Darcy Ribeiro
A UNE ensinou o jovem a ser responsável pelo país
A UNE é das coisas melhores que aconteceram no Brasil. Foi a forma encontrada de conclamar a juventude privilegiada das universidades, que são três por mil dos jovens brasileiros, a exercer a sua responsabilidade em relação àquela imensa massa de gente que não tem como se expressar. A UNE sempre foi leal. Isso é lindo. Ela foi sempre leal a essa juventude jogada fora, lançada na miséria. Ela sempre atuou em relação aos interesses da juventude e encarou um papel de luta patriótica que salvou muito jovem. Porque muito jovem universitário poderia crescer como um bestinha, como um privilegiado, orgulhoso de seu doutorzinho. E a UNE os salvou, acenando com uma responsabilidade política e social. Num país que tem o intestino à mostra como o Brasil, num país com um drama social tão profundo, é muito importante que a juventude tenha uma atitude política de indignação. Um jovem inglês não precisa de indignação, porque a Inglaterra deu certo; a Austrália também. Mas o jovem brasileiro tem que ficar indignado: tanta criança com fome, tanto jovem lançado na miséria, tanta pobreza desnecessária; é inexplicável como o Brasil consegue fazer tanta gente com fome tendo tanto recurso para produzir. A UNE foi a encarnação dessa indignação durante anos. Eu participei, não no ano da criação, mas logo depois, na década de 40, das primeiras reuniões no Rio de Janeiro e, desde então, acompanhei com muito interesse a vida da entidade. Como ministro da Educação e como chefe da Casa Civil do governo Jango (presidente João Goulart) nós demos todo o apoio à UNE. Tanto que a UNE pode realizar um trabalho cultural no país inteiro. Eu fui muito criticado por causa dos recursos que eu passava para a UNE, mas o que eu passava não eram só recursos, eram também tarefas para a UNE exercer no país inteiro, chamando os jovens brasileiros à sua responsabilidade. A ditadura militar, quando se implantou, encheu-se de raiva contra a UNE. Uma das primeiras agressões a ela foi muito difícil, porque incentivou e tomou o edifício da UNE e, depois, passou a perseguir os estudantes. Uma das lutas principais contra a ditadura era a resistência dos estudantes que não se entregavam e continuavam fazendo reuniões clandestinas: eles foram muito perseguidos. A UNE teve muitas vítimas, através da história brasileira e nas lutas democráticas. Um dos instrumentos da ditadura específicos contra a UNE foi o Decreto 44, que era um decreto horrível, a cara pior da ditadura, porque impedia a juventude de estudar só porque tinha uma ideologia. Anulou a carreira de estudantes. Houve centenas de estudantes vitimados por ele. Nesse período todo, eu estava exilado, mas acompanhava de lá essa luta permanente dos estudantes brasileiros. A UNE, agora, com a redemocratização, começa a retomar o seu papel. É ainda difícil porque os partidos estão ocupando todo o espaço e ela ocupa um espaço menor do que tinha anteriormente, mas seus líderes começam outra vez a se elegerem, como ocorreu no passado, como pessoas que se preparam para a carreira política e são treinadas ali para exercerem o papel de líderes democráticos e combativos. Muitos políticos brasileiros foram formados através da UNE, surgiram dela, dos primeiros dias até hoje. Não havia outro modo. Havia no Brasil duas formas para que qualquer pessoa se Politizasse: uma, nos partidos, em duas orientações: o Partido Comunista e o Partido Integralista. Seja num, seja no outro, os jovens eram chamadas à militância política e a assumir o país. Eu, por exemplo, foi o Partido Comunista que me ensinou a ser responsável pelo destino do humano. O que quer que aconteça com o povo em qualquer lugar do mundo, eu sou parte E estou pronto a brigar por ele. E esse sentimento gera responsabilidade pelo humano. A UNE representava esse sentimento num sentido mais geral, havia militantes lá De todas as correntes políticas e era um criatório de jovens mais inteligentes, mais Ambiciosos, mais claros de cabeça, que ali aprendiam a ser responsáveis pelo Brasil, a se encher de indignação contra a miséria do povo.
Darcy Ribeiro é antropólogo e escritor. Criou a Universidade de Brasília (DF)
e é senador da República pelo PDT/RJ.
O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário