terça-feira, 10 de julho de 2007

Presente na encruzilhada - Duas coletâneas abordam a história e o impasse da política educacional no Brasil

Presente na encruzilhada
Folha de S. Paulo, 1 de Julho de 2007. Caderno Mais

Duas coletâneas abordam a história e o impasse da política educacional no Brasil

FRANCISCO ALAMBERT
ESPECIAL PARA A FOLHA

Desde a crise da invasão da reitoria da USP, o movimento estudantil voltou, até segunda ordem, ao centro do problema brasileiro. Depois das crises, do neoliberalismo do governo Fernando Henrique Cardoso / e da mudança do PT rumo ao centro político e à direita econômica, isso era inevitável.Pensar o papel dos estudantes e os impasses na educação trazidos pelo fim de um projeto nacional orgânico é o assunto de duas coletâneas lançadas à beira da crise atual.Uma delas, “Movimento Estudantil Brasileiro e a Educação Superior”, trata sobretudo do passado do movimento, enquanto que a outra, “Política Pública de Educação no Brasil”, trata dos impasses do presente.Em ambos os casos, a maioria dos autores vem do Norte e do Nordeste do Brasil.“Movimento Estudantil Brasileiro” traz diversos pesquisadores e intelectuais que analisam e dão depoimentos sobre o movimento a partir dos anos 1950.Nos diversos textos, muitos temas são tratados, sobretudo a partir do forte movimento político pernambucano, no contexto do governo de Miguel Arraes / e da militância de Paulo Freire /.
Autonomia e falta de vagasAprendemos que, desde pelo menos 1958 até 1968, as questões centrais da busca de um ensino superior público esbarravam em problemas de toda ordem: a questão da autonomia, a insuficiência de recursos, a busca por aumento de vagas, a necessidade de criar, em âmbito federal, uma universidade orgânica partindo de uma base precária -as escolas superiores isoladas.O novo movimento estudantil nasceu de uma necessária tomada de posição diante dessas questões. No final da década de 50, como mostra o texto de Maria de Lourdes Favero, o debate em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional colocou os intelectuais e os estudantes à frente da defesa da escola pública, sobretudo no contexto das “reformas de base” que antecederam o golpe militar.Como explica Lauro Morhy, a questão hoje é que, depois do período militar, esse debate não voltou. No seu lugar veio a crise econômica, em torno da qual os debates sobre a questão encontravam seu limite.Entre os depoimentos recolhidos e editados, destacam-se os de Luiz Costa Lima e Jurandir Freire Costa, apontando a influência das propostas de Paulo Freire em suas vidas estudantis.Ambos notam que a militância recifense se dava intelectualmente contra as idéias e a influência de Gilberto Freyre / -a quem Costa Lima acusa de o haver delatado como “marxista”, coisa que o levou a sua primeira prisão pela ditadura.Entretanto Freire Costa, que estudava medicina, afirma que, mais ou menos, todos se inspiravam nas idéias marxistas.
PresenteO ensaio “Análise do Discurso do Novo Movimento Estudantil” tenta trazer as discussões para o presente. Escrito por três estudantes, analisa o “discurso” de uma chapa estudantil, buscando entender o que é o “jovem” estudante atual.Sua conclusão, após volteios um tanto confusos, é que o estudantado de hoje “une” parte do ideário da esquerda dos anos 60 e 70 com reivindicações de “atuações mais individualizadas”.Diante de certos procedimentos dos estudantes que ocuparam a reitoria da USP, defendendo a autonomia universitária com as armas da organização coletiva, sem que partidos políticos tivessem a hegemonia no processo, essa conclusão pode ser problematizada.“Política Pública” traz o problema para o centro da crise aberta pelo neoliberalismo da última década e seus impasses estruturais.Em diferentes campos do saber educacional (desde as dificuldades de gestão até os impactos do neoliberalismo no ensino de educação física), os textos nos mostram as ressignificações ditadas pela lógica neoliberal e sua estratégia de privatização do conhecimento e de produção da educação (e dos alunos) como mercadoria.Embora boa parte dos artigos se preocupe em apresentar os problemas dessa situação, não se furtam também a procurar alternativas, na busca de uma nova significação para a idéia de ensino público, constantemente dinamitada pelos governos e que, parece, só está sendo defendida na prática pelos estudantes, custe o que custar.
FRANCISCO ALAMBERT é professor de história social da arte e história contemporânea na USP.
MOVIMENTO ESTUDANTIL BRASILEIRO E A EDUCAÇÃO SUPERIOROrganização: Michel Zaidan Filho e Otávio Luiz MachadoEditora: Universitária UFPE (tel. 0/xx/81/2126-8397)Quanto: R$ 30 (260 págs.)
POLÍTICA PÚBLICA DE EDUCAÇÃO NO BRASILOrganização: Antônio Cabral Neto, Ilma Vieira do Nascimento e Rosângela Novaes LimaEditora: Sulina (tel. 0/xx/51/ 3311-4082)Quanto: R$ 43 (350 págs.)


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