Ferreira Gullar
A cultura como instrumento de transformação social
A função do CPC não era mudar o teatro brasileiro. O CPC da UNE teve sua importância maior no trabalho de conscientização, de levar, através do teatro, do cinema, da música, uma visão política para o meio universitário, para os trabalhadores. Essa era a proposta do CPC e temos que reconhecer, numa visão crítica, que os objetivos não foram plenamente alcançados. A proposta do CPC, de algum modo, simplificava a questão da relação entre cultura e consciência política. Acho que nós incorremos em alguns erros que, no final de 63, já haviam sido detectados e então começamos a discuti-los e a buscar soluções. No início do CPC, havia uma atitude um tanto radical que consistia em achar que o conceito de cultura popular devia ser entendido como a cultura que transforma, que conscientiza. Essa visão, que era generosa, na verdade implicava numa subestimação dos valores estéticos, como por exemplo, na parte de teatro: se a preocupação era levar certos conceitos políticos para o expectador menos consciente, como favelados e operários, então não existia uma preocupação maior quanto à elaboração dessa peça. A qualidade da dramaturgia, da linguagem teatral era secundária. A preocupação era fazer uma coisa bem simples, bem imediata, que pudesse ser entendida por qualquer pessoa. Isso significava que, do ponto de vista teatral, o produto era de qualidade inferior. Isso mostrou, ao mesmo tempo, que apesar dessa simplificação o público esperado também não correspondia. A gente ia à favela e o pessoal da favela não assistia, só criança ficava vendo ... um ou outro adulto que se afastava .. ficava sem entender. Alguns, depois, faziam perguntas sobre o que não entendiam, porque eles não tinham os dados necessários para compreender o que estava sendo mostrado ali, que era um problema muito complexo. Para nós , era muito simples falar de imperialismo, de exploração econômica, de dominação dos países latino-americanos. Para nós era muito simples, mas para o povão era uma coisa altamente complicada, porque eles não tinham os dados para compreender. Nós vimos isso e começamos a reavaliar a proposta do CPC. Isso foi em meados de 1963. Pouco depois, veio o golpe de 64 e a ditadura, de modo que essa autocrítica não foi levada à prática. Aliás, ela só foi efetivada com o Teatro Opinião , porque aí, nós, alguns membros do CPC, criamos um grupo teatral que se chamou Grupo Opinião e que, na verdade, levou à pratica a visão corrigida do CPC. E partimos, então, para a valorização do espetáculo teatral sem abrir mão da proposta política, que era o conteúdo do nosso trabalho, anteriormente, no CPC da UNE.
Ferreira Gullar é poeta e teatrólogo. Presidia o CPC da UNE quando ocorrei o golpe militar de 1964.
O Depoimento aqui foi publicado em: BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E DO DESPORTO. Une: reencontro do Brasil com a sua juventude. Brasília, 1994.
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