quinta-feira, 12 de julho de 2007

A história da UNE

Consideramos que nos muitos textos publicados atualmente sobre a UNE (que buscam retratar a entidade entre os anos 1930 até os anos 70) não há espaço para a história das universidades e dos estudantes. A instituição aparece em primeiro plano, o que significa uma completa manipulação e instrumentalização do conhecimento histórico. O depoimento de um dos importantes líderes da UNE demonstra o contrário. (Comentário postado por Otávio Luiz Machado).


PEQUENA BIOGRAFIA MILITANTE DE ROBERTO GUSMÃO: Foi Presidente da UNE entre os anos de 1947 e 1948. Foi uma das principais lideranças da campanha "O Petróleo é Nosso".


TRECHOS DO DEPOIMENTO DE ROBERTO GUSMÃO AO CPDOC/FGV


(...)
"R.G. Nós ocupávamos o que não existia: não existia partido político, os estudantes faziam o movimento político.

P.R. - Quer dizer, em conseqüência do aparecimento de novas forças e lideranças no campo social, o movimento universitário se sente, vamos dizer, não mais no papel de liderança, mas no papel de uma participação talvez até secundária, não é?

R.G. - Eu acho que vai ficar restrito, deverá ficar restrito, como é nos grandes países, ao movimento dentro da própria universidade, dentro de cada faculdade, com reivindicações muito...

P.R. Restritas.

R.G. - Restritas àquele ambiente. Politicamente, a importância do movimento estudantil, eu acho que dificilmente voltará a ser o que foi nessa época da UNE.

C.G. - Naquele momento o movimento estudantil também tinha uma outra importância, que era a formação dos quadros políticos nacionais, não é? Eles se formavam no movimento estudantil e saíam dele para poder...

R.G. - Formavam-se nas escolas, e já começavam os debates nas escolas. Cada escola seguindo, evidentemente, a sua vocação. A Escola de Medicina, a Escola de Engenharia. Mas a grande escola era a Faculdade de Direito. E começavam-se pelos debates de... Todo bacharel quer ser orador, não é? Então, começavam logo os concursos de oratória. [risos] As teses eram discutidas às vezes muito mais com um estilo gongórico, demagógico, do que com um fundo científico ou um fundo baseado numa pesquisa mais profunda. Mas isso, a comunicação oratória, a comunicação verbal desses concursos, levava as idéias em seu bojo. Então, a Faculdade de Direito tinha essa formação. E depois, a UNE foi uma grande escola política. Aí, sem dúvida, porque se começou a entender o Brasil, na medida em que os estudantes de São Paulo passaram a conviver com estudantes de Recife, com os estudantes de Salvador, com os estudantes de Minas. Isso numa época quê não tinha... O rádio era um instrumento de comunicação muito relativo e dominado pelo governo. Não havia televisão. Então, esse contato direto foi muito importante. Eles queriam, o governo, a ditadura, queria fazer só as chamadas Olimpíadas Universitárias. Só esporte, não é? Era aquele negócio, do mens sana in corpore sano, aquela coisa. Então, a direção
era um pouco fascistóide, não é? E nós, na UNE, não. Era a coisa política, intelectual. Debatia-se desde a reforma do ensino até, e principalmente, política. política nacional, política internacional. Nós fomos até a declaração de guerra e depois até a queda do governo.

P.R. Do governo do Estado Novo.

H.G. Então, eu acho que esse papel da UNE e dos estudantes, nessa época, foi muito importante. Foi uma grande escola. E de educação cívica também, de patriotismo, no sentido melhor da palavra.

C.G. - É, porque na verdade o nacionalismo brasileiro nasce com a UNE, com essa Campanha do Petróleo, não é? A noção do Brasil corno nação, nação economicamente articulada, vem daí.

R.G. - Vem daí. E principalmente a preocupação de transmitir à juventude essa crença, não é? Porque era uma juventude apática.

P.R. - Exato.

R.G. - "Então está aqui, o futuro está aqui... a nossa independência econômica, nos somos um país dependente." Antigamente se falava muito em imperialismo, que existia, embora nós não fôssemos colônia. Mas sempre a gente radicalizava um pouco as coisas, mas mostrando que tinha uma saída para o país. Porque a nossa preocupação era muito com o social. Já se sentia a dificuldade de grande parte da população, já se sentia a necessidade de dar ao nosso trabalhador uma situação melhor, na indústria de pagar melhor, de se limitar o problema do trabalho do menor, de mulher, das férias e da assistência social. Então, por tudo isso os estudantes pressionavam. Agora, a grande movimentação, que era uma manifestação de esperança e de fé, era o petróleo. Mostrávamos a nossa dependência de petróleo e a necessidade que nós tínhamos de...

P.R. - E de que forma, dr. Gusmão, ocorreu o ingresso da UNE na sua gestão, na Campanha do Petróleo?

R.G. - Olha, primeiro a gente já conversava um pouco sobre isso. E, segundo nós queríamos logo... Quando você toma posse na UNE, você não sabe bem o que fazer, não é? Você recebe aquilo, um prédio na Praia do Flamengo,132 – e eu ainda fiz a minha campanha contra o José Bonifácio, dizendo que ele foi eleito, mas nunca saiu de São Paulo para morar na UNE. Então eu disse que eu me propunha mudar, e que obrigaria a minha diretoria toda a morar na UNE, no prédio, e tal. Então eu tive que cumprir isso. Mas cheguei lá e encontrei só o prédio, não é? [risos] E agora? Vem a turma, vamos resolver o que vamos fazer A primeira coisa era que nós tínhamos um problema de finanças, não tínhamos dinheiro, e éramos oposição ao Governo. A gente tinha que arranjar um motivo para...

P.R. o Clemente Mariani hostilizava muito, não?

R.G. - É. Hostilizava muito. Então, o presidente do 11 de Agosto, que era o... Ubirajara, ofereceu um carro – ele vendia automóvel - para fazer uma rifa, uma grande rifa nacional para arranjar dinheiro para a UNE. Então, está resolvido o problema financeiro com isso. E de fato foi resolvido. Fizemos uma rifa, uma rifa nacional, vendemos e sorteamos o automóvel.

Esse era um passo, mas e politicamente, o que é que nós iríamos lançar? Uma coisa nova, somos socialistas, temos que enfrentar, temos que criar uma ... mostrar que viemos trazer uma coisa séria para o país e motivar os estudantes numa luta, num problema. Então, vamos discutir o problema do petróleo. Discutimos entre nós, começamos a ouvir pessoas, e fomos ouvir o Monteiro Lobato.

Fui falar com o Monteiro Lobato, com um qrupo de estudantes de São Paulo, e tivemos uma famosa entrevista, ali na Barão de Itapetininga, em cima da livraria do Caio Prado Júnior. Ele morava num apartamento lá no quarto andar. E aí, falamos com eles, os que estávamos na hora: "Nós estamos aqui, e estamos com a idéia de fazer uma campanha em favor do petróleo, mexendo com o petróleo." Falamos dessas coisas que estão aí na campanha, nos nossos slogans: "Libertar o Brasil". Ele olhou e nos passou uma descompostura: "Mas vocês não têm juízo, fazer uma coisa dessas. Eu já fui preso, fui perseguido! Esse negócio de petróleo, vocês não podem falar, já tamparam todos os poços lá na Bahia.
(...)
() general Horta Barbosa dá uma assessoria, o Lobo Carneiro. Então, dentro da UNE já havia uma pretensão de ordenamento dessa campanha, anterior ao Centro.

R.G. - Havia, pelo seguinte. Porque a campanha, quando pegou, antes que o Centro começasse... o que nós sentimos com o concurso de oratória - veja bem, se precisa notar um ponto - é que pegou fogo, sabe? Era uma coisa que... Petróleo é inflamável! [risos]. Então eu vi que a coisa era terrível. Despertou tal interesse que nos começamos. . . "Nós não podemos bancar os irresponsáveis, vamos estudar isso mais. Então vamos fazer um centro de debates". Mas nós não podíamos fazer na UNE, porque seriam só os estudantes do Rio que iriam participar. Então eu recomendava, por circular, que todos os estudantes Brasil começassem a estudar o petróleo. E começou a se multiplicar, não é? Foi aí que o pessoal do partidão, os nacionalistas, os militares perceberam: "Eles são, digamos assim, o nosso megafone. Os estudantes é que estão levando, então vamos atrás, que é uma coisa séria". E nós, ao mesmo tempo, queríamos deles alguma coisa séria. Mas nós nunca abrimos mão da nossa posição: "A nossa posição é essa". Nós tínhamos resistência também. Aí o pessoal da UDN, Carlos Lacerda, ficou contra aquilo. Diziam que nós éramos ignorantes, que não sabíamos nada, que o caso era a iniciativa privada, que era não sei Ao que, que era capital estrangeiro. E vinham com cifras, com histórias fantásticas. E nós sempre brigando pela Campanha do Petróleo. Aí, quando começamos a partir para colar cartazes, para fazer as famosas torres do petróleo, começou o negócio do comunismo. Sempre tentaram confundir com a posição do Partido Comunista"

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