quinta-feira, 12 de julho de 2007

DEPOIMENTO DE HONESTINO GUIMARÃES

Aproximando-se dos 70 anos da UNE, em 2008 (diferentemente do que a a anterior e a atual Diretoria da UNE criminosamente vem divulgando), incluiremos neste blog muitos documentos e dados que sejam de interesse da sociedade brasileira sobre a participação dos estudantes nos fatos mais importantes da história do nosso país. Nas próximas inserções, a história inicial da União Nacional dos Estudantes (UNE) também marcará presença. Sobretudo para derrubar diversos mitos sobre a entidade.

UMA PEQUENA BIOGRAFIA MILITANTE DE HONESTINO GUIMARÃES: foi Presidente da Federação dos Estudantes da UnB, assim como Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) entre os anos de 1971 e 1973. Foi assassinado pela ditadura militar brasileira.

DEPOIMENTO DE HONESTINO GUIMARÃES*
*Transcrição feita por Otávio Luiz Machado para o Projeto “A Engenharia Nacional, os Estudantes e a Educação Superior: a Memória Reabilitada (1930-85)”

"A universidade deve formar técnicos e humanistas capazes de desenvolver a nação como um todo culturalmente brasileira e não se restringir à formação de elites. O estudante quer participar efetivamente da programação universitária, quer evitar imposição de sistemas absurdos, quer dialogar no sentido de solucionar os problemas e não quer o retrocesso cultural. O estudante não pede, não exige universidade rica, mas uma universidade que procure identificar-se com o desenvolvimento nacional com um sentido que não esteja ligado a esquemas outros que não os nacionais. Para lutar por isso é que o estudante já se reúne em grupos de trabalho a fim de estudar os objetivos de cada curso, dentro do contexto do desenvolvimento nacional. A reitoria deve deixar de ser ´torre de marfim´ onde não têm acesso estudantes com suas críticas e sugestões. A legislação poderia prever o enquadramento de representantes estudantis qualquer que fôsse sua ideologia – isso seria diálogo ... Estudante se recusa ao enquadramento da Lei Suplicy, porque se nega a fugir do processo democrático que elegeu por si mesmo e no qual quer se aprofundar cada vez mais. A reitoria deve deixar de ser ´torre de marfim´ onde não têm acesso os estudantes com suas críticas. ... A eleição de reitores é feita pelo conselho deliberativo da universidade e só pode eleger membros do mesmo conselho... A reitoria se mantém alheia aos problemas de habitação e alimentação de estudantes sem recursos. Faz-se necessário dar cumprimento ao artigo 168, inciso 3º da Constituição, referente à liberdade de cátedra. Atualmente o professor não precisa ter ficha ou culpa para ser cassado ou exortado, basta que esteja hipoteticamente ligado a qualquer pensamento mais envolvido ou que tenha visão política menos rígida. Tendo a universidade, a finalidade de atender às necessidades do ensino de uma determinada região, ela deve acompanhar o crescimento demográfico da região, ao invés de estar limitando o número de vagas. Um exemplo: Universidade de Brasília – Faculdade de Arquitetura: de 110 vagas passou para 450. isso significa estagnação, senão retrocesso. Analisando sob o ponto de vista humano, verificamos que o estudante da Universidade de Brasília é um indivíduo que tem todas as condições para se tornar neurótico, para atingir pontos extremos, como vem ocorrendo. Os alunos apresentam uma série de problemas sob o ponto de vista psicológico. No ano passado mesmo, creio que não foi por acaso que 3 alunos da universidade se suicidaram. Não foi por acaso mesmo. Existe, dentro da Universidade, então, isto: além de todo o tipo de pressões, da tensão de lutar com o curso condizente com o que ansiou, de não ter a mínima condição material, também não há nada em que o estudante possa canalizar um pouco de todo o seu potencial ou buscar qualquer outro ponto de complementação, de descanso mental e espiritual. É deprimente, é vergonhoso, e atinge a cada um de nós que temos responsabilidade em relação a isso. É uma situação que nem a Reitoria nem qualquer autoridade ligada à Educação pode esquecer e pensar que não é responsável por ela. Queria encerrar o assunto mostrando o critério absurdo em que a Reitoria coloca a situação atual, da Universidade, sob esse aspecto. Sobre a questão de alimentação, coloca o restaurante como prioritário, mas acontece que não existe nada de efetivo sobre a construção de um novo restaurante, e, até essa construção, a situação está aí oprimindo. A questão da habitação não é considerada prioritária, e os alunos estão colocados em uma situação de extrema penúria mesmo: não têm onde morar, tem que estudar e, para estudar, pressupõe que o indivíduo pelo menos tenha um teto e possa comer algo. Já não estenderia essa exigência ao setor do lazer, que é um ponto que, para nós, representaria muito mais do que pretendemos. Se conseguirmos moradia e alimentação ao estudante, já teremos conseguido grande parte do que nos propor. O lazer, inclusive dentro dos planos da Reitoria, é colocado em outros planos. É colocada, também, como prioritária a construção de novas salas de aulas. Realmente, existe, na Universidade, uma situação precaríssima em relação a salas de aula, a material de ensino para todos os cursos e a professores que ganham pouco e não têm estímulo para a pesquisa. Mas existe, também, isto: o estudante não pode estudar sem o mínimo de condições e este mínimo de condições vem sendo diminuído, restringido a cada momento. E atualmente, na Universidade, existe essa necessidade efetiva. Eu convidaria, inclusive, os Deputados aqui presentes para verem até que ponto pode chegar o descaso pelo estudante, a menos que se pretenda levar esse processo de seleção econômica a um grau mais refinado: o aluno que não tem condições de se manter não pode estudar, tem que voltar para o Estado de origem, e é um incapacitado, apesar de ter, passado por todo esse processo de afunilamento do vestibular. Estudantes não querem criar a crise, mas solucionar problemas para que a universidade não continue lhes roubando o tempo mas que lhes proporcione algo. O corpo discente pretende que a reitoria deixe sua atitude extremamente rígida e passe a aceitar o diálogo com o estudante, permitindo sua participação na escolha dos professores. Seja ressaltado que o estudante quer participar da escolha e não escolher ele só. Não há liberdade de estudo e de opiniões por parte dos estudantes, já que mesmo a liberdade de cátedra é combatida. Fala-se em autonomia universitária quando a simples eleição para cargos de direção no meio estudantil é motivo de automática intimação a depoimentos no DOPS. Estudantes que lutam pela melhoria dos seus cursos necessitam por isso mesmo de uma posição política – é posição conseqüente da própria luta. Solicitar verbas não é lutar contra reitores ou professores, nem mesmo contra o governo diretamente mas contra quem dita a eles a política educacional que é apenas um dos aspectos da exploração internacional. Toda a problemática universitária brasileira está situada basicamente na falta de verbas. A atribuição de cobrança de anuidades, em países subdesenvolvidos, e tentativa clara de elitização do ensino, assim, uma elite cada vez menor financiaria seu próprio ensino. Após constatação feita de que a América Latina, hoje, está dentro de um processo de dominação, e que para se resguardar o poder constituído tem de manter a ordem ou a situação vigente, o movimento estudantil como produto de análise, constata que a verba para as Fôrças Armadas aumentam proporcionalmente, enquanto a verba para a educação diminui proporcionalmente. Sugestão: que o aumento de verbas para a educação seja proporcionalmente superior ao aumento de verbas das Fôrças Armadas, pela prioridade que a educação deve ter porque só a educação pode levar o país ao caminho do desenvolvimento. Verbas que atendiam a habitação de alguns estudantes mais necessitados foram cortadas em 1965 devido o não enquadramento à lei Suplicy".


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Depoimento que consta no Relatório da CPI da Câmara dos Deputados, de Acordo com o Projeto de Resolução º 84, de 1969. Aprova as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar, entre outras coisas a estruturação atual do sistema de ensino superior do País, abrangendo universidades federais, estaduais, particulares, bem como faculdades isoladas. A CPI foi criada pela Resolução n. 37/67). Com o conteúdo do Relator


INFORME SOBRE O DEPOIMENTO DE HONESTINO
“7ª reunião, realizada em 7-3-69 (tarde), na Câmara dos Deputados, em Brasília. Foi ouvido, nessa reunião, o Senhor Honestino Monteiro Guimarães. Presidente da Federação dos Universitários de Brasília. Ao final do seu depoimento, a Comissão deliberou enviar ao Presidente ofício solicitando as medidas necessárias para que o Depoente tivesse assegurada sua disponibilidade para prestar novas informações à CPI, caso necessário. Isso devido a incidente ocorrido antes do início da reunião, quando elemento que se dizia da DOPS (Divisão de Ordem Política e Social) pretendeu junto ao Senhor Presidente e a outro membro dêste órgão sindicante obter autorização para gravar o depoimento do Senhor Honestino ou conseguir extraoficialmente, cópia do mesmo, o que não foi concedido”.

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