segunda-feira, 16 de julho de 2007

Depoimento de Moacyr Félix - É preciso pintar de cores novas a cara da História

Moacyr Félix
É preciso pintar de cores novas a cara da História


Eu cheguei à UNE pela porta do CPC. Quando o movimento surgiu eu trabalhava com essa figura extraordinária de cidadão e intelectual que é o Ênio Silveira, na preparação da coleção Cadernos do Povo Brasileiro, uma série de títulos de abordagem e discussão dos grandes temas que dominavam o mundo na época. Um dia entraram em minha casa duas figuras de quem eu já gostava e pelas quais tinha um imenso respeito: Ferreira Gullar e Oduvaldo Viana Filho, o Vianinha. O Gullar eu conhecia bem desde o lançamento de seu extraordinário primeiro livro, Luta corporal. Gullar entrou mais calmo, com aquele jeito de índio velho e o Vianinha, em toda sua exuberância e com toda aquela gesticulação. Ele conseguia fazer cem movimentos com os braços enquanto pronunciava duzentas palavras. O Vianinha diz: “Você que é um poeta de esquerda, você que é um poeta socialista, você que é um poeta comunista, precisa nos ajudar. Nós sabemos que você está com um livro pronto, chamado Violão de rua. Como Lá no CPC nós estamos fazendo teatro nos sindicatos, estamos fazendo cinema popular, queremos fazer isso também na literatura. Queremos fazer poesia voltada para o social e este é o nosso título: Violão de rua. Sugeri, então, que se aproveitasse a série, incluindo uma publicação, que passou a se chamar Cadernos do povo brasileiro, para o CPC da UNE. a UNE venderia esses cadernos e ficaria com a renda para ela. Seria uma maneira da UNE, também, fazer um dinheirinho, ao mesmo tempo em que espalharia poesia pelo país inteiro. Eufórico, Vianinha concordou. A própria Civilização Brasileira bancou as publicações. Os volumes eram entregues ao CPC da UNE, que os vendia. Vendiam na Central do Brasil, nos sindicatos, nas ruas. Eram edições de milhares de exemplares. Foi um grande sucesso. Mas a primeira coisa que uma ditadura faz é acabar com a filosofia e a sociologia. Ou então acaba com movimentos como o CPC da UNE, que queria levar cultura ao povo. Agora, a UNE ressurge novamente revigorada. A minha esperança é que esses jovens que foram para as ruas, que pintaram a cara e movimentaram o país, eles mesmos, de repente, parem e se perguntem: mas isso deu em quê? Que eles se sintam usados, de certa maneira. Deixamos nos impressionar por manchetes, mas nós não enraizamos o gesto em nada que tenha consciência histórica. Nós não agimos sobre a História. Houve uma pequena ação. Mas queremos aprofundar esse momento. Tenho a impressão que vai surgir, sim, a necessidade de um aprofundamento do movimento estudantil. Esse movimento de caras-pintadas já foi um bom começo. Acho que, mais cedo ou mais tarde, os estudantes vão querer se reorganizar de maneira mais profunda. E aí vão querer é pintar de cores novas a cara da História.

Moacyr Félix é escritor e poeta. Dirigiu a coleção Cadernos do povo brasileiro e criou o Violão de rua.

O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.

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