Depoimento de José Sérgio Leite Lopes
Não existe país altamente desenvolvido sem universidade excelente e sem um sistema educacional à altura das necessidades. O sistema educacional e a universidade naturalmente impulsionam o desenvolvimento econômico, mas por outro lado refletem também as dificuldades para o desenvolvimento econômico. Em matéria de reforma tudo nos mostra que a estruturação não basta. Além da estrutura, várias medidas são necessárias, como sejam: colocar homens competentes nos lugares apropriados; fornecer recursos adequados e principalmente dar garantia de continuidade; garantir o respeito pelo trabalho científico e o respeito aos laboratórios e às universidades. Pode haver rios de dinheiro, mas nenhum cientista vai sair da Europa ou dos Estados Unidos para vir para o Brasil se não sabe o que acontecerá amanhã com ele, com o seu filho ou com os seus laboratórios. Isto é fundamental. Não há reforma universitária, não há tratado nem enciclopédias as mais profundas sobre universidade, se além do mencionado não houver o respeito pelos que estão trabalhando na universidade, nos institutos científicos. Se há divergência de idéias, se há mesmo necessidade de medidas exteriores, deve haver maneiras na civilização moderna de as realizar. Nenhum país, com o subterfúgio de falta de recursos, jamais abandonou ou entregou o comando ou o poder de decisão sobre a sua infra-estrutura ou em particular sobre o seus sistema educacional ou a outros governos ou a fundações de outros países. Isto jamais ocorreu em país algum, como nação independente, a menos que esse país tenha vocação para ser colônia. (...) Existe inquietação da mocidade. É uma inquietação mais do que justa. Mantenho contato diário com os estudantes. Os estudantes estão pedindo o mínimo dos mínimos. Vou dar o exemplo do Rio de Janeiro. O estudante, lá, saí da Zona Sul ou da Zona Norte e vai para a Cidade Universitária, na Ilha do Fundão, que V. Exas. devem conhecer, próximo ao Galeão. Faz viagem atribulada, com troca de ônibus etc, porque não existe metrô, não existe trem. Ela foi construído ao longo de uma ferrovia servida por meio de condição ordinária, normal. Depois de uma, duas ou três horas de viagem, ele chega à Cidade Universitária. Entretanto, o professor, que devia ministrar aula às oito horas não compareceu, porque tinha encontro importante na sua firma de engenharia, no seu hospital ou no seu escritório de advocacia. E ele foi a esse encontro porque ganharia seiscentos mil cruzeiros, ou seja, o que ganha como professor. Então, há um círculo vicioso. Não há equipamento. Então, o problema da reforma universitária é importante e está preocupando, graças à vitalidade, à energia, à masculinidade dos nossos estudantes e a coragem das nossas estudantes, que trouxeram o problema à rua, que puseram em causa a estrutura da universidade e, assim fazendo, eu diria que puseram em causa a própria estrutura fundamental do País, nos anos que estamos vivendo. Acho que esse problema da Universidade está indissoluvelmente ligado como o da educação, às estruturas econômicas, sociais e políticas de qualquer país. Um estudante da Universidade de Brasília, do curso de Medicina, dizia-me: “Nós estamos fazendo, há algum tempo, medicina comunitária em Sobradinho”. Sobradinho não é a que apresenta piores condições no conjunto das cidades satélites. No entanto, dizia-me aquele jovem: Nós encontramos em Sobradinho e imediações cerca de...”. Eu não me lembro exatamente o número, por isso o menciono com as devidas cautelas, “cerca de seis mil crianças retardadas. E diante dessa enormidade, dessa monstruosidade, o que é que nos pede? Que fiquemos tranqüilos, que sejamos comportadinhos, que sejamos bonzinhos, e que estudante é para estudar”. São palavras ainda desse estudante: “Pedem que sejamos tão ausentes, tão omissos, tão insensíveis como esses adultos, integrantes das classes dirigentes”. São palavras de um estudante de Medicina da Universidade de Brasília. Minha dúvida é apenas quanto ao número mencionado por ele de crianças excepcionais.
Fonte: Depoimento que consta no Relatório da CPI da Câmara dos Deputados, de Acordo com o Projeto de Resolução º 84, de 1969. Aprova as conclusões da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar, entre outras coisas a estruturação atual do sistema de ensino superior do País, abrangendo universidades federais, estaduais, particulares, bem como faculdades isoladas. A CPI foi criada pela Resolução n. 37/67). Com o conteúdo do Relator.
domingo, 15 de julho de 2007
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Um comentário:
acredito que o depoimento tenha sido dado pelo professor josé leite lopes, físico, pai do professor josé sérgio leite lopes, antropólogo.
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