Chico Dias
A UNE atraiu o que havia de melhor na cultura brasileira
A ligação da União Nacional dos Estudantes com o Centro Popular de Cultura foi produtiva. O CPC, no final de 61, era o primeiro movimento aglutinador da intelectualidade brasileira – servindo de ponte com o movimento estudantil – e atuante politicamente, com predominância nos setores de música, teatro e literatura. A UNE, pela intensa ação política dos estudantes, era a grande ponta-de-lança da sociedade dita esclarecida do Brasil, ocupando papel de destaque na luta pelas reformas de base que o governo João Goulart pretendia promover no país, para grande pavor das classes conservadoras. Por isso, o casarão da Praia do Flamengo, que já tinha uma grande movimentação, depois que ali se instalou o CPC passou a ser o ponto de efervescência do processo político da época. Em seu auditório aconteceram os grandes debates sobre as reformas. Todos os fatos que antecederam a derrubada de Jango foram também questionados ou denunciados. Na parte cultural não era diferente. Com o início das atividades editoriais do CPC, lançando os Cadernos do povo e o Violão de rua, grandes
noites de autógrafos, com a presença de nomes como Vinícius de Moraes, Ferreira Gullar, Paulo Mendes Campos, Oscar Niemeyer (que através do CPC se revelou como poeta), Cassiano Ricardo e tantos outros intelectuais de renome atraíram para a sede da UNE o que havia de melhor no Rio de Janeiro e no Brasil da época. Isso tudo misturado com os grandes shows e debates sobre temas e propostas de importância, como a música popular brasileira, com a participação de compositores como Carlos Lyra, graças aos quais novos e velhos talentos, como Edu Lobo e o MPB-4, ou Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Kéti, foram revelados. A sede da Praia do Flamengo também foi palco de visitas memoráveis, algumas com repercussão no cenário internacional. Como a que foi feita pelos jovens guerrilheiros Fidel Castro, que, de passagem para Punta Del Este, onde a sorte da Revolução Cubana Estava sendo discutida numa reunião de cúpula do Continente, passaram uma tarde no prédio da UNE, buscando apoio, que foi obtido graças à clarividência política do chanceler San Thiago Dantas e de uma mobilização de opinião pública promovida pelo CPC. Numa recente conversa em Havana com um grupo de brasileiros, da qual participei, Fidel lembrou a importância dessa escola da UNE. Vi o casarão ser destruído. No final da tarde de 31 de março de 1964, deixei pela última vez o CPC levando um material que me foi entregue por Vianinha para ser deixado em outro local. O governo Jango agonizava e, com ele, todas as esperanças e sonhos de uma geração. Saí em um Citrõen estacionado defronte da UNE, tomada por estudantes, artistas, intelectuais e povo. O carro era dirigido por Vera Gertel, com Carlos Lyra no banco da frente. Atrás, Isolda Cresto, Grande Otelo e eu. Entreguei os documentos em algum ponto do Largo do Machado e voltei a pé, já no começo da noite. A UNE já havia sido invadida pelos grupos paramilitares de direita. Defronte do Praia Bar pude ver o velho pegando fogo.
Chico Dias é poeta e jornalista; teve seus poemas publicados na coleção Violão de Rua.
O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
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