Carlos Vereza
Junto com a UNE, o CPC irradiou cultura país afora
Minha convivência com a União Nacional dos Estudantes se deu através do Centro Popular de Cultura – que vi nascer e morrer – cuja sede funciona na Praia do Flamengo, 132, junto às entidades estudantis da época, como a UBE e a AMES. Houve época em que eu dirigi três CPCs: o de Niterói, o da Faculdade de Direito (o CACO) e o da Faculdade Nacional de Filosofia. Eu me dividia nessas três áreas, dirigindo peças, shows e participando ativamente do debate político, tão rico no momento. Foi um período muito produtivo para a cultura nacional. Lá em Niterói, por exemplo, no bojo das realizações do CPC, surgiu o MPB-4, do qual, com orgulho, sou padrinho. Junto com a UNE, o CPC irradiou cultura pelo Brasil inteiro. Praticamente em cada estado havia um CPC; a cada ano, fazíamos uma viagem por todo o país levando uma peça ou um show. Era a famosa UNE Volante, que tanto marcou o Brasil de então. A atividade era diversificada. Fazíamos um show à tarde, na rua principal da cidade ou numa de suas faculdades, e à noite encenávamos a peça. Eu fui numa dessas viagens com a peça do Vianinha. A filha da Besta Torta do Pajeú, em que eu fazia o papel do protagonista, que era o filho de um camponês. No elenco, estavam Leonides Bayner, Procópio Mariano, Pedro Ottino, João das Neves, Tereza Santos, Telma Reston e Leoni. A direção era de Carlos Kroeber. Foi engraçado porque quando essa viagem aconteceu já havia sinais de golpe no ar. Nós pressentimos esses sinais. Mas, como toda a esquerda da época, achávamos que ele não se viabilizaria. Mas os sinais eram evidentes. Por exemplo: em Fortaleza, durante um show, jogaram ácido no Mariano Procópio; por sorte, não acertou. Em Natal, no dia seguinte de nossa partida, explodiram uma bomba no hotel onde estávamos hospedados. Em Vitória, João das Neves e eu tivemos que correr para tirar uma bomba de fabricação caseira colocada nas galerias do teatro onde íamos nos apresentar. Já em Maceió governador mandou apagar todas as luzes da cidade, enquanto nós fazíamos um espetáculo na praça principal. Isso era final de 1963 e já havia, por toda a parte, sinais evidentes do golpe que, meses depois de nossa volta, se consumou. Eu me lembro nitidamente do último dia do prédio da UNE. Nós tínhamos Um comício marcado na Cinelândia. Eu morava em Lins de Vasconcelos e vinha de Casa, quando achei meio estranho a movimentação no centro do Rio, onde presenciei Um tiroteio com mortes. Peguei uma carona até a sede da UNE. Lá, apesar do meu relato, As controvérsias sobre a situação continuavam. Uns achavam que eram apenas focos Localizados e que o golpe não se consumaria. Súbito, começaram a estacionar uns carros lá fora. Era a juventude dourada Da época que, em cima dos seus carros, vaiava o prédio. Na dúvida, levantamos uma barricada. Foi a nossa sorte porque logo eles começaram a lançar coquetéis molotov. E aí, foi o que todo mundo conhece. O prédio pegou fogo e nós tivemos que sair pelos fundos. Os três últimos a deixar o velho casarão, já tomado pelas labaredas, foram Vianinha, Denoy de Oliveira e eu.
Carlos Vereza é ator e diretor de teatro, cinema e televisão; participou do CPC da UNE.
O Depoimento aqui foi publicado em:
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
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