UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
LABORATÓRIO DE PESQUISA HISTÓRICA
DEPOIMENTO DE FERNANDO BRANT
A
OTÁVIO LUIZ MACHADO
Entrevista realizada pelo projeto "Estudantes, Universidade e a contribuição ao patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto"
ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: FERNANDO BRANT
LOCAL: BELO HORIZONTE-MG
DATA: 18/04/2002
FICHA TÉCNICA
Entrevistado: Fernando Brant
Tipo de entrevista: Temática
Entrevistador: Otávio Luiz Machado
Levantamento de dados e roteiro: Otávio Luiz Machado
Conferência, leitura final e notas de rodapé: Otávio Luiz Machado
Elaboração de temas: Otávio Luiz Machado
Local: Belo Horizonte-MG
Data: 18/04/2002
Duração: 1 h
Fitas cassete: 1
Páginas: 16 págs.
Proibida a publicação no todo ou em parte sem autorização.
Permitida a citação.
A citação deve ser textual, com indicação de fonte.
Permitida a reprodução.
Norma para citação:
BRANT, Fernando. Depoimento de Fernando Brant a Otávio Luiz Machado. Ouro Preto: Projeto "Estudantes, Universidade e a contribuição ao patrimônio histórico e artístico de Ouro Preto", 2003.
INÍCIO DA FITA 1 LADO 1
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Fernando, gostaria de primeiramente pegar seus dados pessoais. Qual seu nome completo?
FERNANDO BRANT: Fernando Brant. Fernando Rocha Brant é o nome completo.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: qual sua idade?
FERNANDO BRANT: tenho 54 anos.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e sua cidade natal?
FERNANDO BRANT: nasci em Caldas, e o meu pai era juiz. Fomos dez irmãos. E cada um de um lugar. De dois em dois anos, de três e três anos mudávamos. Mas depois de Caldas fomos para Diamantina. E de Diamantina para Belo Horizonte E aí ficamos por aqui mesmo.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: na época de estudante ocupou cargos?
FERNANDO BRANT: como estudante não tive cargos assim de Diretório Acadêmico, não. Eu participei muito assim de jornal de DA. Eu escrevia alguma coisa. Já era mais ou menos a minha área mais para cultura do que para a política, se bem que político todo mundo é (risos).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você entrou em qual universidade?
FERNANDO BRANT: na Universidade Federal de Minas Gerais, na Faculdade de Direito, em Belo Horizonte E antes eu tinha feito o ginásio no Colégio Arnaldo, no grupo Barão de Rio Branco e depois eu fiz... na época eu fazia o clássico, porque tinha a divisão de clássico e científico, não é? Eu fiz os dois primeiros anos do clássico no colégio estadual, e o terceiro ano no colégio universitário. O colégio universitário foi uma experiência fantástica da universidade... que chamava.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: era o Coltec?
FERNANDO BRANT:... chamava-se Coluni. Eu acho que o Coltec hoje é uma coisa que veio depois. Mas o colégio universitário funcionava lá na universidade (UFMG), que é uma experiência do reitor da época, o Aluísio Pimenta. Mas depois ele foi cassado e a experiência era tão revolucionária e boa que logo eles cortaram. Mas realmente foi uma experiência de ensino mais interessante que eu tive notícia aqui em Minas Gerais.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e como surgiu a sua carreira de compositor? Foi aos poucos ou você investiu de uma vez na carreira?
FERNANDO BRANT: ela primeira aconteceu espontaneamente. Espontaneamente da minha parte. O que provocou a minha entrada nessa coisa de música foi o Milton (Nascimento). A gente ficou amigo em 1965. E nessa época eu estava no colégio universitário. E ele já tocava na noite, já compunha e cantava, já tinha parceria com Márcio Borges. E depois ele foi a São Paulo para defender uma música do Baden Powel num festival lá, e resolveu ficar por lá para tentar a sorte e prosseguir na vida. E aí um dia a gente se encontrou, porque a gente vivia se encontrando quase toda semana, ou ele vinha para cá ou a gente ia para lá, os amigos, e me mostrou uma música dizendo que achava que eu é quem devia fazer a letra desta música, porque achava que ela não era nem o tipo do que ele fazia e nem que o Márcio Borges fazia. Aí ele insistiu e insistiu e eu acabei pegando essa música para fazer letra. Eu fiz. E ela foi escrita para o festival e aconteceu, que é Travessia.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: qual o nome do Festival?
FERNANDO BRANT: o Festival internacional da Canção, no Rio de Janeiro em 1967. Então, foi a música que lançou o Milton, não só para o Brasil, mas também para o mundo, porque lá neste festival ele assinou um contrato para gravar nos EUA. Então, com isso, a primeira música eu fiz para o meu amigo. E a segunda eu sabia que ia ser gravada. Eu não sabia nesta época o que ia fazer. Sabia que seria alguma coisa ligada a área de cultura, porque o que me interessava mais era a música, o cinema, a literatura e o teatro. Eu freqüentava o pessoal mais ou menos dessa área. E com isso e com o negócio do Milton eu fiz a letra e deu certo. Fiz outra, fiz outra e fui fazendo. Mesmo assim no começo ainda fazia pouco. Quem realmente caiu na vida, foi o nosso porta-voz e o cara que levou a coisa foi o Milton, que levava as canções da gente para o mundo inteiro.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e esse aprendizado de música e de poesia pode se dizer que foi um aprendizado na época de universidade?
FERNANDO BRANT: não. Quer dizer, antes em casa, muito. Da influência dos irmãos mais velhos e dos livros do meu pai. Mas também, principalmente, no Colégio Estadual e no Colégio Universitário. Eu tinha vindo do Colégio Arnaldo, que era um colégio assim muito comum de padre. E aquele negócio muito rígido. E no ginásio lá o pessoal estava preocupado com o que normalmente adolescente está: negócio de fumar, futebol, menina. Essas coisas. E quando eu fui para o Colégio Estadual aí mudou completamente, porque eu cheguei e encontrei um nível de estudantes. E os professores também eram fantásticos. Mas os estudantes sabiam de tudo. E o nível deles era demais. E para conversar com eles eu tive que ir atrás. Em pouco tempo eu descobri (Carlos) Drummond (de Andrade), Manuel Bandeira, João Cabral (de Melo Neto), Oswald de Andrade, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos. E cinema, como Felini, não sei o que mais. As coisas todas assim... eu tenho até um texto que eu falo isso, que se chama 1965, que conto o caldeirão de informações que eu tive na época. E que eu tive que acompanhar e acompanhei. E foi uma coisa que me ajudou muito. E foi muito exatamente nessa convivência com os colegas, porque para conversar com eles eu tinha que chegar em casa e ler livros para me informar, porque o nível da conversa lá era muito superior ao normal.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: quando começou na revista O CRUZEIRO?
FERNANDO BRANT: a revista O Cruzeiro entrou na minha vida e eu entrei na vida dela bem por acaso, porque eu resolvi num certo momento, de 1968 para 1969, me mudar para o Rio de Janeiro para ver esse negócio de música e para ficar mais próximo do Milton e dos outros. E aí eu resolvi mudar para lá. Eu fui lá para olhar o ambiente. E aí comecei a procurar emprego. E enquanto isso estou lá convivendo com o pessoal, morando e tal. Até que eu consegui um emprego através da influência de um pai de dois músicos, que é o Paulo e o Cláudio Guimarães. E me arrumou na editora da Revista O Cruzeiro. Enquanto eu não tinha arrumado emprego estava tudo muito bom, porque eu estava vivendo do negócio da música. Mas para sobreviver eu tinha que trabalhar. Trabalhar lá significava acordar cinco horas da manhã para tomar banho, pegar ônibus, atravessar de Copacabana até o centro da cidade para trabalhar e aí voltar à noite. Na verdade, nesta editora eu trabalhei três dias e meio, porque eu vi que não dava, porque eu chegava morto de cansaço, e o Noveli e o Naná (é o Vasconcelos, percusionista que o mundo admira) que moravam comigo, estavam começando a se aprontar para sair para cuidar do negócio de música. E eu queria dormir porque eu não estava agüentando. Um, dois, três dias e no quarto dia eu fui na casa dessa pessoa que arrumou esse emprego e disse: “o negócio está demais, eu acho que não dá certo, não. O que você acha de eu pedir transferência para a sucursal d’O Cruzeiro em Belo Horizonte?”. Aí ele falou: “Tudo bem, fala que você não conseguiu transferência de Faculdade”. Quer dizer, não teria condição, pois ia trabalhar dois horários. E tinha a faculdade de noite. E o que eu ia fazer? Sair daqui para mexer com música e eu não ia fazer nada. Eles deviam tanto favor a ele que eu fui indicado por ele e com quatro dias de emprego eu pedi uma transferência e consegui (risos). Aí eu saí daqui desempregado e voltei empregado. Tinha a faculdade de manhã e trabalhava a tarde. Aí que eu entrei no negócio d’O Cruzeiro. E aí encontrei uma turma excepcional, um pessoal amigo pra danar,
que me deu a maior força. E a vida na revista era boa, porque era tranqüila. Pois além do ambiente, ainda era uma revista semanal e era uma sucursal. Então, as matérias a gente podia fazer com calma. Tanto que às vezes eles pediam uma matéria e a gente ficava uma semana num lugar e ainda tinha uma semana para escrever. Quer dizer, foi uma coisa maravilhosa para mim, porque eu continuei morando na casa dos meus pais, junto com os meus irmãos, a minha família e os meus amigos. Aí fiquei em Belo Horizonte, que era uma cidade muito mais calma que o Rio de Janeiro, e deu tudo certo.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você ficou de 69...
FERNANDO BRANT:...de 69 até hoje.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: eu digo na Revista.
FERNANDO BRANT: na revista eu fiquei até 1973, porque aí eu pedi e eles me mandaram embora, porque parou de pagar, e eu já estava casado. Eu fiquei seis meses sem receber. E aí o pessoal era tão meu amigo que eles me arrumaram um jeito de mandar embora para pegar fundo de garantia. E aí eu recebi os atrasados. E fui trabalhar numa agência de publicidade, que era a ASA, porque eu ganhava o dobro do que eu ganhava n’O Cruzeiro. E em seis meses eu paguei o que eu devia e zerei. E aí fui para uma agência mais calma, que era a Randrade, porque a ASA tinha que fazer esse negócio de varejo, que atrapalhava as minhas coisas.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você conheceu Ouro Preto através d’O Cruzeiro?
FERNANDO BRANT: não. Eu fui antes em Ouro Preto e não me lembro exatamente. A gente já ia antes. Mas quando começou o Festival de Inverno de 1967, o pessoal amigo meu estava indo sempre e então eu fui com eles. E aí achei uma maravilha. É bom que ela permanece.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o que mais te chamou a atenção a primeira vista em Ouro Preto?
FERNANDO BRANT: como era Festival de Inverno, tinha duas coisas: primeiro, a beleza da cidade, aquela coisa do colonial mineiro, o barroco. E a outra, como era festival, era a movimentação da juventude na rua. Muita música. Já estava começando aquela coisa. Era uma convivência realmente muito boa. Eu acho que era a cidade em si e a juventude como o caso do pessoal do Festival, além do pessoal das repúblicas. Começou a ir gente do Brasil inteiro. No começo menos pessoas , porque era mais o pessoal que ia para os cursos. De qualquer maneira, se você passasse uma semana lá você convivia com gente do Brasil inteiro. Era interessante demais.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você lá ficava em qualquer lugar? Pousada, hotel?
FERNANDO BRANT: eu já comecei a ficar em hotel quando eu fui lá para fazer reportagem para O Cruzeiro. Às vezes eu arrumava um jeito no alojamento da universidade. Às vezes sobrava lá e algum conhecido lá arrumava. Ou então pensão. Arrumava um canto na república. No começo era assim.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você dizia que muitos dos seus amigos você fez em Ouro Preto.
FERNANDO BRANT: é que tudo mundo ia lá. Quando você descobre um lugar igual a Ouro Preto a sua tendência é voltar. Aí você vai com os amigos e tal. Aquelas noites frias eram boas para tomar uma cachacinha, um violão. Mas ali é propício. É bom demais.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: quem você citaria como amigos feitos lá?
FERNANDO BRANT: eu fui muito com os amigos lá. Fiz alguns amigos lá. Mas muitos dos meus amigos aqui, a gente ia e aproveitar lá. Com o Toninho Horta eu fui lá várias vezes, o Nelson Ângelo, o Álvaro Apocalypse, Nello Nuno, Nemer e outros. Arrumava um lugar lá que a gente ficava sempre. Eu conheci na época também muito o pessoal das artes plásticas, muita gente de música, inclusive professores. Conheci muita gente que foi importante na minha formação lá.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você acha que o Festival era um espaço para se protestar através da arte?
FERNANDO BRANT: tinha tudo. Protesto, mas também tinha a coisa de troca de experiência e de conhecimento. E muita gente ia pra estudar mesmo e aprender coisas novas. Muita gente começou a profissão através do que aprendeu nos festivais. Tinha aquele negócio de juventude num tempo de liberação que veio em 1968, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Aí tinha aquele negócio dos caras mais velhos ficar meio assim, porque não via com bons olhos. E tinha negócio de polícia. Mas enquanto era só local, enquanto a ditadura não ficou mais braba e começou a colocar DOPS lá, a coisa ia bem. Havia este atrito, mas era um negócio que era mais ou menos natural pelo que mundo estava passando, e porque sempre este negócio de juntar jovem assim, deixava às vezes o pessoal meio assim (apreensivo).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você se lembra de algum fato envolvendo a juventude, ou da juventude sendo reprimida por questões políticas?
FERNANDO BRANT: de política, não. Às vezes tinha esse negócio de comportamento, mas ainda era uma coisa muito.... eu acho que esse negócio de maconha e essas coisas o pessoal não ia muito não. Apesar de eu ter participado como repórter, junto com o Juvenal Pereira fotografando, aí eu fiz uma matéria com o Julian Beck lá em Ouro Preto. A gente fez uma matéria com umas seis páginas, que ficou assim uma coisa maravilhosa. Aí duas semanas depois ou um mês depois é que o prenderam com negócio de maconha. E quiseram expulsá-lo. E acabaram expulsando. E aí quando virou coisa policial já não me chamaram. Puseram um outro cara pra fazer, pois isso aí nem me chamaram. E eu não faria. Eu ia fazer contra a polícia. O negócio deles era um negócio que hoje você vê que é uma coisa normal, mas eram pessoas diferentes. Eu me lembro dos trabalhos que eles estavam fazendo lá em Saramenha (Bairro de Ouro Preto). O Living Theater foi um negócio interessante. E o gozado é que a Judith Malina, que é mulher dele, escreveu um diário na prisão aqui no DOPS de Belo Horizonte e ela falava no diário numa hora lá que a revista O Cruzeiro tinha feito uma matéria tão boa com eles e que agora estava indo no caminho das outras. Eu me lembro que eles tinham vários exemplares da Revista, pois saiu uma matéria muito bonita e totalmente favorável, que era uma matéria sobre cultura. Ninguém estava discutindo muita coisa.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: foi quando a matéria?
FERNANDO BRANT: isso deve ter sido...porque eu saí d‘O Cruzeiro em 73. Deve ter sido 72 talvez. E devia ser (Emílio Garrastazu) Médici.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: a ditadura de alguma forma te perseguiu por causa da revista?
FERNANDO BRANT: da revista, não. O que a gente teve foi aquela coisa de censura de música. O ambiente que foi se criando ao longo do tempo no país foi um negócio muito opressivo. Era um negócio difícil passar. Depois que passa quem não viveu não consegue perceber. Mas é um negócio de desconfiança. Era uma época de sombra mesmo. As pessoas tinham medo de serem ouvidas, de falar alguma coisa e alguém ouvir e denunciar. Quer dizer, criou-se este clima de desconfiança entre as pessoas, que é uma coisa muito ruim. Graças a Deus estamos livres disso e espero que nunca voltemos a ter.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: teve aquele lance na Venezuela (aqui falamos da instabilidade em relação aos problemas enfrentados pelo Presidente da República daquele país).
FERNANDO BRANT: aquilo foi perigoso. Ainda bem que reverteu, porque nós não podemos voltar a ter novamente as ditaduras. Se o cara não concorda vai democraticamente tentar pelas vias normais. É bom que eles têm até no Mercosul. Possuem uma coisa que na democracia é essencial: quem não concordar saí fora. E agora a OEA me parece que assumiu isso, também. Por isso, no caso da OEA uns poucos foram lá. Não pode deixar nenhum lugar cair, porque se acontece um golpe num lugar já começa tudo e aquilo tudo outra vez.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o que você acha das repúblicas?
FERNANDO BRANT: eu visitava muito no final de semana. Aí não tinha o negócio de estudo, apesar de você ver os livros lá. Às vezes ia numas festas lá para tomar uma cerveja ou uma cachacinha. Quer dizer, era convivência assim através de amizades. Eu achava uma coisa ótima, porque era o pessoal da minha idade
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você freqüentava ou apenas dava uma “passada”?
FERNANDO BRANT: eu mais passava. Profundamente eu não conhecia.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você diz naquele texto para o livro sobre as repúblicas que “o passado das ladeiras e casas e o presente das repúblicas eternizam, em Ouro Preto, os sonhos maiores dos homens”. O que você quis transmitir ali?
FERNANDO BRANT: exatamente que a cidade tem um passado, que é exatamente o negócio da conjuração mineira para a independência do Brasil. E o negócio dali do jovem estudando como também o dia-a-dia dele de se opor a qualquer tipo de pressão sobre a sua liberdade e a liberdade dos todos. Quer dizer, a república é uma união dos jovens contra qualquer repressão. Neste sentido, a república continua presente com o que houve lá no passado.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você fez alguma matéria sobre estudante?
FERNANDO BRANT: eu fiz mais sobre o Festival de Inverno, mesmo. Eu fazia sobre os estudantes em geral. Não só os das repúblicas, como os que estavam indo para estudar ou cursar oficinas e que ficariam em outros locais. E os filhos do pessoal que ficavam na rua, porque muita gente vinha com família. Os professores da universidade geralmente eram professores jovens, também. Quer dizer, mais sobre o que acontecia na época do Festival de Inverno.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você acha que o estudante de Ouro Preto participava do Festival, pois parece que era um período de férias?
FERNANDO BRANT: é, participava menos. E muitos tinham ido para casa, também. Por isso, é que a gente dormia em república por causa disso, porque eles voltavam para casa. Então, por isso que muitos ficavam e muitos iam embora.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: às vezes era o único período que o estudante tinha para sair de Ouro Preto. Ou no meio do ano ou no final do ano.
FERNANDO BRANT: exato. Geralmente vinha gente do Brasil inteiro.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: mas você acha que Ouro Preto é um símbolo de Minas Gerais?
FERNANDO BRANT: lógico que é, porque ela representa um momento importante. Lógico que é Ouro Preto e tem as outras também, como São João Del Rei, Diamantina... mas ali era a capital e ali congregou mesmo. A coisa mais impressionante é que Minas Gerais teve no século XVIII o que teve de música, de literatura (foi o primeiro literário, O Arcadismo). Tinha uma economia forte por causa do ouro. Quer dizer, tinha muita coisa de cultura e muita informação. Tem até o livro do Eduardo Frieiro, que se chama O diabo na biblioteca do cônego, que é um livro sobre a relação dos livros que foram apreendidos na biblioteca do Padre Vieira de Ouro Preto. Apesar de ser proibido importar livro, porque os portugueses não queriam que as coisas andassem e o pessoal se “iluminasse”, aí ele tinha livros sobre tudo que você pudesse imaginar do conhecimento humano. Era uma visão muito grande. O que se formou em Ouro Preto naquela época era uma inteligência e uma cultura muito forte. Por isso aí que teve a política também. Onde tem economia forte e cultura forte acaba tendo uma política forte. Uma das coisas fortes do movimento da conjuração mineira é o negócio da universidade. Então, quer dizer, eu acho que ali em Ouro Preto neste século XVIII estava representado e foi a criação de Minas Gerais. E de uma certa maneira a criação do Brasil. Com essa união de cultura, do fator econômico e de política tentando liberdade. Liberdade é um ponto central na história de Minas Gerais e na história de Ouro Preto.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e em Ouro Preto você freqüentou numa época em que não era dada muita importância à conservação, como as fachadas mofadas e decadentes. Em 1980, como patrimônio da humanidade é que o cenário começa efetivamente a mudar. Este Ouro Preto então é muito diferente daquela?
FERNANDO BRANT: hoje a consciência é muito maior. No primeiro momento de Ouro Preto é quando ela vira Patrimônio Nacional, porque aí foi coisa para preservar. E era um negócio engraçado, porque na realidade Ouro Preto foi conservada, porque ela ficou pobre. Quando a capital mudou para Belo Horizonte houve uma decadência. Já não tinha ouro e deixou de ser a capital. Então, foi uma decadência econômica muito grande. Se não tivesse havido a decadência econômica, o pessoal tinha trocado as casas. Historicamente, a sorte é que houve esta decadência e eles não fizeram reforma nenhuma. Primeiro, lá em 1933 e depois este de 1980, aí já tinha uma atividade econômica grande. E já tinha os comerciantes que estavam querendo derrubar o negócio e fazer coisa nova. E exatamente a grande riqueza de Ouro Preto é a sua paisagem. O conjunto arquitetônico é uma maravilha.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: não sei você muitas casas foram compradas pela universidade e foram repassadas aos estudantes para repúblicas? Você acha que isso foi uma iniciativa importante?
FERNANDO BRANT: é boa, porque ela foge da especulação.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: hoje tem até uma crítica de que os estudantes moram nas melhores casas.
FERNANDO BRANT: e não pode morar? (risos).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: é um preconceito.
FERNANDO BRANT: mas na época que eles foram mudar pra lá ninguém reclamou, porque exatamente o negócio estava todo abandonado. Estava muito desleixado tudo. E o uso ele pode estragar, mas na realidade, o uso conserva. Uma casa não usada estraga mais que uma casa usada. Quer dizer, o que as repúblicas estão fazendo é conservar.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: inclusive tem um livro do Pedro Rache, Homens de Ouro Preto, que se formou em 1901. e viveu essa transição da transferência da capital. E ele dizia no livro que muitas casas eram repassadas aos estudantes sem nenhuma cobrança justamente para conservar.
FERNANDO BRANT: para conservar. Pois é.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você acompanhou o movimento estudantil nos anos 60?
FERNANDO BRANT: eu acompanhei, porque eu fiz a faculdade de 1966 a 1970. A universidade nos três primeiros anos era uma coisa. Quando a gente voltou depois das férias de 68 para 69, pois tinha tido o AI-5 em dezembro de 68, e o Decreto 477 na universidade que expulsava todo mundo, o ambiente já ficou meio danado. Eu participei muito das passeatas, mas elas foram mais antes do AI-5. Quer dizer, elas foram mais fortes até 1968. O negócio foi crescendo até 68. E aí o governo radicalizou. Aí o negócio esmoreceu, porque na realidade eu senti e continuo achando isso: que quem teve oportunidade de participação da universidade, ou o pessoal ia cuidar de outra coisa ou quem já estava ou desistia ou avançava para enfrentar como muita gente foi. E depois muita gente foi para esse negócio de guerrilha. E aí muita gente foi presa, exilada, morta. E aí eu fiquei acompanhando de longe. E tem uma música que eu fiz com Milton, que se chama Credo. Que exatamente ela fala do momento que teve. De 1970 e até 76 o negócio estava difícil demais. Mas aí em 77 os estudantes começaram a retomar a atividade, a fazer passeata e a fazer um monte de coisa. E com esse negócio a coisa foi espalhando, espalhando, espalhando, que rearticulou em 77. Eu me lembro que esta música fala “caminhando pelas ruas de nossa cidade com a juventude”, e tal. E que foi um movimento interessante que em 77 saíram os estudantes e em 78 entraram os metalúrgicos do ABC. Aí foi o começo do fim da ditadura que começou mais ou menos aí. E os estudantes na minha visão começaram em 77. E movimento de rua mesmo. Muita passeata, que é a arma que tem. Não tem outra coisa.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você acha que a música ajudou a conscientizar o jovem? Qual a função da música?
FERNANDO BRANT: a função da música e ser especialmente essa: no caso da música popular brasileira acaba acontecendo que a maioria do pessoal que principalmente fazia música nessa época estava vivendo muito isso desta época. E passava sua ansiedade para a música. As esperanças e os protestos. E na realidade as músicas eram compostas e os estudantes assumiam muito estas músicas. E cantavam ou nas universidades ou nas ruas mesmo. Ou nos bares, onde o pessoal se juntava. Eu acho que a música ajudava na resistência das pessoas. Não adiantava derrubar governos militares. Mas para dar força para as pessoas resistir. E eu acho que sim. A pessoa quando faz a música ele está falando o que ele sente, como ele sente. É semelhante ao que sente as outras pessoas que estão vivendo o mesmo momento. E especialmente as que são da mesma idade, que moram no mesmo país e no mesmo tempo. Aí é uma coisa.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: como se respirava liberdade e arte em Ouro Preto?
FERNANDO BRANT: eu acho que em Ouro Preto no Festival de Inverno se respirava liberdade e arte o tempo todo. Apesar das dificuldades, o Festival de Inverno era um Festival de criatividade e arte.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Ouro Preto apresenta também a mineiridade?
FERNANDO BRANT: eu acho que exatamente. Esses vários povos que existem em Minas Gerais. Na verdade, Minas Gerais é o Estado que tem mais fronteiras e que tem mais contato com todos os Estados. Então, ele influencia....
FIM DA FITA 1 LADO 1
INÍCIO DA FITA 1 LADO 2
FERNANDO BRANT:... as várias regiões de Minas Gerais tem muitas diferenças, mas tem também algumas coisas que faz o mineiro um ser especial, eu acho. Que tem essa coisa: da cultura da liberdade e que gosta de cultura. E um cara normalmente reservado, hospitaleiro, recebe bem as pessoas e fraterno. Eu acho que um monte de qualidades do mineiro. O que é de Minas é de Ouro Preto como é de Diamantina, de São João Del Rey.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: estas músicas de vocês levam Minas Gerais para o mundo inteiro?
FERNANDO BRANT: eu tenho a impressão que sim, pois quando você está fazendo você não está nem pensando nisso. Você está fazendo e expressando os seus sentimentos e as suas convicções. Mas como a gente é formado dentro deste ambiente, e que é um ambiente interessante, porque o mineiro tem essa coisa ao mesmo tempo da tradição, mas também ele tem visão. Ele é meio pé no chão e com olho no mundo. Que é um exemplo Juscelino Kubitschek, que ele fala em Minas Gerais. Mas ele tem uma visão do futuro e do desenvolvimento. De uma certa maneira na obra da gente a gente falou e continua falando de Minas Gerais, porque é o nosso jeito de ser. É a nossa terra. E isso é reconhecido por várias pessoas que estudam música popular e entende essa coisa. E consegue separar muito bem o que é música de Minas Gerais, o que é música brasileira em geral e a típica música mineira. A gente tem uma tradição na música por causa dos religiosos que a gente ouvia quando era pequeno. E por causa dessas várias influências, quer dizer tinha o negócio de uma harmonia mais bem elaborada. E mesmo de poesia e de palavras, a gente não gosta de jogar muita conversa fora, não (risos).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e as figuras de Minas? Juscelino foi exemplo da política que levou este “espírito” de Minas para outros lugares?
FERNANDO BRANT: Juscelino é um exemplo de política. Ele que ao mesmo tempo veio do interior de Minas Gerais e que era uma coisa para ser provinciano e ele não era. Ele era um cara que tinha uma visão de mundo. Às vezes eu brinco até que a gente fica no alto da montanha e é melhor para ficar observando (risos). Entende melhor o plano geral das coisas. E tem Juscelino. Na música tem Milton Nascimento. E aí você tem o Guimarães Rosa, o Carlos Drummond de Andrade, o Murilo Mendes. Aí tem tanta gente... Francisco Iglesias. Minas Gerais tem uma quantidade.. e são pessoas que as vezes tem um trabalho maravilhoso e elas não se divulga. Elas não estão muito a fim de badalo. Então, às vezes o cara tem uma obra fantástica, e só é conhecido mais só por aqui mesmo. Ou é reconhecido no Brasil e não tem muita coisa em cima. Ou tem muito folclore em cima. Eu acho que aqui é uma terra que o pessoal dá muita consistência e menos aparência.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: então, você acha que o mineiro é no geral muito cercado por estas montanhas e sai pouco delas do ponto de vista cultural?
FERNANDO BRANT: pelo menos eu sempre convivi com as coisas daqui, mas estava sempre de olho no que estava acontecendo no mundo inteiro.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: tem esta questão de ficar muito restrito...
FERNANDO BRANT: às vezes as pessoas não querem sair para enfrentar o mundo. Fica no seu quintal ali. Aí depende. Tem muita gente que fica mesmo e não quer sair de jeito nenhum. Em termos de morar eu continuando achando que morar em Minas é melhor. Eu vou lá faço as coisas e volto pra cá. Igual a beija-flor (risos).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você não mudaria de Minas?
FERNANDO BRANT: não. De jeito nenhum. Eu gosto de passear, de viajar, conhecer novos lugares e depois voltar para casa.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: em Ouro Preto você falou que fez aquelas matérias para O Cruzeiro...
FERNANDO BRANT:... e ia lá uns fins de semana. Às vezes tinha um sholl e a gente saia daqui. Ia lá e ficava até de manhã. Estas coisas que todo mundo faz.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: lá você escreveu sobre Ouro Preto mais algumas coisas além das matérias que foram feitas?
FERNANDO BRANT: eu não sei, tem que ver.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: músicas?
FERNANDO BRANT: eu acho que a coisa de Ouro Preto como eu convivia entra. O espírito entra.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: igual tem aquela história que eu te contei sobre a música de vocês Paisagem da Janela.
FERNANDO BRANT: pois é. Deixa pensar, porque evidentemente cabe. É gozado que aqui uma vez me perguntaram um vizinho se não tinha feito aqui, porque aqui tem uma igreja metodista, tem um muro branco e tem a janela lateral. Quer dizer, eu nunca pensei nisso. Mas na verdade no momento de fazer a letra eu morava na casa do meu pai e da minha mãe lá nos Funcionários/Serra. Mas estas coisas de Ouro Preto e de Minas Gerais sempre estão presentes mesmo que não seja diretamente, mas estão no espírito das coisas que a gente faz.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: por exemplo, em Ouro Preto teve muitas críticas sobre os grandes eventos, como o “sholl do Skank”, que falaram que ia destruir a cidade.
FERNANDO BRANT: tem isso. Tem gente que gosta e tem gente que não gosta, porque está tirando o sossego delas. Mas de qualquer maneira a riqueza de Ouro Preto e cultura e turismo. Você tem que ter atração, porque você pode encontrar uma maneira de não perturbar muito a vida das pessoas. Mas você tem que ter este tipo de coisas porque senão a atividade econômica cai e aí que vai reclamar muito mais. Não é verdade?
OTÁVIO LUIZ MACHADO: é com certeza. Você acha que Ouro Preto pode ser considerada uma cidade universitária?
FERNANDO BRANT: eu acho. E acho que é um lugar perfeito. Se fosse toda universidade, seria uma maravilhosa, seria uma cidade-universidade. Aí não teria este problema.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: com certeza. As universidades em cidades do interior são bem mais aconchegantes. Você estudou na capital.
FERNANDO BRANT: mas só tem que a cidade era muito menor. A gente andava a pé, no máximo um ônibus. A cidade era muito menor e não tinha esse peso. Agora hoje a cidade cresceu demais. Essa e todas as capitais. Aí a vida é mais complicada, é mais violenta, é mais tumultuada. E realmente para estudar e para conviver com pessoas era melhor porque você ficava concentrado. Mesmo a diversão você está tendo um aprendizado de sociabilidade, de socialização. Eu acho legal.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e o João Bosco e Ouro Preto?
FERNANDO BRANT: aí eu não sei. Eu acho que ajudou muito porque co o ele gostava de música ele tinha ali muito tempo. Ele estudava, mas tinha tempo de trabalhar o negócio da música dele. Eu acho que evidentemente que o ambiente foi propício para ele no começo. Na formação dele.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e iam muitos intelectuais a Ouro Preto.
FERNANDO BRANT: esse pessoal ia porque Ouro Preto sempre foi muito cativante. Agora era muito mais difícil chegar lá, era mais complicado antigamente.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você já ouviu falar do movimento por Ouro Preto, que era um movimento ecológico?
FERNANDO BRANT: era contra a Alcan.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: era.
FERNANDO BRANT: aquilo ali era uma poluição fudida. Como é que anda lá?
OTÁVIO LUIZ MACHADO: melhorou um pouco com umas melhorias lá. Mas à noite da pra perceber uma fumaça preta, esquisita, braba e fedorenta. E este Movimento por Ouro Preto foi um dos primeiros movimentos ecológicos e também do Patrimônio. Qual a última vez que visitou Ouro Preto?
FERNANDO BRANT: o ano passado.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: no Festival?
FERNANDO BRANT: não, não. Ouro Preto é um lugar bom para andar. Você pára ali e fica andando.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e o que pensa de Ouro Preto em termos de comodidade?
FERNANDO BRANT: tem restaurantes bons. Eu não tenho ido lá para dormir muito. Geralmente eu vou de manhã e volto de noite. Eu sei que aumentou muito e tem um hotel fora da cidade.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o do Sesc.
FERNANDO BRANT: e ali tem que ter mesmo uma estrutura principalmente para o pessoal que fica lá. Para turista, principalmente para gastar (risos).
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Geralmente o turismo em Ouro Preto é de meio-dia.
FERNANDO BRANT: o pessoal vai e volta para Belo Horizonte. Eles ficam nestes hotéis aqui e vão de ônibus. É tão agradável ficar em Ouro Preto uma semana.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o que pensa da comemoração do 21 de abril?
FERNANDO BRANT: é simbólico da luta de querer libertar o Brasil, do mártir. O país precisa destes símbolos e acho importante. Os republicanos que forçaram muito esta data do Tiradentes e do 21 de abril. De afirmação do país. Igual o sete de setembro.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: como é o seu processo de criação? Tem uma rotina?
FERNANDO BRANT: tem, agora depende. Quando eu tenho uma coisa para fazer eu me preparo e tal. E aí pode ser aqui (na sala em que estávamos), eu tenho um laptop, pode ser a mão e nos caderninhos que eu tenho. Mas hoje eu uso computador. É bom que você apaga, vai lendo e mudando. É interessante. E o ambiente é a minha casa. Tenho quarto lá em cima,. Tenho o escritório.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você tem um local específico ou não?
FERNANDO BRANT: não, tenho vários. Tenho vários. Um lugar que estiver melhor, também (né). Às vezes pode estar ocupado porque tem pessoas. Então não tem isso não. Lugar é qualquer lugar.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você se preocupa em produzir muito?
FERNANDO BRANT: a quantidade eu acho que não é o mais importante. O mais importante é fazer uma coisa com consistência. De vez em quando é bom dar uma parada, ir acumulando coisas. E depois volta e faz. Para não repetir. Para ser uma coisa mais, crescente.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: tem aquele negócio da criação que é mais transpiração que inspiração. O que acha?
FERNANDO BRANT: eu acho que as duas coisas. Eu não sei. Eu acho que tem dia que está melhor. O que tem de inspiração eu acho que é nem esforço. É as coisas que você vai adquirindo na vida seja de leitura, de ouvir música, de ver cinema, de conversar com as pessoas, de conviver. Isto aí é uma bagagem. Você vai colocando coisa pra dentro. E na hora que você for fazer esta coisa te ajuda a achar o caminho. Agora, tem dia que o negócio sai mais rápido ou sai menos rápido. Até da sua disposição física do dia. Você estando de bem com a vida normalmente as coisas saem sempre mais fácil.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: tem que ter preparo físico também para criar?
FERNANDO BRANT: você tem que ter preparo físico para viver (risos). Eu acho que você estando bem aí você vai fazendo a coisa mais naturalmente.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: viajar é essencial?
FERNANDO BRANT: viajar é muito bom. Conhecer novos lugares e novas cidades.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e amigos?
FERNANDO BRANT: amigos é essencial. Amigo e família que são essenciais para você viver. Você tendo bons amigos e boa família as coisas vão muito mais fácil, você vai levando a vida mais tranqüilo. E aí você tem muito mais tranqüilidade na hora de trabalhar. Ajuda muito. A saúde física e mental na hora de fazer ajuda. Esse é o preparo que tem que ter. Você tendo um problema você faz também. Você estar tranqüilo é muito melhor para tudo.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você acredita que existem cidades propícias para a inspiração e a criação?
FERNANDO BRANT: eu acho que não. É o lugar que você se sente bem. Eu aqui em Belo Horizonte aqui em casa e se eu for para Ouro Preto ou se eu for para Diamantina é um negócio. Se você vai para o Rio de Janeiro andar a toa é outro. Eu vou lá para a reunião da UBC". Trata-se da União Brasileira de Compositores, com sede no Rio. Faço parte de sua Diretoria e, pelo menos uma vez ao mês, eu compareço às suas reuniões. Agora, é lógico que é bom. O ambiente quando é bom facilita.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: eu queria que você deixasse uma mensagem para o estudante que não conhece a cidade. Estão ali e não freqüentam a cidade.
FERNANDO BRANT: eu acho que uma pessoa que estuda em Ouro Preto e vive lá se não aproveitar e conhecer essa força que Ouro Preto tem de cultural e estas coisas sejam arquitetônica, seja de história. É uma maneira de ser meio cego para uma coisa que está ali e se for bem fluída vai fazer um bem enorme. Eu acho que você não está num lugar qualquer. Ouro preto é uma cidade muito especial que tem história, tem cultura e tem arte. Eu acho que é um aprendizado para a vida você entender a beleza que Ouro Preto tem.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o que seria isso?
FERNANDO BRANT: eu acho que elas têm que acordar para essa coisa bonita que elas não estão percebendo. Mas, na realidade, não é uma cidade, uma rua ou um prédio qualquer. Eu acho depende da pessoa se conscientizar disso. E o cara daqui há uns dez anos: “pô, eu podia ter”. É igual o que eu falei: é uma cidade ideal para ser uma universidade. Uma cidade-universidade.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: a república de estudante tem um caráter permanente e está dentro de uma cidade especial como Ouro Preto É uma possível uma convivência mesmo com as diferenças entre estudantes e população?
FERNANDO BRANT: isso aí é uma coisa de juntar os estudantes e as pessoas da cidade e conversar exatamente para se chegar num momento que um não incomode o outro e que tenha uma convivência boa. Acho que aí podia haver um movimento político e de cidadania do cidadão de Ouro Preto que ao invés de ficar brigando. Ter que fazer uma coisa para acabar com esse estranhamento e que as pessoas convivam legal, porque as repúblicas são importantes para Ouro Preto e as pessoas que moram lá também são importantes para as outras pessoas.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: os estudantes não tem muitos laços lá, mas pode passar a ter.
FERNANDO BRANT: exatamente.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: o problema é o de não se criar laços. Para se criar laços precisa conhecer.
FERNANDO BRANT: eu acho que está deixando de aprender muita coisa, porque tem o aprendizado na universidade e tem o aprendizado na cidade. A pessoa tem a fase de aprendizado e preciso aprender um pouco o social.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e tem os ex-alunos neste contexto.
FERNANDO BRANT: uns que aproveitaram bem a cidade ele também deve voltar porque gosta da cidade. Também sempre teve esse negócio que o cidadão de ouro preto também nunca se aproximou muito das pessoas de fora. Sempre houve um embate entre o cara de fora e o turista. Quando você chega em Diamantina.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: tem algum caso engraçado que você viveu em Ouro Preto?
FERNANDO BRANT: o caso engraçado eu comecei a te contar e não contei. Uma vez eu fui lá e até hoje eu me encontro com o pessoal que ficou preso junto comigo e que estava bebendo cerveja e estava uma discussão na turma da gente. Uma bobagem. Mas era tipo meia-noite uma hora da noite e veio marchando no meio da rua o cabo e dois soldados. Aí eu bati palmas. Aí eu fiquei umas três ou quatro horas preso. Aí eu fiquei nessa época chamando Ouro Preto de Arraial do Cabo (risos). Mas coisas da juventude.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e a universidade, como ela teria que proceder?
FERNANDO BRANT: eu acho que ela tem que dar um retorno para a cidade. Além dela formar para o país eu acho que ela tinha – e eu não sei se tem - um canal para conversar para a cidade. Às vezes tem coisas que a universidade pode fazer como alguns estudos para melhorar.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Fernando, naquela matéria que você fez em 1971 dizia que o Festival não era mais o mesmo. Por que você relatou isso?
FERNANDO BRANT: a impressão que eu tenho é que nos primeiros anos iniciais do Festival, 67 e 68, a ditadura não era um entrave. Estava mais ou menos livre a circulação de idéias e de pessoas. A partir de um determinado momento depois do AI-5 e do 477 o governo militar começou a perseguir qualquer ajuntamento de jovens e estudantes. E achava que reunião de pessoa para pensar e discutir qualquer coisa seria uma coisa subversiva. Então, de uma certa maneira aos poucos havia um sentimento mesmo de repressão, de medo, de ser vigiado. Apesar de que ainda tinha uma coisa de liberdade em relação ao dia a dia das outras cidades, quer dizer, você via que o governo militar estava de olho ali. Mandava polícia e chamava polícia. Já não era mais a cargo da guarnição local. Aí já era a cargo do DOPS, que era a polícia política. A universidade teve até dificuldade de dinheiro e condições de organizar o festival. Então, nessa coisa toda você vai sentindo que está tendo um dedo de fora perturbando o livre caminhar das coisas. Por isso é que falo que as pessoas aí já estavam meio desconfiadas do olho do grande irmão, o big brother.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: e você não poderia ser explícito quanto a isto?
FERNANDO BRANT: dessa matéria eu não podia falar. Eu criticava o clima como que era, mas falar diretamente era meio complicado, porque era uma revista normal que geralmente não publicava coisa contra o governo. Então entrava nessa. O texto vai indicando que a coisa era essa: o governo não está tão sereno, tem uma sonda em cima do sol da cultura que estava correndo lá.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: você sofreu alguma censura?
FERNANDO BRANT: não. Lá tinha essa vantagem. Porque não tinha matérias especificamente políticas. Igual eu te falei: eu escrevi sobre Julien Beck e o Living Theater. Os caras nem sabiam o que era isso. Depois que os caras se instalaram lá e que aí já tinha o DOPS ali. Geralmente não era para acontecer nada com eles, porque eles não eram diferentes do pessoal que ia lá do Festival de Inverno para Ouro Preto pessoal que ia fazer “show”. É que a coisa tinha mudado.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: a violência estava institucionalizada.
FERNANDO BRANT: a violência estava institucionalizada.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: para fechar em definitivo, mande um recado para o pessoal de Ouro Preto.
FERNANDO BRANT: eu acho que o estudante de Ouro Preto tem que prestar atenção na cidade em que ele esta morando e estudando. Ouro Preto é uma cidade especial e se ele penetrar bem nas entranhas de Ouro Preto e conhecer bens os museus, as igrejas e a história de Ouro Preto ele vai aprender muito para a vida. Eu acho que ele vai conhecer a riqueza de Ouro Preto e aproveitando eu acho que como pessoa ele vai poder crescer muito como cidadão brasileiro.
OTÁVIO LUIZ MACHADO: Fernando, obrigado.
FERNANDO BRANT: jóia.
segunda-feira, 16 de julho de 2007
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