Aldo Arantes
Os estudantes brasileiros sempre fizeram História
Acho que a UNE, o movimento estudantil em geral, tem sido historicamente, no Brasil e em toda a América Latina, uma escola de formação de quadros políticos. Na verdade, se analisarmos a história do movimento estudantil no Brasil, vamos ver que nos momentos mais marcantes ele esteve presente. Foi assim na abolição da escravatura, na luta pela República, na resistência ao Estado Novo e a Getúlio Vargas. E, ainda, na campanha pelo petróleo, pela democratização do ensino e na luta contra a ditadura militar. A marca da juventude estudantil nos países da América Latina vem do grau de estratificação da sociedade como um todo. A participação dos outros segmentos sociais sempre foi menor, teve menor grau de organização. Na década de 60, por exemplo, as entidades com maior força foram, fundamentalmente, as estudantis, com destaque para a UNE. A principal razão para isso é o fato de que os estudantes são o segmento com acesso ao conhecimento que gera o espírito crítico, que, aliado à tendência à contestação, uma característica própria da juventude, forma, a consciência política. A UNE, foi o elo mais importante de articulação do movimento democrático no Brasil, ao longo de sua história. Não podemos esquecer que o próprio Ulysses Guimarães e Rogê Ferreira, por exemplo, militaram no movimento estudantil, que teve grande crescimento na década de 60 e foi retomado nas eleições de 1994, num patamar mais elevado, com a eleição de Lindbergh Farias. O AI-5 deu uma quebra no movimento estudantil, que vinha num nível crescente de mobilização até acontecer o golpe militar de 1964. A reorganização enfrentou grande dificuldade, não só por causa das marcadas deixadas pela violência e pelas torturas, mas também por uma espécie de lavagem cerebral que foi feita na juventude pela ditadura militar. Foi um trabalho psicológico com a finalidade de exacerbar o indivíduo em detrimento do social, do coletivo. E essa visão individual teve um reflexo muito amplo. Apesar de tudo a chama continuou latente, tomou corpo; a juventude estudantil retornou no episódio do impeachment do Presidente Fernando Collor e vem consolidando sua força a partir daí. Fui presidente da União Brasileira dos Estudantes num momento muito relevante. Eu vinha da Juventude Universitária Católica – JUC, que era a esquerda do movimento estudantil e foi o embrião da Ação Popular – AP. No ano anterior, o candidato da JUC havia sido Betinho (Herbert de Souza), que não conseguiu se eleger. Mas, a partir do meu mandato até o fechamento da UNE em 1968, houve uma hegemonia: todos os presidentes foram da AP. O significado dessa gestão é que marcou uma nova fase da UNE, que foi a de combinar a luta geral em defesa da democracia e antiimperialista com as questões específicas estudantis. Esta fase começou com a luta pela reforma universitária e o II Seminário pela Reforma Universitária. Logo que assumi, entretanto, houve a crise provocada pela renúncia do presidente Jânio Quadros e a tentativa de golpe que se sucedeu. Quatro dias antes da renúncia eu havia estado com Jânio para me apresentar como presidente da UNE. A resposta dos estudantes à tentativa de golpe foi imediata. A entidade convocou uma greve nacional e deslocou sua sede para o Rio Grande do Sul. De lá, de Porto Alegre, a UNE se incorporou à resistência pela legalidade e eu falava para estudantes de todo o Brasil a partir da Rádio Guaíba, através da “cadeia da legalidade”. O papel da entidade foi fundamental na resistência aos golpistas que pretendiam impedir a posse do vice-presidente João Goulart. Tanto que Jan go, com todo o seu Ministério – incluindo o primeiro-ministro Tancredo Neves e os ministros militares – foi o primeiro e único presidente da República a visitar a sede da UNE. Ele foi para agradecer a participação dos estudantes. Essa atuação foi no campo geral. Na parte dos problemas específicos, começamos a luta pela reforma universitária: nós criticávamos o caráter arcaico da universidade brasileira, que tinha na figura do catedrático vitalício e um currículo dissociado das necessidades do país. Por exemplo, na Arquitetura, queríamos ênfase na construção da habitação popular; na Economia, queríamos respostas às necessidades da sociedade. Enfim, lutávamos para que a universidade atendesse às necessidades da maioria. Ao mesmo tempo, exigíamos a democratização do poder político na universidade com a participação de um terço de estudantes nos órgãos colegiados que a dirigiam. A partir daí houve um esforço para mudar nossos métodos de atuação, sair do Rio de Janeiro e ir para o interior, levando a mensagem da UNE ao interior do país, para que, então, ela se tornasse um movimento verdadeiramente nacional. Desse esforço nasceram o Centro Popular de Cultura – CPC e a UNE Volante. O CPC surgiu da fusão do interesse dos estudantes em buscar novos métodos para atingir as massas e dos intelectuais em busca de novas linguagens e novos públicos. O CPC teve início em São Paulo, com Gianfrancesco Guarnieri e Oduvaldo Viana Filho, com a peça Eles não usam black-tie. Depois, eles se articularam com o pessoal do Rio de Janeiro – Cacá Diegues, Carlos Vereza e Ferreira Gullar, entre outros. Paralelamente, estava em elaboração a UNE Volante, que era composta por cinco integrantes da diretoria da entidade e 20 do CPC. Ela percorreu o país, de Porto Alegre a Manaus, passando por todas as capitais com exceção de São Paulo e Rio, onde tinha presença marcante. Nessas circunstâncias realizávamos assembléias gerais para debater a crise na universidade brasileira, divulgar as propostas do seminário pela reforma universitária e articular formas de luta, e o CPC promovia apresentações artístico-culturais. O impacto desse trabalho na sociedade foi muito grande. Enquanto a UNE Volante era esperada com expectativa nos estados, a imprensa conservadora reagia através de ataques diários, em que acusava a UNE de estar “comunizando o Brasil”. Ao final da UNE Volante, em 1962, houve uma greve nacional, chamada de um terço, que foi talvez a mais importante paralisação universitária no Brasil. Durante toda a minha gestão houve muitos momentos importantes. Talvez o maior tenha sido o episódio da renúncia de Jânio, a resistência democrática, a juventude nas ruas com canhões e metralhadoras e a vitória na posse de Jango. Outro fato que deixou marcas foi a sede da UNE ter sido metralhada quando se mostrava o início do movimento golpista. Começavam a aparecer as pichações nos muros, como “você já matou seu comunista hoje?” E entre os nomes dos “comunistas” listados por eles estavam os de Miguel Arraes, Leonel Brizola e o meu. Das lembranças boas, temos a visita ao Brasil de Yuri Gagarin, o primeiro homem a ir ao espaço. Ele esteve na sede da UNE e isso foi muito significativo para nós, até pelo que ele representava na época: o avanço tecnológico da União Soviética. A militância me aproximou de Betinho, com quem cresci e depois vivi, muitos anos, na clandestinidade. Outra personalidade que marcou aquele período da minha vida foi Leonel Brizola, que tinha um prestígio grande com a juventude e, inclusive, ajudou a viabilizar a UNE volante. Aprendi muito com a coragem dele, naquela época.
Aldo Arantes foi presidente da UNE no período 1961/62. È deputado federal pelo PC do B de Goiás.
O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
domingo, 15 de julho de 2007
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Um comentário:
Por que nao:)
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