domingo, 22 de julho de 2007

O nascimento da UNE (Rio de Janeiro, dezembro de 1938)

(Diante da efetiva falta de vontade da diretoria da UNE e da própria Fundação Roberto Marinho em contar a história da UNE no seu projeto que já está chegando a 2,5 milhões de Reais, nos esforçamos aqui em apresentar uma bibliografia e vários documentos que dão conta da história da UNE nos seus aspectos mais críticos)(Otávio Luiz Machado)


O nascimento da UNE (Rio de Janeiro, dezembro de 1938)

Após a eleição do Centro, o número de dezembro de 1938 de O Onze de Agosto anunciou que Spencer Vampré estava deixando a diretoria da Faculdade de Direito, cargo exercido por ele desde o início daquele ano. Em outra página do mesmo número, Antônio Sylvio Cunha Bueno, Ulisses Guimarães e três outros falaram de sua gratidão a Ademar de Barros e Pedro Ludovico Teixeira, interventores em São Paulo e em Goiás, pelas contribuições à campanha estudantil para pagar um monumento aos bandeirantes na cidade de Goiânia, recém-construída. Os cinco estudantes, interessados no desenvolvimento do Brasil central, haviam feito, de bom grado, uma viagem a Goiás[1]. Um artigo de João Paulo Bittencourt em O Onze de Agosto enfatizava a necessidade de as universidades se preocuparem com a política. Bittencourt atacava regimes “de asfixia vital, moral e intelectual”, exigindo-lhes “obediência absoluta aos seus interesses e mesmo propaganda” e esclarecia o “aspecto triste” das universidades na Itália, Alemanha e Rússia. Sob uma visão diferente, José Barbosa, estudante preparatoriano, elogiou o Estado Novo em um artigo de primeira página em O Universitário, órgão dos estudantes do curso pré-jurídico. Com o Estado Novo, escreve Barbosa, o Brasil “despertou da letargia romântica que o envolvia desde os tempos coloniais” e entrava em uma “vida nova, emancipando-se do velho e decantado liberalismo individualista”[2].
João Paulo Bittencourt, oponente ao autoritarismo, foi um dos dois estudantes de Direito de São Paulo que passaram parte de suas férias de verão no Rio de Janeiro como representantes da Faculdade no II Congresso Nacional de Estudantes. O congresso foi o resultado de um convite feito pela Casa do Estudante do Brasil (criada em 1929) e pelo Conselho Nacional de Estudantes (criado em agosto de 1937); esperava-se que o congresso continuasse o trabalho executado anteriormente de formar uma forte organização nacional dos estudantes[3]. Quando o congresso se reuniu, de 5 a 21 de dezembro de 1938, os representantes do Centro Onze de Agosto (Bittencourt e César Barbosa Filho) encontraram-se com os de cerca de oitenta faculdades e escolas secundárias. O Pernambuco Antonio Franca, estudante de Direito do Rio, anti-Vargas, propôs a criação da União Nacional de Estudantes (UNE), que seria apenas para estudantes universitários e separada da Casa do Estudante do Brasil. A 22 de dezembro de 1938, o Conselho Nacional de Estudantes teve sua segunda assembléia (a primeira realizou-se em agosto de 1937), aprovou os estatutos da UNE e escolheu os membros da diretoria desta. Valdir Ramos Borges, um gaúcho, tornou-se o presidente, Antônio Franca, secretário-geral, e César Barbosa Filho, do Centro Onze de Agosto, vice-presidente.
A UNE passou a ter um pequeno escritório nos alojamentos da Casa do Estudante do Brasil; entretanto discutia muito com a Casa e sua figura principal, Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, bonita filha de pais abastados e esposa de um famoso jogador de futebol[4]. Ana Amélia, que muito havia feito para a Casa do Estudante ser um lugar de pousada, comida e recreação para estudantes no Rio, considerava a UNE como uma das partes da Casa, e a UNE reclamava que a Casa procurava menosprezá-la e controlá-la. No fundo, escreve Arthur José Poerner, o caráter meramente assistencial e “profundamente governamental” da Casa do Estudante do Brasil entrara em choque com o tom ideológico antifascista constatado nas teses do II Congresso Nacional de Estudantes[5].
Futuros congressos da UNE poderiam esperar mais união entre as delegações da Universidade de São Paulo como resultado do esforço bem recompensado de Pupo Netto em formar o Conselho de Presidentes dos Centros Acadêmicos de São Paulo. O conselho passou a existir a 8 de maio de 1839, em uma reunião de presidentes do Centro Acadêmico Onze de Agosto (Direito), Centro Acadêmico Osvaldo Cruz (Medicina), Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Grêmio Politécnico, Centro Acadêmico 25 de janeiro (Farmácia e Odontologia) e Centro Acadêmico de Medicina Veterinária[6]. A primeira medida do conselho, liderado por Pupo Netto, foi enviar uma petição a Ademar de Barros fazendo objeções à proposta de dobrar os duzentos mil-réis da taxa de matrícula anual dos estudantes. Em resposta, o interventor concordou que a taxa não seria aumentada em 1939[7].

FONTE: DULLES, John W. F. A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1984, p. 107-109.
[1] O Onze de Agosto, dezembro de 1938, pp. 38, 32. Antônio Sylvioi Cunha Bueno, entrevista, São Paulo, 19 de agosto de 1981.
[2] João Paulo Bittencourt, `Universidade e política´, O Onze de Agosto, dezembro de 1938, p. 6. José Barbosa, ´Balanço do ano´, O Universitário. Ano I, nº 2 (novembro de 1938).
[3] Para maiores informações, vide Arthur José Poerner, O poder jovem (Rio de Janeiro; Editora Civilização Brasileira, 1968), pp. 132-141, e ´UNE acaba 27 anos depois de surgir combatendo a ditadura´, Jornal do Brasil, 8 de novembro de 1964.
[4] José Gomes Talarico, entrevista, Rio de Janeiro, 17 de julho de 1982.
[5] Poerner, O poder jovem, pp. 140-151. O Estado de S. Paulo, de 6 a 25 de dezembro de 1938. Vide, em particular, a data de 21 de dezembro.
[6] ´Ata de constituição do Conselho de Presidentes dos Centros Acadêmicos de São Paulo´ , 8 de maio de 1839 (cópia em posse de Trajano Pupo Netto).
[7] A Balança, junho de 1939, agosto de 1939.