UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE LINCOLN RAMOS VIANA A OTÁVIO LUIZ MACHADO
Depoimento realizado pelo projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre o desenvolvimentismo e o radicalismo (1956 e 1969)”.
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: LINCOLN RAMOS VIANA
LOCAL: JUIZ DE FORA-MG
DATA: 26 DE JULHO DE 2002
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: LINCOLN RAMOS VIANA
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
OBS: versão atualizada pelo entrevistado, outubro de 2004.
Local: Juiz de Fora-MG
Data: 28 de Julho de 2002
Duração: 1 hora
Fitas cassete: 1 (uma)
Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre o desenvolvimentismo e o radicalismo (1956 a 1969)”, 2004.
OTÁVIO LUIZ MACHADO*: Gostaria que falasse um pouco do Diretório Acadêmico da Escola de Minas (DA) do seu tempo, como o perfil do movimento estudantil e suas principais bandeiras.
LINCOLN RAMOS VIANA: o Diretório Acadêmico de quando nós entramos na Escola de Minas, que era uma escola muito fechada e muito apegada as tradições, também acompanhava ou era levado a ter uma atuação quase que padronizada com essa tradição da Escola de Ouro Preto. Era um conjunto de engrenagens que funcionava harmonicamente. Não havia contestações e tudo devia ser permitido e liberado pela diretoria da escola. E quando nós entramos conseguimos quebrar esse clima pesado que existia. Transformamos o processo eleitoral para o Diretório Acadêmico (da Escola de Minas de Ouro Preto). A nossa chapa era composta por maioria de alunos do 2o ano. Alunos que ainda nem haviam feito a opção do curso de engenharia a ser seguido. A chapa concorrente era composta de alunos do 4o e do 5o ano. Modificamos a forma de propaganda e a forma de levar para os colegas as nossas proposições. Foram feitos cartazes e faixas, colocados no saguão de entrada da escola, coisa jamais acontecida na casa de (Claude-Henri) Gorceix. Visitávamos as salas de aula e pedíamos ao professor licença para em 10 minutos expor nossa mensagem. Depois de uma eleição muito concorrida e apertada onde se voltou 98% dos estudantes, com uma diferença de apenas 08 votos, nossa Diretoria foi eleita . Num primeiro momento o Diretório Acadêmico, sem deixar de lado as brincadeiras e comemorações com os calouros, introduziu novas idéias para recepcionar os novos calouros. Fazíamos reuniões com grupos de 10 alunos e falávamos sobre a realidade brasileira, a ditadura militar, a Escola de Minas, seus problemas e sobre as dificuldades que iriam enfrentar ao longo do curso. Que era necessário se posicionar sobre essas questões e unir-nos para resolvê-las. E o trabalho do Diretório em resumo tinha duas faces: uma era o trabalho do Diretório Acadêmico dentro da própria Universidade, trabalho esse que consistia em resolver aqueles problemas mais imediatos para os alunos como moradias e o problema dos professores catedráticos, que eram na verdade donos das cadeiras, e reprovavam em massa. Aí cabe abrir um parêntese: esses professores vinham de longa data mantendo aquela tradição e aquele nome da Escola de Minas como o de uma escola apertada e de bom ensino. Ao passo que o governo militar após 64 havia ampliado e massificado a entrada das universidades, obrigando que todas as Universidades Federais preenchessem todas as vagas[1]. Ou seja, deixou de se ter o critério de rendimento determinado no vestibular para o preenchimento total das vagas independente dos conhecimentos que aqueles alunos que estavam ingressando tivessem. Isto por um lado. Por outro, os professores não foram capazes de se adaptarem a essa nova realidade. Estava-se se baixando o nível de entrada na universidade, e mantinham aquele mesmo nível de cobrança nos primeiros anos, evidente que a reprovação seria muito grande. Então, determinados professores começaram a reprovar turmas inteiras, reprovavam cem alunos, e isso conduziu o Diretório começasse a fazer movimentos para afastamento de determinados professores, porque até aquele ano entravam em torno de 20 alunos, e depois passaram a entrar mais de 100. Ouro Preto é uma cidade histórica e turística de difícil liberação para construções, e as construções exigem a manutenção de determinados padrões. E havia uma escassez muito grande de moradias. As repúblicas estavam lotadas, os alunos que provinham do interior de Minas e de cidades pequenas com pais de baixo poder aquisitivo não tinham condições evidentemente de formar novas repúblicas ou pagar hotéis e pensões. Isso nos levou a forçar a Escola a olhar o problema de compra ou abertura de novas repúblicas. Com isso conseguimos mobilizar os alunos e foi feito um acampamento pela primeira vez na história de Ouro Preto, na Praça Tiradentes, com barracas, faixas e cartazes, onde pernoitamos por aproximadamente uns trinta dias. Até que a Universidade formou uma comissão e liberou verba para a compra de moradias. Outro trabalho do Diretório também na parte interna era a questão da alimentação, o REMOP (Restaurante da Escola de Minas de Ouro Preto), sempre buscando melhorar a qualidade da alimentação. Tinha problemas como pouca verba e o preço, e formamos uma pequena loja junto ao REMOP para a venda de material escolar para os alunos com o preço abaixo do custo. Em resumo, na parte interna era esse o trabalho do Diretório. Já na parte política nós passamos a ter um vínculo muito forte com todas organizações a nível nacional. Assim, participávamos de todas as reuniões em Belo Horizonte, e também dos Congressos a nível nacional, como foi o Congresso de Ibiúna. César Maia (atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro) era membro do D.A. que fazia os contatos com os órgãos estudantis estaduais e nacionais e participava dos diversos congressos estudantis. Ele foi preso no Congresso de Ibiúna representando o D.A. de Ouro Preto[2]. Eu e os demais membros do D.A. cuidávamos mais dos problemas locais.
Quais eram os membros do seu Diretório?
O Diretório era eu como Presidente, o Vice-Presidente, Athaualpa Valença Padilha, o 1o Secretário, Serafim Carvalho Melo, o 2o Secretário, Benedito França Barreto, o 3o Secretário, Douglas Senju Morishita e o Tesoureiro, Cesar Epitácio Maia.
E o acampamento que vocês promoveram em plena Praça Tiradentes reivindicando repúblicas? Qual o principal resultado deste acampamento?
O principal resultado deste acampamento foi que a Escola destinou verba específica para resolver o problema de moradia. Foram compradas algumas casas antigas que foram transformadas em “repúblicas”. Houve também alguns problemas que a gente enfrentou, porque a comissão nomeada pela Escola para aplicação desta verba para a compra de casas era formada por uma maioria de professores e somente por um membro do Diretório Acadêmico. E os professores da própria Escola começaram a ofertar as suas casas com preços muito acima do mercado. E o Diretório em duas oportunidades foi derrotado, e estas casas foram compradas por preços inflacionados.
De que maneira estava ligado o movimento de Ouro Preto com o de Belo Horizonte? Havia a nível de Diretórios e a nível de partidos políticos?
Creio que a maioria dos diretórios acadêmicos estavam comandados por estudantes de esquerda. Estes, por sua vez, estavam quase sempre, vinculados a um partido político ou organização também de esquerda, como por exemplo o Partido Comunista Brasileiro (PCB), Corrente Revolucionária de Minas Gerais (Corrente), POLOP (Organização Política Marxista – “Política Operária”) etc. Para participar dos congressos estaduais ou nacionais os diretórios enviavam representantes que eram ligados a esses partidos. Nas reuniões do D.A. abordava-se toda a luta estudantil contra a Ditadura, dando ênfase aos problemas do movimento estudantil, suas reivindicações e estratégias de atuação. Eram reuniões abertas.
Na Corrente qual era o tipo de atuação de vocês?
A nível de organização Corrente nas reuniões com representantes vindos de fora participavam também pessoas do núcleo de Ouro Preto, que não eram estudantes. Eram reuniões com normas de segurança e em locais fechados. Discutia-se formas de luta contra a ditadura, a confecção de folhetos e os artigos do jornal que distribuíamos mensalmente em Saramenha, a fábrica de alumínio (a empresa ALCAN, Alumínios Canadenses S.A.). O pessoal de fora, geralmente de Belo Horizonte, dava as notícias mais atuais da organização e fatos ocorridos na luta armada que a imprensa não noticiava. O tipo de atuação era fazer um trabalho sempre procurando esclarecer aos estudantes e a população de Ouro Preto sobre o momento político, sobre o governo militar da época e da sua falta de abertura, bem como as suas medidas de arrocho. Então, consistia em panfletagem, em pixações etc.
E ações armadas?
Posteriormente o pessoal de Belo Horizonte começou a recrutar pessoas do núcleo de Ouro Preto para ações armadas em outras cidades. Em uma ocasião viajei a Belo Horizonte, onde me foi fornecido uma arma para uma ação que consistia em resgatar num pronto-socorro um companheiro que lá estava preso e recém operado. Após duas tentativas a operação foi abortada, pois, não foram “expropriados” os veículos necessários. Em Ouro Preto, fazíamos pixações e panfletagem nas reuniões cívicas, como o 21 de abril, sempre nos manifestávamos com cartazes, boletins e pichações[3]. O Hélcio (Pereira Fortes) e o Cauzinho (Antônio Carlos Bicalho Lana) foram dois que iniciaram suas trajetórias de luta contra a ditadura em Ouro Preto. Após a minha saída de Ouro Preto, soube que pelo menos um aluno da Escola de Minas participou de ações armadas em Belo Horizonte[4].
Você e o Pedro (Carlos Garcia Costa) tiveram aquele problema de desligamento[5] da Escola de Minas pelo Decreto-Lei 477[6]?
Quando o movimento estudantil a nível nacional adquiriu uma força muito grande com as passeatas do Rio de Janeiro, o governo militar para tentar diminuir esta força baixou um decreto-lei dizendo que todo aluno de uma universidade que fosse tido como “subversivo”, ou seja, que tivesse participação em atividades políticas poderiam ser enquadrados neste Decreto e ser impedido de estudar em qualquer universidade durante três anos. Então, lá em Ouro Preto eu e o Pedro fomos enquadrados neste decreto. Foi simplesmente uma conversa de uma meia-hora com algumas perguntas com o secretário da Escola. Fechou-se o processo e o Ministro da Educação da época (Tarso Dutra) assinou uma portaria nos enquadrando[7]. E fomos expulsos da Escola de Minas de Ouro Preto. Eu estava passando do 4o para o 5o ano de Geologia, faltava apenas fazer as provas finais. Nem isto foi permitido e perdi todo o 4o ano. Era 17 de Novembro de 1969[8].
Quem fazia esta expulsão era o Diretor da Escola[9]? Ele quem finalizava o processo[10]?
Creio que o processo de expulsão tinha o seguinte andamento: algum órgão do governo comunicava ao Diretor da Escola que tais alunos estavam envolvidos no movimento estudantil e liderava manifestações contra o governo. Cabia ao diretor montar o processo de averiguação e encaminhar ao governo suas conclusões. Em nosso caso, O diretor da Escola na época (Antônio Pinheiro Filho) era uma pessoa frágil em termos de posição política e ao qual havíamos dado muitas dores de cabeça. Isto posto, ele fechou o processo e encaminhou para o Ministro da Educação e recebeu a ordem para a expulsão, a qual cumpriu no mesmo dia. Houve diretores, que não compacturaram com a ditadura, que conseguiram impedir e não enquadraram nenhum aluno. Em nosso caso, nem retardar o processo por alguns dias, para concluirmos o ano, o Diretor não teve o desejo e a coragem necessários[11]. Em nossa Escola, o diretor não foi capaz de impedir a interferência dos militares nos assuntos universitários. Foi simplesmente um cumpridor de ordens. Creio que nem mesmo convocar uma reunião da Congregação para avaliar o assunto, foi capaz de fazer[12].
E quando vocês foram desligados qual a primeira providência que vocês tomaram? Vocês praticamente ficaram expostos e sem nenhum respaldo institucional?
É, ficamos expostos. Houve muito apoio no sentido de oferecer ajuda material. O Diretório (Acadêmico), sob a Presidência do José de Lourdes Ribeiro (Motta) nos deu suporte. Alguns estudantes foram solidários, e me lembro que o João Bosco me procurou para ver uma maneira de ajudar e alguns professores também. Teve um professor do curso de Engenharia Civil que se ofereceu para empregar-me em Belo Horizonte. Mas não houve uma reação forte por parte do D.A. contra a medida. Conforme disse, estávamos fechando o ano de 1969. Toda a escola estava em processo de provas finais. O momento era o mais adequado para a nossa expulsão. Não me lembro que o D.A. tenha realizado qualquer movimento para denunciar a violência que se processava ou a publicação de algum boletim[13]. Creio que o D.A. não aproveitou o acontecimento para qualquer mobilização política[14].
E vocês acharam melhor ir para o Chile?
A minha opção de sair foi justamente porque eu não poderia antes de três anos concluir o meu curso. E a questão do Chile foi mais por causa da proximidade, a facilidade de ir e de ter outros brasileiros por lá. E por isso foi escolhido Santiago do Chile. Além do mais, o país tinha uma longa tradição democrática e estava em curso o processo eleitoral para eleição presidencial.
E quais pessoas de Belo Horizonte ou Ouro Preto que conhecia que estavam lá?
De Ouro Preto que eu me lembro que estava lá era o Cesar (Maia), que já havia passado por Ouro Preto. De Belo Horizonte eu já não me lembro mais. Mas tinha muitos brasileiros. Foi o César Maia quem me hospedou na chegada a Santiago. Depois o Márcio (Antônio Pereira) que foi aluno e professor da Escola (de Minas) que trabalhava no ILAFA (Instituto Latino-Americano de Ferro e Aço) empregou-me e pude continuar os meus estudos. Todos os sábados reuníamos uns 30 brasileiros para jogar futebol e depois íamos tomar cerveja, contar casos e cantar em um bar.
Vocês também foram por questão de segurança porque vocês estavam expostos?
Por questão de segurança e também para concluir os estudos. Naquela época corria-se o risco de ser preso e desaparecer.
Você continuou ou começou um novo curso?
Lá eu consegui ingressar apenas no 3º ano. E ainda tive de fazer os exames de aprovação naquelas cadeiras principais do 1º e 2º ano.
Como foi a ida para o Chile?
Consegui sair do Brasil graças a dona Dalila (Ribeiro de Almeida) Maia[15], mãe do César Maia, que já estava morando em Santiago. O apoio desta senhora foi maravilhoso em momento de total insegurança e sem perspectivas no Brasil a não ser aguardar um julgamento militar e a condenação. A dona Dalila voltou a me ajudar em 1973, quando retornei ao Brasil. Ao desembarcar no (Aeroporto do) Galeão, no Rio de Janeiro, fui retirado às escondidas do aeroporto e graças à dona Dalila é que escapei de ser torturado ou “desaparecido”.
E num IPM (Inquérito Policial Militar) o Pedro Garcia e você foram enquadrados por questões da Corrente?
Eu fui intimado por edital para apresentar-me ao Coronel[16] que presidia o inquérito sobre a Corrente. Apresentei-me, prestei depoimento e recebi ordens de permanecer na residência de meus pais e aguardar o julgamento. Isto foi em julho de 1969. Portanto, o início do inquérito militar foi antes do meu desligamento da Escola de Minas e antes da minha ida para o Chile. O enquadramento no inquérito não foi a causa da expulsão da Escola, pois o Pedro (Carlos Garcia Costa) não foi arrolado no inquérito da Corrente e mesmo assim foi expulso. Em novembro de 1971, quando já estava residindo no Chile por quase 2 anos, fui julgado pela justiça militar a seis meses de reclusão. Quando retornei ao Brasil em outubro de 1973, ainda tive que cumprir esses seis meses e outros seis, pois o (Superior) Tribunal (Militar) (STM) aceitou o pedido de aumento da pena feito pela promotoria.
Como era formação dos líderes da Corrente? Como era o trabalho de leituras, cursos....
Eram reuniões onde discutíamos a realidade brasileira, os acontecimentos no mundo e o dia-a-dia dos problemas estudantis. Havia também os grupos de estudos. Escolhíamos livros para serem lidos e posteriormente havia reuniões para troca de idéias sobre os livros. Era necessário conhecer o pensamento de Marx, Engels, Lênin, do socialismo, do materialismo dialético e do capitalismo, para conhecer, enfim, a evolução do mundo. Tudo isto era para despertar em cada um o espírito de participação nas atividades estudantis, no trabalho, no seu meio, com vistas a ferir a ditadura. Era para fazer com que os jovens deixassem de ser alienados e passassem a saber o pôrque das coisas, enfim, conhecer e entender seu mundo e a realidade brasileira. As reuniões eram feitas nas repúblicas ou no restaurante da Escola (REMOP) após o seu fechamento. Não tenho dúvidas de que todos aqueles que participaram dessa outra “escola” se enriqueceram como pessoas e ampliaram seus conhecimentos independentemente da posterior opção política.
Como se fazia para ser membro da Corrente? Havia assim algum recrutamento de pessoas que no meio estudantil poderiam participar?
Nós selecionávamos aqueles alunos que mostravam um maior interesse sobre os problemas da própria escola, sobre a vida no dia-a-dia da república, inclusive aqueles que procuravam mais o Diretório e procuravam ter conhecimento do que estava se passando. Essas pessoas nós convidávamos para participar de uma reunião com o grupo de leitura, e depois explicávamos que tínhamos a Corrente, que era para lutar contra o governo militar em termos de liberdade. E assim era um novo membro que aparecia.
E as precauções quanto aos aspectos de segurança do movimento? Quais tipos de precauções cada militante tinham?
Aqueles que faziam parte do D.A. eram conhecidos como pessoas de esquerda, pois nossas atividades como discursos nas assembléias, artigos e editoriais do Jornal “O Martelo” deixava clara nossa posição. As precauções eram muito simples, pois tínhamos de viver a nossa vida estudantil, morávamos nas repúblicas e dentro da própria escola, haviam os colegas de direita e alguns com contato com os órgãos de segurança aos quais passavam informações. Havia um aluno que era do exército[17] e possivelmente dava informações sobre todos nós. Vivíamos em clima de preocupação, pois, a qualquer momento poderíamos sofrer repressão e nunca tínhamos conhecimento de até onde nossas atividades seriam toleradas. Nos dias seguintes da distribuição do jornal em Saramenha ficávamos em alerta e em sobressalto. Nunca sabíamos se tínhamos sido vistos no trabalho de distribuição, se a impressão do jornalzinho, que era feita no DA, não deixara suspeitas. As reuniões políticas da Corrente de vez em quando eram feitas em local rural no meio da pastagem e debaixo de uma árvore. Estávamos sempre com a preocupação de vez a república invadida no meio da noite pelo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Não tenho dúvidas que éramos presas fáceis (para o aparato de repressão do regime).
Na (República) Canaan chegou a se ter invasões da repressão para as chamadas “averiguações”?
Nas datas de acontecimentos cívicos quando as autoridades se deslocavam para Ouro Preto, como o 21 de Abril, a polícia costumava fazer uma varredura para evitar manifestações contrárias. Eu saía da República Canaan e ia dormir em outro local. Dormia muito na loja de artigos de pedra-sabão do Maurício Danese[18], na Praça Tiradentes. Na República Canaan foram me procurar umas duas vezes. Teve um caso interessante: um xará meu que morava numa república perto da igreja de São Francisco (de Assis), que era gago, na hora que a polícia invadiu a República Consulado, estava no quarto. Eles bateram na porta: “quem está aí?”. O xará gaguejando respondeu: “É o Lincoln”. Quando abriu a porta ele já levou porradas. Aí até ele explicar, levou bons tapas. Assim me contaram[19].
E aí eles recolhiam livros principalmente?
Recolhiam livros, pegava martelo, facão, mochila, e cantil, material usado por quem fazia geologia. Eles recolhiam aquilo como se fosse material de guerrilha. Recolhiam também as fotos que encontravam.
Quando você quando estava em Ouro Preto talvez não dava para perceber os riscos. Por exemplo, o CENIMAR (Centro de Informações da Marinha) pediu informações sobre você, conforme aqueles documentos do DOPS (que foram pesquisados)[20]. E o CENIMAR é considerado um dos órgãos que auxiliou expurgos da ditadura militar.
Perfeito. Otávio, naquela época, quando a gente ingressava num movimento deste tipo, tínhamos a consciência do risco de poder ser preso, mas ainda não estava naquela de imaginar, por exemplo, “desaparecimento”, que depois vimos tornar-se numa prática não só no Brasil como toda a América do Sul. Não tínhamos também uma idéia precisa de quem estava mais ou menos visado. Nós tínhamos idéia de que estávamos realizando atividades junto a Escola de Minas de Ouro Preto e pichações e boletins na cidade, mas não tinha idéia de que pudesse ter outros órgãos ou pessoas vendo aquelas atividades como algo de muito peso, capaz de ameaçar a ditadura e que merecesse uma repressão forte. Sabíamos que Ouro Preto era uma cidade histórica e turística, com apenas uma grande indústria (a ALCAN), que dificilmente poderia colocar em risco a “ordem” que a ditadura queria para o Brasil. Posteriormente, quando Ouro Preto passou a ceder quadros para a luta armada era previsível esperar reações mais fortes por parte da repressão. Creio, que eu possa ter sido denunciado ao CENIMAR por pessoas ligadas à Escola de Minas e à fábrica de alumínio (a ALCAN), onde o nosso trabalho começou a gerar reivindicações e pequenas sabotagens. Já em Santiago do Chile me afastei das atividades políticas me limitando a viver e aprender com o processo chileno e dediquei-me aos estudos de Geologia. Afastei-me de qualquer partido ou de organizações.
E o professor na congregação que deu algumas dicas de cuidado com a atuação?
Foi o professor (Walter José Von) Krüger[21] que uma vez me chamou e disse que a atuação junto ao Diretório Acadêmico para defender os interesses dos estudantes tinha que ser feito mesmo e com toda a vontade, mas que qualquer movimento junto aos funcionários e trabalhadores da empresa Saramenha (ALCAN) devia ser evitado, para não se misturar as coisas. Eu acho que foi quase um conselho de amigo e de uma pessoa mais experiente na época, que estava percebendo o perigo que eu estava correndo. Ele me deu um alerta.
* Parte do depoimento integral prestado ao historiador Otávio Luiz Machado. E-Mail de contato: otaviosemprebrasil@yahoo.com.br
[1] Nota do pesquisador: o objetivo de se expandir a educação superior brasileira estava em 1966 ainda sob a égide das decisões de anos anteriores. Para Cunha, “quanto ao Plano Nacional de Educação, de 1962, foi revisto pelo CFE, seu autor, em 1965. No tocante ao ensino superior, a revisão mantinha os objetivos anteriores de se admitir nesse grau, em 1970, pelo menos a metade dos concluintes do grau médio em 1969, assim como de se manter pelo menos 30 % de professores e alunos em regime de tempo integral” (CUNHA, Luiz Antônio. A universidade reformanda: o golpe de 1964 e a modernização do ensino superior. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988, p. 73). Novas legislações, a partir do Decreto-Lei nº 53, de 18 de novembro de 1966, seriam medidas continuadas para forçar uma modernização das faculdades e universidades, inclusive com expansão das vagas para estudantes. Em Ouro Preto, já se buscava medidas concretas em 1965, com a apresentação do anteprojeto da obra de construção da “cidade universitária da Escola Federal de Minas de Ouro Prêto” pelo escritório técnico do arquiteto Sérgio Bernardes, feito a pedido da Fundação Gorceix em parceria com a Escola de Minas, e que previa também a construção de moradia para estudantes levando-se em consideração a atração de diversos alunos que tais medidas ocasionariam com a pouca disponibilidade de imóveis em Ouro Preto. Dois documentos sobre a questão universitária no pós-64 merecem ser consultados: Brasil. MEC/CFE. Plano educacional do presidente Castelo Branco. Documenta, ago. de 1964, n. 28, p. 16-21. XX) Brasil. MEC/Diretoria do Ensino Superior. A universidade e a Revolução Nacional. 1964. s/p.
[2] Nota do pesquisador: Cesar Maia não foi representando oficialmente o Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto embora, pelas ligações que tinha com a cidade até então – já tinha saído da Escola de Minas e estava profissionalizado politicamente no movimento estudantil e político de Belo Horizonte – , tornou-se o seu representante legítimo. Cesar foi enviado pelo comando da Corrente Revolucionária de Minas Gerais, segundo depoimentos do próprio Cesar Maia, bem como do comando do setor universitário desta organização, Mário Roberto Galhardo Zanconato (“Xuxu”), líder que só saiu da prisão após o seqüestro de um embaixador. A libertação de quinze militantes presos em diversos cárceres do Brasil foi o preço do resgate no seqüestro do embaixador norte-americano, Charles Elbrick, em 04 de setembro de 1969. A ação do seqüestro foi organizada pela ALN (Ação Libertadora Nacional e pelo MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro), e as exigências foram prontamente atendida pelo governo, que ficou sem opção de impor nada naquele momento. Infelizmente, em Ouro Preto, tais fatos são pouco conhecidos.
[3] Nota do Pesquisador: as comemorações do 21 de abril tornaram-se verdadeiras anti-comemorações durante o período da ditadura militar. Dois depoimentos apresentam alguns destes momentos, como o de 1966 e o de 1980: 1) “O 21 de abril de 1966 ficou na história. Costa e Silva era Ministro da Guerra e veio até Ouro Preto. E foi realizada uma manifestação, onde vários estudantes em muitos ônibus vieram dispostos inclusive a ser presos. Conseguiram surpreender e saíram daqui sem serem presos. Aí teve uma assembléia no DCE da Gonçalves Dias em Belo Horizonte com o povo que chegou de Ouro Preto. E dali ocorreu uma arrancada para uma chapa da UEE muito combativa, que é muito vinculada ao 21 de abril de Ouro Preto. Ali também era um lugar de manifestação que fazia o Governo Militar. Sempre fez manifestações de apoio à ditadura utilizando o 21 de abril. Portanto, os estudantes se mobilizavam para protestar no 21 de abril (MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Nilmário Miranda a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”, 2003); 2) “Em abril de 1980, marcamos para o dia 21 a abertura da segunda greve dos professores, devido ao fato de que o governo do Estado deixou de atender a determinadas reivindicações que nós considerávamos centrais na pauta negociada com o governo em 1979. Nós decidimos que começaríamos novamente a greve e que a iniciaríamos em Ouro Preto. Por coincidência, Francelino Pereira (o Governador do Estado) e João Batista Figueiredo (o Presidente da República) estariam na cidade no mesmo dia. Como o ato de abertura da greve coincidiria com o evento do 21 de abril, o nosso trabalho foi o de tentar determinar um outro local. Na época eu era presidente da sub-sede do Sindicato de Ouro Preto e era naquele momento o representante do sindicato na cidade onde se abriria a greve. Então, com isso me foram atribuídas responsabilidades de organizar e montar toda uma infra-estrutura para este ato. (...) Aí bomba nenhuma explodiu em Ouro Preto, mas as coisas explodiram para nós em Ouro Preto. E explodiu no dia 17 de abril (de 1980), que ocorreu de uma maneira absolutamente surpreendente para nós” (MACHADO, Otávio Luiz (org). Depoimento de David Maximiliano de Souza a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto, Projeto Reconstrução Histórica das Repúblicas Estudantis da UFOP, 2004).
[4] Nota do Pesquisador: Newton Morais, estudante de engenharia geológica da Escola de Minas de Ouro Preto, “caiu” em janeiro de 1971 depois de frustrada tentativa de “expropriação” (ou assalto numa explicação mais do senso comum) de uma agência bancária em Belo Horizonte (Banco Nacional de Minas Gerais), sendo preso, torturado e posteriormente expulso da Escola de Minas de Ouro Preto. Pelos dados dos órgãos oficiais, nesta ocasião, numa troca de tiros entre a polícia e os revolucionários, foi atingido um estudante que apenas passava pelo local sem estar envolvido – chamado Marcelo Costa Tavares – pelos disparos não intencionais de Newton Moraes.
[5] Nota do Pesquisador: nos levantamentos iniciais acerca dos estudantes desligados da Escola de Minas de Ouro Preto tivemos a colaboração do Professor Fernando ABC.
[6] Nota do Pesquisador: vale aqui uma nota com o DECRETO-LEI No 477, de 26 de fevereiro de 1969: “Define infrações disciplinares praticadas por professores, alunos, funcionários ou empregados de estabelecimentos de ensino público ou particulares, e dá outras providências. O Presidente da República, usando das atribuições que lhe confere o parágrafo 1o do Art. 2o do Ato Institucional no 5, de 13 de dezembro de 1968, decreta: Art 1o Comete infração disciplinar o professor, aluno, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino público ou particular que: I - Alicie ou incite a deflagração de movimento que tenha por finalidade a paralização de atividade escolar ou participe nesse movimento; II - Atente contra pessoas ou bens, tanto em prédio ou instalações, de qualquer natureza, dentro de estabelecimentos de ensino, como fora dele; III - Pratique atos destinados à organização de movimentos subversivos, passeatas, desfiles ou comícios não autorizados, ou dele participe; IV - Conduza ou realiza, confeccione, imprima, tenha em depósito, distribua material subversivo de qualquer natureza; V - Seqüestre ou mantenha em cárcere privado diretor, membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino, agente de autoridade ou aluno; VI - Use dependência ou recinto escolar para fins de subversão ou para praticar ato contrário à moral ou à ordem pública. § 1o As infrações definidas neste artigo serão punidas: I - Se se tratar de membro do corpo docente, funcionário ou empregado de estabelecimento de ensino com pena de demissão ou dispensa, e a proibição de ser nomeado, admitido ou contratado por qualquer outro da mesma natureza pelo prazo de cinco anos; II - Se se tratar de aluno, com a pena de desligamento e a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino por prazo de três (3) anos. § 2o Se o infrator for beneficiário de bolsa de estudo ou perceber qualquer ajuda do Poder Público, perdê-la-á, e não gozar de nenhum desses benefícios pelo prazo de cinco (5) anos. § 3o Se se tratar de bolsista estrangeiro será solicitada a sua imediata retirada do território nacional. Art. 2o A apuração das infrações a que se refere este Decreto-Lei far-se-á mediante processo sumário a ser concluído no prazo improrrogável de vinte dias. Parágrafo único. Havendo suspeita de prática de crime, o dirigente do estabelecimento de ensino providenciará, desde logo a instalação de inquérito policial. Art. 3o O processo sumário será realizado por um funcionário ou empregado do estabelecimento de ensino, designado por seu dirigente, que procederá as diligências convenientes e citará o infrator para, no prazo de quarenta e oito horas, apresentar defesa. Se houver mais de um infrator o prazo será comum e de noventa e seis horas. § 1o O indicado será suspenso até o julgamento, de seu cargo, função ou emprego, ou, se for estudante, proibido de freqüentar as aulas, se o requerer o encarregado do processo. § 2o Se o infrator residir em local ignorado, ocultar-se para não receber a citação, ou citado, não se defender ser-lhe-á designado defensor para apresentar a defesa. § 3o Apresentada a defesa, o encarregado do processo elaborará relatório dentro de quarenta e oito horas, especificando a infração cometida, o autor e as razões de seu convencimento. § 4o Recebido o processo, o dirigente do estabelecimento proferirá decisão fundamentada, dentro de quarenta e oito horas, sob pena do crime definido no Art. 319 do Código Penal, além da sanção cominada no item I do § 1o do Art. 1o deste Decreto-Lei. § 5o Quando a infração estiver capitulada na Lei Penal, será remetida cópia dos atos à autoridade competente. Art. 4o Comprovada a existência de dano patrimonial no estabelecimento de ensino, o infrator ficará obrigado a ressarci-lo, independentemente das sanções disciplinares e criminais que, no caso, couberem. Art. 5o O Ministro de Estado da Educação e Cultura expedirá, dentro de trinta dias, contados da data de sua publicação, instruções para a execução deste Decreto-Lei. Art. 6o Este Decreto-Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
[7] Nota do Pesquisador: a Portaria nº 54, de desligamento dos estudantes Lincoln Ramos Viana e Pedro Carlos Garcia Costa, datada de 17 de novembro de 1969 diz o seguinte: “Em presença do DSIEC/SEP/OF. CONF. Nº 629/69, de 07 de novembro de 1969, do Snr. Diretor da DSIEC, Gen. WALDEMAR RAUL TUROLA, hoje recebido, o Diretor Geral da Escola Federal de Minas de Ouro Prêto, no uso de suas funções e cumprindo o despacho proferido pelo Snr. Ministro da Educação e Cultura, Deputado TARSO DUTRA, no Processo Disciplinar a que responderam os alunos LINCOLN RAMOS VIANA e PEDRO CARLOS GARCIA COSTA, ambos capitulados pelo Snr Ministro na sanção prevista no inciso II do * 1º, do art 1º, do Decreto-Lei n. 477, de 26-02-69, RESOLVE: aplicar-lhes a pena de desligamento como alunos da ESCOLA FEDERAL DE MINAS DE OURO PRÊTO, CURSO DE ENGENHARIA GEOLÓGICA, com a proibição de se matricular em qualquer outro estabelecimento de ensino pelo prazo de 3 (TRÊS) anos. PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE. ANTÔNIO PINHEIRO FILHO – DIRETOR GERAL EFMOP” (documentação do DOPS, Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte-MG).
[8] Nota do Pesquisador: o diretor, respondendo quatro dias depois do desligamento dos dois estudantes da Escola de Minas de Ouro Preto a um ofício do Diretório Acadêmico da Escola de Minas sobre a situação dos estudantes da República Gaiola de Ouro que passavam por dificuldades, respondeu ironicamente que os estudantes deveriam procurar vagas em outros lugares, como nas repúblicas que moravam os estudantes desligados arbitrariamente: “Com o afastamento dos Snrs. LINCOLN RAMOS VIANA e PEDRO CARLOS GARCIA COSTA surgiram duas vagas, respectivamente na República Canaã e na República Castelo dos Nobres” (ofício do diretor ao DA, datado de 21 de novembro de 1969).
[9] Nota do Pesquisador: O Diretor-Geral ainda pretendeu aplicar o Decreto-Lei 477 em formandos em 1970, segundo o Jornal O Martelo: “fomos surpreendidos por mais uma investida da Diretoria da Escola no tolhimento de nossas mais justas reivindicações. Eis que surge a postaria 45 de 9-11-70, enquadrando os colegas formandos do 5º ano de Geologia no Decreto-Lei número 477, o qual por mais de uma vez foi examinado e debatido pelo Sr. Jarbas G. Passarinho, Ministro da Educação e Cultura, visando sua revogação. Ressalte-se que nossa Escola pressupondo a culpabilidade dos nossos Colegas, veio, arbritràriamente, aplicar este Decreto-Lei. Notem a má intenção da Diretoria da Escola em não resolver seus problemas internos, por meio do seu Regimento. Colegas, é absurdo que não se possa sequer reivindicar justeza de critérios na arbitrariedade de um ato de Vedetismo de um professor, o qual não admitindo nunca ser contestado, recorreu a meios mais escusos para intimidar, e a seguir tentar a punição dos Colegas, formandos, simplesmente por veleidade” (Novembro de 1970). O professor a que a matéria se referia era Joaquim Maia.
[10] Nota do Pesquisador: Ainda sobre a tentativa de se desligar os formandos de 1970, o próprio Governo de Emílio Garrastazu Médici teve que intervir nos assuntos da Escola de Minas, que segundo consta, estava mais autoritário que o próprio regime, conforme depoimento de Caiafa: “O Maia, após atender a algumas solicitações, passou a interpretar as interrupções como uma contestação, um ato de rebeldia, uma insubordinação ou qualquer outra forma de protesto que não seria adequado a uma instituição como a Escola de Minas e muito menos a ele próprio. Pediu a aplicação do 477 a uma turma inteira de alunos. Dias depois chegou à Escola de Minas, no meio da tarde, o professor Newton Sucupira, que era o braço direito do Ministro da Educação (Jarbas Passarinho). Apresentou-se na portaria (o porteiro era o senhor Wilson) e disse que queria falar com o diretor da escola (que era o Pinheirinho). O senhor Wilson disse-lhe que o Doutor (Antônio) Pinheiro (Filho) já havia se retirado e de imediato recebeu do Professor Newton Sucupira a ordem de chamá-lo à escola naquele instante. E o doutor Pinheiro teve que ouvir do professor Sucupira para que servia o decreto 477. Posteriormente, a revista Veja fez até uma reportagem sobre este fato, mostrando uma fotografia do Maia andando pelas ruas de Ouro Preto com um imenso medalhão dependurado em uma corrente no pescoço, legendada com a frase: "O professor Joaquim Maia ou não lê os jornais ou não acredita no que lê” (CAIAFA JUNIOR, José Cesar. Depoimento de José Cesar Caiafa Junior a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: LPH/UFOP/Projeto “A Atuação do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto: entre o desenvolvimentismo e o radicalismo (1956 e 1969)”, 2004). Sobre esta questão, ainda tivemos a contribuição de Jório Coelho (da Revista da Escola de Minas) e de Serafim Carvalho Melo, estudantes formandos de 1970 que também quase foram desligados.
[11] Nota do Pesquisador: O então presidente do DAEM, Cláudio de Castro Magalhães, ainda teve que responder ao seguinte ofício do Diretor: “Tendo o último número do jornal que se diz “’ÓRGÃO OFICIAL DO DIRETÓRIO ACADÊMICO DA ESCOLA FEDERAL DE MINAS – OP”, com o objetivo evidente de tumultuar os acontecimentos e perturbar a vida escolar, noticiado espalhafatosamente: “Diretor da Escola de Minas aplica Decreto-Lei 477 em formandos”, venho por este meio intimá-lo a comparecer ao Gabinete desta Diretoria, amanha, dia 28 de novembro de 1970, às 9 (NOVE) horas” (ofício datado de 27 de novembro de 1970).
[12] Nota do Pesquisador: o Diretor-Geral não chegou a comentar o assunto do desligamento de estudantes na Congregação da Escola de Minas. O assunto foi levado pelo representante dos estudantes na mesma: “em seguida, o Sr. Presidente do D.A. expressa seu profundo pesar pelo desligamento da Escola de dois colegas incursos na Lei 477, que ficam impossibilitados de continuar seus estudos durante quatro anos. O Sr. Presidente manda seja dado conhecimento à casa da Portaria nº 54, baixada pelo Sr. Diretor Geral, para esclarecimento do assunto” (SESSÃO DA CONGREGAÇÃO DE 18.11.1969).
[13] Nota do Pesquisador: o entrevistado foi pontual quanto a este aspecto, segundo os outros depoimentos e documentos que analisamos. Porém, deveríamos aqui fazer um melhor aprofundamento quanto a esta possível “omissão”, justificada pelo seguinte: O D. A. 1969-79 (Presidente: José de Lourdes R. Motta; Vice-Presidente: Paulo César Pavanelli; 1o Secretário: José César Caiafa Junior (Morou República Pulgatório); 2o Secretário: Cláudio Ribeiro de Lacerda ; 3o Secretário: José Vandir Nunes; Tesoureiro: José Thomaz Gama da Silva) estava sob o fogo cruzado do então Diretor-Geral da Escola de Minas e recém-nomeado reitor da UFOP, professor Antônio Pinheiro Filho, conforme aponta a documentação. Em ofício enviado pelo Diretor-Geral, datado de 01 de novembro de 1969, ao 3o secretário e também Presidente do Diretório Acadêmico da Escola de Minas, respectivamente, José Vandir Nunes e José de Lourdes Ribeiro Motta, com uma linguagem nitidamente autoritária, rebate afirmando que “digno de protesto seria o teor do referido ofício, pois, sem fundamento algum, apenas traduz o espírito de agressividade de seus signatários. Com efeito, o Edital em apreço, fazendo uma advertência aos interessados, apenas evidencia o espírito da Diretoria no sentido de manutenção da disciplina no setor escolar, a fim de que os conhecidos perturbadores da ordem não prevaleçam de tais ensejos para tumultuar a vida escolar. Demais, segundo o modo de vêr dos signatários o Edital nº 87, disciplinando a matéria, apenas baixa normas administrativas de limites e caracterização de responsabilidade, com o objetivo de afastar a política de agitação que vem sendo promovida por esse Diretório, desde o inquérito disciplinar instaurado por esta Diretoria com base no Decreto-Lei nº 477, de 28 de fevereiro de 1949 (sic)” (Ofício de 01 de novembro de 1969). Concluindo, o diretor ainda sugeriu que “ao invés de medidas esdrúxulas e descabidas, que só podem proporcionar aborrecimentos, os incontentados poderão seguir os tramites legais” (idem).
[14] Nota do Pesquisador: Doze dias depois de enviar um ácido ofício ao DA, o diretor envia nosso ofício, justificando os seus atos: “Como deve ser do conhecimento de V.Sª, todas as atividades de organizações estudantis, notadamente os diretórios acadêmicos nas Escolas, segundo as leis vigentes, devem ser rigorosamente fiscalizadas pelas respectivas diretorias dos estabelecimentos de ensino. Isto posto, a fim de que esta Diretoria possa cumprir a lei no que diz respeito ao funcionamento desse Diretório, solicito que, em relação a toda e qualquer publicação de responsabilidade desse órgão escolar, seja encaminhado um exemplar à Diretoria da Escola, destacando-se notadamente os chamados boletins que aparecem periòdicamente” (ofício do Diretor-Geral ao Presidente do DA, datado de 12 de novembro de 1969).
[15] Nota do Pesquisador: Dona Dalila era professora primária.
[16] Nota do Pesquisador: Em 1970, ocorreu efetivamente a destituição da Corrente que, desde 1969 já era objeto de um IPM (Inquérito Policial Militar) a cargo do tenente-coronel Manoel Alfredo Camarão de Albuquerque. Em outubro de 69, a Auditoria Permanente de Justiça decretou prisões preventivas de vários membros da Corrente (DIÁRIO MERCANTIL, 03/10/1969).
[17] Nota do Pesquisador: os informantes que mais atuavam na Escola de Minas de Ouro Preto estavam ligados à PM de Minas Gerais.
[18] Nota do Pesquisador: Maurício José Danese foi Tesoureiro da gestão do Diretório Acadêmico da Escola de Minas de Ouro Preto na gestão 1968-69: (demais membros eram Presidente: Serafim Carvalho Melo; Vice-Presidente: Fidêncio Maciel de Freitas; 1o Secretário: Reginaldo Pires Rodrigues; 2o Secretário: Pedro Maciel Tavares; 3o Secretário: Romeu Delaroli.
[19] Nota do Pesquisador: o entrevistado se refere a Lincoln Martins de Castro, ex-aluno da República Consulado, formado pela Escola de Minas de Ouro Preto em Engenharia Civil (1973). Em contato com o citado, em 06 de novembro de 2004, foi confirmada a versão apontada pelo entrevistado, embora com duas considerações: 1) não houve alguma violência por parte das forças policiais; 2) houve dificuldades até a identificação final para chegar à conclusão quanto ao ocorrido. Em vários outros depoimentos sobre estas ações policiais nas repúblicas, o relatado foi que, como se tratavam de policiais com pouco preparo na arte das relações humanas e que ainda carregavam a imagem de que poderiam encontrar nas repúblicas um forte aparato guerrilheiro repleto de armamentos e explosivos, quando invadiam as repúblicas atuavam brutalizados em parte por estas condições.
[20] Nota do Pesquisador: a documentação do SNI (Serviço Nacional de Informação) possuía, além de outros, os seguintes dados acerca do nosso entrevistado: “em 22 de Maio de 1970, foi expedido mandado de prisão contra o epigrafado por estar o mesmo foragido. Em 03 de Março de 1971 – seu nome figurava na relação de indiciados que respondem a processos na Auditoria da 4ª CJM e que tem sua prisão preventiva decretada e se encontram foragidos. Em 16 de Julho de 1971 o CENIMAR solicitou seus antecedentes. A SAD enviou a Certidão sobre o desligamento da Escola. Em 29 de Novembro de 1971, foi condenado pelo Conselho permanente da Justiça da 4ª RM à pena de 6 (seis) meses”.
[21] Nota do Pesquisador: o professor Walter José Von Kruger, formou-se pela Escola de Minas de Ouro Preto em Engenharia de Minas e Civil (1938).
segunda-feira, 16 de julho de 2007
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