida a um movimento estudantil de contestação a uma política de força. E nenhum meio de comunicação sério iria se deslocar de Belo Horizonte, São Paulo ou Rio de Janeiro para cobrir uma manifestação de uma centena de estudantes, enquanto ocorriam manifestações de milhares de trabalhadores em regiões de maior repercussão. No período analisado tivemos apenas duas manifestações dignas de nota: o acampamento na Praça Tiradentes, amplamente noticiado por periódicos nacionais e a prisão do Living Theater, que foi matéria até do The New York Times e motivo de discurso do senador Ted Kennedy no Congresso norte-americano. Em segundo lugar porque Ouro Preto ficou fora do grande movimento estudantil do período. Enquanto os Travassos e os Josés Dirceus apanhavam e eram presos nas Ibiúnas da vida, nós ficamos paralisados nos nossos recantos de conforto. As escolas voltadas para o conhecimento científico (Engenharia, Medicina, Odontologia, etc), de uma maneira geral, passaram por este processo de pragmatismo, de olho no campo de trabalho que se abria para elas. Por outro lado, as escolas de direito e ciências políticas respiravam outros ares vindos dos embates da França e da Alemanha. E este processo, saindo das escolas de ciências humanas terminou por contaminar todo o processo universitário das regiões em que se encontravam (São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente). Basta lembrar do episódio da rua Maria Antonia, em SÃo Paulo, onde os alunos da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP (Universidade de São Paulo) foram massacrados pelos estudantes da Universidade Mackenzie, com o destaque para os alunos da Engenharia, os quais davam abrigo aos membros do CCC (Comando de Caça aos Comunistas - grupo paramilitar da época). Lembro-me inclusive de um episódio muito emblemático. Naquele ano, recebemos no restaurante da escola um fogão novo, doado pelo governo. Isto mereceu uma faixa, na rua da Direita ou mesmo na Praça Tiradentes (não me lembro ao certo), em que agradecíamos a generosidade do governo. Ao que alguém comentou que deveríamos mesmo era agradecer aos estudantes que estavam apanhando por nós pelo Brasil afora. Em terceiro lugar porque já estava comeÇando a ocorrer uma alteração significativa no país, que dava início a uma nova vida política e econômica. O MDB (Movimento Democrático Brasileiro) começava a se reestruturar e a receber as diversas correntes organizadas contrárias ao regime, dando abrigo a marxistas históricos, que em sua longa biografia, jamais se imaginariam filiados a um partido burguês. Em uma outra vertente, a oposição que não estava disposta a jogar o jogo do governo organizava-se de formas mais radical através da guerrilha urbana e rural, culminando com a Guerrilha do Araguaia, seqüestros de diplomatas, etc. Os trabalhadores ficaram mais pragmáticos e passaram a cobrar mais salários e mais benefícios, aproveitando-se do momento favorável da economia. Neste momento surgiram novas lideranças, tipo (Luiz Inácio) Lula (da Silva), substituindo os antigos pelegos sindicais. Por estas razões, não só em Ouro Preto, mas em todo o Brasil, o movimento estudantil perdeu força, tendo as suas principais lideranças sido drenadas por estes movimentos de maior relevância econômica, política e social. Depois deste período, a lembrança mais marcante do ressurgimento do movimento estudantil foi quando do impeachment do (Fernando) Collor, onde a presença de estudantes que sequer sabiam pelo que estavam reivindicando estava mais para novela da Rede Globo do que movimento político.
Voltando ao Diretório, 1 qual papel adequado achava que o Diretório deveria ter junto à Escola e aos estudantes? Ou seja, qual era o papel adequado do Diretório para representar os estudantes? Estas gestões foram satisfatórias de acordo com o papel adequado nesta atividade?
Nenhuma das gestões foi plenamente satisfatória. O momento foi mais de cautela do que de medição de forças. Em todo o movimento estudantil brasileiro, no período analisado, quem tentou medir forças, perdeu. Núcleos estudantis muito mais poderosos, como USP e UNB foram devastados pelo crime de pensar e expressar seus pensamentos. Os estudantes nunca chegaram a representar um perigo real para o regime político, mas quem estava no poder precisava exercê-lo em sua plenitude e para isto, qualquer argumento era bom. Veja o que aconteceu com a apresentação do Balé Bolshoi, que foi proibido por se tratar de um produto da União Soviética e, que logicamente, expressava uma doutrina política estranha ao poder existente. Foi algo ridículo aos olhos do mundo civilizado, mas naturalmente aceito pela militarocracia brasileira.

Como era a relação entre o Diretório Acadêmico e a direção da Escola de Minas? De conflito, de total concordância ou em termos?
O relacionamento nunca foi regular. às vezes vivíamos situações de conflito, como foi o episódio do Maia; às vezes éramos parceiros, como foi o caso da criação da Universidade, a aquisição das Repúblicas, etc.
Cite os principais trabalhos positivos desenvolvidos por estes Diretórios? E os trabalhos que foram negativos?
Não existe um "grande trabalho" que possa ser apresentado como currículo para este período. Os trabalhos não têm a visibilidade de um acampamento na Praça Tiradentes, mas seus resultados foram duradouros. O principal trabalho foi o de aproximar alunos da Escola com ex-alunos e alunos de outras escolas. O lado negativo foi o de que executando trabalhos sem visibilidade houve um enfraquecimento do movimento e, consequentemente, perda de poder e, por consequência, de representatividade.
Como foi a gestão presidida após o término do mandato presidido por Lincoln sob a direção de Serafim Carvalho?
Foi uma gestão meio que para "tapar o buraco" deixado pela liderança que foi excluída da Escola (Lincoln, Cesar Maia, etc). Os alunos ainda estavam meio preocupados com o que ainda estava por vir em termos de política estudantil. Foi um período muito difícil em termos de liderança estudantil - os principais líderes já haviam deixado a Escola ou encontravam-se tentando entender quais seriam os limites aceitos de sua atuação. Foi a "gestão do possível".
E o que analisa da gestão de José de Lourdes R. Motta, a qual teve cargos?
Esta gestão representou um processo de rompimento com as lideranças anteriores. Rompimento não no sentido de distanciamento de pensamento político, mas sim da ausência de continuidade de formas políticas de atuação. Ficamos mais pragmáticos na forma de atuar - menos discursos, menos agitação e mais resultados. Pelo fato do Presidente não ser um líder carismático, a linha de trabalho passou a ser diferente. Demos mais ênfase ao relacionamento com outros órgãos de representação estudantil, com ex-alunos e todos os outros segmentos que pudessem ser úteis aos nossos objetivos. O nosso principal objetivo era o de ser útil aos alunos em um momento difícil da vida política estudantil.
E o que significou a gestão presidida por Cláudio de Castro Magalhães?

Esta gestão foi uma continuidade da anterior. Observe que o Paulo Renato já havia sido meu companheiro de quarto quando moramos na Tropicália e o José Armando participou da fundação da Pulgatório. Naquela época, o peso de se morar em uma determinada República era fundamental na composição das chapas. Só a Pulgatório já eram 20 votos, isto é, 5,00% dos votos possíveis.

E a do Presidente, Cláudio Ribeiro Lacerda, que teve como 2o Secretário, Cristovam Paes de Oliveira.
Esta gestão foi uma continuidade da anterior. Observe que o Presidente já havia sido o 2º secretário na gestão 69/70.

E a de Luiz Carlos dos Santos?

Esta gestão já tinha uma forma de ser diferente. O Lula (presidente) era um líder carismático e imprimia muito de sua personalidade na forma de atuar do Diretório. O pensamento político era de continuísmo, mas a forma de exercê-lo já era diferente.
O que pode falar sobre a atuação, ou melhor, não atuação da Casa do Estudante deste período?

Não tenho muito a contribuir neste caso. Cheguei em Ouro Preto em 68 e saí em 72, isto é, o período em que lá estive foi justamente o vácuo em que aconteceu a entrada dos recursos do MEC e a compra das casas da Rua do Paraná. Não cheguei a ter muita informação sobre os fatos anteriores ou posteriores a este período. Após haver passado no vestibular, cheguei a me candidatar a uma vaga na República da Fundação Gorceix, a FG. Fui entrevistado pelo diretor responsável na ocasião (não me lembro do nome dele). Após a entrevista, ao conhecer a minha situação financeira achou melhor conceder-me uma pequena bolsa do que envolver-se na minha colocação naquela República.

Quanto ao Festival de Inverno, tenho amplo interesse, desde que possamos nos deter principalmente no tema “Festival de Inverno, Repúblicas e Estudantes”.

A República Pulgatório teve uma relação muito estreita com o Festival de Inverno. Esta relação começou antes mesmo de sua fundação em 1.969. Começou em 1.968, ainda na República Tropicália, que viria a ser uma das co-fundadoras da Pulgatório no ano seguinte. Eu ainda estava no meu primeiro ano de engenharia e, naquele ano de 1.968, fui convidado pelo professor José Tavares de Barros para ser seu assistente no curso de cinema. Ser assistente não significava mais do que colocar o filme no projetor, arrumar a tela e outras tarefas desta natureza. Como já lhe posicionei em correspondências anteriores: eu era muito pobre e não tinha recursos para manter-me em Ouro Preto, principalmente no que diz respeito a alimentação uma vez que a cooperativa em que trabalhava ficaria fechada durante todo o mês de julho. Propus e a diretoria do Festival aceitou: o Barros ficaria alojado na Tropicália, eu o ajudaria no curso de cinema e o Festival me remuneraria da seguinte forma: 1. pagando o mês da faxineira; 2. pagando minhas refeições (o REMOP ficou aberto para as refeições dos professores e participantes); 3. concedendo-me uma bolsa para o curso de dicção e empostação. Não havia muitos bares na cidade na época e a Tropicália acabou sendo o local de encontro extra-curso do pessoal do Festival. Isto era válido para os dirigentes, professores e alunos. No último dia do Festival houve uma reunião no auditório da Escola de Farmácia, que sediava a administração do Festival, para se discutir alguns problemas havidos durante o período. O principal problema era a falta de aceitação do Festival por parte do cidadão ouro-pretano. Os pontos de atrito eram muito fortes. Apenas para se ter uma idéia, basta verificar que o Maurício Danese (que acabou sendo secretário do DA durante a gestão do Serafim) era um crítico ferrenho do trabalho da UFMG. Durante a reunião, um ouro-pretano mais esclarecido (o Luiz 3 X 4) colocou a questão de forma cristalina: o povo de Ouro Preto critica porque sente-se excluído!!! Era a pura verdade. O Festival tinha um nível de exigência de pré-requisitos muito elevado para o público comum poder participar. Os ouro-pretanos em condições de freqüentar qualquer um dos cursos já haviam saído de Ouro Preto há muito tempo e ganhado as manchetes do mundo da arte! Abril de 1.969, Júlio Varella, diretor dos cursos de extensão da UFMG e diretor de atividades do Festival de Inverno apareceu na República Pulgatório (recém-fundada), pela hora do almoço e convidou-me para almoçar. Fomos ao Pilão. E durante o almoço disse-me que contava comigo para ser o professor assistente do curso de teatro. Mas havia uma situação muito especial a ser definida. O professor titular seria o Bennet Oberstein, da Indianápolis University e os freqüentadores deveriam ser apenas os moradores da cidade de Ouro Preto. E, após o Festival, com os fundamentos obtidos, a equipe formada deveria ser continuada como um grupo de teatro. Topei o desafio. Pouco antes do início do Festival o Bennet apareceu na Pulgatório, onde deveria ficar alojado. Falava um português bastante compreensível e já no primeiro dia tornou-se fã incondicional da nossa caipirinha. Fizemos um processo de seleção, do qual saíram entre outros, o Victor Godoy, que posteriormente foi diretor da Escola de Farmácia e Secretário da Cultura de Ouro Preto. Ao contrário dos últimos festivais, os primeiros eram muito mais aula e muito menos apresentações, o que fazia com que as noites, principalmente as do inÃcio dos trabalhos ficassem vazias e todos fossem dormir mais cedo. Na Pulgatório colocávamos lenha na lareira e ficávamos bebendo e conversando até mais tarde (o Festival estava pagando a conta da estada do Bennet). Na segunda noite fomos interrompidos por
súbitas batidas à porta. Fui atender. Fui surpreendido pelos que lá se encontravam: Júlio Varella, Fábio Nascimento (diretor geral do Festival), Berenice Menegale (diretora do curso de Música) e muitos outros componentes da diretoria. O Fábio foi curto e grosso: - Caiafa, podemos ficar alojados na Pulgatório? Estamos alojados na Escola Técnica e temos que estar lá até as 10:00h e isto é impossível. Recebemos pessoas do mundo todo, saímos para jantar com elas e não temos como chegar à ET à s 10:00h. A partir daquela noite a Pulgatório tornou-se a principal República a receber os professores do Festival. A UFMG praticamente já contava com isto. A nossa cumadre também. A equipe de teatro que formamos durante o Festival deu origem ao GETOP - Grupo Experimental de Teatro de Ouro Preto, ao qual acabaram agregando-se outras personalidades locais (Kelé, Monica Versiani, José Otaviano, Eunice Trópia, etc). Este grupo, que nunca foi formalmente registrado, sobreviveu à minha passagem por Ouro Preto e cumpriu com os objetivos expostos pelo Júlio naquele almoço de 1.969. No ano seguinte deixamos de acomodar a diretoria do Festival e passamos a alojar apenas o pessoal do curso de teatro: Geraldo Maia, José Antonio de Souza, Rolf Guilevsky, etc. Recebemos na Pulgatório uma mulher fantástica, a Sylvia Ortoff, na condição de diretora do curso de teatro. A Sylvia era escritora (faleceu há poucos anos) e era responsável pelos cursos de teatro de uma dessas instituições tipo SESC, SENAI, etc. Trouxe consigo um auxiliar para dar o curso de teatro infantil, o Ney de Souza, que também ficou alojado na Pulgatório. No início do Festival, todas as manhãs o Ney descia até as margens do Vira Bostim, para colher flores e esparramá-las pela República. Passado algum tempo, sumiu. Passado algum tempo, ressurgiu. Já era o Ney Matogrosso. Com a inconstância do Ney, acabei ficando com os trabalhos do teatro infantil. De comum acordo com o Júlio Varella, já estávamos preparando a nova geração de ouro-pretanos para a aceitação do Festival. Surgiu o Getopinho. Naquele ano a abertura do Festival de Inverno deveria ser com uma peça, escrita por Kelé e dirigida por mim, tendo em seu elenco diversos moradores da nossa República (o Kalango da Aquarius também ajudou na montagem). O espetáculo chegou a ser anunciado e a constar do programa oficial do Festival. Faltando algumas horas para a apresentação nos demos conta de um pequeno problema: o grupo não era legalizado e o espetáculo não havia sido submetido à censura prévia - logo a sua exibição pública não seria permitida. Na condição de diretor do espetáculo, perguntei a Sylvia, na condição de diretora do curso: - E agora? O público já estava chegando. O teatro iria ficar lotado. O Festival ficaria em uma situação muito delicada se cancelasse a apresentação, primeiro porque era o espetáculo de abertura e depois porque era composto de moradores (estudantes e nativos), o que comprometeria seriamente a interação Festival x Ouropretanos. Por outro lado, mais delicado ainda ficaria se ousasse fazer uma apresentação pública de um espetáculo que não sido submetido. É crítica e que, se houvesse sido submetido, certamente teria algumas passagens censuradas. É oportuno lembrar que estávamos em plena era Médici, onde os Chico Buarque, os Teatro de Arena, os Grupo Opinião e outros tantos sofreram, não só com a censura oficial, mas também com os grupos paramilitares (CCC). Então a Sylvia perguntou-me se eu não iria gravar o espetáculo. - Eu bem que gostaria, Sylvia, mas não sei se podemos apresentá-lo... - Não quer que eu grave para você? Deixe o gravador comigo. Cuide do espetáculo, que da censura cuido eu! Meu caro Otávio, para alguém falar desta maneira, naquela época, precisava ter muito, mais muito cacife mesmo. A Sylvia tinha. Morava em Brasília em uma bela casa com piscina, ao lado de um terreno baldio. Um dia a Embaixada da Alemanha resolver comprar o terreno baldio para construir a sua nova embaixada. Preocupada pelo fato de que a construção poderia "tirar o sol de suas crianças", cobriu a oferta da Embaixada e incorporou o terreno ao quintal de sua casa. Com o aval da Sylvia, fizemos a apresentação. Muitos anos depois, por puro saudosismo, fui ouvir a gravação da peça. Começava com a voz da Sylvia: - Senhoras e senhores, meu nome é Sylvia Ortoff e eu sou a diretora do curso de teatro do Festival de Inverno. Na noite de hoje estaremos apresentando o ensaio geral de uma peça de autoria de Kelé e interpretada pelo GETOP, que era o Grupo Experimental de Teatro de Ouro Preto. Esta apresentação é apenas um ensaio geral e não é aberta ao público, assim sendo, solicito o obséquio das pessoas que não foram convidadas se retirarem do recinto do teatro. Ninguém sabia desta história, só ela (ela deve ter gravado escondido de todos), por isto pediu-me encarecidamente que guardasse com o maior cuidado esta fita. Tenho-a até hoje. No ano seguinte, tivemos o Living Theater, mas isto já não é mais o Festival. Caiafa, agora, em 2004, na eleição para Reitor, está sendo colocada por uma das chapas, a vitoriosa, a questão das “Repúblicas Federais”: “Precisamos possibilitar aos moradores das repúblicas federais uma nova forma de encarar a sua própria história. Induzir o diálogo para a construção de um plano não-autoritário que venha garantir a autonomia historicamente já estabelecida e que atinja um acordo coletivo no sentido de oficializar a relação de posse, a responsabilidade pelo usufruto e garantir a preservação das mesmas e estabelecendo os direitos e deveres destas repúblicas federais. Nesse sentido pretendemos desencadear as seguintes ações: I) criação de uma Associação (composta por representantes de todas as repúblicas federais da UFOP) sem fins lucrativos (no modelo de ONG) que reúna todas as repúblicas federais; II) assinatura de documento ou termo de empréstimo (Reitoria da UFOP) oficializando a destinação das casas, hoje usadas como repúblicas, mas sem nenhum registro legal, para esta Associação; III) assinatura de um termo de concessão de uso (posse) e responsabilidade pelo(s) representante(s) de cada uma das repúblicas federais que contenha (mediante acordo prévio) suas atribuições, direitos e deveres”. A outra, que perdeu, considerava a manutenção das repúblicas com a mesma estrutura a melhor forma. O que pensa desta discussão? Otávio, é muito oportuna a colocação deste assunto. Esta discussão tem sido recorrente no caso da Pulgatório. Temos um grupo de discussão onde temos tratado do "futuro" de nossas origens, sem que no entanto até hoje tenhamos chegado a uma conclusão. A um ponto comum já chegamos: ficar do jeito em que está é que não pode. Acho que por termos uma vinculação muito forte com a casa (e principalmente com o pessoal da casa) temos procurado soluções ao longo do tempo para esta questão. Já tivemos até um caso de um ex-aluno que tentou impetrar uma ação de propriedade baseada no princípio do usucapião. Obviamente que não deu certo, mas a idéia de que deveríamos fazer algo ficou patente. Estudamos a questão da ONG, assim como a da criação de uma Fundação República Pulgatório, porque entendemos que o fundamental não era exatamente o imóvel, mas as nossas recordações e as nossas relações com as pessoas. Obviamente que existem desvantagens nestas propostas, mas existem também vantagens. As principais vantagens a nosso ver são: - a preservação de nossa memória coletiva (não importa onde seja a República, ela continuaria existindo em nossas mentes e corações) - veja que hoje, por muito menos, cria-se um grupo de afinidade no Orkut; - poder receber doações legais de empresas e pessoas físicas - reduziria muito a insegurança das pessoas quanto aos seus relacionamentos atuais e futuros. A discussão é longa e até hoje não temos ainda uma posição definida. E a questão do Festival de Inverno e das repúblicas? Nesta semana você nos enviou o depoimento do Jarbas Juarez, que foi um dos professores do Festival de Inverno. Também fui professor do Festival, na época do Jarbas, e acho que foi uma das fases modernas de grande enriquecimento cultural da cidade. A cidade que era fechada em si mesma teve que se abrir para um novo tipo de gente que enxergava em Ouro Preto ângulos que seus próprios habitantes não conseguiam ver. Sugiro uma exploração do período que marcou uma divisão muito interessante na vida da população local. O Festival fez com que a Ouro Preto provinciana se abrisse para o mundo. Outro fato muito interessante que levou Ouro Preto às manchetes do mundo foi a prisão do Living Theater. O governo militar (Médici) foi cobrado por importantes lideranças mundiais. Caiafa, realmente o tema repúblicas abarcaria várias outras abordagens, como a que citou. Porem, não poderei mais, infelizmente, continuar com o tema por diversos motivos, sendo um deles a falta de apoio. Creio que dei uma contribuição, e quanto mais se trabalhar sobre o tema ainda será pouco para se chegar a um bom termo. Mas tenho elucidado muito dali de 1956 a 1983. Após a lida de seu artigo "A vida em república estudantil", onde você elabora, com muita propriedade, um histórico do que se convencionou chamar de república e o porquê desta nomenclatura e que culminou com o nascimento e os primeiros anos da Aquarius, senti que ficou faltando um desfecho do processo. Algo do tipo: e daí, até aonde a vida em república marca a vida de seus moradores? Em Ouro Preto temos a Festa do Doze (no passado era a Semana do Doze - ainda peguei uma semana dessas), quando os ex-alunos convencionaram determinar como data de reencontro. E, tirando-se fora o Doze, onde mais o convívio republicano alcança? Descartando-se os ex-alunos que muitas vezes trabalham nas mesmas empresas (Petrobrás, Vale, Usiminas, etc), onde mais o tal espírito republicano ressurge sob a forma de uma amizade praticamente intocada? Não conheço casos de outras repúblicas (e provavelmente eles existem), mas em São Paulo temos um grupo de ex-alunos da Pulgatório, que se encontram regularmente. E que convencionamos chamar de Embaixada da Pulgatório. Neste grupo temos desde pessoas com mais de 30 anos de formado, como é o meu caso, até pessoas com menos de trinta anos de idade. E continuamos nos tratando como se fossemos ainda moradores da mesma casa Acho interessante você pensar em uma pesquisa desta natureza, para avaliar o impacto que a vida em república causa a estas pessoas quando elas deixam de habitar a mesma casa. Qual a contribuição tanto do Diretor como do Reitor para a ampliação da relação Educação e Sociedade, ou seja, a aproximação de toda a Escola com a sociedade civil e o mercado? Não sei dizer. Os cargos em questão eram nomeados pelo governo federal, cujo apreço pela sociedade civil não era algo assim tão fantástico. Logo, não havia por parte do patrão em última instância uma cobrança muito rígida em relação a essa aproximação. E a relação (amistosa, colaborativa, conflitante) com a Reitoria da UFOP (e com os Reitores: Prof. Antônio Pinheiro Filho (21.08.69 a 01.09.71); Prof. Orlando de Magalhães Carvalho (01.09.71 a 27.10.71); Eng. Geraldo Parreiras (27.10.71 a 17.10.75); A relação principal era com o diretor da escola. A reitoria era um negócio ainda nebuloso e distante. Veja que o próprio Pinheirinho acumulava as duas funções. Obviamente porque ou uma delas estava sendo esvaziada ou porque ainda não se sabia ao certo quais as atribuições da outra. Qual a contribuição tanto do Diretor como do Reitor para a ampliação da relação Educação e Sociedade, ou seja, a aproximação de toda a Escola com a sociedade civil e o mercado?


70 anos da UNE: o que já sabemos? O que precisamos saber? Otávio Luiz Machado (Organizador) 16
Não sei dizer. Os cargos em questão eram nomeados pelo governo federal, cujo apreço pela sociedade civil não era algo assim tão fantástico. Logo, não havia por parte do patrão em última instância uma cobrança muito rígida em relação a essa aproximação.
Como era a relação (amistosa, colaborativa, conflitante) dos estudantes com a direção da Escola de Minas (e com os Diretores: Rômulo Soares Fonseca (1964-1968); Antônio Pinheiro Filho (1968-1972); Antônio Moreira Calaes (1972-1973); Washington Moraes de Andrade (1973-1973); Wagner Colombaroli (1973-1975); Jayme Mendes Pereira Pinto (1975-1976)?
Praticamente, na condição de Diretor, convivi apenas com o Pinheirinho, embora conhecesse pessoalmente todos os demais citados. Mas é possível observar um traço comum a todos eles, talvez um pouco menos, no caso do Wagner e um pouco mais no caso do Chitão - todos eram essencialmente conservadores na sua concepção de como deveria ser uma escola superior. Esta característica era contrastante com o momento vivido pela escola, que necessitava de maior desenvoltura para lançar seus formandos no mercado de trabalho. Era muita teoria (cuspe e giz) e pouca vivência pratica.

Como foi o famoso trote de 1967?

Não tenho informações sobre o trote de 67 e nem das declarações do César Maia, mas me lembro do trote de 68. Havia o "trote geral" que era comum a todos os calouros. Era composto de um "corte de cabelo artístico", onde os cabelos eram tingidos com água oxigenada e depois cortados de forma irregular: uma touceira aqui, um corte mais profundo ali, etc. E, além do corte artístico, o calouro deveria também andar com uma tabuleta de madeira (mais ou menos de 20 cm x 10 cm), dependurada no pescoço, com o seu apelido. Este trote geral tinha início no final da primeira semana de aulas e durava até a Páscoa, quando era "permitido" aos bichos retirarem a tabuleta e acertarem os seus cortes de cabelo. Muitos tiravam a tabuleta, mas o apelido ficava. Havia também o "trote especial", que era aplicado em situações específicas, a alguns calouros que, na ótica dos veteranos, mereceriam ser tratados de forma diferenciada. Estes eram mais humilhantes, como os banhos de farinha ou a obrigação de andar pela praça com ovos (não cozidos) de galinha dentro dos bolsos (e todos sabiam disto). Estes trotes eram "patrocinados" pelo Centro Acadêmico - o Diretório Acadêmico propriamente dito, não se envolvia nestes assuntos. Por isto acho até mesmo estranha a declaração do César, uma vez que ele era secretário do DA e o trote, um assunto do CA. É importante observar que o posicionamento do DA e do CA foi sendo alterado ao longo do tempo. Em 68 o DA era uma entidade de natureza política e o CA de natureza social (bailinhos, festinhas, joguinhos, etc). Paralelamente ao "trote oficial", cada República tinha a sua maneira de homenagear os seus bichos. Pode ser que neste caso, houvesse a prática de trotes diferenciados. Obviamente as Repúblicas mais antigas já dispunham de práticas consagradas ao longo de sua existência. Em 68, a Pureza, onde morava o César já existia há algum tempo, e é provável que lá já houvesse a prática de algum "trote cultural".
Assim, você viveu o início do processo de engrandecimento de um sistema universitário em OP, conforme estava profetizando Tristão de Ataíde? Por outro lado, as repúblicas em que você viveu cedeu as tradições e ao seu culto? Ou, pela autonomia que tinham, tornaram-se senhoras de si mesmas, com os estudantes subvertendo ora aqui e ora ali?
Não concordo com o mestre Tristão sobre o fato de que a extinção do Curso Geral tenha sido o início do fim. Esta extinção aconteceria mais cedo ou mais tarde e ela não tornava os estudantes melhores ou piores, apenas dava-lhes uma formação mais abrangente. O fim deste curso não afetou em nada a vida nas Repúblicas. Acredito que nem todos os estudantes faziam suas refeições nas suas Repúblicas antes do advento do REMOP, sou mais propenso a pensar que muitos utilizavam o sistema de pensões caseiras (cheguei a me utilizar deste sistema quando fui fazer o vestibular). Acredito que em alguns casos o REMOP possa ter sido um desagregador da vida republicana, por retirar da República um momento de convívio. Como acredito também que alguns avanços na liberalização dos costumes trouxeram para dentro das Repúblicas uma vida social que antes não existia (sou do tempo em que moça que entrava em República era mal falada). Da mesma forma que o REMOP foi um desagregador, o CAEM também o foi quando tornou-se um dos pioneiros em disponibilizar uma aparelho de televisão para que os estudantes assistissem a alguns programas de interesse. Porém foi por pouco tempo, logo a maioria das Repúblicas passou a ter o seu próprio aparelho, retirando do CAEM esta primazia e reconstituindo a vida republicana. Mais uma vez o CAEM foi fator de desagregação com o lançamento de sua "boite", mas logo as Repúblicas responderam com suas próprias "boites". A ideologização dos estudantes também parece-me um fator natural, decorrente da melhoria do processo de informação. Parece-me até que este processo tem mão dupla. Se por um lado foi fator de desvio da objetividade escolar, por outro serviu de "combustível" para muita conversa dentro e fora das Repúblicas. A compra de repúblicas não tinham o objetivo de manter a chama da Escola de Minas, como comenta o professor Moacir do Amaral Lisboa, mas sim atender a uma das metas do próprio Gorceix que era o de criar atrativos para o aumento do efetivo de alunos da escola. Quem estudou um pouquinho o processo de nascimento e formação da Escola de Minas sabe disto. Acho importante localizar estes fatos no tempo histórico. Quando comecei o curso em 1.968, em OP ainda havia o "footing" (ou o "fútil", como disse certa candidata a miss: as garotas de OP adoram o fútil). Este procedimento consistia em ir caminhando da porta do cinema até o Largo da Alegria, onde se "pegava a VO" (= velocidade inicial, em física) e retornar à porta do cinema. Isto ocorria todos os dias entre 18:00h e 20:00h - foi morrendo aos poucos à medida em que as novelas das seis e das oito iam entrando pelas portas dos lares ouropretanos e do resto do Brasil. A vida ficou melhor ou pior? Talvez tenha piorado o relacionamento entre as pessoas, que se passaram a se ver menos, mas talvez a globalização dos costumes tenha chegado mais rápido a um número maior de pessoas. Veja que o barroco ouropretano aconteceu mais ou menos cinqüenta anos depois do barroco carioca. E quase cem anos após o barroco europeu. Quem ganhou com isto? E ademais, não acho que a vida em Repúblicas tenha se deteriorado tanto quanto se apregoa - isto é mais saudosismo do que verdade. Houve mudanças e muitos consideram estas mudanças uma perda de valor pela própria incapacidade de acompanhá-las. Veja o exemplo da Embaixada da República Pulgatório em São Paulo, que nada mais é do que a continuidade do espírito pulgatoriano fora das quatro paredes da República. O que realmente decaiu foi o padrão de ensino da Escola, não que ele tenha decaído, mas sim que não tenha tido competência para acompanhar a demanda dos novos tempos. Como era a classificação e a aprovação no vestibular? Quantos passavam no vestibular e quantos realmente entravam? O vestibular, ao longo da história, passou do vestibular eliminatório para o classificatório. O processo de aprovação foi alterado justamente no ano em que entrei na Escola de Minas. Até então, o sistema de aprovação exigia que o candidato tivesse nota mínima, correspondente a 50% das questões propostas em todas as provas. Dos que alcançassem essa condição, eram considerados aceitos os que obtivessem melhor pontuação até o limite das vagas disponíveis. Em realidade, esta segunda parte era meramente teórica, uma vez que a quantidade de pretendentes que atendiam à primeira parte era inferior à quantidade de vagas. No ano em que prestei vestibular, a regra foi alterada, obrigando a escola a preencher todas as vagas. Naquele ano houve então um segundo vestibular, onde o critério foi o de preencher as vagas remanescentes com os pretendentes classificados de acordo com a pontuação obtida, desde que não houvessem obtido resultado nulo em qualquer uma das provas. Com esta alteração, a quantidade de novos alunos que ingressavam cada ano na escola, sofreu um incremento muito acima da capacidade de atendimento das repúblicas existentes. Anteriormente, havia uma quantidade média de 30 / 40 alunos novos a cada ano, contra uma quantidade média de 25 / 35 formandos ou estudantes que deixavam o curso. Na segunda chamada do vestibular daquele ano foram admitidos na escola cerca de 105 novos alunos.

Depois de formado em que aspecto você poderia dizer que contribuiu para os estudantes atuais que estavam lá (ou estão) ou com as repúblicas? Geralmente a maior contribuição é a volta numa festa como o 12 e auxilio aos estudantes neste momento?
Acho que a festa do doze talvez seja apenas a parte mais visível da contribuição. Permanentemente temos encaminhado a eles propostas de estágios ou mesmo até de vagas disponíveis nas empresas em que trabalhamos. Temos feito contribuições voluntárias para fins de reformas (recentemente reformamos todo o telhado da Pulgatório), ou mesmo quando há uma quebra de caixa significativa. A república tem um caixa para situações emergenciais, se, por alguma razão este caixa sofre uma sangria muito pesada, para não deixarmos os meninos em situação de constrangimento, passamos o chapéu entre os ex-alunos e simpatizantes.
Como estava a Escola de Minas naquele período?2
Para não sermos injustos com o prof Joaquim Maia, seria oportuno saber que a sua "didática discursiva" era algo comum na escola naquela época: o mestre limitava-se a fazer da sua aula um monólogo de demonstração de seu conhecimento. Quanto a ensinar, isto não era o mais importante da sua tarefa. Esta forma de interagir com os alunos pode parecer, nos dias atuais, como reminiscências de um passado em que a cultura prevalecente da escola fosse dessa natureza. Nada mais incorreto. A Escola de Minas não foi criada exatamente para ser uma escola. Muito mais foi criada, em uma época em que a economia do país era a monocultura do café, para ser um instituto de pesquisa, nos moldes da Fundação Oswaldo Cruz, para desenvolver tecnologia nacional, primeiramente para suprir as necessidades de nossas siderurgias e posteriormente para fazer o aproveitamento de nosso potencial mineral. Como instituto de pesquisa seria impensável haver o desenvolvimento cultural sem a reflexão, a troca de idéias e a pesquisa - elementos impossíveis de serem encontrados nos monólogos academicistas. Outros professores, como o Dr Cristiano, adotavam a mesma técnica do Maia: faziam da aula um monólogo que não despertava em ninguém a vontade de aprender, pesquisar, desenvolver uma idéia. Para se ter uma idéia de quanto isto custava ao país (uma vez que a escola era gratuita), basta ver que na turma que entrou na escola em 1.968, a turma de Química I que estava sob os cuidados do Dr Cristiano tinha aproximadamente 50 alunos. Passaram apenas 2.
E a questão do Maia?3
Sobre o episódio do Maia, talvez você possa encontrar informações mais completas no cadastro da revista Veja. Eu me lembro bem da reportagem, inclusive da foto. Quanto ao fato de haver convite ao Médici para paraninfo, não tenho como ajudá-lo (não lembro quem foi o paraninfo daquela turma). Lembro apenas que na época tínhamos bons contatos em Brasília (talvez o senador Rollemberg Leite ou algo parecido), que era ex-aluno, e ajudou a colocar as coisas de forma menos danosa para os alunos.

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