segunda-feira, 16 de julho de 2007

Depoimento de José Gomes Talarico - Mais elementos sobre a data da Fundação da UNE

FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

TALARICO, José Gomes. José Gomes Talarico I e II (depoimento, 1978/1979). Rio de Janeiro, CPDOC, 1982. 156 p. dat.

JOSÉ GOMES TALARICO I
(depoimento, 1978/1979)
Rio de Janeiro
1982
José Gomes Talarico I

1ª Entrevista: 15.09.1978


J.T.- Eu já estava vivendo no Rio de Janeiro, mas sou de São Paulo. No ano de 1940, quando foi proposta a concessão do título de doutor honoris causa da Universidade de São Paulo ao dr. Getúlio, título este concedido e aprovado pelo conselho universitário, o Centro Acadêmico Onze de Agosto e o Grêmio Politécnico se insurgiram estabelecendo uma campanha contrária à concessão do título. Surgiu aí uma crise muito violenta, tendo em vista o apego dos paulistas de 400 anos às tradições da Faculdade de Direito. Nesta ocasião – eu poderia fazer este relato mais tarde – isto me trouxe para o Rio de Janeiro. E a partir dos anos de 40, 41, 42, eu me integrei completamente no Rio. E como era amigo do pessoal do dr. Getúlio desde 1930, comecei a freqüentar o palácio depois das cinco horas, como todos os seus amigos.
(...)

C.G. - Como é que você convenceu esses paulistas de 400 anos a irem lá cumprimentar o Getúlio?

J.T. - Isso saiu da minha cabeça na hora. Nossa caravana tinha outros objetivos. Nessa época, estávamos construindo um estádio, o Osvaldo Cruz, na Faculdade de Medicina, que era do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz. E necessitávamos de algumas coisas que só a Central do Brasil possuía. Precisávamos, por exemplo, de cinza de carvão para a pista de atletismo. E quem tinha cinza de carvão era a Central do Brasil. Era preciso uma autorização especial do governo, aqui no Rio de Janeiro, para que pudéssemos tirar na estação do Norte este material. E havia outras necessidades , entre as quais uma que defendi junto ao dr. Getúlio: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente. Havia também necessidade de o governo dar uma ajuda material para que essas agremiações universitárias pudessem desenvolver seus programas. Dr. Getúlio, imediatamente, determinou que fossem conseguidos os recursos provenientes das taxas de matrículas do primeiro ano de qualquer escola em favor dos diretórios acadêmicos. Então, os diretórios acadêmicos passaram a receber, como subvenção anual, o resultante do pagamento das taxas do primeiro ano de qualquer faculdade. E, mais ainda. Defendíamos a necessidade de o governo, nessa ocasião, estabelecer uma norma definitiva para que os estudantes de todas as escolas superiores do Brasil pudessem realizar excursões culturais ou intercâmbio cultural entre elas. E o dr. Getúlio também autorizou que empresas de transportes estatais, de navegação e ferroviárias, concedessem, anualmente, 20 passagens para cada escola, sob a chefia de um professor da respectiva escola, visitar um outro estado. Este encontro com o dr. Getúlio resultou em algo muito positivo para a classe universitária. No momento em que falei, sugerindo a viagem, o dr. Getúlio disse: “Está deferido. Aqui está o ministro da Viação, que vai providenciar as passagens para que vocês possam ir nas férias ao Rio Grande do Sul.” Isto me custou um problema muito difícil porque, ao chegar em São Paulo, houve reação dos paulistas de 400 anos, dos que se opunham ao dr. Getúlio, que fizeram um movimento contra mim. Inclusive foram à minha espera na estação do Norte, quando regressamos do Rio de Janeiro. E houve até um embate entre o nosso grupo, que tinha estado aqui, e os que foram nos esperar para nos apupar, pelo fato de termos visitado o dr. Getúlio. Este fato foi muito debatido, muito criticado pela grande imprensa de São Paulo, que era então, a Folha, O Estado de São Paulo e outros jornais como o Correio Paulistano, que se insurgia contra a idéia de uma caravana de estudantes de São Paulo visitar o Rio Grande do Sul. Então, colocavam a questão como uma afronta, uma ofensa aos brios de São Paulo. De qualquer maneira, a caravana foi, com cerca de 80 estudantes, viajando pelo Lloyd Brasileiro, e teve uma das mais cativantes recepções, visitando Porto Alegre, Uruguaiana, Santana e Pelotas. Na realidade, isso constituiu o primeiro grande passo para a reaproximação do Rio Grande do Sul com São Paulo. Depois eu voltaria a me encontrar com o dr. Getúlio, quando, em 1938, ele foi vítima do ataque dos integralistas ao palácio Guanabara. Comigo à frente de uma delegação de São Paulo, aqui viemos para desagravá-lo e hipotecar nossa solidariedade naquela eventualidade. A partir daí os meus contatos com o dr. Getúlio foram mais crescentes. Em São Paulo, eu sempre trabalhava no sentido de fazer a sua imagem, a sua promoção. Até que, em 1939, viemos para a fundação da União Nacional dos Estudantes. Talvez vocês tivessem de fazer uma gravação especial porque este é um dos movimentos mais brilhantes que a mocidade universitária brasileira teve. A representação dos estudantes, até então, era a Casa do Estudante do Brasil, dirigida por Ana Amélia Carneiro de Mendonça. Mas, evidentemente, esta era uma instituição
beneficente brasileiro. E Ana Amélia era uma das damas de maior conceito no Rio de
Janeiro, vinda de famílias tradicionais entrelaçadas: Queirós, Mendonça Lima e Carneiro Mendonça. Isto constituiu um grande empecilho para que os estudantes formassem a UNE. Ela havia constituído, dentro da Casa do Estudante no Brasil, o Conselho Federal de Estudantes, mas nós, de São Paulo e daqui do próprio Rio de Janeiro, fazíamos movimento para a fundação da União Nacional dos Estudantes.

(...)

R.R. - E qual era a ligação que havia entre você, enquanto inspetor de ensino, e o
movimento estudantil de São Paulo?

J.T. - Eu era, nessa época, secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, e tinha sobre os meus ombros toda a responsabilidade do funcionamento desta instituição, que era o órgão representativo dos estudantes de medicina. Era também secretário da Federação Universitária Paulista de Esportes e presidente do Centro Acadêmico de Criminologia. Evidentemente, com essas três representações, eu participava dos movimentos estudantis de São Paulo e daqui do Rio de Janeiro. Inclusive, vim participar do congresso que resultou na fundação da União Nacional dos Estudantes. Depois, em 39, participei do II Congresso da UNE que foi feito por minha iniciativa. Fundamos, então, a Confederação Brasileira de Desportos Universitários.

(...)

C.G. - Talarico, outra coisa que também gostaria que você me caracterizasse melhor é a questão do movimento estudantil. O movimento estudantil em 30 e, depois, em 37, quando já começa a tomar corpo através da UNE. Para mim, parece que são dois momentos. Nos primeiros anos da década de 30, aparentemente, o movimento não tinha uma definição assim muito marcante...

J.T. - Bom, o movimento estudantil brasileiro tem várias fases. Ele tem, vamos dizer, uma fase de 1918 a 22, pouco levantada e pouco definida.

C.G. - Nessa época, inclusive, as próprias faculdades eram poucas.

J.T. - É, era um movimento feito muito na base da tradição, por exemplo, de Recife, de São Paulo, dos bacharéis e tal. Aqui, por exemplo, a Faculdade de Medicina da praia Vermelha tinha uma grande expressão. E depois, com o surgimento da Faculdade de Medicina, em São Paulo, da Escola Politécnica, da Escola Agrícola Luís de Queirós, em Piracicaba, começou a haver uma conscientização, isso a partir de 22. Essa consciência também se deu por influência dos movimentos operários e dos movimentos anarquistas, que começavam a apelar para que nas suas reuniões houvesse oradores estudantis. Aí é que começa, então, a participação do estudante na vida política brasileira. Eu me lembro que, já a partir de 22, 23, houve inclusive uma grande influência por parte de militares, que foram excluídos em função do movimento revolucionário de 22. A maior parte deles transformou-se em professor, ou de matemática ou de física, e, evidentemente, se apresentava assim como figura legendária. O movimento revolucionário de 22, 23 e de 24 começou a produzir líderes que, sacrificados, buscavam exatamente na profissão de professor o seu sustento. Então, eu tive, por exemplo, ainda no ginásio, professores que tinham sido ex-alunos da Escola Militar, que eram tenentes ou capitães excluídos. Entre estes havia o Edmundo Macedo Soares e Silva, que foi professor de matemática e física em São Paulo.

(...)

C.G. - Então, era um movimento autônomo, independente da interferência do Estado.

J.T. - Totalmente autônomo. Evidentemente, o estudante, pela influência que exercia
com a sua participação na vida política, conseguia muita coisa. Na Faculdade de Medicina, na qual eu participava como secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, conseguimos construir este estádio esportivo praticamente com doações. Construímos o ginásio com as sobras da construção da faculdade, porque sobrou muito tijolo, muito ferro e muita madeira. A Faculdade de Direito se dedicava mais à sua sede, a antiga sede do Centro Acadêmico XI de Agosto. Eu já não a vejo há 20 anos, mas era uma sede social muito requintada, onde havia salões de baile, salas de xadrez, bilhar, carteado, barbeiro, biblioteca... A biblioteca é das melhores que já vimos em São Paulo. A do Grêmio Politécnico e a do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz também.

C.G. – Em 37, exatamente quando se inaugura o Estado Novo, aquele período de uma maior centralização de poder nas mãos do governo, no caso, do Getúlio, é que é criada a UNE. Como é que você vê esse movimento?

J.T. - A União Nacional dos Estudantes já se fazia sentir no momento que despontou, a partir de 30, uma maior intensificação no movimento universitário, em função, vamos dizer, do incentivo que o governo Vargas deu aos estudantes, a partir dos anos 32 e 33. Primeiro, naquilo que eu tinha falado: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos ou dos centros acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente das respectivas escolas superiores, e a garantia, para a sua manutenção, dos recursos provenientes das taxas do primeiro ano escolar. Com essa subvenção e com o reconhecimento oficial, os diretórios acadêmicos passaram a ter autonomia, vida própria, se posicionando nos problemas educacionais, políticos e de outras naturezas.
Em seguida, o dr. Getúlio estabeleceu que as empresas estatais de transporte - o Lloyd, a Costeira, a Central do Brasil e outras - doassem anualmente a cada escola, de preferência à que encerrasse o seu curso, 20 passagens para uma viagem de intercâmbio. Por exemplo, fizemos uma visita ao Pará, à faculdade de Belém do Pará. A partir daí, começou a se desenvolver o intercâmbio universitário e se sentiu necessidade de uma reaglutinação, de uma mobilização estudantil em caráter nacional. Em 1933, estivemos no Paraná, numa caravana, que era ao mesmo tempo cultural e esportiva.

[FINAL DA FITA 3-A]

J.T. - Então, realizou-se uma viagem a Curitiba. Nessa ocasião, para se chegar a Curitiba viajava-se cerca de 36 horas de trem. Na caravana iam elementos para fazer conferências, teatro e, o que era muito usual e foi famoso durante décadas seguidas em São Paulo, os chorinhos acadêmicos. Eram conjuntos de cordas que realizavam espetáculos. Aliás, o que suscitou isto foi a vinda, no ano de 25, 26, de uma caravana de estudantes de Coimbra trazendo um conjunto folclórico português, que realizou aqui no Rio, em São Paulo e em vários estados do país, espetáculos musicais. Era um conjunto de guitarras, muito famoso. Eu me lembro, porque era menino, e esses espetáculos eram assistidos por um grande público nos teatros e em São Paulo. E esses estudantes de Coimbra ofereciam às moças aquelas suas famosas capas pretas, pedaços de suas capas, que as moças usavam como se fosse um adorno, com um alfinete. A partir dessa visita dos estudantes de Coimbra, começaram a surgir também conjuntos musicais nas escolas superiores de São Paulo. Então, nesta viagem a Curitiba levamos gente para fazer conferência, teatro, música e esporte, e foi o primeiro passo para se organizar a I Olimpíada Universitária Brasileira, ou seja, os Jogos Universitários Brasileiros, em 1935, em São Paulo, reunindo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, estado do Rio, Bahia e Pernambuco. E apesar de ser um evento esportivo, os jogos resultaram na constatação de que havia necessidade de se desenvolver um movimento de coordenação dos estudantes no plano social e político. Mas já tinha surgido, aqui no Rio de Janeiro, depois de 1930, um movimento estudantil que elegeu, em 31, se não me engano, a Ana Amélia Carneiro de Mendonça como rainha dos estudantes. E ela, que era uma figura de famílias tradicionais do Rio deJaneiro, achou que aquilo lhe constituía um encargo, e fundou a Casa do Estudante do Brasil, uma instituição de benemerência que oferecia hospedagem e alimentação para os estudantes. A Casa do Estudante funcionou, durante muitos anos, no largo da Carioca, antes de construir a sede própria que até hoje existe na rua Santa Luzia. Havia um casarão em Botafogo, também de propriedade da família de Ana Amélia, que funcionava para residência de estudantes. Lá era a sede social, onde havia recreação, jogos, conferências e um restaurante. E Ana Amélia passou a ter uma grande atividade no meio estudantil, fundando, a partir do ano de 36, o Conselho Nacional de Estudantes. Ela compôs o conselho como se fosse uma dependência da Casa do Estudante do Brasil. Na mesma ocasião, fundou a Federação Atlética dos Estudantes, que superintendia o movimento esportivo dos estudantes, aqui no Rio de Janeiro. Em 1938, foi convocado o I Congresso Nacional dos Estudantes. E deste congresso surgiu a idéia da fundação da União Nacional dos Estudantes, contra a posição da Ana Amélia Carneiro de Mendonça, que queria a preservação do Conselho Nacional dos Estudantes. Aí houve uma luta muito grande, na qual ela, não podendo controlar as representações universitárias de fora do Rio de Janeiro, acabou sendo derrotada. E fundou-se, então, a União Nacional dos Estudantes, cujo primeiro presidente foi José
Raimundo, deputado pelo PTB, anos mais tarde, e presidente do IAPI. Mas isso na fase de organização e logo após o I Congresso. O primeiro presidente eleito foi Walmir Borges, do Rio Grande do Sul, presidente do diretório do Rio Grande. Mais tarde ele foi advogado do Jango e chefe de gabinete do ministro da Fazenda no último governo do Jango. De maneira que, a partir daí é que se forma a primeira entidade de representação nacional. Mas levaria mais algum tempo para ela ser reconhecida pelo governo. Houve uma grande influência comunista, também. O primeiro secretário-geral era Antônio Franca, estudante de direito, membro até então da Juventude Comunista. Havia um outro, que morreu recentemente. É o autor do livro do Jesus Soares Pereira, Medeiros Lima. Ele também foi um dos participantes. Em 1939, no II Congresso da União Nacional dos Estudantes, também realizado no Rio de Janeiro, criamos a confederação, que primeiro chamava-se Cuba (Confederação Universitária Brasileira de Esportes) e, depois, na regulamentação, transformou-se em Confederação Brasileira de Desportos Universitário, para obedecer as regras preestabelecidas de denominação de entidades. Em 1940/41, nós conseguimos que o dr. Getúlio estabelecesse o reconhecimento da União Nacional dos Estudantes como entidade representativa dos estudantes brasileiros. E, em seguida, ou antes disso, também foi reconhecida a CBDU. Antes da regulamentação dos esportes nacionais, o dr. Getúlio fez a regulamentação dos esportes universitários. Inclusive, determinando que as escolas superiores, todas elas, tivessem praças de esportes e locais para prática de esportes. Era exigência básica para qualquer escola. Ele tinha visão da vida esportiva americana, e achava que, através do incentivo ao esporte universitário, talvez pudéssemos progredir nos esportes básicos: atletismo, natação e outros. Desde o início, talvez os estudantes é que tenham tido maior influência no desenvolvimento do futebol no Brasil. Este é um outro episódio para se contar.

R.R. - Você disse que, em São Paulo, o movimento estudantil era basicamente
antivarguista, antigetulista. Como é que o governo absorvia isso?

J.T. - Não, eu não disse isso.

R.R. - Isso foi na entrevista passada.

J.T. - Não, eu não disse que era antivarguista. O que eu disse é que havia oposição ao dr. Getúlio Vargas, que era feita por aqueles paulistas de 400 anos, a estirpe de São Paulo. Evidentemente, aí é que entra a influência das grandes famílias paulistas: na vida da Faculdade de Direito e na Escola Politécnica. Nas demais escolas, a influência paulista era relativa. Por exemplo, dentro da Faculdade de Medicina, ela já não era tão acentuada, apesar de a escola ser fundada por Arnaldo Vieira de Carvalho, que foi um dos elementos da família Mesquita, em São Paulo. Essa influência foi-se esvaziando ao correr dos tempos, mas a tradição paulista, que se posicionava no Partido Constitucionalista com Armando de Sales Oliveira, com a família Mesquita, era evidentemente, de oposição ao dr. Getúlio. E como as divergências com o dr. Getúlio passaram a ser, logo após a Revolução de 30, em função das designações dos interventores, de governadores de estado, isto, com o correr dos anos, foi-se agravando, foi-se aflorando de forma agressiva contra o dr. Getúlio.

C.G. - Uma coisa que eu também queria assinalar aqui é que, a partir da criação da UNE, a partir desse momento, a gente vê que há uma identificação do movimento estudantil com o Getúlio do que uma...

J.T. - Não, não houve. Pelo contrário, não houve muita identificação, porque a União
Nacional dos Estudantes passou a ter uma influência esquerdista muito forte. Inclusive, a Juventude Comunista brasileira atuava e participava na sua direção. Mas a verdade é que o dr. Getúlio conhecia todos esses fatos, e jamais influiu no sentido de obstar ou de impedir o acesso dos comunistas ou dos esquerdistas à direção das organizações universitárias. Uma das eleições em que houve confronto ideológico foi a do ano de 1942.

C.G. - Foi a eleição do Hélio de Almeida?

J.T. - Foi. Sebastião Pinheiro Chagas, da Faculdade de Direito de Belo Horizonte, era
candidato, e recebeu muita influência do general Dutra. Sua candidatura era articulada por Carlos Roberto de Aguiar Moreira e Antônio Augusto de Vasconcelos. O Carlos Roberto de Aguiar Moreira depois foi deputado e secretário particular do presidente Dutra. No tempo de estudante, ele era um dos jovens mais ricos do Rio de Janeiro. Consequentemente, dispunha de muitos recursos, que ele próprio empregou na campanha do Sebastião Pinheiro Chagas. Ele passou a oferecer, por exemplo – nessa época era negócio deslumbrante -, lugares todas as noites nos cassinos Atlântico e da Urca para os eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Para um estudante, jantar na Urca era um negócio, assim, fora de série. Além deste fato, ele oferecia condução e oferecia recepções. E, evidentemente, fazia grandes promessas aos eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Articulamos, então, a eleição do Hélio de Almeida, e quem decidiu foi São Paulo. Por meu intermédio, conseguimos cerca de 18 a 20 votos que foram decisivos para o Hélio de Almeida. Tivemos que jogar, também, com a participação do dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, para contrapor o apoio que o ministro da Guerra, general Dutra, dava ao candidato mineiro Sebastião Pinheiro Chagas. Mas isto foi apenas uma ocorrência. Na verdade, a presença de elementos conscientizados politicamente dentro da UNE levava a uma posição contra o Estado Novo e conseqüentemente, contra o dr. Getúlio. No momento em que se oficializou, a UNE passou a ter recursos do Ministério da Educação. Alugamos a primeira sede na rua Álvaro Alvim, 31, quarto andar, onde hoje funciona um laboratório. Lá se realizavam reuniões, e dali sairiam o movimento pela entrada do Brasil na guerra contra o nipo-nazi-fascismo, as campanhas contra o Filinto Müller, o Teixeira Batista e toda aquela polícia política do período de 37 a 45. Tudo isso levava o estudante a posicionar-se contra o dr. Getúlio. Eu era, então, como presidente do CBDU, um dos poucos getulistas...

C.G. - Como é que você, getulista, situava-se dentro da CBDU?

J.T. - Eu me situava sempre procurando defender os companheiros. Evidentemente, quando algum companheiro era cerceado... Por exemplo, o Wagner Cavalcanti era um homem do Partido Comunista, e várias vezes foi preso pelo Filinto. Então, eu ia atuar junto ao ministro da Educação, junto ao dr. Getúlio, diretamente, para que ele fosse posto em liberdade. O Luís Pinheiro Pais Leme, presidente da UNE, foi preso duas vezes. Nas duas vezes fui ao dr. Getúlio para que ele fosse libertado. Então, a minha atuação era nesse sentido.

C.G. - No sentido da conciliação, digamos.

J.T. - Não era bem conciliação; era em defesa dos companheiros. Mas eu não deixava
de ser solidário com o dr. Getúlio. Certa vez, acabei com uma reunião da UNE, quando passou por aqui um deputado argentino, dono de um jornal, não sei se era O radical. Taborda – chamava-se assim –, famoso deputado argentino, era um homem que lutava pela participação da América Latina ao lado das Nações Unidas. Nesta reunião, realizada já na sede da UNE, no Clube Germânia, o meu companheiro Wagner Cavalcanti, que vinha de uma reunião na antiga Liga das Nações, ou coisa parecida, foi convidado para falar sobre a guerra, que já estava quase definida. O Wagner era um grande orador, um dos melhores oradores. Depois foi secretário de redação de O globo, e acabou morrendo louco em um manicômio, em Belo Horizonte. Mas foi um dos contemporâneos mais inteligentes, um orador popular extraordinário. Nessa reunião estavam presentes vários militares, entre os quais o Etchegoyen, que já não era chefe de polícia, e mais um outro general, cujo nome agora não me recordo, que na época participava dos movimentos nacionalistas. Estava presente, portanto, o que havia de mais representativo, ideologicamente. Este meu companheiro, Wagner Cavalcanti, começou seu discurso fazendo indagações. ... “Se Getúlio Vargas, o ditador brasileiro, se representantes do Brasil poderiam sentar na mesa que ia decidir o destino no Brasil ao lado de Churchill, Roosevelt, De Gaulle e Stalin”. E quando ele disse isso, parti para a ignorância. Quebrei-lhe a cara, e acabou a reunião da UNE. Aquilo era do meu temperamento. Levantei, primeiro, protestando pelo fato de ele fazer uma indagação a um estrangeiro de passagem no Brasil, especialmente um argentino, para saber se o Brasil poderia ou não sentar-se na mesa da paz. Aquilo era um insulto ao Brasil, que estava naquele momento dando a sua contribuição na guerra. Eu não podia admitir, em absoluto, que qualquer brasileiro ali fosse desmerecer o seu país. Poderia fazer suas críticas ao dr. Getúlio, mas não colocar o problema nos termos em que ele estava colocando. Isto imediatamente deu uma confusão, porque no momento em que ele me repeliu com mais violência, como era um orador de muito espírito, acabou me ofendendo. Parti para a ignorância, e acabou. Isso resultou que, estando ali presentes observadores, levou-se imediatamente o fato ao conhecimento do ministro da guerra, Dutra, e do Benjamin Vargas. Os dois articularam o fechamento da UNE, e, a partir daquele momento, tive que me desdobrar, exatamente para demonstrar que aquilo tinha sido apenas um incidente entre mim e o Wagner Cavalcanti, que nada tinha a ver com a UNE. Era uma reunião importante, ele me ofendeu, eu reagi à altura, e, portanto, não havia nada de inconcebível. Já estava ali articulada a prisão de vários elementos, o fechamento da UNE, e, consequentemente, eu poderia ser apontado como o responsável. Graças às ponderações que fiz junto ao dr. Getúlio, acabamos superando o problema. Então, eu me colocava assim. Mesmo no momento da briga, do confronto e das crises, mesmo, às vezes, discordando das pessoas que tinha que defender, eu não deixava de defender o dr. Getúlio.

C.G. - E essa campanha desenvolvida pela UNE, essa campanha anti-Eixo, pela entrada
do Brasil na guerra, teve a influência...

J.T. - ... decisiva. Porque ela começou na conferência dos chanceleres americanos, no
Rio, em 1939, quando o dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores,
Teve que apelar para a intelectualidade brasileira e para os estudantes para bem recepcionar os chanceleres latino-americanos que viriam ao Brasil. Era evidente que ele não podia contar – nem era recomendado politicamente que o fizesse – com as autoridades ou integrantes do próprio governo, que se dividiu. O maior número de elementos do governo era favorável ao Eixo. Notadamente os ministros militares. Então, era preciso dar uma acolhida fraternal a essa gente. Os estudantes, então, foram para dentro do Itamarati fazer recepções, homenagens, manifestações de toda natureza aos ministros das Relações Exteriores. A partir daí, por termos assistido àquele conclave importante, tendo acesso até a reuniões que não eram públicas, acabamos nos conscientizando contra o Eixo. No momento em que foram afundados os primeiros navios brasileiros, partimos para um movimento de protesto de rua contra os jornais que faziam a política do Eixo, para intimidá-los. Ao mesmo tempo, pugnando pela solidariedade às Nações Unidas, este movimento foi num crescendo até que chegou o momento em que o Brasil declarou guerra ao Eixo, no qual houve duas manifestações importantíssimas. Uma no Itamarati, onde levamos uma multidão inconcebível, parando o trânsito todo; e outra, na frente do palácio do Catete. Toda essa mobilização foi feita pelos estudantes.

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