segunda-feira, 16 de julho de 2007

DEPOIMENTO DE MÁRIO ROBERTO GALHARDO ZACONATO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA

DEPOIMENTO DE MÁRIO ROBERTO GALHARDO ZACONATO A OTÁVIO LUIZ MACHADO

Depoimento realizado pelo projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”.


ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: MÁRIO ROBERTO GALHARDO ZACONATO
LOCAL: São PAULO-SP/RECIFE-PE POR ESCRITO
DATA: 2004

FICHA TÉCNICA

Entrevistado: MÁRIO ROBERTO GALHARDO ZACONATO

Tipo de Entrevista: Livre e por escrito

Entrevistador: Otávio Luiz Machado

Data: 2004

Duração: depoimento por escrito s. t.


Equipe

Levantamento de dados: Otávio Luiz Machado

Pesquisa e elaboração de roteiro: Otávio Luiz Machado

Técnico de gravação: entrevista por escrito


Proibida a publicação no todo sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.

Norma para citação:

MACHADO, Otávio Luiz (org.). Depoimento de Mário Roberto Galhardo Zaconato a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto “A Corrente Revolucionária de Minas Gerais”, 2004.


OTÁVIO LUIZ MACHADO*: Qual o seu nome completo?

MÁRIO ROBERTO GALHARDO ZACONATO: Mário Roberto Galhardo Zaconato.

Fale um pouco das suas atividades profissionais atuais.

Regressei ao Brasil em 1993 (do exílio em Cuba) e desde então trabalho no ABC paulista.

Mário, um dos militantes mais importantes oriundos de Ouro Preto foi o Hélcio Pereira Fortes. Gostaria que traçasse um pouco sobre o lado humano e a atuação dele.

Sobre o Ernesto – nome de guerra preferido do Hélcio – te direi que o conheci ainda no Partidão (Partido Comunista Brasileiro, PCB) nas discussões preliminares do VI Congresso (do PCB). Foi “paixão” à primeira vista. Seu entusiasmo, caráter forte e convicções firmes, marcavam sua pessoa e seu trato. Ele logo se identificou com nossas posições (José Júlio de Araújo, Gilney Amorin Viana. Ricardo Apgaua, eu e outros) do grupo de Belo Horizonte, que na fase final contava com o Mário Alves. Sucederam-se vários encontros até a cristalização da oposição ao núcleo que dominava o Comitê Estadual (do PCB) , que se identificava com o (Luís Carlos) Prestes. Já depois do racha, em Belo Horizonte, e no grupo dirigente da dissidência, ele foi destinado ao setor operário com base na Cidade Industrial (na época como a cidade de Contagem era conhecida). Foi um trabalho formidável tanto em extensão como em profundidade. O setor operário cresceu, consolidou-se em vários núcleos de fábrica, com publicações próprias , alguns trabalhos em conjunto com a AP (Ação Popular) e a POLOP (Organização Política-Marxista – “Política Operária”), etc. Hélcio foi incansável no trabalho ideológico, cultural e até de “alfabetização” da militância. Nesse setor não ficou ninguém com o Partidão. Nunca deixamos o trabalho de massas mas é certo que num determinado momento concentramos quadros, esforços e recursos na preparação de duas colunas guerrilheiras no campo: na área do São Francisco e na Rio-Bahia, cujos objetivos não vazaram ao Exército. O Hélcio participou ativamente nessa fase como um dos principais responsáveis. O Apgaua e o José Júlio já estavam no exterior (especificamente em Cuba, fazendo treinamento de técnicas de guerrilhas). Éramos o Gilney, o Hélcio, o “gringo” (Márcio) e eu. Chegamos a ter ramificações em áreas que só foram atingidas superficialmente pela repressão (Divinópolis, Montes Claros). O Gilney e o Hélcio tinham contato com algumas e eu com a maioria. Nessa altura muitos militantes estavam no setor armado, provenientes do interior, destacando-se Ouro Preto, do setor operário, e do estudantil. Também haviam oriundos do setor comerciário e/ou funcionalismo e até de outros estados , “cedidos” por outras dissidências do Partidão e pelo próprio (Carlos) Marighella. Logo eu fui preso; O Márcio pouco tempo depois; o Gilney alguns meses depois e o Hélcio destacou-se no Rio de Janeiro e São Paulo , onde morreu (em 1972). Não será esquecido jamais!

Na Reunião da Corrente Revolucionária do PCB, em outubro de 1967, em Niterói-Rj, o Hélcio foi o representante de Minas Gerais. Poderia me relatar outros militantes de atuaram aí?

Sobre esta reunião você conhece melhor os participantes do que eu aqui (o entrevistado se refere ao contato atual do pesquisador com alguns militantes daquele período, daquele período, e não a uma possível participação direta no episódio). O Hélcio – nosso representante nela – nunca os identificaria, pelo fato de que todos usavam nomes de guerra.

No famoso 30o Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE), em Ibiúna-SP, vocês enviaram para representar a Corrente Revolucionária de Minas Gerais (Corrente) um militante oriundo do movimento estudantil de Ouro Preto, que era o César Maia (atual prefeito da cidade do Rio de Janeiro). Quem o orientou a ir representá-los?

Foi uma decisão do comando.

Fale sobre a sua prisão após um cerco policial, e a fuga do Hélcio Pereira Fortes.

Fui preso num cerco a um bar, de madrugada, próximo à Praça da Estação (de Belo Horizonte). Eu estava com o Hélcio, que conseguiu escapar. Como um tenente da PM (Polícia Militar) foi ferido, nas primeiras horas eu quase não fui interrogado. Foi só castigo com muita violência. Fui levado para uma casa do comando da PM na Praça da Liberdade, ao lado do Palácio Episcopal e da sede do governo (de Minas Gerais). Eu me lembro que nem “nome” ou “endereço” de outras pessoas foram perguntados. Várias horas após, bem aturdido, vomitando e urinando sangue, vi um companheiro e várias pessoas que me olhavam. As pessoas eram as vítimas de várias ações armadas e faziam a identificação. Parece que o dono de uma casa de armas me reconheceu e só então é que chamaram os oficiais da G2. Já era de tarde quando chegou o tenente Rubi (nome de guerra) e gritou: ‘mas se é o Xuxu! É o Xuxu!’. Aí começaram as torturas propriamente ditas. O companheiro, fiquei sabendo depois, tinha sido preso num aparelho que havia sido identificado pelo caixa de um banco que expropriamos. Ele havia reconhecido alguém na rua e o seguido até lá. Lamentavelmente esse companheiro, mesmo sem tortura, ‘abriu’ bastante e possibilitando várias outras prisões. Falhou a segurança, pois o Hélcio mesmo ferido já tinha dado o alarme muitas horas antes. À noite fui para Neves – sem torturas - e no outro dia fomos todos levados para um quartel da PM próximo do (Bairro) Barro Preto em Belo Horizonte. Aí foram feitas as identificações. De madrugada voltamos para Neves e só então começaram as torturas e interrogatórios pra valer. Comigo a tônica sempre foi sobre a extensão da organização e suas alianças (Carlos Marighella, Mário Alves). Comigo havia sido pego um esboço de planos de ações violentas para quinze dias. Só uma parte, pois consegui ‘comer’ a outra. Então era só sobre isso que me interrogavam durante um par de dias. Fantasiei bastante, errei algo e enganei outro tanto. Da mesma forma agi sobre nossas concepções e objetivos, com erros e acertos. O capitão Aécio se identificou como preparado pelo Canal do Panamá; nós só tínhamos muita firmeza ideológica e disposição. Não tive participação na queda de nenhum companheiro: não delatei aparelhos nem ações. Os inquéritos foram montados ação por ação e no final mostrou-se um para o curso da organização, com os dirigentes e estruturas mais ou menos próximos da verdade. Quem montava os depoimentos, ditados palavra por palavra era o capitão Portela, como pode assegurar qualquer dos companheiros. Depois nos dava pra assinar sob ameaças. Nem no Brasil nem no estrangeiro foi realizado nenhum julgamento sobre estes fatos.


Mário, e relate um pouco sobre a troca dos militantes presos com o embaixador norte-americano (Charles Elbrick, em 04 de setembro de 1969) naquela ação da ALN (Aliança Libertadora Nacional) e do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de outubro).

O seqüestro foi no dia 04 de setembro de 1969 e logo ficamos sabendo, pois um dos presos da COLINA (Comandos de Libertação Nacional) tinha recebido um radinho de pilhas que passou dentro de um pão anteriormente. Na noite do dia 05 entraram na minha cela e tiraram tudo, até o colchão. Passei toda a noite com guarda especial até que pela manhã os PMs saíram deixando a ala sem guardas. Logo apareceram uns oficiais da Aeronáutica, que tiveram que arrebentar a porta da cela pra entrar. Eles me fotografaram, me algemaram e me levaram sem falar nada. Eu estava apreensivo, pois poderia acontecer qualquer coisa. Porém, já próximo da Pampulha um oficial me soprou no ouvido: “você vai ser trocado pelo americano”. Quando chegamos no Aeroporto da Pampulha fiquei mais tranqüilo. Deixaram-me no Jeep cercado de guardas com metralhadoras. Os oficiais ficaram próximos conversando em voz alta. Pude ouvir que o Exército em Belo Horizonte tinha sido contra a troca assim como a PM. Eles tiveram que ir a Neves me buscar e por isto a PM havia se retirado. Não houve confronto. Já sobre o meio-dia embarquei num jatinho – o Gloster Meteor do Ministro da Aeronáutica – com uma escolta de oficiais e até médico. Fui respeitado e até me deram suco. O médico indagou sobre minha saúde e mostrou pela janela uma tempestade de raios, e disse que era sobre Brasília. Não consegui imaginar aonde ia. Já ao anoitecer chegamos a um aeroporto militar e pousamos perto de um Hércules-130 cercado por guardas. Eles me fizeram caminhar ao lado da pista enquanto me filmavam (para posterior identificação). Quando entrei no avião haviam duas fileiras de pessoas em cada lateral, algemadas nas mãos, pés e entre à parede do avião. Logo fui reconhecendo a maioria – (Luiz Gonzaga) Travassos (da Rosa), Maria Augusta (Carneiro Ribeiro), (Gregório) Bezerra, (José) Dirceu (de Oliveira e Silva) e outros. Aí ouvi: “puxa Xuxu, você demorou, porra!” Era o Vladimir Palmeira. Era que eles estavam me esperando a algumas horas. Estávamos no Aeroporto de Belém (Base Aérea). Levantamos vôo e fomos por toda a costa, já que nem a Venezuela nem as Guianas permitiram o passo do avião pelos corredores aéreos. Ao meu lado estava o Pacheco, que eu não conhecia, e foi ele que me disse que íamos pro México. Já de manhã – 07 de setembro – o alto-falante do avião transmitiu a fala de alguém do governo. Os guardas logo ficaram em frente da gente com as armas em punho. Mas não houve novidades e logo chegamos ao México. Houve então outro impasse. O comandante do avião queria nos entregar à embaixada do Brasil, e o representante do governo mexicano exigiu que fossemos libertados ali na pista mesmo. Não poderíamos descer algemados no México. Assim foi feito. A partir daí foi uma loucura. A imprensa internacional ‘invadiu’ o aeroporto, e não nos deixou nos 20 dias que lá estivemos. Fomos levados ao Hotel Del Bosque, na Melchior O’Campo, próximo do Parque Chapultec. O governo mexicano bancou toda a estadia, alimentos e até roupas. Depois 13 dos 15 fomos à Cuba. O Ricardo foi encontrar o pai, que era funcionário da ONU, e o Flávio Tavares foi clandestino para o Uruguai.

Como foi o tratamento dos cubanos com os exilados brasileiros?

Eu e todos os companheiros que passamos por Cuba, fomos tratados muito dignamente e depois da desmobilização das ações armadas, fomos integrados à vida urbana com casa, estudo e trabalho. Eu fui professor de medicina no interior e por méritos nos últimos anos de Cuba trabalhei no melhor hospital do Caribe – o Hermanos Amerijéiras – em Havana, como intensivista e docente de pós-graduação.

* Parte do depoimento integral entregue ao historiador Otávio Luiz Machado.
E-Mail de contato: otaviosemprebrasil@yahoo.com.br

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