José Genoíno
A responsabilidade de abrir novos caminhos
Com o golpe de 1964 os estudantes se transformaram na força da oposição mais organizada do país, e passaram a ocupar um espaço político que se tornou praticamente o centro dos atenções da posição. As lideranças, depois de 64, eram conhecidas e respeitadas não só pelos estudantes, mas também por setores ponderáveis da opinião pública. Os centros de discussão dos estudantes eram freqüentados por setores mais amplos da sociedade civil. Isso explica porque havia, na década de 60, passeata de 100 mil. Fortaleza tinha seis mil estudantes e se fazia passeata de 20 mil, ou seja, era, realmente, uma manifestação popular. Era uma força que, depois de 64, conseguiu com maiores facilidades, se mobilizar, e que teve uma herança muito importante, que foi exatamente a prática política, que se desenvolveu no país naquela época, com suas falhas e erros, mas que foi muito ampla. A repressão de 64 não teve a profundidade da repressão de 68, tanto que o processo de reestruturação da UNE, depois de 64, foi mais fácil que o processo de rearticulação em 79, depois do longo período do AI-5, do 477, do período de maior violência do país. A UNE tinha uma mística muito grande, e não era por acaso, mas porque interpretou, no seu momento, as aspirações da juventude universitária. É claro que depois de 64 várias organizações de massa de peso sofreram uma repressão mais violenta, e foi justamente porque tinha peso político que a UNE foi reprimida e teve sua sede incendiada. O caráter repressivo do regime instaurado no país depois de 64 despertou nos estudantes um sentimento de liberdade muito grande, porque num país como o Brasil, por mais violento que seja o obscurantismo, é na universidade que circulam as idéias, é na universidade que ainda se mantém o debate, e é lá, também, que os efeitos da pressão não são tão violento como, por exemplo, nas fábricas. É natural, por isso, que os estudantes, em algumas situações, dêem o primeiro passo, o que não significa dizer que vão dirigir o processo. Como os estudantes se refizeram com maior facilidade da repressão depois de 64, eles começaram a assumir a dianteira, a assumir um papel que foi crescendo ano a ano até atingir o ápice em 68. Nesse período, a UNE, mesmo na ilegalidade e sem uma sede fixa, adquiriu muita força e representatividade. Mas a luta política de 64 centrou-se mais diretamente nas questões específicas que existiam em relação à universidade, porque a natureza e o caráter autoritário do regime decorriam dos novos interesses e objetivos econômicos, das novas necessidades da classe dominante, que fizeram a repressão se concentrar no movimento operário, no arrocho salarial, na perseguição às entidades estudantis, e ainda enquadraram a universidade dentro de um modelo voltado para esses interesses. Para desenvolver o processo de concentração da economia brasileira, as classes dominantes que deram o golpe precisavam limpar o terreno, que estava sendo ocupado pelos grandes movimentos que ocorreram até 64, e o aceleramento desse processo arrebentou com muitos setores da vida social do país, entre os quais a juventude. Hoje, o que mudou é que o estudante, devido ao próprio desenvolvimento da economia do país, ficou socialmente mais próximo do povo, faz parte do mesmo contexto social, hoje ele é filho do assalariado, dos mesmos professores e dos médicos que fazem as greves, dos funcionários públicos que também estão participando da luta por melhores condições de vida. A tendência é haver um amadurecimento da luta, um trabalho de conscientização e de discussão mais aprofundado, mais perto do povo. Hoje o estudante não pode se desvincular da luta do povo. Ele faz parte desse mesmo povo, por isso entra na luta com uma visão mais realista. Hoje, a geração que iniciou a sua formação política na UNE tem a responsabilidade de apostar na democracia e na permanente reforma, construir um novo padrão ético no tratamento da coisa pública e enfrentar a degradação social dos tempos modernos. Essa é uma função de sobreviventes, em todos os sentidos. Com tudo que ocorreu e vem ocorrendo no Brasil e no mundo, é estimulante criar novas alternativas e abrir novos caminhos. A dimensão da cidadania do estudante mudou, suas angústias e perspectivas se colocam em um patamar diferente dos anos 60 e 70. Valeu a experiência, foi muito importante na luta pela democracia e na construção de lideranças políticas.
José Genoíno é deputado federal pelo PT/SP. Foi líder estudantil e vice-presidente da UNE no período 1969/1970.
O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
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