segunda-feira, 16 de julho de 2007

DEPOIMENTO DE NELSON MACULAN

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO/INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS/LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA

DEPOIMENTO DE NELSON MACULAN FILHOA OTÁVIO LUIZ MACHADO

Depoimento realizado pelo projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto - o desenvolvimentismo e o radicalismo entre 1956 e 1969”.

ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO.
DEPOENTE: NELSON MACULAN FILHO.
LOCAL: RIO DE JANEIRO-RJ
DATA: 19 DE DEZEMBRO DE 2003.
FICHA TÉCNICA
Entrevista realizada pelo projeto “A relação educação e sociedade no movimento estudantil das tradicionais escolas de engenharia de Ouro Preto e Recife”.

Tipo de Entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Data: 19 de dezembro de 2003.
Duração Total do Depoimento: aproximadamente 2 h
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.

Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Nelson Maculan a Otávio Luiz Machado. Recife-PE: Projeto “O Debate da relação educação e sociedade no movimento estudantil das tradicionais escolas de engenharia de Ouro Preto e Recife”, 2003.
OTÁVIO LUIZ MACHADO*: Professor, primeiramente, gostaria de ter seus dados pessoais. Qual seu nome completo?
NELSON MACULAN: Nelson Maculan Filho.
Sua profissão?
Professor universitário.
Qual a data e local de seu nascimento?
19 de marco de 1943. Londrina-PR.
Como eram seus pais? O que faziam?
Meu pai foi homem que trabalhou na área da madeira e do café; foi vereador, senador, deputado federal. Candidatou-se a governador no Estado do Paraná; perdeu as eleições para Ney Braga. Minha mãe nos criou. Terminou seus estudos primários, mas não completou o ginásio. Meu pai, já com mais de sessenta anos, formou-se em Direito.

Enquanto estudante, que cargos ocupou?
Fui Representante de Turma no segundo e terceiro anos; mais tarde, exerci os cargos de Vice-Presidente do Centro Acadêmico da Escola de Minas e de Primeiro-Secretário do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto (DAEM), na gestão de Rômulo Freire Pessoa.
Quando você chegou em Ouro Preto para estudar?

Cheguei em janeiro ou fevereiro de 1961 para prestar vestibular ao Curso de Engenharias de Minas, Metalúrgica e Civil, com duração de seis anos e conhecido, então, como “Curso Geral”. Aprovado, comecei a estudar em março. Formei-me, no quinto ano, em Engenharia de Minas e Metalurgia. Não completei o curso de Engenharia Civil, como a maioria de meus colegas.

Havia, por parte do pessoal da Engenharia, algum tipo de preconceito para com a Escola de Farmácia?
Em relação à Escola de Farmácia. Dávamos pouco valor ao ensino daquela instituição. Pensávamos que só a Escola de Minas possuía cursos de bom ní­vel. Quanto às “repúblicas” de estudantes, estas eram habitadas, ou só por estudantes da Escola de Farmácia, ou só por estudantes da Escola de Minas. Mais tarde, vim a conhecer excelentes profissionais oriundos da Escola de Farmácia. Faltou, a nós, da Escola de Minas, grandeza; não conseguí­amos ver o quão importante é a farmacologia, bem como não enxergávamos a estatura e qualidade da Escola de Farmácia
Está presente, no imaginário coletivo, a idéia de que o pessoal da Escola de Farmácia não obteve muitas conquistas, por não ter militância forte. É esta sua opinião?
O pessoal da Farmácia não tinha o espaço que merecia e nem a capacidade de mobilização que tí­nhamos nós, da Engenharia. Não tivemos a grandeza de chamar os colegas da Farmácia para conosco atuar. Havia a visão arrogante de que a Escola (de Minas) era "a melhor do mundo" e, assim, não podia se misturar com ninguém mais. A falta de corporativismo enfraqueceu a todos.
O que foi viver em república? Como foi esta sua experiência? Em que isto o ajudou?
Viver em uma “república de estudantes”, para um jovem recém saí­do da adolescência, foi um inestimável aprendizado de vida. Deixando para traz a proteção, o carinho e o conforto da casa paterna, o estudante passa a viver em comunidade nas “repúblicas” dividindo com seus colegas a missão de manter o seu novo lar. Dividir recursos, tarefas e responsabilidades, de maneira democrática, passa a ser um aprendizado diário. O respeito mútuo, entre os “republicanos”, reconhecendo os limites de seus direitos, deveres e responsabilidades é presença forte no dia a dia destas comunidades estudantis. Aprende-se a ter disciplina. O cultivo da solidariedade e da amizade é presença forte na vida diária dos moradores da “república”. Muitos são os laços fraternos que se criam, nesta época de suas vidas, e que se perenizam. Interessante é falar do papel do “presidente da república”. Cada um dos moradores, durante um determinado período, em sistema de rodí­zio, assume este papel: gerenciando os recursos (advindo das contribuições mensais dos moradores), o presidente cuida das compras de mantimentos, da manutenção do imóvel, dos pagamentos diversos, etc. É um belo exercí­cio de aprendizagem de administração, organização e responsabilidade.

No período em que você morou na república Pureza, de 1961 a 1965, verificou-se uma clara transformação das posições políticas de seus moradores? Como você vê isso?
Na minha visão, o que ocorreu, nesse período, foi uma crescente politização dos nossos colegas de “república”, com um claro viés de tendência esquerdista. Os colegas mais antigos, apolí­ticos ou com tendência mais conservadora, foram se formando e deixando a “república”, dando lugar a novos estudantes, mais voltados à discussão polí­tica e mais dispostos à análise crí­tica da situação do paí­s de então. Isto não quer dizer que não havia colegas com visão política mais à direita. Não me lembro, no entanto, de termos tido que conviver com radicalismos ou extremismos. Era uma convivência inteligente e aberta.
E a relação dos estudantes com a população da cidade?
Era, de maneira geral, fria e distante. Sentia-se uma certa animosidade no ar. Penso que esta situação já vinha de tempos bem anteriores. Sempre houve muitas brincadeiras e molecagens, por parte dos estudantes. Enquanto restritas aos ambientes próprios aos estudantes (repúblicas, Centro Acadêmico, etc.) nada havia que se condenar. Infelizmente, não era o que acontecia. Freqüentemente, brincadeiras de mau gosto, por parte dos estudantes, criavam atritos e mal estar junto à população.
Você foi preso em 1964, logo após a deflagração do golpe militar, acusado de subversão? Como foi isso?
Lembro-me bem. Era um domingo de abril. Uma camioneta parou na porta da “república” e dela desceram policiais do antigo DOPS. Havia também policiais militares. Alguns colegas, com os quais mantí­nhamos convivência diária, “reforçava” tal aparato militar, que ali se encontrava para prender “perigosos estudantes subversivos”.

O que mais o marcou neste episódio?
Ver colegas nossos, com os quais mantí­nhamos um conví­vio diário na escola e nas “repúblicas”, participarem desses atos de insana violência, de maneira tão direta e explí­cita, foi-me chocante e muito doloroso. Hoje, dentro da perspectiva que só o tempo decorrido desde estes tristes episódios nos proporciona, sou sinceramente tomado pela certeza de que estes nossos colegas, civis e conhecidos como “voluntários da revolução”, eram sinceros em sua crença de que estavam fazendo o bem e, que nós, “comunistas”, éramos realmente perigosos para o paí­s. Não tiveram a necessária capacidade avaliativa para enxergarem que estavam sendo simplesmente utilizados como instrumentos de manobra, na mão dos verdadeiros golpistas.
Como a prisão de vocês repercutiu no meio estudantil de Ouro Preto?
Obviamente que a repercussão foi muito forte. Instalaram-se, entre os estudantes, a revolta, o medo da delação e a desconfiança. No meio de todo este clima, de reunião ocorrida no Diretório Acadêmico da Escola de Minas saiu a deliberação de que aqueles estudantes que participaram das ações para prisão de estudantes não mais seriam chamados de colegas. Esta posição foi assumida, inclusive, por colegas que tinham posição polí­tica de direita mas que, de forma pública e clara, repudiavam aquele tipo de atitude. Os “voluntários” passaram a ser ostensivamente repudiados e isolados pela imensa maioria dos colegas. O ambiente de convivência alegre e harmônica nunca mais voltou a ser o mesmo.
Por quanto tempo você permaneceu preso?
Em torno de duas semanas. É uma experiência dolorosa: você perde sua liberdade de ação, o que significa uma forte agressão ao ser humano. Nenhum de nós, meus colegas ou eu, foi torturado; no entanto, vimos integrantes das ligas camponesas serem agredidos fisicamente.

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