domingo, 15 de julho de 2007

Depoimento de Anísio Teixeira

Depoimento de Anísio Teixeira

Para aumentar a educação e não torná-la pior é necessária uma defesa implacável dos padrões de vida observando qualidade e não quantidade. A idéia da reforma devia partir do projeto de objetivar a nova cultura científica e tecnológica, que temos de ministrar na universidade. Essa nova cultura é uma cultura operacional e altamente especializada, atingindo métodos de transmissão muito elaborados e precisos, em que as idéias não são apenas formas de compreensão e entendimentos, mas planos e modos de ação, de prática, de operação. Para a sua transmissão eficiente já não são possíveis aquelas instituições históricas criadas pelo sistema anterior; não é possível o estudante selecionado, mas ocupado com seu trabalho, dando tempo parcial à escola; não é possível o tempo escasso e obtido a custo em horas fugazes à tarde e à noite; não é possível a falta de espaço para o professor, para o aluno, para a biblioteca para o equipamento, reduzido afinal a simples espaço para prelações orais; não é possível o curso enciclopédico para aprender de tudo um pouco e nada em profundidade, o que era no sistema anterior indispensável para ocupar em tempo parcial uma série de professores que não podiam dar senão este ensino e de outro modo ficariam todos desempregados; não é possível quase nada do que é corrente, usual e normal na universidade brasileira. A nova universidade nesse nível surge como um mundo complexo, em que se tem de iniciar e achar o seu caminho, ajudado talvez pelos professores, mas ficando sempre com ele a maior responsabilidade pelas escolhas e opções. Além disto, o seu próprio trabalho passa a ser muito maior, pois os professores estão com as suas tarefas multiplicadas nesse nível básico, dando ensino a diferentes grupos de cada modalidade do curso. Não esqueçamos que a nova estrutura concentradas de grupos homogêneos de professores destina-se a servir a maior número de alunos, distribuídos por um feixe de ramos diversificados. Não se trata de ensino college de uma Oxford, com pequenas famílias de professores e alunos, mas de uma nova universidade-cidade, com toda a complexidade da organização urbana senão metropolitana. Esse “mundo” universitário não é mais a “casa” ou a “família”, mas algo amplo e complexo que atua como um “meio”, exigindo capacidade de adaptação e descoberta para cada um encontrar o seu caminho e se formar. O estudante tem de ter iniciativa, imaginação e capacidade de esforço pessoal. O “meio” universitário orienta de modo geral, mas sobretudo o provoca para o estudo, que é tarefa sua a ser feita pelas leituras amplas e absorventes, pelos períodos árduos de laboratório pela experiência rica e estimulante, pela convivência mais com os colegas, os seus pares, do que mesmo com os professores. Essa será a nova universidade. Assim como o novo sistema requer o professor de tempo integral, também exige o aluno de tempo integral. Meu receio ante a nova estrutura planejada está em que não vejo a necessária ênfase no novo professor e no novo aluno, que a nova universidade impõe. A simples mudança de estrutura sem a renovação de programas, de métodos, de professores e de alunos pode vir a deixar tudo no mesmo embora os nomes e a disposição das coisas ou elementos da situação sejam diferentes”. O saber universal existe e deve ser ensinado mas esse será sobretudo tarefa de educação elementar e secundária, cabendo à universidade a tarefa de complementá-la e depois elaborar e ensinar a cultura nacional formando especialistas de língua brasileira, direito brasileira, medicina brasileira, engenharia e ciências sociais brasileiras, etc. Somente fica no universal as ciências físicas e matemáticas, ainda assim com aspectos de aplicação bem brasileiros. A ciência é universal, mas a tecnologia deve ser nacional. O princípio liberdade de ensinar e liberdade de aprender permite que o aluno escolha o que vai estudar, tendo o professor total liberdade de ensinar, Universidade com estatutos de extrema rigidez são instituições para si próprias que acolhem o aluno, mas não são instituições destinadas a promover o desenvolvimento infinito de cultura humana. Também os cursos fechados sem possibilidade de transferência dentro da universidade é totalmente oposto à liberdade de aprender e liberdade de ensinar e é sistema de imposição. (...) Fora das salas de aula, só por exceção há espaço físico para os alunos estarem. Há, entretanto, pequenos locais para os diretórios de estudantes. Os estudantes que freqüentam essas aulas são estudantes ativistas, devotados de algum modo às filigramas da existência comunitária dos alkunos, constituindo núcleos reduzidos que, com o vazio escolar, se fazem facilmente estudantes políticos no sentido melhor possível do termo. É preciso respeitar profundamente esses estudantes. Eles realmente dão características à vida universitária; senão, não havia nenhuma. São estudantes de sentimento público, sensíveis às dificuldades gerais do povo brasileiro. Serão, talvez, os únicos estudantes, se não de tempo integral, de devotamento integral e os que levam a sério a vida estudantil e a responsabilidade social de seu grupo e também os de mentalidade mais adulta, o que não será inteiramente exato; porque a maioria dos alunos universitários está acima da idade que seria regular.

Depoimento que consta no Relatório da CPI da Câmara dos Deputados, de Acordo com o Projeto de Resolução º 84, de 1969. Aprova as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar, entre outras coisas a estruturação atual do sistema de ensino superior do País, abrangendo universidades federais, estaduais, particulares, bem como faculdades isoladas. A CPI foi criada pela Resolução n. 37/67). Com o conteúdo do Relator.

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