(Diante da efetiva falta de vontade da diretoria da UNE e da própria Fundação Roberto Marinho em contar a história da UNE no seu projeto que já está chegando a 2,5 milhões de Reais, nos esforçamos aqui em apresentar uma bibliografia e vários documentos que dão conta da história da UNE nos seus aspectos mais críticos)(Otávio Luiz Machado)
O nascimento da UNE (Rio de Janeiro, dezembro de 1938)
Após a eleição do Centro, o número de dezembro de 1938 de O Onze de Agosto anunciou que Spencer Vampré estava deixando a diretoria da Faculdade de Direito, cargo exercido por ele desde o início daquele ano. Em outra página do mesmo número, Antônio Sylvio Cunha Bueno, Ulisses Guimarães e três outros falaram de sua gratidão a Ademar de Barros e Pedro Ludovico Teixeira, interventores em São Paulo e em Goiás, pelas contribuições à campanha estudantil para pagar um monumento aos bandeirantes na cidade de Goiânia, recém-construída. Os cinco estudantes, interessados no desenvolvimento do Brasil central, haviam feito, de bom grado, uma viagem a Goiás[1]. Um artigo de João Paulo Bittencourt em O Onze de Agosto enfatizava a necessidade de as universidades se preocuparem com a política. Bittencourt atacava regimes “de asfixia vital, moral e intelectual”, exigindo-lhes “obediência absoluta aos seus interesses e mesmo propaganda” e esclarecia o “aspecto triste” das universidades na Itália, Alemanha e Rússia. Sob uma visão diferente, José Barbosa, estudante preparatoriano, elogiou o Estado Novo em um artigo de primeira página em O Universitário, órgão dos estudantes do curso pré-jurídico. Com o Estado Novo, escreve Barbosa, o Brasil “despertou da letargia romântica que o envolvia desde os tempos coloniais” e entrava em uma “vida nova, emancipando-se do velho e decantado liberalismo individualista”[2].
João Paulo Bittencourt, oponente ao autoritarismo, foi um dos dois estudantes de Direito de São Paulo que passaram parte de suas férias de verão no Rio de Janeiro como representantes da Faculdade no II Congresso Nacional de Estudantes. O congresso foi o resultado de um convite feito pela Casa do Estudante do Brasil (criada em 1929) e pelo Conselho Nacional de Estudantes (criado em agosto de 1937); esperava-se que o congresso continuasse o trabalho executado anteriormente de formar uma forte organização nacional dos estudantes[3]. Quando o congresso se reuniu, de 5 a 21 de dezembro de 1938, os representantes do Centro Onze de Agosto (Bittencourt e César Barbosa Filho) encontraram-se com os de cerca de oitenta faculdades e escolas secundárias. O Pernambuco Antonio Franca, estudante de Direito do Rio, anti-Vargas, propôs a criação da União Nacional de Estudantes (UNE), que seria apenas para estudantes universitários e separada da Casa do Estudante do Brasil. A 22 de dezembro de 1938, o Conselho Nacional de Estudantes teve sua segunda assembléia (a primeira realizou-se em agosto de 1937), aprovou os estatutos da UNE e escolheu os membros da diretoria desta. Valdir Ramos Borges, um gaúcho, tornou-se o presidente, Antônio Franca, secretário-geral, e César Barbosa Filho, do Centro Onze de Agosto, vice-presidente.
A UNE passou a ter um pequeno escritório nos alojamentos da Casa do Estudante do Brasil; entretanto discutia muito com a Casa e sua figura principal, Ana Amélia de Queiroz Carneiro de Mendonça, bonita filha de pais abastados e esposa de um famoso jogador de futebol[4]. Ana Amélia, que muito havia feito para a Casa do Estudante ser um lugar de pousada, comida e recreação para estudantes no Rio, considerava a UNE como uma das partes da Casa, e a UNE reclamava que a Casa procurava menosprezá-la e controlá-la. No fundo, escreve Arthur José Poerner, o caráter meramente assistencial e “profundamente governamental” da Casa do Estudante do Brasil entrara em choque com o tom ideológico antifascista constatado nas teses do II Congresso Nacional de Estudantes[5].
Futuros congressos da UNE poderiam esperar mais união entre as delegações da Universidade de São Paulo como resultado do esforço bem recompensado de Pupo Netto em formar o Conselho de Presidentes dos Centros Acadêmicos de São Paulo. O conselho passou a existir a 8 de maio de 1839, em uma reunião de presidentes do Centro Acadêmico Onze de Agosto (Direito), Centro Acadêmico Osvaldo Cruz (Medicina), Grêmio da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Grêmio Politécnico, Centro Acadêmico 25 de janeiro (Farmácia e Odontologia) e Centro Acadêmico de Medicina Veterinária[6]. A primeira medida do conselho, liderado por Pupo Netto, foi enviar uma petição a Ademar de Barros fazendo objeções à proposta de dobrar os duzentos mil-réis da taxa de matrícula anual dos estudantes. Em resposta, o interventor concordou que a taxa não seria aumentada em 1939[7].
FONTE: DULLES, John W. F. A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1984, p. 107-109.
[1] O Onze de Agosto, dezembro de 1938, pp. 38, 32. Antônio Sylvioi Cunha Bueno, entrevista, São Paulo, 19 de agosto de 1981.
[2] João Paulo Bittencourt, `Universidade e política´, O Onze de Agosto, dezembro de 1938, p. 6. José Barbosa, ´Balanço do ano´, O Universitário. Ano I, nº 2 (novembro de 1938).
[3] Para maiores informações, vide Arthur José Poerner, O poder jovem (Rio de Janeiro; Editora Civilização Brasileira, 1968), pp. 132-141, e ´UNE acaba 27 anos depois de surgir combatendo a ditadura´, Jornal do Brasil, 8 de novembro de 1964.
[4] José Gomes Talarico, entrevista, Rio de Janeiro, 17 de julho de 1982.
[5] Poerner, O poder jovem, pp. 140-151. O Estado de S. Paulo, de 6 a 25 de dezembro de 1938. Vide, em particular, a data de 21 de dezembro.
[6] ´Ata de constituição do Conselho de Presidentes dos Centros Acadêmicos de São Paulo´ , 8 de maio de 1839 (cópia em posse de Trajano Pupo Netto).
[7] A Balança, junho de 1939, agosto de 1939.
domingo, 22 de julho de 2007
quarta-feira, 18 de julho de 2007
DEPOIMENTO DE IRUN SANT`ANNA - SOBRE A FUNDAÇÃO DA UNE
PRÉ-HISTÓRIA DA UNE E SUA FUNDAÇÃO, INSTALAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO (BASEADA EM MINHAS MEMÓRIAS, NO LIVRO “O PODER JOVEM” DE ARTHUR JOSÉ POERNER E NA MEMÓRIA DE DANTE VIGGIANI)
IRUN SANT`ANNA[1]
Seja por doação, empréstimo ou mesmo aluguel, a Casa do Estudante veio a se instalar num velho casarão do Largo da Carioca. No 1º andar, após subir uma íngreme escada, um vasto salão estava instalado um bandejão (dos primeiros da época) frequentadíssimo. No segundo andar, o gabinete de Ana Amélia tendo em torno as salas da secretaria, da correspondência nacional e internacional e mais afastadas, as salas onde funcionavam a União Universitária Feminina, a Federação Atlética de Estudantes e outras entidades estudantis. Também havia um ambulatório no qual eu fui exercer, propositadamente, atividades para me inscrever na entidade, ali conquistando popularidade, baseado na minha longa experiência no ambulatório de doenças venéreas da Fundação Gaffrée Guinle, exercendo a principal especialidade da época, a urologia.
Tanto a minha ida para a Casa do Estudante como a de outros companheiros, coroavam mudanças de visão política dos estudantes comunistas. No período de 1934 a 1937 os estudantes comunistas se esforçaram em realizar congressos, criar e fazer funcionar entidades com cunho ideológico de esquerda e antifascista, mas desligadas da massa estudantil. Foi assim com o 1º Congresso da Juventude Operária-Estudantil, “cujo comitê dirigente e organizador era composto por Ivan Pedro de Martins (Presidente)[2], Carlos Lacerda (vice), Edmundo Muniz (secretário), Jorge Amado[3] e Medeiros Lima[4]”. Todos eles esquerdistas, comunistas ou acompanhando a linha da Juventude Comunista da época, exceto Edmundo Moniz, trotquista declarado. Todos eles foram presos ou tiveram que cair na clandestinidade após novembro de 35.
Foi assim com a União Democrática Estudantil que em 1936/37 surgiu como uma entidade antifascista de estudantes e que terminou com seus membros presos, perseguidos quando o General Newton Cavalcanti (integralista) criou na Vila Militar o primeiro e único campo de concentração do Brasil.
Da União Democrática Estudantil faziam parte os estudantes de Direito, Raul Lins e Silva, Medeiros Lima, Dante Viggiani, Hélio Walcacer, Carrera Guerra, Emílio Amorim, Gustavo Simões Barbosa e os estudantes de Medicina, Aurélio Monteiro, Milton José Lobato, Esmeraldino Mathias, Waldir Medeiros Duarte e eu. Todos comunistas ou simpatizantes.
Aqui, como em vários episódios da criação da UNE atuava Eliezer Schneider mais como dirigente da Juventude Comunista de que como estudante.
Apesar de não ter conseguido nunca ser um verdadeiro órgão estudantil, a U.D.E. teve naquela época, de repressão fascista, o papel que seu nome indicava. Suas notas, manifestos e outros materiais eram publicados religiosamente no conservador Jornal do Commercio e aleatoriamente em outros jornais.
Através de um simpatizante que trabalhava nos jornais Associados de Chato, aquelas mesmas matérias antifascistas eram transmitidas para o mundo, de madrugada, com a nossa participação, através das agências internacionais de notícias Havas e United Press, com sede no Chile.
Foi assim com a Associação Reivindicadora dos Estudantes de Medicina, que, apesar de levantar questões justas, como a faculdade gratuita (naqueles tempos não haviam Universidades e as taxas oficiais eram mais caras que as das faculdades particulares) ou medida para tornar pragmático o ensino, não tinha apoio dos estudantes por não se inserir no viés oficial dos Diretórios.
Após o fechamento da União Democrática Estudantil travou-se uma séria discussão política que levou à conclusão da necessidade de nos inserirmos nos órgãos oficiais dos estudantes. Cumprindo esta diretiva já no início de 1938, conquistávamos, em todo o Brasil, participação nos diretórios de várias faculdades.
Tornou-se claro para nós a necessidade de criar, em bases democráticas e sem arroubos esquerdistas, um órgão nacional de estudantes. Ana Amélia já se adiantara promovendo a instalação do 1º Congresso Nacional de Estudantes que veio a se denominar 2º Congresso, porque fomos comunicados pelo Dr. Jorge Dodsworth Martins, médico irmão do político Henrique Dodsworth, interventor federal no então Distrito Federal, que hoje é o Rio de Janeiro, de que já ajudara a realizar um 1º Congresso Nacional de Estudantes em São Paulo, em 1910.
Nosso objetivo era criar um lídimo órgão nacional dos estudantes de caráter representativo indiscutível, democrático, antifascista, voltado para os interesses dos estudantes, mas, ao mesmo tempo, ligado às grandes questões nacionais como a industrialização do país, a siderurgia, o petróleo.
“Cerca de 80 associações universitárias e secundárias, da maioria dos Estados, acorreram à convocação, participando no dia 05 de dezembro de 1938, às 20 h, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, da sessão de abertura do 2º Congresso, à qual compareceram muitos professores universitários e grande número de estudantes, além de um representante do Ministro da Educação. Inúmeros oradores se fizeram ouvir, na ocasião, entre eles o Prof. Evaristo de Morais, em nome dos mestres universitários, o futuro cientista nuclear José Leite Lopes, pela delegação estudantil pernambucana e Bercelino Maia[5], representando os estudantes secundários”.
Apesar de estarmos em pleno Estado Novo, o governador Getúlio Vargas teve que engolir o Congresso. Mas para termos idéia do ambiente opressor, o orador oficial Wagner Cavalcanti, para defender a democracia, teve que basear o seu discurso no do então presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, no Vassar College.
A preocupação com os problemas nacionais, da luta contra analfabetismo à implantação da siderurgia, se manifestou em muitas das 60 teses discutidas as 13 sessões plenárias, tais como “Os Estudantes e a Siderurgia”, de Marcelo de Meneses, da Faculdade de Direito da UB, “Orientação Universitária”, de Armando Calil[6] do Centro Acadêmico de Direito do Paraná, que alertou os colegas para “o perigo de ensinamentos reacionários’ e propôs a criação de uma cadeira de Sociologia em todos os cursos superiores, além de “considerar perigo iminente a absorção da Universidade pelo Estado”; “Função da Universidade”, de João Paulo Bittencourt[7], do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de S. Paulo, que enalteceu a importância da ação social universitária e pediu a cooperação das Escolas Naval e Militar, “considerando-as como institutos universitários”; “Consideração de Ordem Geral sobre Regime Universitário – Harmonia com a Realidade Brasileira e Orientação Teórico-Prática”, de Danilo Frasca, da Federação de Estudantes Universitários de Porto Alegre, que acentuou a necessidade de organização da Universidade” segundo um tipo brasileiro, conforme as condições que regulam nossa vida e as peculiaridades da nossa alma”, e de sua ligação à realidade do País; “Orientação Técnica e Profissional”, de Guilherme de Almeida e Silva, do Diretório Acadêmico da Escola Eletromecânica da Bahia, que sugeriu a manutenção de cursos especializados para técnicos, sobretudo para operários, nas Universidades, com vistas à industrialização do País e à “formação de uma mentalidade capaz de conquistar o Brasil para os brasileiros, na exploração intensiva e em grande escala de suas riquezas extraordinárias”; “Difusão da Cultura e Problema do Livro e Publicações, de Irun Sant´Anna[8], da Casa do Estudante do Brasil, que reivindicou o barateamento do preço do papel, mediante o fomento à instalação de fábricas nacionais e a concessão de facilidades de importação de maquinismo e técnicos, ao mesmo tempo que denunciou o “truste estrangeiro do papel” e os obstáculos antepostos à entrada, no País, ‘de qualquer livro que tenha um leve e fugidio tom de democracia, sob o pretexto de evitar penetrações de doutrinas exóticas”; “Difusão da Cultura”, de Medeiros Lima[9], da Federação Atlética de Estudantes, que encareceu “a necessidade de libertar a economia nacional da exploração imperialista”, pleiteou a redução das taxas e matrículas e a intensificação “da luta pela nacionalização do ensino” e recomendou que se pusesse termo à limitação do número das vagas nas escolas superiores; e “Educação de Adultos”, de Rubens Brito, da Casa do Estudante do Brasil, que sustentou a conveniência da criação de Universidades Populares, para fazer frente ao crescente analfabetismo.
...
Outras teses interessantes foram a “Situação Econômica do Estudante”, de Valdir Ramos Borges, da Federação dos Estudantes Universitários de Porto Alegre, que propôs o lançamento de uma campanha no sentido de mais Casas do Estudante, então já formadas em alguns Estados (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Espírito Santo); “A Mulher Estudante Frente ao Problema do Lar”, de Leda Boechat[10], da União Universitária Feminina, que defendeu, entre outros pontos altamente revolucionários para a época, a instituição do divórcio e do exame pré-nupcial obrigatório, bem como o amparo das leis trabalhistas à mulher; e, finalmente, “União Nacional dos Estudantes Brasileiros”, de Antônio Franca[11], do Diretório Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito, segundo o qual o Conselho Nacional de Estudantes demonstrara que, sem uniões estaduais, seria difícil a formação de uma organização estudantil nacional.
Antonio Franca, grande batalhador pela criação da UNE, da qual seria o secretário-geral e figura principal nos três primeiros anos, contribuiu, com sua tese, para a decisão mais transcendente do 2º Congresso, transformado, automaticamente, em 22 de dezembro (de 1938), na segunda assembléia do Conselho Nacional de Estudantes: a formação efetiva e o reconhecimento formal da UNE, bem como a aprovação dos seus Estatutos, pelos quais ela se tornou, oficialmente, “o órgão máximo de representação dos estudantes no Brasil para a defesa dos seus interesses”. O Conselho Nacional de Estudantes passou à condição de órgão deliberativo da UNE – exatamente o que seria, depois, o Congresso da UNE - e a nova entidade instalou sua sede e secretaria na Casa do Estudante do Brasil.
Face às considerações acima, somos daqueles que consideram como data da fundação da U.N.E. 22 de dezembro de 1938, ao término do 2º Congresso Nacional de Estudantes e não 11 de agosto de 1937. Esta data é a data anti-UNE por excelência, pois marcou a intenção de matá-la no nascedouro.
Ao Conselho Nacional de Estudantes cabia a eleição da Diretoria da UNE, o que cumpriu logo após a aprovação do Estatuto, na tarde de 22 de dezembro de 1938. Apurados votos, a primeira Diretoria oficial da UNE, com mandato de dezembro de 1938 a agosto de 1939, ficou assim constituída: presidente – o gaúcho Valdir Ramos Borges (posteriormente, próspero advogado, inclusive do ex-presidente João Goulart, de cujo último Ministro da Fazenda, Ney Galvão, chefiou o Gabinete); vice-presidente – Armando Calil[12], do Centro Acadêmico de Direito do Paraná; 2º vice-presidente – César Barbosa Filho, do Centro Acadêmico XI de Agosto; 3º vice-presidente – Newton Pimentel, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina do Recife; secretário-geral – Antônio Franca[13]; 1º secretário (de Relações Internacionais) – Clotilde Cavalcanti[14], da Casa do Estudante do Brasil; 2º secretário (de Relações Nacionais) – Américo Reis[15], do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Agronomia; e tesoureiro – Wagner Cavalcanti[16], do CACO.
À parte essas realizações e iniciativas, o maior problema da gestão de Valdir Borges constituiu no agravamento da crise que lavrara, desde a instalação do conclave anterior, nos bastidores da política estudantil, entre a UNE e a Casa do Estudante do Brasil
Aqui nos detemos para transcrever a notícia de uma ocorrência de suma importância, paralela ao II Congresso Nacional de Estudantes e totalmente esquecida. Para isso vamos nos servir do meu livro “Brasil, país sem futuro?”
Em 1938, quando organizamos o Congresso Nacional de Estudantes que consolidou (ou criou) a UNE, tivemos a idéia de promover um teatro universitário. Aprovada a idéia, procuramos Paschoal Carlos Magno, escritor, diplomata e um dos maiores agitadores culturais que o Brasil já teve. Este, não só aceitou como quis iniciar audaciosamente: Romeu e Julieta, de Shakespeare, no Teatro Municipal, com estudantes amadores, dirigidos pela grande dama do nosso teatro na época, Itália Fausta. Quase desmaiamos, mas não poderíamos recuar. Pois foi um sucesso.
Desta iniciativa resultou o início da carreira de Paulo Porto, Sônia Oiticica, Sandro Polônio, Iara Salles e vários outros.
Essa iniciativa foi o embrião, a nosso ver, do interesse da U.N.E. pelo teatro universitário, como registra o livro “O Poder Jovem”.
No mais, a segunda diretoria da U.N.E. procurou impulsionar bastante o teatro estudantil, através de uma comissão especialmente designada para esse fim – na qual despontava o estudante Mário Brasini – e da instituição de um Concurso Nacional de Peças ...
Voltando à política, é interessante verificar que a influência do Partido perdurou através de seus quadros de 1938 a 1942.
O 3º Conselho elegeu os nomes incumbidos de suceder a gestão de Valdir Borges. Com mandato de agosto de 1939 a julho de 1940, essa nova diretoria tinha entre seus membros: secretário-geral – Antônio Franca (reeleito)[17], presidente do CACO; secretário de Relações Nacionais – Américo Reis[18] (reeleito), presidente do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Agronomia; secretário de Relações Internacionais – Osvaldino Marques[19], do Centro Acadêmico Viveiros de Castro, da Faculdade de Direito do Maranhão e para o Conselho Consultivo Clotilde Cavalcanti[20] e Wagner Cavalcanti[21].
O 4º Conselho Nacional de Estudantes elegeu, em julho de 1940: Presidente – Luiz Pinheiro Paes Leme, do Diretório Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito e futuro vereador do Distrito Federal pela UDN; secretário-geral – Antônio Franca (novamente reeleito), do Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Brasil.
Foi esta dupla de um futuro udenista e um comunista, que, após o despejo da U.N.E. da Casa do Estudante, em 1940, manteve viva a chama da União Nacional dos Estudantes, de 1940 a 1942, para isso fazendo do apartamento de Paes Leme a sede da U.N.E.
Observações:
Estas notas foram escritas para:
1) Mostrar a quase absoluta participação do Partido Comunista na criação, fundação, instalação e consolidação da União Nacional dos Estudantes;
2) Que a hegemonia conquistada resultou da correta visão política de irmos participar dos órgãos oficiais e não a de fundar entidades sectárias, seguindo assim a política preconizada na época pelo grande líder comunista e sindicalista, de projeção mundial, o camarada Dmitrof.
Irun Sant´ Anna
Rio de Janeiro, abril de 1999.
[1] Depoimento por escrito repassado ao pesquisador Otávio Luiz Machado, em dezembro de 2005, após a gravação de seu depoimento.
[2] Este veio a ser um dos maiores oradores da Aliança Nacional Libertadora, disputando com Carlos Lacerda.
[3] Jorge Amado já ensaiava os primeiros passos do escritor que veio a ser.
[4] Medeiros Lima, o Medeirinho, terminou sua carreira pessoal como “socialite”.
[5] Comunista.
[6] Simpatizante comunista
[7] Dirigente da delegação paulista, foi o homem chave da derrota de Ana Amélia ao alinhar-se com as posições dos comunistas.
[8] Comunista militante.
[9] Comunista militante.
[10] Na época, namorada do futuro historiador José Honório Rodrigues, o qual, se não era comunista militante, fechava conosco em todas posições políticas.
[11] Comunista militante.
[12] Agitado esquerdista que se não era comunista fechava com os comunistas em todas as questões.
[13] Comunista militante.
[14] Futura esposa de Antônio Franca e cujas posições políticas veio adotar inteiramente.
[15] Comunista militante.
[16] Comunista militante.
[17] Comunista militante.
[18] Comunista militante.
[19] Comunista militante.
[20] Mulher de Antônio Franca.
[21] Comunista militante.
IRUN SANT`ANNA[1]
Seja por doação, empréstimo ou mesmo aluguel, a Casa do Estudante veio a se instalar num velho casarão do Largo da Carioca. No 1º andar, após subir uma íngreme escada, um vasto salão estava instalado um bandejão (dos primeiros da época) frequentadíssimo. No segundo andar, o gabinete de Ana Amélia tendo em torno as salas da secretaria, da correspondência nacional e internacional e mais afastadas, as salas onde funcionavam a União Universitária Feminina, a Federação Atlética de Estudantes e outras entidades estudantis. Também havia um ambulatório no qual eu fui exercer, propositadamente, atividades para me inscrever na entidade, ali conquistando popularidade, baseado na minha longa experiência no ambulatório de doenças venéreas da Fundação Gaffrée Guinle, exercendo a principal especialidade da época, a urologia.
Tanto a minha ida para a Casa do Estudante como a de outros companheiros, coroavam mudanças de visão política dos estudantes comunistas. No período de 1934 a 1937 os estudantes comunistas se esforçaram em realizar congressos, criar e fazer funcionar entidades com cunho ideológico de esquerda e antifascista, mas desligadas da massa estudantil. Foi assim com o 1º Congresso da Juventude Operária-Estudantil, “cujo comitê dirigente e organizador era composto por Ivan Pedro de Martins (Presidente)[2], Carlos Lacerda (vice), Edmundo Muniz (secretário), Jorge Amado[3] e Medeiros Lima[4]”. Todos eles esquerdistas, comunistas ou acompanhando a linha da Juventude Comunista da época, exceto Edmundo Moniz, trotquista declarado. Todos eles foram presos ou tiveram que cair na clandestinidade após novembro de 35.
Foi assim com a União Democrática Estudantil que em 1936/37 surgiu como uma entidade antifascista de estudantes e que terminou com seus membros presos, perseguidos quando o General Newton Cavalcanti (integralista) criou na Vila Militar o primeiro e único campo de concentração do Brasil.
Da União Democrática Estudantil faziam parte os estudantes de Direito, Raul Lins e Silva, Medeiros Lima, Dante Viggiani, Hélio Walcacer, Carrera Guerra, Emílio Amorim, Gustavo Simões Barbosa e os estudantes de Medicina, Aurélio Monteiro, Milton José Lobato, Esmeraldino Mathias, Waldir Medeiros Duarte e eu. Todos comunistas ou simpatizantes.
Aqui, como em vários episódios da criação da UNE atuava Eliezer Schneider mais como dirigente da Juventude Comunista de que como estudante.
Apesar de não ter conseguido nunca ser um verdadeiro órgão estudantil, a U.D.E. teve naquela época, de repressão fascista, o papel que seu nome indicava. Suas notas, manifestos e outros materiais eram publicados religiosamente no conservador Jornal do Commercio e aleatoriamente em outros jornais.
Através de um simpatizante que trabalhava nos jornais Associados de Chato, aquelas mesmas matérias antifascistas eram transmitidas para o mundo, de madrugada, com a nossa participação, através das agências internacionais de notícias Havas e United Press, com sede no Chile.
Foi assim com a Associação Reivindicadora dos Estudantes de Medicina, que, apesar de levantar questões justas, como a faculdade gratuita (naqueles tempos não haviam Universidades e as taxas oficiais eram mais caras que as das faculdades particulares) ou medida para tornar pragmático o ensino, não tinha apoio dos estudantes por não se inserir no viés oficial dos Diretórios.
Após o fechamento da União Democrática Estudantil travou-se uma séria discussão política que levou à conclusão da necessidade de nos inserirmos nos órgãos oficiais dos estudantes. Cumprindo esta diretiva já no início de 1938, conquistávamos, em todo o Brasil, participação nos diretórios de várias faculdades.
Tornou-se claro para nós a necessidade de criar, em bases democráticas e sem arroubos esquerdistas, um órgão nacional de estudantes. Ana Amélia já se adiantara promovendo a instalação do 1º Congresso Nacional de Estudantes que veio a se denominar 2º Congresso, porque fomos comunicados pelo Dr. Jorge Dodsworth Martins, médico irmão do político Henrique Dodsworth, interventor federal no então Distrito Federal, que hoje é o Rio de Janeiro, de que já ajudara a realizar um 1º Congresso Nacional de Estudantes em São Paulo, em 1910.
Nosso objetivo era criar um lídimo órgão nacional dos estudantes de caráter representativo indiscutível, democrático, antifascista, voltado para os interesses dos estudantes, mas, ao mesmo tempo, ligado às grandes questões nacionais como a industrialização do país, a siderurgia, o petróleo.
“Cerca de 80 associações universitárias e secundárias, da maioria dos Estados, acorreram à convocação, participando no dia 05 de dezembro de 1938, às 20 h, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, da sessão de abertura do 2º Congresso, à qual compareceram muitos professores universitários e grande número de estudantes, além de um representante do Ministro da Educação. Inúmeros oradores se fizeram ouvir, na ocasião, entre eles o Prof. Evaristo de Morais, em nome dos mestres universitários, o futuro cientista nuclear José Leite Lopes, pela delegação estudantil pernambucana e Bercelino Maia[5], representando os estudantes secundários”.
Apesar de estarmos em pleno Estado Novo, o governador Getúlio Vargas teve que engolir o Congresso. Mas para termos idéia do ambiente opressor, o orador oficial Wagner Cavalcanti, para defender a democracia, teve que basear o seu discurso no do então presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, no Vassar College.
A preocupação com os problemas nacionais, da luta contra analfabetismo à implantação da siderurgia, se manifestou em muitas das 60 teses discutidas as 13 sessões plenárias, tais como “Os Estudantes e a Siderurgia”, de Marcelo de Meneses, da Faculdade de Direito da UB, “Orientação Universitária”, de Armando Calil[6] do Centro Acadêmico de Direito do Paraná, que alertou os colegas para “o perigo de ensinamentos reacionários’ e propôs a criação de uma cadeira de Sociologia em todos os cursos superiores, além de “considerar perigo iminente a absorção da Universidade pelo Estado”; “Função da Universidade”, de João Paulo Bittencourt[7], do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito de S. Paulo, que enalteceu a importância da ação social universitária e pediu a cooperação das Escolas Naval e Militar, “considerando-as como institutos universitários”; “Consideração de Ordem Geral sobre Regime Universitário – Harmonia com a Realidade Brasileira e Orientação Teórico-Prática”, de Danilo Frasca, da Federação de Estudantes Universitários de Porto Alegre, que acentuou a necessidade de organização da Universidade” segundo um tipo brasileiro, conforme as condições que regulam nossa vida e as peculiaridades da nossa alma”, e de sua ligação à realidade do País; “Orientação Técnica e Profissional”, de Guilherme de Almeida e Silva, do Diretório Acadêmico da Escola Eletromecânica da Bahia, que sugeriu a manutenção de cursos especializados para técnicos, sobretudo para operários, nas Universidades, com vistas à industrialização do País e à “formação de uma mentalidade capaz de conquistar o Brasil para os brasileiros, na exploração intensiva e em grande escala de suas riquezas extraordinárias”; “Difusão da Cultura e Problema do Livro e Publicações, de Irun Sant´Anna[8], da Casa do Estudante do Brasil, que reivindicou o barateamento do preço do papel, mediante o fomento à instalação de fábricas nacionais e a concessão de facilidades de importação de maquinismo e técnicos, ao mesmo tempo que denunciou o “truste estrangeiro do papel” e os obstáculos antepostos à entrada, no País, ‘de qualquer livro que tenha um leve e fugidio tom de democracia, sob o pretexto de evitar penetrações de doutrinas exóticas”; “Difusão da Cultura”, de Medeiros Lima[9], da Federação Atlética de Estudantes, que encareceu “a necessidade de libertar a economia nacional da exploração imperialista”, pleiteou a redução das taxas e matrículas e a intensificação “da luta pela nacionalização do ensino” e recomendou que se pusesse termo à limitação do número das vagas nas escolas superiores; e “Educação de Adultos”, de Rubens Brito, da Casa do Estudante do Brasil, que sustentou a conveniência da criação de Universidades Populares, para fazer frente ao crescente analfabetismo.
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Outras teses interessantes foram a “Situação Econômica do Estudante”, de Valdir Ramos Borges, da Federação dos Estudantes Universitários de Porto Alegre, que propôs o lançamento de uma campanha no sentido de mais Casas do Estudante, então já formadas em alguns Estados (Pernambuco, Ceará, Paraíba e Espírito Santo); “A Mulher Estudante Frente ao Problema do Lar”, de Leda Boechat[10], da União Universitária Feminina, que defendeu, entre outros pontos altamente revolucionários para a época, a instituição do divórcio e do exame pré-nupcial obrigatório, bem como o amparo das leis trabalhistas à mulher; e, finalmente, “União Nacional dos Estudantes Brasileiros”, de Antônio Franca[11], do Diretório Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito, segundo o qual o Conselho Nacional de Estudantes demonstrara que, sem uniões estaduais, seria difícil a formação de uma organização estudantil nacional.
Antonio Franca, grande batalhador pela criação da UNE, da qual seria o secretário-geral e figura principal nos três primeiros anos, contribuiu, com sua tese, para a decisão mais transcendente do 2º Congresso, transformado, automaticamente, em 22 de dezembro (de 1938), na segunda assembléia do Conselho Nacional de Estudantes: a formação efetiva e o reconhecimento formal da UNE, bem como a aprovação dos seus Estatutos, pelos quais ela se tornou, oficialmente, “o órgão máximo de representação dos estudantes no Brasil para a defesa dos seus interesses”. O Conselho Nacional de Estudantes passou à condição de órgão deliberativo da UNE – exatamente o que seria, depois, o Congresso da UNE - e a nova entidade instalou sua sede e secretaria na Casa do Estudante do Brasil.
Face às considerações acima, somos daqueles que consideram como data da fundação da U.N.E. 22 de dezembro de 1938, ao término do 2º Congresso Nacional de Estudantes e não 11 de agosto de 1937. Esta data é a data anti-UNE por excelência, pois marcou a intenção de matá-la no nascedouro.
Ao Conselho Nacional de Estudantes cabia a eleição da Diretoria da UNE, o que cumpriu logo após a aprovação do Estatuto, na tarde de 22 de dezembro de 1938. Apurados votos, a primeira Diretoria oficial da UNE, com mandato de dezembro de 1938 a agosto de 1939, ficou assim constituída: presidente – o gaúcho Valdir Ramos Borges (posteriormente, próspero advogado, inclusive do ex-presidente João Goulart, de cujo último Ministro da Fazenda, Ney Galvão, chefiou o Gabinete); vice-presidente – Armando Calil[12], do Centro Acadêmico de Direito do Paraná; 2º vice-presidente – César Barbosa Filho, do Centro Acadêmico XI de Agosto; 3º vice-presidente – Newton Pimentel, do Diretório Acadêmico da Faculdade de Medicina do Recife; secretário-geral – Antônio Franca[13]; 1º secretário (de Relações Internacionais) – Clotilde Cavalcanti[14], da Casa do Estudante do Brasil; 2º secretário (de Relações Nacionais) – Américo Reis[15], do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Agronomia; e tesoureiro – Wagner Cavalcanti[16], do CACO.
À parte essas realizações e iniciativas, o maior problema da gestão de Valdir Borges constituiu no agravamento da crise que lavrara, desde a instalação do conclave anterior, nos bastidores da política estudantil, entre a UNE e a Casa do Estudante do Brasil
Aqui nos detemos para transcrever a notícia de uma ocorrência de suma importância, paralela ao II Congresso Nacional de Estudantes e totalmente esquecida. Para isso vamos nos servir do meu livro “Brasil, país sem futuro?”
Em 1938, quando organizamos o Congresso Nacional de Estudantes que consolidou (ou criou) a UNE, tivemos a idéia de promover um teatro universitário. Aprovada a idéia, procuramos Paschoal Carlos Magno, escritor, diplomata e um dos maiores agitadores culturais que o Brasil já teve. Este, não só aceitou como quis iniciar audaciosamente: Romeu e Julieta, de Shakespeare, no Teatro Municipal, com estudantes amadores, dirigidos pela grande dama do nosso teatro na época, Itália Fausta. Quase desmaiamos, mas não poderíamos recuar. Pois foi um sucesso.
Desta iniciativa resultou o início da carreira de Paulo Porto, Sônia Oiticica, Sandro Polônio, Iara Salles e vários outros.
Essa iniciativa foi o embrião, a nosso ver, do interesse da U.N.E. pelo teatro universitário, como registra o livro “O Poder Jovem”.
No mais, a segunda diretoria da U.N.E. procurou impulsionar bastante o teatro estudantil, através de uma comissão especialmente designada para esse fim – na qual despontava o estudante Mário Brasini – e da instituição de um Concurso Nacional de Peças ...
Voltando à política, é interessante verificar que a influência do Partido perdurou através de seus quadros de 1938 a 1942.
O 3º Conselho elegeu os nomes incumbidos de suceder a gestão de Valdir Borges. Com mandato de agosto de 1939 a julho de 1940, essa nova diretoria tinha entre seus membros: secretário-geral – Antônio Franca (reeleito)[17], presidente do CACO; secretário de Relações Nacionais – Américo Reis[18] (reeleito), presidente do Diretório Acadêmico da Escola Nacional de Agronomia; secretário de Relações Internacionais – Osvaldino Marques[19], do Centro Acadêmico Viveiros de Castro, da Faculdade de Direito do Maranhão e para o Conselho Consultivo Clotilde Cavalcanti[20] e Wagner Cavalcanti[21].
O 4º Conselho Nacional de Estudantes elegeu, em julho de 1940: Presidente – Luiz Pinheiro Paes Leme, do Diretório Acadêmico da Faculdade Nacional de Direito e futuro vereador do Distrito Federal pela UDN; secretário-geral – Antônio Franca (novamente reeleito), do Diretório Central dos Estudantes da Universidade do Brasil.
Foi esta dupla de um futuro udenista e um comunista, que, após o despejo da U.N.E. da Casa do Estudante, em 1940, manteve viva a chama da União Nacional dos Estudantes, de 1940 a 1942, para isso fazendo do apartamento de Paes Leme a sede da U.N.E.
Observações:
Estas notas foram escritas para:
1) Mostrar a quase absoluta participação do Partido Comunista na criação, fundação, instalação e consolidação da União Nacional dos Estudantes;
2) Que a hegemonia conquistada resultou da correta visão política de irmos participar dos órgãos oficiais e não a de fundar entidades sectárias, seguindo assim a política preconizada na época pelo grande líder comunista e sindicalista, de projeção mundial, o camarada Dmitrof.
Irun Sant´ Anna
Rio de Janeiro, abril de 1999.
[1] Depoimento por escrito repassado ao pesquisador Otávio Luiz Machado, em dezembro de 2005, após a gravação de seu depoimento.
[2] Este veio a ser um dos maiores oradores da Aliança Nacional Libertadora, disputando com Carlos Lacerda.
[3] Jorge Amado já ensaiava os primeiros passos do escritor que veio a ser.
[4] Medeiros Lima, o Medeirinho, terminou sua carreira pessoal como “socialite”.
[5] Comunista.
[6] Simpatizante comunista
[7] Dirigente da delegação paulista, foi o homem chave da derrota de Ana Amélia ao alinhar-se com as posições dos comunistas.
[8] Comunista militante.
[9] Comunista militante.
[10] Na época, namorada do futuro historiador José Honório Rodrigues, o qual, se não era comunista militante, fechava conosco em todas posições políticas.
[11] Comunista militante.
[12] Agitado esquerdista que se não era comunista fechava com os comunistas em todas as questões.
[13] Comunista militante.
[14] Futura esposa de Antônio Franca e cujas posições políticas veio adotar inteiramente.
[15] Comunista militante.
[16] Comunista militante.
[17] Comunista militante.
[18] Comunista militante.
[19] Comunista militante.
[20] Mulher de Antônio Franca.
[21] Comunista militante.
segunda-feira, 16 de julho de 2007
DECRETO Nº 64.305 - suspende a Federação de Estudantes da UnB
Senado FederalSubsecretaria de Informações
Data
Link
02/04/1969
Referência
DECRETO Nº 64.305, DE 2 DE ABRIL DE 1969.
Suspende o funcionamento da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), com sede no Distrito Federal.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o art. 83, item ll, da Constituição, e atendendo ao que consta do Processo M.J. 36.958, de 1968,
DECRETA:
Art 1º Fica suspenso, nos têrmos do art. 6º do Decreto-lei nº 9.085, de 25 de março de 1946, alterado pelo Decreto-lei nº 8, de 16 de junho de 1966, o funcionamento da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), até o trânsito em julgado da ação dissolutória, por exercer atividades ilícitas, nocivas e perigosas à ordem pública e social.
Art 2º Êste decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 2 de abril de 1969; 148º da Independência e 81º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
Data
Link
02/04/1969
Referência
DECRETO Nº 64.305, DE 2 DE ABRIL DE 1969.
Suspende o funcionamento da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), com sede no Distrito Federal.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o art. 83, item ll, da Constituição, e atendendo ao que consta do Processo M.J. 36.958, de 1968,
DECRETA:
Art 1º Fica suspenso, nos têrmos do art. 6º do Decreto-lei nº 9.085, de 25 de março de 1946, alterado pelo Decreto-lei nº 8, de 16 de junho de 1966, o funcionamento da Federação dos Estudantes da Universidade de Brasília (FEUB), até o trânsito em julgado da ação dissolutória, por exercer atividades ilícitas, nocivas e perigosas à ordem pública e social.
Art 2º Êste decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 2 de abril de 1969; 148º da Independência e 81º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
DECRETO Nº 61.609 - suspende União Paranaense de Estudantes
Senado FederalSubsecretaria de Informações
Data
Link
24/10/1967
Referência
DECRETO Nº 61.609, DE 24 DE OUTUBRO DE 1967.
Suspende o funcionamento da "União Paranaense dos Estudantes".
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o artigo 83, item II, da Constituição, e tendo em vista o que consta do Processo nº 20.989, de 1967, do Ministério da Justiça,
DECRETA:
Art 1º Fica suspenso nos têrmos do art. 6º, do Decreto-lei 9.085, de 25 de março de 1946, modificado pelo Decreto-lei nº 8, de 16 de junho de 1965, o funcionamento da "União Paranaense dos Estudantes".
Art 2º O Ministério Público Federal proporá a ação de dissolução da entidade a que se refere o artigo anterior.
Art 3º Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 24 de outubro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
Data
Link
24/10/1967
Referência
DECRETO Nº 61.609, DE 24 DE OUTUBRO DE 1967.
Suspende o funcionamento da "União Paranaense dos Estudantes".
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando da atribuição que lhe confere o artigo 83, item II, da Constituição, e tendo em vista o que consta do Processo nº 20.989, de 1967, do Ministério da Justiça,
DECRETA:
Art 1º Fica suspenso nos têrmos do art. 6º, do Decreto-lei 9.085, de 25 de março de 1946, modificado pelo Decreto-lei nº 8, de 16 de junho de 1965, o funcionamento da "União Paranaense dos Estudantes".
Art 2º O Ministério Público Federal proporá a ação de dissolução da entidade a que se refere o artigo anterior.
Art 3º Êste Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 24 de outubro de 1967; 146º da Independência e 79º da República.
A. COSTA E SILVA
Luís Antônio da Gama e Silva
DECRETO Nº 58.921 - suspende UEE MG
Senado FederalSubsecretaria de Informações
Data
Link
27/07/1966
Referência
DECRETO Nº 58.921, DE 27 DE JULHO DE 1966.
Suspende as atividades da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, item I, da Constituição e a Legislação em vigor:
CONSIDERANDO que, segundo dados colhidos pelo Serviço Nacional de Informações, a União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais, sociedade civil, com sede em Belo Horizonte, vem desenvolvendo atividades de caráter subversivo;
CONSIDERANDO que essa atividade consiste no aliciamento de adeptos em várias cidades de Minas Gerais como Juiz de Fora, Ouro Preto, Viçosa, Alfenas, Montes Claros, Diamantina, Santa Rita, Pouso Alegre, Uberaba e Uberlândia:
CONSIDERANDO que a partir de fevereiro de 1965 tem convocado reuniões e congressos estudantis, com o propósito de discutir temas de cunho exclusivamente político, de todo estranhos às atividades escolares;
CONSIDERANDO que, nessas reuniões, da escolha dos assuntos a debater ressalta inequívoca inspiração comunista;
CONSIDERANDO que a referida entidade está propiciando, por todos os meios, a realização de um Congresso em Belo Horizonte, promovido pela União Nacional de Estudantes, entidade cujas atividades foram suspensas pelo Decreto nº 57.634, de 14 de janeiro de 1966,
DECRETA:
Art 1º Ficam suspensas, pelo prazo de seis meses, as atividades da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais, sociedade civil, com sede em Belo Horizonte.
Art 2º O Ministério Público Federal, nos têrmos da legislação em vigor, promoverá a dissolução judicial da referida sociedade.
Art. 3º Êste decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 27 de julho d 1966; 145º da Independência e 78º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Carlos Medeiros Silva
Data
Link
27/07/1966
Referência
DECRETO Nº 58.921, DE 27 DE JULHO DE 1966.
Suspende as atividades da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , no uso das atribuições que lhe confere o art. 87, item I, da Constituição e a Legislação em vigor:
CONSIDERANDO que, segundo dados colhidos pelo Serviço Nacional de Informações, a União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais, sociedade civil, com sede em Belo Horizonte, vem desenvolvendo atividades de caráter subversivo;
CONSIDERANDO que essa atividade consiste no aliciamento de adeptos em várias cidades de Minas Gerais como Juiz de Fora, Ouro Preto, Viçosa, Alfenas, Montes Claros, Diamantina, Santa Rita, Pouso Alegre, Uberaba e Uberlândia:
CONSIDERANDO que a partir de fevereiro de 1965 tem convocado reuniões e congressos estudantis, com o propósito de discutir temas de cunho exclusivamente político, de todo estranhos às atividades escolares;
CONSIDERANDO que, nessas reuniões, da escolha dos assuntos a debater ressalta inequívoca inspiração comunista;
CONSIDERANDO que a referida entidade está propiciando, por todos os meios, a realização de um Congresso em Belo Horizonte, promovido pela União Nacional de Estudantes, entidade cujas atividades foram suspensas pelo Decreto nº 57.634, de 14 de janeiro de 1966,
DECRETA:
Art 1º Ficam suspensas, pelo prazo de seis meses, as atividades da União Estadual dos Estudantes de Minas Gerais, sociedade civil, com sede em Belo Horizonte.
Art 2º O Ministério Público Federal, nos têrmos da legislação em vigor, promoverá a dissolução judicial da referida sociedade.
Art. 3º Êste decreto entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 27 de julho d 1966; 145º da Independência e 78º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Carlos Medeiros Silva
DECRETO Nº 57.634 - suspende a UNE
Senado FederalSubsecretaria de Informações
Data
Link
14/01/1966
Referência
DECRETO Nº 57.634, DE 14 DE JANEIRO DE 1966.
Suspende as atividades da União Nacional dos Estudantes (UNE).
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando das atribuições que lhe confere o art. 87, Item I, da Constituição e tendo em vista o que consta do Processo M.J.N.I. nº 60.914, de 1965 com fundamento no art. 6º do Decreto-Lei nº 9.085, de 25 de março de 1946,
DECRETA:
Art 1 º Ficam suspensas, pelo prazo de seis meses, as atividades da União Nacional de Estudantes (UNE), em todo o território Nacional.
Art 2 º O Ministério Público Federal, nos têrmos do parágrafo único do art. 6º do Decreto-Lei nº 9.085, de 25 de março de 1946, promoverá a dissolução judicial da sociedade.
Art 3 º O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 14 de janeiro de 1966; 145º da Independência e 78 º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Juracy Magalhães
Data
Link
14/01/1966
Referência
DECRETO Nº 57.634, DE 14 DE JANEIRO DE 1966.
Suspende as atividades da União Nacional dos Estudantes (UNE).
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA , usando das atribuições que lhe confere o art. 87, Item I, da Constituição e tendo em vista o que consta do Processo M.J.N.I. nº 60.914, de 1965 com fundamento no art. 6º do Decreto-Lei nº 9.085, de 25 de março de 1946,
DECRETA:
Art 1 º Ficam suspensas, pelo prazo de seis meses, as atividades da União Nacional de Estudantes (UNE), em todo o território Nacional.
Art 2 º O Ministério Público Federal, nos têrmos do parágrafo único do art. 6º do Decreto-Lei nº 9.085, de 25 de março de 1946, promoverá a dissolução judicial da sociedade.
Art 3 º O presente Decreto entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Brasília, 14 de janeiro de 1966; 145º da Independência e 78 º da República.
H. CASTELLO BRANCO
Juracy Magalhães
DECRETO LEI N. 4.105 - RECONHECE A UNE
Senado FederalSubsecretaria de Informações
Data
Link
11/02/1942
Referência
DECRETO-LEI N. 4.105 – DE 11 DE FEVEREIRO DE 1942
Reconhece a União Nacional dos Estudantes como entidade coordenadora e representativa dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino superior
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º A União Nacional dos Estudantes, fundada a 11 de agosto de 1937, é considerada a entidade coordenadora e representativa dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino superior de todo o país.
Art. 2º A União Nacional dos Estudantes reger-se-á pelos seus estatutos, aprovados por decreto do Presidente da República.
Art. 3º O Ministro da Educação convocará uma assembléia representativa dos diretórios acadêmicos dos estabelecimentos de ensino superior, federais, reconhecidos ou autorizados, para elaboração dos estatutos referidos no artigo anterior e eleição, para o seguinte mandato, dos orgãos de direção que forem instituídos.
Art. 4º Até a decretação dos novos estatutos da União Nacional dos Estudantes, vigorarão os atuais.
Art. 5º Fica incorporada à União Nacional dos Estudantes a Confederação dos Desportos Universitários, instituída pelo decreto-lei n. 3.617, de 15 de setembro de 1941.
Art 6º Este decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º Ficam revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
Data
Link
11/02/1942
Referência
DECRETO-LEI N. 4.105 – DE 11 DE FEVEREIRO DE 1942
Reconhece a União Nacional dos Estudantes como entidade coordenadora e representativa dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino superior
O Presidente da República, usando da atribuição que lhe confere o art. 180 da Constituição,
DECRETA:
Art. 1º A União Nacional dos Estudantes, fundada a 11 de agosto de 1937, é considerada a entidade coordenadora e representativa dos corpos discentes dos estabelecimentos de ensino superior de todo o país.
Art. 2º A União Nacional dos Estudantes reger-se-á pelos seus estatutos, aprovados por decreto do Presidente da República.
Art. 3º O Ministro da Educação convocará uma assembléia representativa dos diretórios acadêmicos dos estabelecimentos de ensino superior, federais, reconhecidos ou autorizados, para elaboração dos estatutos referidos no artigo anterior e eleição, para o seguinte mandato, dos orgãos de direção que forem instituídos.
Art. 4º Até a decretação dos novos estatutos da União Nacional dos Estudantes, vigorarão os atuais.
Art. 5º Fica incorporada à União Nacional dos Estudantes a Confederação dos Desportos Universitários, instituída pelo decreto-lei n. 3.617, de 15 de setembro de 1941.
Art 6º Este decreto-lei entrará em vigor na data de sua publicação.
Art. 7º Ficam revogadas as disposições em contrário.
Rio de Janeiro, 11 de fevereiro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.
GETULIO VARGAS.
Gustavo Capanema.
Depoimento de José Gomes Talarico - Mais elementos sobre a data da Fundação da UNE
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
TALARICO, José Gomes. José Gomes Talarico I e II (depoimento, 1978/1979). Rio de Janeiro, CPDOC, 1982. 156 p. dat.
JOSÉ GOMES TALARICO I
(depoimento, 1978/1979)
Rio de Janeiro
1982
José Gomes Talarico I
1ª Entrevista: 15.09.1978
J.T.- Eu já estava vivendo no Rio de Janeiro, mas sou de São Paulo. No ano de 1940, quando foi proposta a concessão do título de doutor honoris causa da Universidade de São Paulo ao dr. Getúlio, título este concedido e aprovado pelo conselho universitário, o Centro Acadêmico Onze de Agosto e o Grêmio Politécnico se insurgiram estabelecendo uma campanha contrária à concessão do título. Surgiu aí uma crise muito violenta, tendo em vista o apego dos paulistas de 400 anos às tradições da Faculdade de Direito. Nesta ocasião – eu poderia fazer este relato mais tarde – isto me trouxe para o Rio de Janeiro. E a partir dos anos de 40, 41, 42, eu me integrei completamente no Rio. E como era amigo do pessoal do dr. Getúlio desde 1930, comecei a freqüentar o palácio depois das cinco horas, como todos os seus amigos.
(...)
C.G. - Como é que você convenceu esses paulistas de 400 anos a irem lá cumprimentar o Getúlio?
J.T. - Isso saiu da minha cabeça na hora. Nossa caravana tinha outros objetivos. Nessa época, estávamos construindo um estádio, o Osvaldo Cruz, na Faculdade de Medicina, que era do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz. E necessitávamos de algumas coisas que só a Central do Brasil possuía. Precisávamos, por exemplo, de cinza de carvão para a pista de atletismo. E quem tinha cinza de carvão era a Central do Brasil. Era preciso uma autorização especial do governo, aqui no Rio de Janeiro, para que pudéssemos tirar na estação do Norte este material. E havia outras necessidades , entre as quais uma que defendi junto ao dr. Getúlio: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente. Havia também necessidade de o governo dar uma ajuda material para que essas agremiações universitárias pudessem desenvolver seus programas. Dr. Getúlio, imediatamente, determinou que fossem conseguidos os recursos provenientes das taxas de matrículas do primeiro ano de qualquer escola em favor dos diretórios acadêmicos. Então, os diretórios acadêmicos passaram a receber, como subvenção anual, o resultante do pagamento das taxas do primeiro ano de qualquer faculdade. E, mais ainda. Defendíamos a necessidade de o governo, nessa ocasião, estabelecer uma norma definitiva para que os estudantes de todas as escolas superiores do Brasil pudessem realizar excursões culturais ou intercâmbio cultural entre elas. E o dr. Getúlio também autorizou que empresas de transportes estatais, de navegação e ferroviárias, concedessem, anualmente, 20 passagens para cada escola, sob a chefia de um professor da respectiva escola, visitar um outro estado. Este encontro com o dr. Getúlio resultou em algo muito positivo para a classe universitária. No momento em que falei, sugerindo a viagem, o dr. Getúlio disse: “Está deferido. Aqui está o ministro da Viação, que vai providenciar as passagens para que vocês possam ir nas férias ao Rio Grande do Sul.” Isto me custou um problema muito difícil porque, ao chegar em São Paulo, houve reação dos paulistas de 400 anos, dos que se opunham ao dr. Getúlio, que fizeram um movimento contra mim. Inclusive foram à minha espera na estação do Norte, quando regressamos do Rio de Janeiro. E houve até um embate entre o nosso grupo, que tinha estado aqui, e os que foram nos esperar para nos apupar, pelo fato de termos visitado o dr. Getúlio. Este fato foi muito debatido, muito criticado pela grande imprensa de São Paulo, que era então, a Folha, O Estado de São Paulo e outros jornais como o Correio Paulistano, que se insurgia contra a idéia de uma caravana de estudantes de São Paulo visitar o Rio Grande do Sul. Então, colocavam a questão como uma afronta, uma ofensa aos brios de São Paulo. De qualquer maneira, a caravana foi, com cerca de 80 estudantes, viajando pelo Lloyd Brasileiro, e teve uma das mais cativantes recepções, visitando Porto Alegre, Uruguaiana, Santana e Pelotas. Na realidade, isso constituiu o primeiro grande passo para a reaproximação do Rio Grande do Sul com São Paulo. Depois eu voltaria a me encontrar com o dr. Getúlio, quando, em 1938, ele foi vítima do ataque dos integralistas ao palácio Guanabara. Comigo à frente de uma delegação de São Paulo, aqui viemos para desagravá-lo e hipotecar nossa solidariedade naquela eventualidade. A partir daí os meus contatos com o dr. Getúlio foram mais crescentes. Em São Paulo, eu sempre trabalhava no sentido de fazer a sua imagem, a sua promoção. Até que, em 1939, viemos para a fundação da União Nacional dos Estudantes. Talvez vocês tivessem de fazer uma gravação especial porque este é um dos movimentos mais brilhantes que a mocidade universitária brasileira teve. A representação dos estudantes, até então, era a Casa do Estudante do Brasil, dirigida por Ana Amélia Carneiro de Mendonça. Mas, evidentemente, esta era uma instituição
beneficente brasileiro. E Ana Amélia era uma das damas de maior conceito no Rio de
Janeiro, vinda de famílias tradicionais entrelaçadas: Queirós, Mendonça Lima e Carneiro Mendonça. Isto constituiu um grande empecilho para que os estudantes formassem a UNE. Ela havia constituído, dentro da Casa do Estudante no Brasil, o Conselho Federal de Estudantes, mas nós, de São Paulo e daqui do próprio Rio de Janeiro, fazíamos movimento para a fundação da União Nacional dos Estudantes.
(...)
R.R. - E qual era a ligação que havia entre você, enquanto inspetor de ensino, e o
movimento estudantil de São Paulo?
J.T. - Eu era, nessa época, secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, e tinha sobre os meus ombros toda a responsabilidade do funcionamento desta instituição, que era o órgão representativo dos estudantes de medicina. Era também secretário da Federação Universitária Paulista de Esportes e presidente do Centro Acadêmico de Criminologia. Evidentemente, com essas três representações, eu participava dos movimentos estudantis de São Paulo e daqui do Rio de Janeiro. Inclusive, vim participar do congresso que resultou na fundação da União Nacional dos Estudantes. Depois, em 39, participei do II Congresso da UNE que foi feito por minha iniciativa. Fundamos, então, a Confederação Brasileira de Desportos Universitários.
(...)
C.G. - Talarico, outra coisa que também gostaria que você me caracterizasse melhor é a questão do movimento estudantil. O movimento estudantil em 30 e, depois, em 37, quando já começa a tomar corpo através da UNE. Para mim, parece que são dois momentos. Nos primeiros anos da década de 30, aparentemente, o movimento não tinha uma definição assim muito marcante...
J.T. - Bom, o movimento estudantil brasileiro tem várias fases. Ele tem, vamos dizer, uma fase de 1918 a 22, pouco levantada e pouco definida.
C.G. - Nessa época, inclusive, as próprias faculdades eram poucas.
J.T. - É, era um movimento feito muito na base da tradição, por exemplo, de Recife, de São Paulo, dos bacharéis e tal. Aqui, por exemplo, a Faculdade de Medicina da praia Vermelha tinha uma grande expressão. E depois, com o surgimento da Faculdade de Medicina, em São Paulo, da Escola Politécnica, da Escola Agrícola Luís de Queirós, em Piracicaba, começou a haver uma conscientização, isso a partir de 22. Essa consciência também se deu por influência dos movimentos operários e dos movimentos anarquistas, que começavam a apelar para que nas suas reuniões houvesse oradores estudantis. Aí é que começa, então, a participação do estudante na vida política brasileira. Eu me lembro que, já a partir de 22, 23, houve inclusive uma grande influência por parte de militares, que foram excluídos em função do movimento revolucionário de 22. A maior parte deles transformou-se em professor, ou de matemática ou de física, e, evidentemente, se apresentava assim como figura legendária. O movimento revolucionário de 22, 23 e de 24 começou a produzir líderes que, sacrificados, buscavam exatamente na profissão de professor o seu sustento. Então, eu tive, por exemplo, ainda no ginásio, professores que tinham sido ex-alunos da Escola Militar, que eram tenentes ou capitães excluídos. Entre estes havia o Edmundo Macedo Soares e Silva, que foi professor de matemática e física em São Paulo.
(...)
C.G. - Então, era um movimento autônomo, independente da interferência do Estado.
J.T. - Totalmente autônomo. Evidentemente, o estudante, pela influência que exercia
com a sua participação na vida política, conseguia muita coisa. Na Faculdade de Medicina, na qual eu participava como secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, conseguimos construir este estádio esportivo praticamente com doações. Construímos o ginásio com as sobras da construção da faculdade, porque sobrou muito tijolo, muito ferro e muita madeira. A Faculdade de Direito se dedicava mais à sua sede, a antiga sede do Centro Acadêmico XI de Agosto. Eu já não a vejo há 20 anos, mas era uma sede social muito requintada, onde havia salões de baile, salas de xadrez, bilhar, carteado, barbeiro, biblioteca... A biblioteca é das melhores que já vimos em São Paulo. A do Grêmio Politécnico e a do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz também.
C.G. – Em 37, exatamente quando se inaugura o Estado Novo, aquele período de uma maior centralização de poder nas mãos do governo, no caso, do Getúlio, é que é criada a UNE. Como é que você vê esse movimento?
J.T. - A União Nacional dos Estudantes já se fazia sentir no momento que despontou, a partir de 30, uma maior intensificação no movimento universitário, em função, vamos dizer, do incentivo que o governo Vargas deu aos estudantes, a partir dos anos 32 e 33. Primeiro, naquilo que eu tinha falado: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos ou dos centros acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente das respectivas escolas superiores, e a garantia, para a sua manutenção, dos recursos provenientes das taxas do primeiro ano escolar. Com essa subvenção e com o reconhecimento oficial, os diretórios acadêmicos passaram a ter autonomia, vida própria, se posicionando nos problemas educacionais, políticos e de outras naturezas.
Em seguida, o dr. Getúlio estabeleceu que as empresas estatais de transporte - o Lloyd, a Costeira, a Central do Brasil e outras - doassem anualmente a cada escola, de preferência à que encerrasse o seu curso, 20 passagens para uma viagem de intercâmbio. Por exemplo, fizemos uma visita ao Pará, à faculdade de Belém do Pará. A partir daí, começou a se desenvolver o intercâmbio universitário e se sentiu necessidade de uma reaglutinação, de uma mobilização estudantil em caráter nacional. Em 1933, estivemos no Paraná, numa caravana, que era ao mesmo tempo cultural e esportiva.
[FINAL DA FITA 3-A]
J.T. - Então, realizou-se uma viagem a Curitiba. Nessa ocasião, para se chegar a Curitiba viajava-se cerca de 36 horas de trem. Na caravana iam elementos para fazer conferências, teatro e, o que era muito usual e foi famoso durante décadas seguidas em São Paulo, os chorinhos acadêmicos. Eram conjuntos de cordas que realizavam espetáculos. Aliás, o que suscitou isto foi a vinda, no ano de 25, 26, de uma caravana de estudantes de Coimbra trazendo um conjunto folclórico português, que realizou aqui no Rio, em São Paulo e em vários estados do país, espetáculos musicais. Era um conjunto de guitarras, muito famoso. Eu me lembro, porque era menino, e esses espetáculos eram assistidos por um grande público nos teatros e em São Paulo. E esses estudantes de Coimbra ofereciam às moças aquelas suas famosas capas pretas, pedaços de suas capas, que as moças usavam como se fosse um adorno, com um alfinete. A partir dessa visita dos estudantes de Coimbra, começaram a surgir também conjuntos musicais nas escolas superiores de São Paulo. Então, nesta viagem a Curitiba levamos gente para fazer conferência, teatro, música e esporte, e foi o primeiro passo para se organizar a I Olimpíada Universitária Brasileira, ou seja, os Jogos Universitários Brasileiros, em 1935, em São Paulo, reunindo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, estado do Rio, Bahia e Pernambuco. E apesar de ser um evento esportivo, os jogos resultaram na constatação de que havia necessidade de se desenvolver um movimento de coordenação dos estudantes no plano social e político. Mas já tinha surgido, aqui no Rio de Janeiro, depois de 1930, um movimento estudantil que elegeu, em 31, se não me engano, a Ana Amélia Carneiro de Mendonça como rainha dos estudantes. E ela, que era uma figura de famílias tradicionais do Rio deJaneiro, achou que aquilo lhe constituía um encargo, e fundou a Casa do Estudante do Brasil, uma instituição de benemerência que oferecia hospedagem e alimentação para os estudantes. A Casa do Estudante funcionou, durante muitos anos, no largo da Carioca, antes de construir a sede própria que até hoje existe na rua Santa Luzia. Havia um casarão em Botafogo, também de propriedade da família de Ana Amélia, que funcionava para residência de estudantes. Lá era a sede social, onde havia recreação, jogos, conferências e um restaurante. E Ana Amélia passou a ter uma grande atividade no meio estudantil, fundando, a partir do ano de 36, o Conselho Nacional de Estudantes. Ela compôs o conselho como se fosse uma dependência da Casa do Estudante do Brasil. Na mesma ocasião, fundou a Federação Atlética dos Estudantes, que superintendia o movimento esportivo dos estudantes, aqui no Rio de Janeiro. Em 1938, foi convocado o I Congresso Nacional dos Estudantes. E deste congresso surgiu a idéia da fundação da União Nacional dos Estudantes, contra a posição da Ana Amélia Carneiro de Mendonça, que queria a preservação do Conselho Nacional dos Estudantes. Aí houve uma luta muito grande, na qual ela, não podendo controlar as representações universitárias de fora do Rio de Janeiro, acabou sendo derrotada. E fundou-se, então, a União Nacional dos Estudantes, cujo primeiro presidente foi José
Raimundo, deputado pelo PTB, anos mais tarde, e presidente do IAPI. Mas isso na fase de organização e logo após o I Congresso. O primeiro presidente eleito foi Walmir Borges, do Rio Grande do Sul, presidente do diretório do Rio Grande. Mais tarde ele foi advogado do Jango e chefe de gabinete do ministro da Fazenda no último governo do Jango. De maneira que, a partir daí é que se forma a primeira entidade de representação nacional. Mas levaria mais algum tempo para ela ser reconhecida pelo governo. Houve uma grande influência comunista, também. O primeiro secretário-geral era Antônio Franca, estudante de direito, membro até então da Juventude Comunista. Havia um outro, que morreu recentemente. É o autor do livro do Jesus Soares Pereira, Medeiros Lima. Ele também foi um dos participantes. Em 1939, no II Congresso da União Nacional dos Estudantes, também realizado no Rio de Janeiro, criamos a confederação, que primeiro chamava-se Cuba (Confederação Universitária Brasileira de Esportes) e, depois, na regulamentação, transformou-se em Confederação Brasileira de Desportos Universitário, para obedecer as regras preestabelecidas de denominação de entidades. Em 1940/41, nós conseguimos que o dr. Getúlio estabelecesse o reconhecimento da União Nacional dos Estudantes como entidade representativa dos estudantes brasileiros. E, em seguida, ou antes disso, também foi reconhecida a CBDU. Antes da regulamentação dos esportes nacionais, o dr. Getúlio fez a regulamentação dos esportes universitários. Inclusive, determinando que as escolas superiores, todas elas, tivessem praças de esportes e locais para prática de esportes. Era exigência básica para qualquer escola. Ele tinha visão da vida esportiva americana, e achava que, através do incentivo ao esporte universitário, talvez pudéssemos progredir nos esportes básicos: atletismo, natação e outros. Desde o início, talvez os estudantes é que tenham tido maior influência no desenvolvimento do futebol no Brasil. Este é um outro episódio para se contar.
R.R. - Você disse que, em São Paulo, o movimento estudantil era basicamente
antivarguista, antigetulista. Como é que o governo absorvia isso?
J.T. - Não, eu não disse isso.
R.R. - Isso foi na entrevista passada.
J.T. - Não, eu não disse que era antivarguista. O que eu disse é que havia oposição ao dr. Getúlio Vargas, que era feita por aqueles paulistas de 400 anos, a estirpe de São Paulo. Evidentemente, aí é que entra a influência das grandes famílias paulistas: na vida da Faculdade de Direito e na Escola Politécnica. Nas demais escolas, a influência paulista era relativa. Por exemplo, dentro da Faculdade de Medicina, ela já não era tão acentuada, apesar de a escola ser fundada por Arnaldo Vieira de Carvalho, que foi um dos elementos da família Mesquita, em São Paulo. Essa influência foi-se esvaziando ao correr dos tempos, mas a tradição paulista, que se posicionava no Partido Constitucionalista com Armando de Sales Oliveira, com a família Mesquita, era evidentemente, de oposição ao dr. Getúlio. E como as divergências com o dr. Getúlio passaram a ser, logo após a Revolução de 30, em função das designações dos interventores, de governadores de estado, isto, com o correr dos anos, foi-se agravando, foi-se aflorando de forma agressiva contra o dr. Getúlio.
C.G. - Uma coisa que eu também queria assinalar aqui é que, a partir da criação da UNE, a partir desse momento, a gente vê que há uma identificação do movimento estudantil com o Getúlio do que uma...
J.T. - Não, não houve. Pelo contrário, não houve muita identificação, porque a União
Nacional dos Estudantes passou a ter uma influência esquerdista muito forte. Inclusive, a Juventude Comunista brasileira atuava e participava na sua direção. Mas a verdade é que o dr. Getúlio conhecia todos esses fatos, e jamais influiu no sentido de obstar ou de impedir o acesso dos comunistas ou dos esquerdistas à direção das organizações universitárias. Uma das eleições em que houve confronto ideológico foi a do ano de 1942.
C.G. - Foi a eleição do Hélio de Almeida?
J.T. - Foi. Sebastião Pinheiro Chagas, da Faculdade de Direito de Belo Horizonte, era
candidato, e recebeu muita influência do general Dutra. Sua candidatura era articulada por Carlos Roberto de Aguiar Moreira e Antônio Augusto de Vasconcelos. O Carlos Roberto de Aguiar Moreira depois foi deputado e secretário particular do presidente Dutra. No tempo de estudante, ele era um dos jovens mais ricos do Rio de Janeiro. Consequentemente, dispunha de muitos recursos, que ele próprio empregou na campanha do Sebastião Pinheiro Chagas. Ele passou a oferecer, por exemplo – nessa época era negócio deslumbrante -, lugares todas as noites nos cassinos Atlântico e da Urca para os eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Para um estudante, jantar na Urca era um negócio, assim, fora de série. Além deste fato, ele oferecia condução e oferecia recepções. E, evidentemente, fazia grandes promessas aos eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Articulamos, então, a eleição do Hélio de Almeida, e quem decidiu foi São Paulo. Por meu intermédio, conseguimos cerca de 18 a 20 votos que foram decisivos para o Hélio de Almeida. Tivemos que jogar, também, com a participação do dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, para contrapor o apoio que o ministro da Guerra, general Dutra, dava ao candidato mineiro Sebastião Pinheiro Chagas. Mas isto foi apenas uma ocorrência. Na verdade, a presença de elementos conscientizados politicamente dentro da UNE levava a uma posição contra o Estado Novo e conseqüentemente, contra o dr. Getúlio. No momento em que se oficializou, a UNE passou a ter recursos do Ministério da Educação. Alugamos a primeira sede na rua Álvaro Alvim, 31, quarto andar, onde hoje funciona um laboratório. Lá se realizavam reuniões, e dali sairiam o movimento pela entrada do Brasil na guerra contra o nipo-nazi-fascismo, as campanhas contra o Filinto Müller, o Teixeira Batista e toda aquela polícia política do período de 37 a 45. Tudo isso levava o estudante a posicionar-se contra o dr. Getúlio. Eu era, então, como presidente do CBDU, um dos poucos getulistas...
C.G. - Como é que você, getulista, situava-se dentro da CBDU?
J.T. - Eu me situava sempre procurando defender os companheiros. Evidentemente, quando algum companheiro era cerceado... Por exemplo, o Wagner Cavalcanti era um homem do Partido Comunista, e várias vezes foi preso pelo Filinto. Então, eu ia atuar junto ao ministro da Educação, junto ao dr. Getúlio, diretamente, para que ele fosse posto em liberdade. O Luís Pinheiro Pais Leme, presidente da UNE, foi preso duas vezes. Nas duas vezes fui ao dr. Getúlio para que ele fosse libertado. Então, a minha atuação era nesse sentido.
C.G. - No sentido da conciliação, digamos.
J.T. - Não era bem conciliação; era em defesa dos companheiros. Mas eu não deixava
de ser solidário com o dr. Getúlio. Certa vez, acabei com uma reunião da UNE, quando passou por aqui um deputado argentino, dono de um jornal, não sei se era O radical. Taborda – chamava-se assim –, famoso deputado argentino, era um homem que lutava pela participação da América Latina ao lado das Nações Unidas. Nesta reunião, realizada já na sede da UNE, no Clube Germânia, o meu companheiro Wagner Cavalcanti, que vinha de uma reunião na antiga Liga das Nações, ou coisa parecida, foi convidado para falar sobre a guerra, que já estava quase definida. O Wagner era um grande orador, um dos melhores oradores. Depois foi secretário de redação de O globo, e acabou morrendo louco em um manicômio, em Belo Horizonte. Mas foi um dos contemporâneos mais inteligentes, um orador popular extraordinário. Nessa reunião estavam presentes vários militares, entre os quais o Etchegoyen, que já não era chefe de polícia, e mais um outro general, cujo nome agora não me recordo, que na época participava dos movimentos nacionalistas. Estava presente, portanto, o que havia de mais representativo, ideologicamente. Este meu companheiro, Wagner Cavalcanti, começou seu discurso fazendo indagações. ... “Se Getúlio Vargas, o ditador brasileiro, se representantes do Brasil poderiam sentar na mesa que ia decidir o destino no Brasil ao lado de Churchill, Roosevelt, De Gaulle e Stalin”. E quando ele disse isso, parti para a ignorância. Quebrei-lhe a cara, e acabou a reunião da UNE. Aquilo era do meu temperamento. Levantei, primeiro, protestando pelo fato de ele fazer uma indagação a um estrangeiro de passagem no Brasil, especialmente um argentino, para saber se o Brasil poderia ou não sentar-se na mesa da paz. Aquilo era um insulto ao Brasil, que estava naquele momento dando a sua contribuição na guerra. Eu não podia admitir, em absoluto, que qualquer brasileiro ali fosse desmerecer o seu país. Poderia fazer suas críticas ao dr. Getúlio, mas não colocar o problema nos termos em que ele estava colocando. Isto imediatamente deu uma confusão, porque no momento em que ele me repeliu com mais violência, como era um orador de muito espírito, acabou me ofendendo. Parti para a ignorância, e acabou. Isso resultou que, estando ali presentes observadores, levou-se imediatamente o fato ao conhecimento do ministro da guerra, Dutra, e do Benjamin Vargas. Os dois articularam o fechamento da UNE, e, a partir daquele momento, tive que me desdobrar, exatamente para demonstrar que aquilo tinha sido apenas um incidente entre mim e o Wagner Cavalcanti, que nada tinha a ver com a UNE. Era uma reunião importante, ele me ofendeu, eu reagi à altura, e, portanto, não havia nada de inconcebível. Já estava ali articulada a prisão de vários elementos, o fechamento da UNE, e, consequentemente, eu poderia ser apontado como o responsável. Graças às ponderações que fiz junto ao dr. Getúlio, acabamos superando o problema. Então, eu me colocava assim. Mesmo no momento da briga, do confronto e das crises, mesmo, às vezes, discordando das pessoas que tinha que defender, eu não deixava de defender o dr. Getúlio.
C.G. - E essa campanha desenvolvida pela UNE, essa campanha anti-Eixo, pela entrada
do Brasil na guerra, teve a influência...
J.T. - ... decisiva. Porque ela começou na conferência dos chanceleres americanos, no
Rio, em 1939, quando o dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores,
Teve que apelar para a intelectualidade brasileira e para os estudantes para bem recepcionar os chanceleres latino-americanos que viriam ao Brasil. Era evidente que ele não podia contar – nem era recomendado politicamente que o fizesse – com as autoridades ou integrantes do próprio governo, que se dividiu. O maior número de elementos do governo era favorável ao Eixo. Notadamente os ministros militares. Então, era preciso dar uma acolhida fraternal a essa gente. Os estudantes, então, foram para dentro do Itamarati fazer recepções, homenagens, manifestações de toda natureza aos ministros das Relações Exteriores. A partir daí, por termos assistido àquele conclave importante, tendo acesso até a reuniões que não eram públicas, acabamos nos conscientizando contra o Eixo. No momento em que foram afundados os primeiros navios brasileiros, partimos para um movimento de protesto de rua contra os jornais que faziam a política do Eixo, para intimidá-los. Ao mesmo tempo, pugnando pela solidariedade às Nações Unidas, este movimento foi num crescendo até que chegou o momento em que o Brasil declarou guerra ao Eixo, no qual houve duas manifestações importantíssimas. Uma no Itamarati, onde levamos uma multidão inconcebível, parando o trânsito todo; e outra, na frente do palácio do Catete. Toda essa mobilização foi feita pelos estudantes.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
TALARICO, José Gomes. José Gomes Talarico I e II (depoimento, 1978/1979). Rio de Janeiro, CPDOC, 1982. 156 p. dat.
JOSÉ GOMES TALARICO I
(depoimento, 1978/1979)
Rio de Janeiro
1982
José Gomes Talarico I
1ª Entrevista: 15.09.1978
J.T.- Eu já estava vivendo no Rio de Janeiro, mas sou de São Paulo. No ano de 1940, quando foi proposta a concessão do título de doutor honoris causa da Universidade de São Paulo ao dr. Getúlio, título este concedido e aprovado pelo conselho universitário, o Centro Acadêmico Onze de Agosto e o Grêmio Politécnico se insurgiram estabelecendo uma campanha contrária à concessão do título. Surgiu aí uma crise muito violenta, tendo em vista o apego dos paulistas de 400 anos às tradições da Faculdade de Direito. Nesta ocasião – eu poderia fazer este relato mais tarde – isto me trouxe para o Rio de Janeiro. E a partir dos anos de 40, 41, 42, eu me integrei completamente no Rio. E como era amigo do pessoal do dr. Getúlio desde 1930, comecei a freqüentar o palácio depois das cinco horas, como todos os seus amigos.
(...)
C.G. - Como é que você convenceu esses paulistas de 400 anos a irem lá cumprimentar o Getúlio?
J.T. - Isso saiu da minha cabeça na hora. Nossa caravana tinha outros objetivos. Nessa época, estávamos construindo um estádio, o Osvaldo Cruz, na Faculdade de Medicina, que era do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz. E necessitávamos de algumas coisas que só a Central do Brasil possuía. Precisávamos, por exemplo, de cinza de carvão para a pista de atletismo. E quem tinha cinza de carvão era a Central do Brasil. Era preciso uma autorização especial do governo, aqui no Rio de Janeiro, para que pudéssemos tirar na estação do Norte este material. E havia outras necessidades , entre as quais uma que defendi junto ao dr. Getúlio: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente. Havia também necessidade de o governo dar uma ajuda material para que essas agremiações universitárias pudessem desenvolver seus programas. Dr. Getúlio, imediatamente, determinou que fossem conseguidos os recursos provenientes das taxas de matrículas do primeiro ano de qualquer escola em favor dos diretórios acadêmicos. Então, os diretórios acadêmicos passaram a receber, como subvenção anual, o resultante do pagamento das taxas do primeiro ano de qualquer faculdade. E, mais ainda. Defendíamos a necessidade de o governo, nessa ocasião, estabelecer uma norma definitiva para que os estudantes de todas as escolas superiores do Brasil pudessem realizar excursões culturais ou intercâmbio cultural entre elas. E o dr. Getúlio também autorizou que empresas de transportes estatais, de navegação e ferroviárias, concedessem, anualmente, 20 passagens para cada escola, sob a chefia de um professor da respectiva escola, visitar um outro estado. Este encontro com o dr. Getúlio resultou em algo muito positivo para a classe universitária. No momento em que falei, sugerindo a viagem, o dr. Getúlio disse: “Está deferido. Aqui está o ministro da Viação, que vai providenciar as passagens para que vocês possam ir nas férias ao Rio Grande do Sul.” Isto me custou um problema muito difícil porque, ao chegar em São Paulo, houve reação dos paulistas de 400 anos, dos que se opunham ao dr. Getúlio, que fizeram um movimento contra mim. Inclusive foram à minha espera na estação do Norte, quando regressamos do Rio de Janeiro. E houve até um embate entre o nosso grupo, que tinha estado aqui, e os que foram nos esperar para nos apupar, pelo fato de termos visitado o dr. Getúlio. Este fato foi muito debatido, muito criticado pela grande imprensa de São Paulo, que era então, a Folha, O Estado de São Paulo e outros jornais como o Correio Paulistano, que se insurgia contra a idéia de uma caravana de estudantes de São Paulo visitar o Rio Grande do Sul. Então, colocavam a questão como uma afronta, uma ofensa aos brios de São Paulo. De qualquer maneira, a caravana foi, com cerca de 80 estudantes, viajando pelo Lloyd Brasileiro, e teve uma das mais cativantes recepções, visitando Porto Alegre, Uruguaiana, Santana e Pelotas. Na realidade, isso constituiu o primeiro grande passo para a reaproximação do Rio Grande do Sul com São Paulo. Depois eu voltaria a me encontrar com o dr. Getúlio, quando, em 1938, ele foi vítima do ataque dos integralistas ao palácio Guanabara. Comigo à frente de uma delegação de São Paulo, aqui viemos para desagravá-lo e hipotecar nossa solidariedade naquela eventualidade. A partir daí os meus contatos com o dr. Getúlio foram mais crescentes. Em São Paulo, eu sempre trabalhava no sentido de fazer a sua imagem, a sua promoção. Até que, em 1939, viemos para a fundação da União Nacional dos Estudantes. Talvez vocês tivessem de fazer uma gravação especial porque este é um dos movimentos mais brilhantes que a mocidade universitária brasileira teve. A representação dos estudantes, até então, era a Casa do Estudante do Brasil, dirigida por Ana Amélia Carneiro de Mendonça. Mas, evidentemente, esta era uma instituição
beneficente brasileiro. E Ana Amélia era uma das damas de maior conceito no Rio de
Janeiro, vinda de famílias tradicionais entrelaçadas: Queirós, Mendonça Lima e Carneiro Mendonça. Isto constituiu um grande empecilho para que os estudantes formassem a UNE. Ela havia constituído, dentro da Casa do Estudante no Brasil, o Conselho Federal de Estudantes, mas nós, de São Paulo e daqui do próprio Rio de Janeiro, fazíamos movimento para a fundação da União Nacional dos Estudantes.
(...)
R.R. - E qual era a ligação que havia entre você, enquanto inspetor de ensino, e o
movimento estudantil de São Paulo?
J.T. - Eu era, nessa época, secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, e tinha sobre os meus ombros toda a responsabilidade do funcionamento desta instituição, que era o órgão representativo dos estudantes de medicina. Era também secretário da Federação Universitária Paulista de Esportes e presidente do Centro Acadêmico de Criminologia. Evidentemente, com essas três representações, eu participava dos movimentos estudantis de São Paulo e daqui do Rio de Janeiro. Inclusive, vim participar do congresso que resultou na fundação da União Nacional dos Estudantes. Depois, em 39, participei do II Congresso da UNE que foi feito por minha iniciativa. Fundamos, então, a Confederação Brasileira de Desportos Universitários.
(...)
C.G. - Talarico, outra coisa que também gostaria que você me caracterizasse melhor é a questão do movimento estudantil. O movimento estudantil em 30 e, depois, em 37, quando já começa a tomar corpo através da UNE. Para mim, parece que são dois momentos. Nos primeiros anos da década de 30, aparentemente, o movimento não tinha uma definição assim muito marcante...
J.T. - Bom, o movimento estudantil brasileiro tem várias fases. Ele tem, vamos dizer, uma fase de 1918 a 22, pouco levantada e pouco definida.
C.G. - Nessa época, inclusive, as próprias faculdades eram poucas.
J.T. - É, era um movimento feito muito na base da tradição, por exemplo, de Recife, de São Paulo, dos bacharéis e tal. Aqui, por exemplo, a Faculdade de Medicina da praia Vermelha tinha uma grande expressão. E depois, com o surgimento da Faculdade de Medicina, em São Paulo, da Escola Politécnica, da Escola Agrícola Luís de Queirós, em Piracicaba, começou a haver uma conscientização, isso a partir de 22. Essa consciência também se deu por influência dos movimentos operários e dos movimentos anarquistas, que começavam a apelar para que nas suas reuniões houvesse oradores estudantis. Aí é que começa, então, a participação do estudante na vida política brasileira. Eu me lembro que, já a partir de 22, 23, houve inclusive uma grande influência por parte de militares, que foram excluídos em função do movimento revolucionário de 22. A maior parte deles transformou-se em professor, ou de matemática ou de física, e, evidentemente, se apresentava assim como figura legendária. O movimento revolucionário de 22, 23 e de 24 começou a produzir líderes que, sacrificados, buscavam exatamente na profissão de professor o seu sustento. Então, eu tive, por exemplo, ainda no ginásio, professores que tinham sido ex-alunos da Escola Militar, que eram tenentes ou capitães excluídos. Entre estes havia o Edmundo Macedo Soares e Silva, que foi professor de matemática e física em São Paulo.
(...)
C.G. - Então, era um movimento autônomo, independente da interferência do Estado.
J.T. - Totalmente autônomo. Evidentemente, o estudante, pela influência que exercia
com a sua participação na vida política, conseguia muita coisa. Na Faculdade de Medicina, na qual eu participava como secretário do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz, conseguimos construir este estádio esportivo praticamente com doações. Construímos o ginásio com as sobras da construção da faculdade, porque sobrou muito tijolo, muito ferro e muita madeira. A Faculdade de Direito se dedicava mais à sua sede, a antiga sede do Centro Acadêmico XI de Agosto. Eu já não a vejo há 20 anos, mas era uma sede social muito requintada, onde havia salões de baile, salas de xadrez, bilhar, carteado, barbeiro, biblioteca... A biblioteca é das melhores que já vimos em São Paulo. A do Grêmio Politécnico e a do Centro Acadêmico Osvaldo Cruz também.
C.G. – Em 37, exatamente quando se inaugura o Estado Novo, aquele período de uma maior centralização de poder nas mãos do governo, no caso, do Getúlio, é que é criada a UNE. Como é que você vê esse movimento?
J.T. - A União Nacional dos Estudantes já se fazia sentir no momento que despontou, a partir de 30, uma maior intensificação no movimento universitário, em função, vamos dizer, do incentivo que o governo Vargas deu aos estudantes, a partir dos anos 32 e 33. Primeiro, naquilo que eu tinha falado: o reconhecimento dos diretórios acadêmicos ou dos centros acadêmicos como órgãos representativos do corpo discente das respectivas escolas superiores, e a garantia, para a sua manutenção, dos recursos provenientes das taxas do primeiro ano escolar. Com essa subvenção e com o reconhecimento oficial, os diretórios acadêmicos passaram a ter autonomia, vida própria, se posicionando nos problemas educacionais, políticos e de outras naturezas.
Em seguida, o dr. Getúlio estabeleceu que as empresas estatais de transporte - o Lloyd, a Costeira, a Central do Brasil e outras - doassem anualmente a cada escola, de preferência à que encerrasse o seu curso, 20 passagens para uma viagem de intercâmbio. Por exemplo, fizemos uma visita ao Pará, à faculdade de Belém do Pará. A partir daí, começou a se desenvolver o intercâmbio universitário e se sentiu necessidade de uma reaglutinação, de uma mobilização estudantil em caráter nacional. Em 1933, estivemos no Paraná, numa caravana, que era ao mesmo tempo cultural e esportiva.
[FINAL DA FITA 3-A]
J.T. - Então, realizou-se uma viagem a Curitiba. Nessa ocasião, para se chegar a Curitiba viajava-se cerca de 36 horas de trem. Na caravana iam elementos para fazer conferências, teatro e, o que era muito usual e foi famoso durante décadas seguidas em São Paulo, os chorinhos acadêmicos. Eram conjuntos de cordas que realizavam espetáculos. Aliás, o que suscitou isto foi a vinda, no ano de 25, 26, de uma caravana de estudantes de Coimbra trazendo um conjunto folclórico português, que realizou aqui no Rio, em São Paulo e em vários estados do país, espetáculos musicais. Era um conjunto de guitarras, muito famoso. Eu me lembro, porque era menino, e esses espetáculos eram assistidos por um grande público nos teatros e em São Paulo. E esses estudantes de Coimbra ofereciam às moças aquelas suas famosas capas pretas, pedaços de suas capas, que as moças usavam como se fosse um adorno, com um alfinete. A partir dessa visita dos estudantes de Coimbra, começaram a surgir também conjuntos musicais nas escolas superiores de São Paulo. Então, nesta viagem a Curitiba levamos gente para fazer conferência, teatro, música e esporte, e foi o primeiro passo para se organizar a I Olimpíada Universitária Brasileira, ou seja, os Jogos Universitários Brasileiros, em 1935, em São Paulo, reunindo Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, estado do Rio, Bahia e Pernambuco. E apesar de ser um evento esportivo, os jogos resultaram na constatação de que havia necessidade de se desenvolver um movimento de coordenação dos estudantes no plano social e político. Mas já tinha surgido, aqui no Rio de Janeiro, depois de 1930, um movimento estudantil que elegeu, em 31, se não me engano, a Ana Amélia Carneiro de Mendonça como rainha dos estudantes. E ela, que era uma figura de famílias tradicionais do Rio deJaneiro, achou que aquilo lhe constituía um encargo, e fundou a Casa do Estudante do Brasil, uma instituição de benemerência que oferecia hospedagem e alimentação para os estudantes. A Casa do Estudante funcionou, durante muitos anos, no largo da Carioca, antes de construir a sede própria que até hoje existe na rua Santa Luzia. Havia um casarão em Botafogo, também de propriedade da família de Ana Amélia, que funcionava para residência de estudantes. Lá era a sede social, onde havia recreação, jogos, conferências e um restaurante. E Ana Amélia passou a ter uma grande atividade no meio estudantil, fundando, a partir do ano de 36, o Conselho Nacional de Estudantes. Ela compôs o conselho como se fosse uma dependência da Casa do Estudante do Brasil. Na mesma ocasião, fundou a Federação Atlética dos Estudantes, que superintendia o movimento esportivo dos estudantes, aqui no Rio de Janeiro. Em 1938, foi convocado o I Congresso Nacional dos Estudantes. E deste congresso surgiu a idéia da fundação da União Nacional dos Estudantes, contra a posição da Ana Amélia Carneiro de Mendonça, que queria a preservação do Conselho Nacional dos Estudantes. Aí houve uma luta muito grande, na qual ela, não podendo controlar as representações universitárias de fora do Rio de Janeiro, acabou sendo derrotada. E fundou-se, então, a União Nacional dos Estudantes, cujo primeiro presidente foi José
Raimundo, deputado pelo PTB, anos mais tarde, e presidente do IAPI. Mas isso na fase de organização e logo após o I Congresso. O primeiro presidente eleito foi Walmir Borges, do Rio Grande do Sul, presidente do diretório do Rio Grande. Mais tarde ele foi advogado do Jango e chefe de gabinete do ministro da Fazenda no último governo do Jango. De maneira que, a partir daí é que se forma a primeira entidade de representação nacional. Mas levaria mais algum tempo para ela ser reconhecida pelo governo. Houve uma grande influência comunista, também. O primeiro secretário-geral era Antônio Franca, estudante de direito, membro até então da Juventude Comunista. Havia um outro, que morreu recentemente. É o autor do livro do Jesus Soares Pereira, Medeiros Lima. Ele também foi um dos participantes. Em 1939, no II Congresso da União Nacional dos Estudantes, também realizado no Rio de Janeiro, criamos a confederação, que primeiro chamava-se Cuba (Confederação Universitária Brasileira de Esportes) e, depois, na regulamentação, transformou-se em Confederação Brasileira de Desportos Universitário, para obedecer as regras preestabelecidas de denominação de entidades. Em 1940/41, nós conseguimos que o dr. Getúlio estabelecesse o reconhecimento da União Nacional dos Estudantes como entidade representativa dos estudantes brasileiros. E, em seguida, ou antes disso, também foi reconhecida a CBDU. Antes da regulamentação dos esportes nacionais, o dr. Getúlio fez a regulamentação dos esportes universitários. Inclusive, determinando que as escolas superiores, todas elas, tivessem praças de esportes e locais para prática de esportes. Era exigência básica para qualquer escola. Ele tinha visão da vida esportiva americana, e achava que, através do incentivo ao esporte universitário, talvez pudéssemos progredir nos esportes básicos: atletismo, natação e outros. Desde o início, talvez os estudantes é que tenham tido maior influência no desenvolvimento do futebol no Brasil. Este é um outro episódio para se contar.
R.R. - Você disse que, em São Paulo, o movimento estudantil era basicamente
antivarguista, antigetulista. Como é que o governo absorvia isso?
J.T. - Não, eu não disse isso.
R.R. - Isso foi na entrevista passada.
J.T. - Não, eu não disse que era antivarguista. O que eu disse é que havia oposição ao dr. Getúlio Vargas, que era feita por aqueles paulistas de 400 anos, a estirpe de São Paulo. Evidentemente, aí é que entra a influência das grandes famílias paulistas: na vida da Faculdade de Direito e na Escola Politécnica. Nas demais escolas, a influência paulista era relativa. Por exemplo, dentro da Faculdade de Medicina, ela já não era tão acentuada, apesar de a escola ser fundada por Arnaldo Vieira de Carvalho, que foi um dos elementos da família Mesquita, em São Paulo. Essa influência foi-se esvaziando ao correr dos tempos, mas a tradição paulista, que se posicionava no Partido Constitucionalista com Armando de Sales Oliveira, com a família Mesquita, era evidentemente, de oposição ao dr. Getúlio. E como as divergências com o dr. Getúlio passaram a ser, logo após a Revolução de 30, em função das designações dos interventores, de governadores de estado, isto, com o correr dos anos, foi-se agravando, foi-se aflorando de forma agressiva contra o dr. Getúlio.
C.G. - Uma coisa que eu também queria assinalar aqui é que, a partir da criação da UNE, a partir desse momento, a gente vê que há uma identificação do movimento estudantil com o Getúlio do que uma...
J.T. - Não, não houve. Pelo contrário, não houve muita identificação, porque a União
Nacional dos Estudantes passou a ter uma influência esquerdista muito forte. Inclusive, a Juventude Comunista brasileira atuava e participava na sua direção. Mas a verdade é que o dr. Getúlio conhecia todos esses fatos, e jamais influiu no sentido de obstar ou de impedir o acesso dos comunistas ou dos esquerdistas à direção das organizações universitárias. Uma das eleições em que houve confronto ideológico foi a do ano de 1942.
C.G. - Foi a eleição do Hélio de Almeida?
J.T. - Foi. Sebastião Pinheiro Chagas, da Faculdade de Direito de Belo Horizonte, era
candidato, e recebeu muita influência do general Dutra. Sua candidatura era articulada por Carlos Roberto de Aguiar Moreira e Antônio Augusto de Vasconcelos. O Carlos Roberto de Aguiar Moreira depois foi deputado e secretário particular do presidente Dutra. No tempo de estudante, ele era um dos jovens mais ricos do Rio de Janeiro. Consequentemente, dispunha de muitos recursos, que ele próprio empregou na campanha do Sebastião Pinheiro Chagas. Ele passou a oferecer, por exemplo – nessa época era negócio deslumbrante -, lugares todas as noites nos cassinos Atlântico e da Urca para os eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Para um estudante, jantar na Urca era um negócio, assim, fora de série. Além deste fato, ele oferecia condução e oferecia recepções. E, evidentemente, fazia grandes promessas aos eleitores de Sebastião Pinheiro Chagas. Articulamos, então, a eleição do Hélio de Almeida, e quem decidiu foi São Paulo. Por meu intermédio, conseguimos cerca de 18 a 20 votos que foram decisivos para o Hélio de Almeida. Tivemos que jogar, também, com a participação do dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores, para contrapor o apoio que o ministro da Guerra, general Dutra, dava ao candidato mineiro Sebastião Pinheiro Chagas. Mas isto foi apenas uma ocorrência. Na verdade, a presença de elementos conscientizados politicamente dentro da UNE levava a uma posição contra o Estado Novo e conseqüentemente, contra o dr. Getúlio. No momento em que se oficializou, a UNE passou a ter recursos do Ministério da Educação. Alugamos a primeira sede na rua Álvaro Alvim, 31, quarto andar, onde hoje funciona um laboratório. Lá se realizavam reuniões, e dali sairiam o movimento pela entrada do Brasil na guerra contra o nipo-nazi-fascismo, as campanhas contra o Filinto Müller, o Teixeira Batista e toda aquela polícia política do período de 37 a 45. Tudo isso levava o estudante a posicionar-se contra o dr. Getúlio. Eu era, então, como presidente do CBDU, um dos poucos getulistas...
C.G. - Como é que você, getulista, situava-se dentro da CBDU?
J.T. - Eu me situava sempre procurando defender os companheiros. Evidentemente, quando algum companheiro era cerceado... Por exemplo, o Wagner Cavalcanti era um homem do Partido Comunista, e várias vezes foi preso pelo Filinto. Então, eu ia atuar junto ao ministro da Educação, junto ao dr. Getúlio, diretamente, para que ele fosse posto em liberdade. O Luís Pinheiro Pais Leme, presidente da UNE, foi preso duas vezes. Nas duas vezes fui ao dr. Getúlio para que ele fosse libertado. Então, a minha atuação era nesse sentido.
C.G. - No sentido da conciliação, digamos.
J.T. - Não era bem conciliação; era em defesa dos companheiros. Mas eu não deixava
de ser solidário com o dr. Getúlio. Certa vez, acabei com uma reunião da UNE, quando passou por aqui um deputado argentino, dono de um jornal, não sei se era O radical. Taborda – chamava-se assim –, famoso deputado argentino, era um homem que lutava pela participação da América Latina ao lado das Nações Unidas. Nesta reunião, realizada já na sede da UNE, no Clube Germânia, o meu companheiro Wagner Cavalcanti, que vinha de uma reunião na antiga Liga das Nações, ou coisa parecida, foi convidado para falar sobre a guerra, que já estava quase definida. O Wagner era um grande orador, um dos melhores oradores. Depois foi secretário de redação de O globo, e acabou morrendo louco em um manicômio, em Belo Horizonte. Mas foi um dos contemporâneos mais inteligentes, um orador popular extraordinário. Nessa reunião estavam presentes vários militares, entre os quais o Etchegoyen, que já não era chefe de polícia, e mais um outro general, cujo nome agora não me recordo, que na época participava dos movimentos nacionalistas. Estava presente, portanto, o que havia de mais representativo, ideologicamente. Este meu companheiro, Wagner Cavalcanti, começou seu discurso fazendo indagações. ... “Se Getúlio Vargas, o ditador brasileiro, se representantes do Brasil poderiam sentar na mesa que ia decidir o destino no Brasil ao lado de Churchill, Roosevelt, De Gaulle e Stalin”. E quando ele disse isso, parti para a ignorância. Quebrei-lhe a cara, e acabou a reunião da UNE. Aquilo era do meu temperamento. Levantei, primeiro, protestando pelo fato de ele fazer uma indagação a um estrangeiro de passagem no Brasil, especialmente um argentino, para saber se o Brasil poderia ou não sentar-se na mesa da paz. Aquilo era um insulto ao Brasil, que estava naquele momento dando a sua contribuição na guerra. Eu não podia admitir, em absoluto, que qualquer brasileiro ali fosse desmerecer o seu país. Poderia fazer suas críticas ao dr. Getúlio, mas não colocar o problema nos termos em que ele estava colocando. Isto imediatamente deu uma confusão, porque no momento em que ele me repeliu com mais violência, como era um orador de muito espírito, acabou me ofendendo. Parti para a ignorância, e acabou. Isso resultou que, estando ali presentes observadores, levou-se imediatamente o fato ao conhecimento do ministro da guerra, Dutra, e do Benjamin Vargas. Os dois articularam o fechamento da UNE, e, a partir daquele momento, tive que me desdobrar, exatamente para demonstrar que aquilo tinha sido apenas um incidente entre mim e o Wagner Cavalcanti, que nada tinha a ver com a UNE. Era uma reunião importante, ele me ofendeu, eu reagi à altura, e, portanto, não havia nada de inconcebível. Já estava ali articulada a prisão de vários elementos, o fechamento da UNE, e, consequentemente, eu poderia ser apontado como o responsável. Graças às ponderações que fiz junto ao dr. Getúlio, acabamos superando o problema. Então, eu me colocava assim. Mesmo no momento da briga, do confronto e das crises, mesmo, às vezes, discordando das pessoas que tinha que defender, eu não deixava de defender o dr. Getúlio.
C.G. - E essa campanha desenvolvida pela UNE, essa campanha anti-Eixo, pela entrada
do Brasil na guerra, teve a influência...
J.T. - ... decisiva. Porque ela começou na conferência dos chanceleres americanos, no
Rio, em 1939, quando o dr. Osvaldo Aranha, então ministro das Relações Exteriores,
Teve que apelar para a intelectualidade brasileira e para os estudantes para bem recepcionar os chanceleres latino-americanos que viriam ao Brasil. Era evidente que ele não podia contar – nem era recomendado politicamente que o fizesse – com as autoridades ou integrantes do próprio governo, que se dividiu. O maior número de elementos do governo era favorável ao Eixo. Notadamente os ministros militares. Então, era preciso dar uma acolhida fraternal a essa gente. Os estudantes, então, foram para dentro do Itamarati fazer recepções, homenagens, manifestações de toda natureza aos ministros das Relações Exteriores. A partir daí, por termos assistido àquele conclave importante, tendo acesso até a reuniões que não eram públicas, acabamos nos conscientizando contra o Eixo. No momento em que foram afundados os primeiros navios brasileiros, partimos para um movimento de protesto de rua contra os jornais que faziam a política do Eixo, para intimidá-los. Ao mesmo tempo, pugnando pela solidariedade às Nações Unidas, este movimento foi num crescendo até que chegou o momento em que o Brasil declarou guerra ao Eixo, no qual houve duas manifestações importantíssimas. Uma no Itamarati, onde levamos uma multidão inconcebível, parando o trânsito todo; e outra, na frente do palácio do Catete. Toda essa mobilização foi feita pelos estudantes.
Depoimento de Modesto da Silveira
FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
ALERJ
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. Permitida a cópia xerox. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
SILVEIRA, Antônio Modesto Da. Antonio Modesto da Silveira (depoimento, 2000). Rio de Janeiro, CPDOC/ALERJ, 2001.
Esta entrevista foi realizada na vigência do convênio entre CPDOC/FGV e ALERJ. É obrigatório o crédito às instituições mencionadas.
ANTONIO MODESTO DA SILVEIRA
(depoimento, 2000)
O senhor se formou em direito em 1962, com o Brasil pegando fogo. Pouco depois viria o golpe de 64. Como viu o golpe, onde estava naquele momento?
Depois que me formei, eu e alguns amigos, colegas de faculdade, sem abandonar nossos empregos, nos associamos e abrimos um escritório. Éramos Zé Quarto — José Quarto de Oliveira Borges —, que depois se tornou procurador do Banespa, Maurício de Oliveira, que depois virou juiz, Werneck Viana, que era um excelente advogado mas deixou porque tinha paixão pelas ciências sociais... Mais tarde veio Rosa Cardoso, que foi secretária no governo Brizola,3 excelente advogada, que entrou no escritório ainda como estagiária, bem jovem. Enfim, éramos um grupo de amigos e estávamos indo muito bem. O escritório ficava na Cinelândia, e havia um comício marcado para lá no dia 1º de abril de 1964. Sabendo disso, e desconhecendo a evolução do golpe militar, resolvi ir. Tive grande dificuldade, porque tinha havido a decretação de uma greve de transportes; como eu morava no Humaitá, tive que ir de táxi. Quando cheguei, senti que o golpe estava na rua. Quem apareceu lá, também atordoado, tão ignorante quanto eu sobre o que estava acontecendo, foi Roland Corbisier: “O que está havendo?” Nós estávamos esperando as lideranças de oposição, que eram os trabalhistas, socialistas e comunistas, mas não aparecia ninguém. Enquanto estávamos ali conversando, chegou a tropa do Exército. Tanques e soldados com metralhadoras e baionetas caladas foram chegando em grande número. O povo, inocentemente, ensaiou aplausos. O Exército era subordinado ao governo, e o governo era o presidente João Goulart. Pois bem, ainda sob os ensaios de aplauso, os soldados fizeram a volta e viraram os canhões e baionetas contra o povo. A partir dali, começou a haver vaia. Quando as vaias começaram, eu me lembro bem, duas pessoas caíram ao meu lado, fuziladas. Mas não foram os soldados, foram dois homens à paisana, de aparência militar, que atiraram no povo que estava vaiando — atiraram para matar! Depois, os dois homens, seguros de si, atravessaram a rua bem na esquina da Santa Luzia com Rio Branco. Entreabriram-se aquelas portas gigantescas, pesadas, do Clube Militar, eles entraram, e as portas se fecharam de novo. E aí foi um corre-corre lá fora. Já nesse primeiro dia, o golpe militar deu a perceber mais ou menos qual era a sua filosofia. Fomos procurados no escritório por pessoas de esquerda, lideranças sindicais, trabalhadores, mulheres em desespero porque seus maridos tinham sumido, ou tinham sido arrastados de casa. Já em 1º de abril! Já ali percebemos que aquele movimento era contra o trabalhador, o que logo depois veio a se configurar. Como isso se configurou para mim nitidamente? Primeiro, porque naqueles primeiros dias todas as lideranças sindicais operárias passaram a ser cassadas, com “ss”, e com “ç” também, e quase todos os sindicatos de trabalhadores foram fechados, mas nenhuma liderança ou organização patronal foi incomodada. Era um recado muito claro da filosofia do movimento de 64: era um movimento contra o trabalhador e a favor do patronato. Logo depois, é claro, no plano teórico, surgiram as várias teorias que consolidavam essa prática. Por exemplo, o famoso crescimento do bolo: “É preciso preparar o bolo, fermentá-lo e fazê-lo crescer, para depois de grande fatiá-lo com todos.” Fatia essa que nunca veio, só veio mais arrocho salarial. Foi aí que nós entendemos melhor as coisas e começamos a atuar com mais clareza.
O senhor então começou a atuar como advogado de perseguidos políticos logo no início do regime militar?
Já aí. Já no dia 1º de abril fomos procurados no escritório por pessoas desesperadas. Se não me engano os primeiros foram a família do Pereirinha, que era líder bancário, ou do Oton Canedo Lopes, uma daquelas lideranças do famoso CGT. Tive a veleidade de ir ao Dops, na rua da Relação, para ver se falava com o preso, mas quando cheguei não pude nem ir à calçada do Dops, pois a polícia não permitia. Do outro lado da rua, ali do Bar Don Juan, ficamos observando o movimento. Enquanto eu estava lá, apareceu quem? Sobral Pinto,5 maravilhoso advogado, e advogado do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, em todas aquelas brigas dele com o governo federal, portanto um homem com muito prestígio. O próprio Sobral Pinto não conseguiu entrar. Quando vi Sobral Pinto barrado no portão do Dops, pensei: “É um sonho querer entrar. Vou preparar um habeas-corpus” — até 68 ainda tivemos possibilidade de entrar com habeas-corpus. E começou a nossa luta. O escritório virou um muro de lamentações e de desespero. Acumulamos mil histórias de pessoas e seus sofrimentos, impostos por infinitas perseguições ideológicas.
Antes da edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, os advogados ainda conseguiam soltar os presos políticos com alguma rapidez?
Era um tanto mais fácil, porque a maioria dos casos preenchia condições legais de soltura. Habeas-corpus, só quem recebia era o Superior Tribunal Militar, para o qual se deslocou a competência jurídica para os processos políticos. Mas o Tribunal Militar era segunda instância. A primeira instância era o juiz auditor. Então, quando o juiz não estava sob coação, não era muito medroso, mandava soltar o preso, ou pelo menos mandava pedir informações e depois dizia: “Isso é ilegal. Melhor soltar.” Às vezes os advogados também ganhavam o habeas-corpus no Tribunal Militar, até porque a própria composição do tribunal favorecia isso. Ele era composto por 15 membros, 10 oficiais generais e cinco civis. Os oficiais generais eram três almirantes, três brigadeiros e quatro generais, e os cinco civis eram togados. Eram eles os verdadeiros juízes, pois eram os que entendiam de direito. Tanto que o relator em geral era civil, e os outros eram revisores. O togado era quem votava primeiro e dava a condução jurídica possível. Mesmo que fosse muito reacionário, pelo menos tinha a noção de que se devia, se possível, não violar a lei. A lei já era um lixo; se se fosse violar o lixo, onde cairíamos? Iríamos direto para a cloaca. Na maioria dos casos nós ganhávamos os habeas-corpus, às vezes até para trancar a continuação de um processo. Quantas vezes matamos o processo por via de habeas-corpus! Simplesmente, se interrompia o processo por falta de justa causa. Era uma coisa tão absurda, tão sem prova nem mesmo indício, uma tal vergonha, que até pela lei do menor esforço o juiz dizia: “Bom, realmente não dá pé. Isso não existe.” Às vezes, os presos eram meros reféns: mulher, para o marido aparecer; moça, para o namorado se apresentar. Criancinha! Eu vi criança de colo seqüestrada para o pai se entregar, conheci casos assim! Agora, quando acabaram com o habeas-corpus em 68, pelo AI-5, tivemos que ficar muito mais criativos. Quase todos os advogados eram liberais, alguns eram progressistas, mas havia um elo harmônico maravilhoso entre todos, o que fazia com que, sem troca de palavras, funcionássemos de forma praticamente orgânica. Tivemos que fazer muita ginástica, muita acrobacia mental a partir daquele momento. Fazíamos, e dava certo. Por exemplo, já que não podíamos mais apresentar uma petição de habeas-corpus, apresentávamos uma petição simples, sob outro título. Fazíamos a petição com fundamentos e argumentação fortes e com isso levávamos o juiz auditor a requisitar informações para saber se aquilo era verdade. Como era verdade — nós não podíamos mentir e nem precisávamos, porque os fatos eram por demais contundentes —, o juiz dava uma decisão geralmente salutar. O juiz auditor era um togado entre quatro militares, geralmente coronéis ou capitães. Quando recebia aquela petição, podia se impressionar ou não, mas em geral pedia informações. O encarregado do IPM consultava o promotor que o orientava, e eles davam um jeito. E funcionava, praticamente, como se fosse um habeas-corpus. Em resumo: era notável a eficiência, a cooperação e a solidariedade entre os advogados de perseguidos políticos.
Havia divergências dentro da Justiça Militar?
Ah, havia. Havia divergências até dentro do Doi-Codi, dentro do próprio sistema de repressão e tortura. Quantas vezes recebi telefonemas anônimos, de denúncia, que eu alimentava porque sentia que eram verdadeiros, e eram. E o que nos interessava era a verdade. Porque se você tem a verdade, você cria uma estratégia de defesa. Foi por descobrir certas verdades, às vezes através de telefonemas anônimos, que eu estou seguro de que conseguimos salvar a vida de muitas pessoas. Às vezes até blefando, não para a Justiça, mas para o torturador. Eu sabia, por exemplo, que um determinado cliente podia estar marcado para morrer, tinha um indiciozinho, e chegava para o torturador — não que fosse o torturador oficial, mas era o representante do esquema, o chefe da tortura; por exemplo, um delegado do Dops que, por ser muito reacionário, era ligado à chamada “área verde”, ou seja, ao Exército, na fase em que o Exército passou a assumir e a monopolizar todo esse esquema nazista —, pois bem, chegava para o torturador e dizia: “Doutor, é o seguinte. Eu não vou brigar, desde que o meu cliente, que está preso, não sofra de agora em diante nenhuma tortura, e o seu seqüestro seja legalizado. Se isso acontecer, eu, como advogado, aconselharei o meu cliente a não fazer nada. Está bem?” Porque ele estava escalado para morrer e ia morrer. Houve o caso, por exemplo, do advogado Afonso Celso, que tinha sido deputado estadual no antigo Estado do Rio e que foi seqüestrado pelo Codi e levado para a Oban, em São Paulo. Ele foi um dos que nós estamos convencidos de que salvamos a vida, exatamente por essa tática de trabalho. Houve o caso do Gildásio Cocenza, irmão da Gilda, ex-mulher do Henfil. Esse quase chegou a dizer a frase do circo romano “Morituri te salutant”. Foi levado para São Paulo para ser torturado e morto. No final, os torturadores tiraram os capuzes deles próprios e do Gildásio e disseram: “Bom, agora você pode nos conhecer.” Como quem diz: “Você vai morrer mesmo, logo pode ver a gente.” Mas nesse exato momento houve um corre-corre por causa de um meio blefe que eu fiz, baseado nos poucos dados que tinha. Um dos dados eu obtive do Ivan, filho do Henfil, que na época era um menininho e gostava muito do tio. De vez em quando o Gildásio, mesmo clandestino, ia buscar o menino para dar um passeio e, como quem não quer nada, dizia uma série de coisas que se tornaram úteis. Depois, a namorada dele também contou algumas coisas que ajudaram. Nós somamos aquilo, pegamos um fiozinho de lógica e montamos o blefe, que funcionou. Depois de me ouvir, o delegado disse: “Doutor, espera aí, ele não está aqui.” Respondi: “Não tem problema. Veja lá na sua ‘área verde’. Mas desde hoje ele não pode mais ser torturado”. Ele queria três dias. Eu disse: “Não. Três dias é muito. Eu tenho que tomar uma providência, não pode ficar do jeito que está. Eu tenho dados; não quero briga, mas tenho dados!” Acho que ele teve medo de ser envolvido, porque o Gildásio tinha sido preso por ele, que o entregara à Oban. O cara ia morrer, ele sabia disso e no dia seguinte disse: “Vai ser legalizado.” Foi legalizado e realmente não foi mais torturado.
Que outros advogados, além do senhor, se dedicavam a defender presos políticos?
Muito poucos. Além de Sobral Pinto, que era advogado de preso político desde 1935, havia Vivaldo Vasconcelos, Oswaldo Mendonça, Bento Rubião, Heleno Fragoso, Evaristo de Moraes, George Tavares, Eni Moreira, que ainda era estudante mas continuou, Rosa Cardoso, Humberto Jansen, Alcione Barreto. Depois entrou o Sussekind, que era defensor público mas não era proibido de pegar clientes. Manuel de Jesus também deu uma ajuda boa. Outros deram ajudas eventuais, como Paulo Sabóia e poucos mais.
E Lysaneas Maciel?
Só me lembro de ter participado com ele de uma audiência, na Aeronáutica. Acho que ele dava suporte a algumas pessoas, mas tinha alguma dificuldade, porque creio que era procurador. Por outro lado, ele era uma espécie de pastor ou presbítero, e as igrejas, no começo, ainda estavam com uma visão bastante estreita a respeito do problema. Mais tarde é que elas foram se conscientizando, de tal maneira que fui chamado para conversar seriamente com eles e até para dar palestras para pastores e bispos protestantes. Lysaneas deu uma grande ajuda em outras áreas, sobretudo políticas.
O senhor tem idéia de quantos presos políticos defendeu?
Heleno Fragoso afirmava que, pelos cálculos dele, quem mais defendeu presos políticos no Brasil fui eu. É muito difícil saber quantos defendi, porque às vezes eu funcionava junto com outro advogado, ou era advogado de dezenas de pessoas no mesmo processo. Vou dar um exemplo. Houve um grupo da Ishikawagima, de 60 e tantos presos, e fui procurado por todos. Eu não seria tolo de aceitar todos, porque pareceria que eu era um advogado orgânico: “Ele faz parte da organização dessa turma, e a organização o mandou defendê-los.” Para evitar esse tipo de cogitação e suspeita, eu chamava os colegas e sugeria: “Você figura com uns 10 ou 15, eu figuro com 30, outro com cinco, ou então figuramos conjuntamente.” Algumas procurações eram conjuntas, outras eram individuais, mas nós atuávamos em favor de todos, sem contradição. Já que falei na Ishikawagima, vou aproveitar para mostrar como muitas empresas, naquela época, se beneficiaram da situação. Como se sentiram no poder, elas puseram ou tentaram pôr os generais para fazer o seu trabalho sujo e os bancavam por trás. O que eles fizeram na Ishikawagima? Aproveitaram-se daqueles 60 e poucos “subversivos”, relacionaram quase 600 que queriam demitir por interesse econômico da empresa e os demitiram sem direito nenhum, sob a alegação de “subversão”, que era a palavra mágica. Como os 600 e tantos não puderam ser envolvidos em nenhum processo, porque era um absurdo, a própria Justiça acabou por reintegrá-los. E muitas outras empresas fizeram coisas assim. Ainda antes de 64, no fim do governo Jango, a direita estava tão articulada e organizada que, como eles sabiam que havia na Ishikawagima um foco de socialistas e comunistas, puseram lá dentro alguns olheiros. Um desses era um famoso policial do Dops chamado Mário Borges. Era um policial acostumado com a área política, um torturador, não sistemático, mas eventual. Era horroroso. Um dia, um dos meus clientes, Zé de Arimatéia, me contou que ele ficava na janelinha da cozinha anotando quem conversava com quem, quais eram os comunistas e os suspeitos. Ele já devia ter uma lista de suspeitos fornecida pela empresa e anotava todos os seus movimentos. Certo dia, fez uma ampla anotação que redundou na prisão de muita gente, não só daqueles 60 e tantos como de outros, que não entraram no processo. Um dos que foram presos foi torturado para contar a história do Chapeuzinho Vermelho. Ele não sabia do que se tratava e apanhou muito. Depois que saiu da tortura é que veio a saber pelos outros presos qual era a história. Sabem qual era? A Ishikawagima, como toda a empresa que lida com máquinas e óleos, graxa etc., costuma comprar muita estopa e trapo para limpeza. Numa dessas ocasiões, eles compraram meias vermelhas com defeito de fábrica. Quando os operários encontraram aquelas meias, simplesmente as cortaram, amarraram e puseram na cabeça para proteger o cabelo contra a graxa. Pois bem, burramente, todo mundo que botou chapeuzinho vermelho, o seu Mário Borges relacionou como comunista. E aquele pobre operário, se mal conhecia a história infantil, nada sabia de organização comunista... Eu vi montanhas de livros presos, bíblias apreendidas como material subversivo porque tinham capas vermelhas... Há muitas histórias tragicômicas, que seriam só cômicas se não houvesse tanto sofrimento envolvendo as pessoas. Mas, voltando à pergunta, ouso dizer que defendi alguns milhares de clientes. Não sei quantos, porque também tive que destruir documentos ao longo das perseguições que eu mesmo sofria. Tive que destruir até dois livros que escrevi sobre essa temática em períodos diferentes, depois de 68, principalmente, e antes de 78.
A partir de quando o senhor começou a ser perseguido? Desde 64?
Nesse momento não, até porque eu não era uma pessoa muito “queimada”. Mas depois perdi o emprego e fui muito perseguido. Fui seqüestrado, finalmente. Nos primeiros anos consegui me esgueirar, mas depois me seqüestraram.
Depois de 64, que tipo de atuação o senhor teve no Partido Comunista?
Pequena, no começo. E depois, dada aquela situação especial, eles também tinham uma relação especial comigo. Eu tinha um contato prudente com a alta direção. Além disso, fui advogado do Prestes, embora o advogado ostensivo dele sempre tenha sido Sobral Pinto. Mas eu também fui: dele, da filha Anita e da irmã Heloísa.
(...)
Como e quando o senhor foi seqüestrado?
No dia 13 de dezembro de 1968, dia do Ato 5, eu tinha uma audiência numa auditoria da Marinha, que era aquele terror. O clima político estava muito tenso. Nós tínhamos sabido que Sobral Pinto tinha sido seqüestrado numa viagem de Brasília para Goiânia, onde ia paraninfar uma turma de advogados, e os advogados dos processos daquela audiência ou resolveram não comparecer, ou não puderam fazê-lo. Eram Evaristinho, George Tavares, Heleno Fragoso, e nenhum compareceu. Mas eu compareci, até porque pensei: se tenho que ser preso, é melhor que o seja dentro da Justiça, porque aí se torna mais difícil desaparecerem comigo. Fui à auditoria, dentro do Ministério da Marinha, e lá denunciei a perspectiva do meu seqüestro.
Aconteceu o seguinte. Quando percebeu que os advogados não tinham ido, o promotor fez uma catilinária contra os ausentes: “Um desrespeito dos advogados, não comparecerem aqui! O país está na mais perfeita ordem, por que eles não comparecem?” — querendo intrigar, até para pedir algumas prisões preventivas. O juiz então me nomeou para substituir os outros, mas antes me consultou. Eu disse que teria muita honra em representar os meus colegas ausentes desde que os clientes deles concordassem, e aproveitei para, à moda shakespeareana no Júlio César, ironizar o promotor: “Diz o promotor que o país está na mais perfeita ordem. Mas todos nós sabemos que o decano dos advogados brasileiros, o professor Sobral Pinto, foi preso em Brasília quando ia para Goiânia. Os nossos colegas, advogados deste processo, podem ter tido o mesmo destino. E aliás, eu, por estar dizendo estas verdades, nada me assegura que, ao sair daqui, não seja também seqüestrado. Do lado de fora ou, quem sabe, até dentro da área do ministério.” E continuei: “Se eu desaparecer das próximas audiências, não pense o senhor promotor que é desrespeito ou desídia do advogado. Seguramente será por uma impossibilidade de altíssimo grau, como por exemplo um seqüestro em minha casa.” Isso, em 1968, me poupou quase dois anos. Só vim a ser seqüestrado em 1970. Fui então levado para o Doi-Codi, mas pensei: esta não foi a pior das coisas que me aconteceram. Por exemplo, as minhas filhas eram todas pequenininhas. Às vezes eu estava falando durante uma audiência numa auditoria militar e via um escrivão angustiado. Mal terminava a minha fala, e ele vinha rápido, dizendo: “Doutor, corra! O telefone está chamando o senhor!” Eu ia ao telefone e alguém dizia: “Ah, dr. Modesto? Eu queria avisar ao senhor que a sua filhinha fulana de tal, aquela pequenininha” — dava até o tipo da menina — “acabou de ser atropelada aqui na rua Humaitá. Ela está morrendo.” Eu, em desespero, ligava para casa e via que era um mero terror psicológico. Não era verdade, a menina estava lá muito bem. Esse tipo de coisa aconteceu muito. E também cartas anônimas fazendo ameaças, às vezes até sugestões diretas. Quantos desses torturadores, os famosos coronéis de IPM, me perguntavam sugestivamente: “O senhor não tem medo?” “Mas medo de quê?” “Ah, de sofrer alguma coisa…” “O que eu posso sofrer? Sou cuidadoso, não faço nada errado.” “Não, mas o senhor não pode ser atropelado? O senhor vive com a cabeça cheia...” Às vezes até diretamente falavam. É claro que eu entendia o recado de ameaça, que vinha de mil formas e em mil ocasiões diferentes. Por isso é que eu digo que esse seqüestro que sofri foi talvez o menos grave que me aconteceu nesse período. E eu não fui o único, como ia dizendo. Além de Sobral Pinto, quase todos os advogados da área sofreram não só pressão, como seqüestro também. Houve um fim de semana — em geral eles preferiam fim de semana, sobretudo fim de semana longo — em que seqüestraram Heleno Fragoso, George Tavares, Sussekind… O meu seqüestro foi assim: eu quase nunca tinha tempo de passear, nem de coisa nenhuma, mas, quando tinha, telefonava para minha mulher e perguntava se ela queria fazer alguma coisa. Nesse dia, nós conseguimos ir a um cinema, sessão das 10. Quando cheguei em casa vindo do cinema, à meia noite e meia, por aí, percebi que o meu seqüestro estava montado na rua, pelo ambiente, pelo clima e pelas pessoas espalhadas. Fui seqüestrado e levado inicialmente para o meio do mato, para uma estrada que sai da avenida Niemeyer, no número 550. Hoje é um pequeno bairro que sobe, mas naquela época havia muito poucas casas lá no fundo. Eu nem conhecia aquilo. Me levaram para lá, e na minha frente iam carros, metralhadoras, fuzis — até metralhadoras semipesadas eles tinham, dessas pesadíssimas para um homem. Era uma equipe grande. Enquanto estava sendo levado, pensei: “Eles vão me fuzilar.” O AI-5 em plena vigência, total impunidade para o torturador e para o assassino oficial e oficioso… “Eles vão me matar aqui nesse mato e ainda vão fazer uma montagem no meu escritório. Vão lá tirar o meu material profissional, furtar documentos, e dizer que foram os comunistas.” Aí, o que eu fiz? Eu tinha a chave do escritório num bolsinho. Perguntei a um dos seqüestradores, o que me pareceu mais acessível: “Escuta, você não disse que nós íamos para o Doi-Codi?” Ele, do mesmo jeito que estava, respondeu ríspido: “Vamos fazer uma diligência. Depois iremos.” Enquanto eu falava com ele, tirei do bolsinho a chave do meu escritório, passei-a por cima do ombro, a janela estava aberta, e a chave caiu no mato, enquanto a caminhonete subia aquela estradinha em ziguezague. Depois de uma certa altura eles pararam, ficaram dois comigo e os outros foram lá para seqüestrar mais alguém. Depois voltaram e ouvi um dizendo: “Chefe, ela não está aí” — era uma mulher que mais tarde eu vim a saber quem era —, “foi para Santa Catarina.” Não puderam levar essa pessoa, e dali realmente fomos para o Doi-Codi, naquele quartel da PE, na Barão de Mesquita, e lá fui interrogado. Já de começo, quando cheguei, havia uma mesa grande, e me levaram para a frente dessa mesa. Veio um nazista daqueles, sem nome, à paisana, sentou e botou as botas em cima da mesa — pelas botas eu vi que era militar, depois vim a saber que era major ou coronel — bem na minha direção. Meu rosto ficou entre o V das botas dele. Ele me olhou, e em volta de mim, em meia-lua, estavam todos os torturadores que foram me buscar. Disse: “Aqui não tem doutor. Doutor somos nós.” Realmente, eles se chamavam de doutores e chefes, nunca se chamavam pelo nome na frente de um preso. “Aqui não tem habeas-corpus, habeas-corpus somos nós. Aqui não tem Justiça, Justiça somos nós. E vai falando, doutor!” Quando ele disse isso, eu percebi: “Bom, ele não está tão seguro assim. Se diz que não tem doutor e me chama de doutor, é porque ele mesmo não está certo se tem ou não tem.” Aí eu disse: “Falando o quê? O que os senhores querem saber?” Ele: “Tudo o que sabe!” Eu: “Tudo o que eu sei, qualquer um pode saber. O senhor tem direito. Se quiser, pode ir à Justiça, porque pela lei os processos são públicos. Qualquer pessoa habilitada e interessada pode ir lá e pode até tirar certidão se quiser. Tudo o que eu sei está lá.” Ele: “Ah, não vai falar não? Leva!” Aí me levaram para uma salinha pequena. Ele próprio veio, mais uns poucos, porque a sala era menor, e de novo fiquei de frente para uma mesa, ele com os pés em cima. Também sobre a mesa, um revólver e um aparelho de choque, daqueles de campanha, que foram muito usados. As paredes sujas de sangue e de tudo quanto é porcaria. Um ambiente já de constrangimento, de coação. Ele dizia: “Não vai falar?” Eu: “Falo o que sei e posso. Mas o que sei e posso não lhe interessa. O senhor lê no processo que é mais exato. Eu posso não ter boa memória.” Ele: “Mas não tem mais nada?” Eu: “Mais nada.” Aí, eles trouxeram uma senhora toda quebrada, e ele perguntou: “Esse é o dr. Modesto?” “É, sim senhor.” “A senhora se encontrou com ele?” “Encontrei sim.” Ela foi confirmando coisas que até eram verdadeiras, mas que não diziam nada. “Encontrou onde?” “Em Niterói.” “Qual era a finalidade?” “Dar dinheiro a ele.” Enfim, foi fazendo perguntas nesse nível, e ela realmente não estava dizendo nada de criminoso. Afinal ele disse: “Podem levar”. Levaram-na. “Então, não tem nada a dizer?” Eu: “Não. O que ela disse é verdade. Só não está explicado. Recebi o pagamento dela num dia de audiência em Niterói.” Quando o cliente podia e queria pagar, nós recebíamos. Se não podia ou não queria, não cobrávamos, e isso era a maioria: 90% deles jamais pagaram um centavo; ao contrário, às vezes nós é que tínhamos despesas para ajudá-los. Às vezes também acontecia de uma pessoa aparecer com um dinheiro vindo da chamada solidariedade familiar. As pessoas ou as organizações pediam: “A mulher do fulano está morrendo de fome com os filhos. Por favor, o senhor pode passar esse envelope com dinheiro para ela?” Eu dizia: “Claro, tudo bem.” Era apenas um ato de humanidade, não havia nenhuma irregularidade nisso, nenhum crime. Pois bem. Quando eles se convenceram de que eu não tinha nada a dizer, senão o que estava nos processos, e que eu insistia em não dizer nem mesmo isso — “o processo é público, o senhor vá e veja”, ou então “o senhor pode pedir até certidão, trazer e ler, que eu não tenho nada a dizer, até porque minha memória não é boa para isso” —, começaram a pensar em me mandar embora. Passei a noite toda sob ameaças, respondendo a questionários infinitos e burros, nesse mesmo nível, sem dizer nada. Ao mesmo tempo, a OAB tomou conhecimento do meu seqüestro, pois quando saí de casa soprei para a minha mulher: “Telefone para a OAB e dê a informação”, e agiu rapidamente. Na mesma hora nomeou Evaristo de Moraes e George Tavares para me darem assistência como advogados, e eles atuaram rápido. Por outro lado, eu não tinha nenhuma atividade ilegal, minha atuação era toda fundada na legislação conservadora e reacionária existente, da qual nós aproveitávamos as brechas mais humanísticas para abrandar as penas ou absolver as pessoas — isso era conseguido na imensa maioria das vezes, graças a muitos juízes sensíveis e competentes. Afinal, no outro dia, à tarde, me soltaram. Acharam que eu não valia o preço de uma denúncia de tortura a advogado, até porque àquela altura meu nome era bastante conhecido, mesmo internacionalmente. Havia realmente muitas organizações internacionais e ONGs que acompanhavam o nosso trabalho. Vou dar um exemplo. Uma ocasião, quando houve o julgamento da Niomar Sodré, que era dona do Correio da Manhã, eles montaram um esquema teatral muito simpático e legal na auditoria militar, porque a ONU resolveu mandar como observador um dos seus maiores assessores jurídicos, Sebastián Soler, um jurista argentino muito respeitado, um doutrinador. Sebastián Soler veio e ficou bem impressionado com o julgamento. Mas, como ele queria conversar conosco, eu, Heleno Fragoso, Evaristo e se não me engano Jansen fomos bater um papo com ele e tomar um refresco. Ele nos disse: “Fiquei bem impressionado. Eles se conduziram corretamente, como um tribunal, não vi nada de anormal.” Aí eu pedi a palavra: “Mas o senhor me permita dizer que aquilo não é o normal, não é a rotina.” E contei: “Ao mesmo tempo que aquela sessão teatralizada se passava, eu tive uma audiência um pouco antes em que a minha cliente foi torturada dentro da sala de outra auditoria.” E dei o nome, da cliente e da auditoria. “Aconteceu isso, isso e isso. E nós próprios, para chegarmos à nossa mesa, tínhamos que passar por um corredor de soldados com metralhadoras e fuzis de baioneta calada. E cada um de nós estava sob a mira de um fuzil.” Ele perguntou ao Heleno se isso podia ser verdade, e o Heleno respondeu: “É exatamente isso.” Todos confirmaram. E aí nós demos para ele o AI-5. Ele lia português e chegou a emitir expressões assim: “Isto é uma antilei!”
Qual foi o papel da OAB nessa época?
A OAB passou a ter um papel importante depois do AI-5, quando nós conseguimos ganhá-la. Ganhamos em parte e depois, finalmente, no todo. Até então a OAB era conservadora e tradicional. A advocacia, fundamentalmente, é uma profissão conservadora. Como o advogado existe para manter o que está na lei, para conservar a lei, a tendência dele é ser conservador. Mas o conservador da lei, numa etapa autoritária de governo, já está avançado. Para nós isso já ajudava alguma coisa. E mais tarde a OAB veio a ajudar mais ainda, quando passou a ter uma maioria de liberais e progressistas na sua direção.
Pode-se concluir que houve então dois momentos distintos na história da OAB sob o regime militar?
Sim. A OAB, como quase toda organização profissional tradicional, tem resquícios de corporação de ofício. Ela funcionou, quase que desde a sua criação, como corporação de ofício dos advogados ricos, sobretudo dos advogados da Light. Mas mesmo esses davam alguma ajuda porque, como eu disse, eram conservadores, mas em geral não eram reacionários nem concordavam com torturadores. Para nós, um conservador já era, em alguns momentos, quase um aliado. Mas como eles ajudavam muito pouco, nós começamos uma campanha, exatamente em 68, para eleger quem prestasse para a OAB e para, dessa maneira, colocá-la numa posição de luta em favor do associado. Sem dinheiro, sem preparação, com toda a manipulação, pusemos seis nomes da maior categoria na direção da OAB.
(...)
Os exilados voltaram em função da lei de anistia. Como o senhor viu essa lei, promulgada em 28 de agosto de 1979?
Aquela lei restrita de anistia, a 6.683, que nós conseguimos fazer passar, não era o que queríamos. Nós lutávamos pela anistia ampla, geral e irrestrita e conseguimos apenas aquilo, num acordo interpartidário em que o governo tinha a maioria. Mas aquele arremedo de anistia que saiu já beneficiou uma boa parcela de perseguidos políticos. Foi graças àquela lei que conseguimos fazer voltar, se não todos, quase todos os exilados e perseguidos políticos lá de fora.
Afinal a lei se mostrou mais ampla do se supôs de início, não?
Só foi ampla para os torturadores, para os torturados não. Se parte deles teve algum benefício, foi porque o momento era de amplitude e abertura. Se fosse um momento de fechamento político, não funcionaria. Depois vieram outras leis de anistia, amplificações da 6.683: a Emenda Constitucional nº 26, de 1985, e o artigo 8º do ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição de 1988. Mas o fato é que, além de ter saído a lei da anistia, em 1979 começou o fracionamento dos partidos. E eu era favorável à manutenção da unidade por mais uma eleição, talvez.
CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE
HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)
ALERJ
Proibida a publicação no todo ou em parte; permitida a citação. Permitida a cópia xerox. A citação deve ser textual, com indicação de fonte conforme abaixo.
SILVEIRA, Antônio Modesto Da. Antonio Modesto da Silveira (depoimento, 2000). Rio de Janeiro, CPDOC/ALERJ, 2001.
Esta entrevista foi realizada na vigência do convênio entre CPDOC/FGV e ALERJ. É obrigatório o crédito às instituições mencionadas.
ANTONIO MODESTO DA SILVEIRA
(depoimento, 2000)
O senhor se formou em direito em 1962, com o Brasil pegando fogo. Pouco depois viria o golpe de 64. Como viu o golpe, onde estava naquele momento?
Depois que me formei, eu e alguns amigos, colegas de faculdade, sem abandonar nossos empregos, nos associamos e abrimos um escritório. Éramos Zé Quarto — José Quarto de Oliveira Borges —, que depois se tornou procurador do Banespa, Maurício de Oliveira, que depois virou juiz, Werneck Viana, que era um excelente advogado mas deixou porque tinha paixão pelas ciências sociais... Mais tarde veio Rosa Cardoso, que foi secretária no governo Brizola,3 excelente advogada, que entrou no escritório ainda como estagiária, bem jovem. Enfim, éramos um grupo de amigos e estávamos indo muito bem. O escritório ficava na Cinelândia, e havia um comício marcado para lá no dia 1º de abril de 1964. Sabendo disso, e desconhecendo a evolução do golpe militar, resolvi ir. Tive grande dificuldade, porque tinha havido a decretação de uma greve de transportes; como eu morava no Humaitá, tive que ir de táxi. Quando cheguei, senti que o golpe estava na rua. Quem apareceu lá, também atordoado, tão ignorante quanto eu sobre o que estava acontecendo, foi Roland Corbisier: “O que está havendo?” Nós estávamos esperando as lideranças de oposição, que eram os trabalhistas, socialistas e comunistas, mas não aparecia ninguém. Enquanto estávamos ali conversando, chegou a tropa do Exército. Tanques e soldados com metralhadoras e baionetas caladas foram chegando em grande número. O povo, inocentemente, ensaiou aplausos. O Exército era subordinado ao governo, e o governo era o presidente João Goulart. Pois bem, ainda sob os ensaios de aplauso, os soldados fizeram a volta e viraram os canhões e baionetas contra o povo. A partir dali, começou a haver vaia. Quando as vaias começaram, eu me lembro bem, duas pessoas caíram ao meu lado, fuziladas. Mas não foram os soldados, foram dois homens à paisana, de aparência militar, que atiraram no povo que estava vaiando — atiraram para matar! Depois, os dois homens, seguros de si, atravessaram a rua bem na esquina da Santa Luzia com Rio Branco. Entreabriram-se aquelas portas gigantescas, pesadas, do Clube Militar, eles entraram, e as portas se fecharam de novo. E aí foi um corre-corre lá fora. Já nesse primeiro dia, o golpe militar deu a perceber mais ou menos qual era a sua filosofia. Fomos procurados no escritório por pessoas de esquerda, lideranças sindicais, trabalhadores, mulheres em desespero porque seus maridos tinham sumido, ou tinham sido arrastados de casa. Já em 1º de abril! Já ali percebemos que aquele movimento era contra o trabalhador, o que logo depois veio a se configurar. Como isso se configurou para mim nitidamente? Primeiro, porque naqueles primeiros dias todas as lideranças sindicais operárias passaram a ser cassadas, com “ss”, e com “ç” também, e quase todos os sindicatos de trabalhadores foram fechados, mas nenhuma liderança ou organização patronal foi incomodada. Era um recado muito claro da filosofia do movimento de 64: era um movimento contra o trabalhador e a favor do patronato. Logo depois, é claro, no plano teórico, surgiram as várias teorias que consolidavam essa prática. Por exemplo, o famoso crescimento do bolo: “É preciso preparar o bolo, fermentá-lo e fazê-lo crescer, para depois de grande fatiá-lo com todos.” Fatia essa que nunca veio, só veio mais arrocho salarial. Foi aí que nós entendemos melhor as coisas e começamos a atuar com mais clareza.
O senhor então começou a atuar como advogado de perseguidos políticos logo no início do regime militar?
Já aí. Já no dia 1º de abril fomos procurados no escritório por pessoas desesperadas. Se não me engano os primeiros foram a família do Pereirinha, que era líder bancário, ou do Oton Canedo Lopes, uma daquelas lideranças do famoso CGT. Tive a veleidade de ir ao Dops, na rua da Relação, para ver se falava com o preso, mas quando cheguei não pude nem ir à calçada do Dops, pois a polícia não permitia. Do outro lado da rua, ali do Bar Don Juan, ficamos observando o movimento. Enquanto eu estava lá, apareceu quem? Sobral Pinto,5 maravilhoso advogado, e advogado do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, em todas aquelas brigas dele com o governo federal, portanto um homem com muito prestígio. O próprio Sobral Pinto não conseguiu entrar. Quando vi Sobral Pinto barrado no portão do Dops, pensei: “É um sonho querer entrar. Vou preparar um habeas-corpus” — até 68 ainda tivemos possibilidade de entrar com habeas-corpus. E começou a nossa luta. O escritório virou um muro de lamentações e de desespero. Acumulamos mil histórias de pessoas e seus sofrimentos, impostos por infinitas perseguições ideológicas.
Antes da edição do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, os advogados ainda conseguiam soltar os presos políticos com alguma rapidez?
Era um tanto mais fácil, porque a maioria dos casos preenchia condições legais de soltura. Habeas-corpus, só quem recebia era o Superior Tribunal Militar, para o qual se deslocou a competência jurídica para os processos políticos. Mas o Tribunal Militar era segunda instância. A primeira instância era o juiz auditor. Então, quando o juiz não estava sob coação, não era muito medroso, mandava soltar o preso, ou pelo menos mandava pedir informações e depois dizia: “Isso é ilegal. Melhor soltar.” Às vezes os advogados também ganhavam o habeas-corpus no Tribunal Militar, até porque a própria composição do tribunal favorecia isso. Ele era composto por 15 membros, 10 oficiais generais e cinco civis. Os oficiais generais eram três almirantes, três brigadeiros e quatro generais, e os cinco civis eram togados. Eram eles os verdadeiros juízes, pois eram os que entendiam de direito. Tanto que o relator em geral era civil, e os outros eram revisores. O togado era quem votava primeiro e dava a condução jurídica possível. Mesmo que fosse muito reacionário, pelo menos tinha a noção de que se devia, se possível, não violar a lei. A lei já era um lixo; se se fosse violar o lixo, onde cairíamos? Iríamos direto para a cloaca. Na maioria dos casos nós ganhávamos os habeas-corpus, às vezes até para trancar a continuação de um processo. Quantas vezes matamos o processo por via de habeas-corpus! Simplesmente, se interrompia o processo por falta de justa causa. Era uma coisa tão absurda, tão sem prova nem mesmo indício, uma tal vergonha, que até pela lei do menor esforço o juiz dizia: “Bom, realmente não dá pé. Isso não existe.” Às vezes, os presos eram meros reféns: mulher, para o marido aparecer; moça, para o namorado se apresentar. Criancinha! Eu vi criança de colo seqüestrada para o pai se entregar, conheci casos assim! Agora, quando acabaram com o habeas-corpus em 68, pelo AI-5, tivemos que ficar muito mais criativos. Quase todos os advogados eram liberais, alguns eram progressistas, mas havia um elo harmônico maravilhoso entre todos, o que fazia com que, sem troca de palavras, funcionássemos de forma praticamente orgânica. Tivemos que fazer muita ginástica, muita acrobacia mental a partir daquele momento. Fazíamos, e dava certo. Por exemplo, já que não podíamos mais apresentar uma petição de habeas-corpus, apresentávamos uma petição simples, sob outro título. Fazíamos a petição com fundamentos e argumentação fortes e com isso levávamos o juiz auditor a requisitar informações para saber se aquilo era verdade. Como era verdade — nós não podíamos mentir e nem precisávamos, porque os fatos eram por demais contundentes —, o juiz dava uma decisão geralmente salutar. O juiz auditor era um togado entre quatro militares, geralmente coronéis ou capitães. Quando recebia aquela petição, podia se impressionar ou não, mas em geral pedia informações. O encarregado do IPM consultava o promotor que o orientava, e eles davam um jeito. E funcionava, praticamente, como se fosse um habeas-corpus. Em resumo: era notável a eficiência, a cooperação e a solidariedade entre os advogados de perseguidos políticos.
Havia divergências dentro da Justiça Militar?
Ah, havia. Havia divergências até dentro do Doi-Codi, dentro do próprio sistema de repressão e tortura. Quantas vezes recebi telefonemas anônimos, de denúncia, que eu alimentava porque sentia que eram verdadeiros, e eram. E o que nos interessava era a verdade. Porque se você tem a verdade, você cria uma estratégia de defesa. Foi por descobrir certas verdades, às vezes através de telefonemas anônimos, que eu estou seguro de que conseguimos salvar a vida de muitas pessoas. Às vezes até blefando, não para a Justiça, mas para o torturador. Eu sabia, por exemplo, que um determinado cliente podia estar marcado para morrer, tinha um indiciozinho, e chegava para o torturador — não que fosse o torturador oficial, mas era o representante do esquema, o chefe da tortura; por exemplo, um delegado do Dops que, por ser muito reacionário, era ligado à chamada “área verde”, ou seja, ao Exército, na fase em que o Exército passou a assumir e a monopolizar todo esse esquema nazista —, pois bem, chegava para o torturador e dizia: “Doutor, é o seguinte. Eu não vou brigar, desde que o meu cliente, que está preso, não sofra de agora em diante nenhuma tortura, e o seu seqüestro seja legalizado. Se isso acontecer, eu, como advogado, aconselharei o meu cliente a não fazer nada. Está bem?” Porque ele estava escalado para morrer e ia morrer. Houve o caso, por exemplo, do advogado Afonso Celso, que tinha sido deputado estadual no antigo Estado do Rio e que foi seqüestrado pelo Codi e levado para a Oban, em São Paulo. Ele foi um dos que nós estamos convencidos de que salvamos a vida, exatamente por essa tática de trabalho. Houve o caso do Gildásio Cocenza, irmão da Gilda, ex-mulher do Henfil. Esse quase chegou a dizer a frase do circo romano “Morituri te salutant”. Foi levado para São Paulo para ser torturado e morto. No final, os torturadores tiraram os capuzes deles próprios e do Gildásio e disseram: “Bom, agora você pode nos conhecer.” Como quem diz: “Você vai morrer mesmo, logo pode ver a gente.” Mas nesse exato momento houve um corre-corre por causa de um meio blefe que eu fiz, baseado nos poucos dados que tinha. Um dos dados eu obtive do Ivan, filho do Henfil, que na época era um menininho e gostava muito do tio. De vez em quando o Gildásio, mesmo clandestino, ia buscar o menino para dar um passeio e, como quem não quer nada, dizia uma série de coisas que se tornaram úteis. Depois, a namorada dele também contou algumas coisas que ajudaram. Nós somamos aquilo, pegamos um fiozinho de lógica e montamos o blefe, que funcionou. Depois de me ouvir, o delegado disse: “Doutor, espera aí, ele não está aqui.” Respondi: “Não tem problema. Veja lá na sua ‘área verde’. Mas desde hoje ele não pode mais ser torturado”. Ele queria três dias. Eu disse: “Não. Três dias é muito. Eu tenho que tomar uma providência, não pode ficar do jeito que está. Eu tenho dados; não quero briga, mas tenho dados!” Acho que ele teve medo de ser envolvido, porque o Gildásio tinha sido preso por ele, que o entregara à Oban. O cara ia morrer, ele sabia disso e no dia seguinte disse: “Vai ser legalizado.” Foi legalizado e realmente não foi mais torturado.
Que outros advogados, além do senhor, se dedicavam a defender presos políticos?
Muito poucos. Além de Sobral Pinto, que era advogado de preso político desde 1935, havia Vivaldo Vasconcelos, Oswaldo Mendonça, Bento Rubião, Heleno Fragoso, Evaristo de Moraes, George Tavares, Eni Moreira, que ainda era estudante mas continuou, Rosa Cardoso, Humberto Jansen, Alcione Barreto. Depois entrou o Sussekind, que era defensor público mas não era proibido de pegar clientes. Manuel de Jesus também deu uma ajuda boa. Outros deram ajudas eventuais, como Paulo Sabóia e poucos mais.
E Lysaneas Maciel?
Só me lembro de ter participado com ele de uma audiência, na Aeronáutica. Acho que ele dava suporte a algumas pessoas, mas tinha alguma dificuldade, porque creio que era procurador. Por outro lado, ele era uma espécie de pastor ou presbítero, e as igrejas, no começo, ainda estavam com uma visão bastante estreita a respeito do problema. Mais tarde é que elas foram se conscientizando, de tal maneira que fui chamado para conversar seriamente com eles e até para dar palestras para pastores e bispos protestantes. Lysaneas deu uma grande ajuda em outras áreas, sobretudo políticas.
O senhor tem idéia de quantos presos políticos defendeu?
Heleno Fragoso afirmava que, pelos cálculos dele, quem mais defendeu presos políticos no Brasil fui eu. É muito difícil saber quantos defendi, porque às vezes eu funcionava junto com outro advogado, ou era advogado de dezenas de pessoas no mesmo processo. Vou dar um exemplo. Houve um grupo da Ishikawagima, de 60 e tantos presos, e fui procurado por todos. Eu não seria tolo de aceitar todos, porque pareceria que eu era um advogado orgânico: “Ele faz parte da organização dessa turma, e a organização o mandou defendê-los.” Para evitar esse tipo de cogitação e suspeita, eu chamava os colegas e sugeria: “Você figura com uns 10 ou 15, eu figuro com 30, outro com cinco, ou então figuramos conjuntamente.” Algumas procurações eram conjuntas, outras eram individuais, mas nós atuávamos em favor de todos, sem contradição. Já que falei na Ishikawagima, vou aproveitar para mostrar como muitas empresas, naquela época, se beneficiaram da situação. Como se sentiram no poder, elas puseram ou tentaram pôr os generais para fazer o seu trabalho sujo e os bancavam por trás. O que eles fizeram na Ishikawagima? Aproveitaram-se daqueles 60 e poucos “subversivos”, relacionaram quase 600 que queriam demitir por interesse econômico da empresa e os demitiram sem direito nenhum, sob a alegação de “subversão”, que era a palavra mágica. Como os 600 e tantos não puderam ser envolvidos em nenhum processo, porque era um absurdo, a própria Justiça acabou por reintegrá-los. E muitas outras empresas fizeram coisas assim. Ainda antes de 64, no fim do governo Jango, a direita estava tão articulada e organizada que, como eles sabiam que havia na Ishikawagima um foco de socialistas e comunistas, puseram lá dentro alguns olheiros. Um desses era um famoso policial do Dops chamado Mário Borges. Era um policial acostumado com a área política, um torturador, não sistemático, mas eventual. Era horroroso. Um dia, um dos meus clientes, Zé de Arimatéia, me contou que ele ficava na janelinha da cozinha anotando quem conversava com quem, quais eram os comunistas e os suspeitos. Ele já devia ter uma lista de suspeitos fornecida pela empresa e anotava todos os seus movimentos. Certo dia, fez uma ampla anotação que redundou na prisão de muita gente, não só daqueles 60 e tantos como de outros, que não entraram no processo. Um dos que foram presos foi torturado para contar a história do Chapeuzinho Vermelho. Ele não sabia do que se tratava e apanhou muito. Depois que saiu da tortura é que veio a saber pelos outros presos qual era a história. Sabem qual era? A Ishikawagima, como toda a empresa que lida com máquinas e óleos, graxa etc., costuma comprar muita estopa e trapo para limpeza. Numa dessas ocasiões, eles compraram meias vermelhas com defeito de fábrica. Quando os operários encontraram aquelas meias, simplesmente as cortaram, amarraram e puseram na cabeça para proteger o cabelo contra a graxa. Pois bem, burramente, todo mundo que botou chapeuzinho vermelho, o seu Mário Borges relacionou como comunista. E aquele pobre operário, se mal conhecia a história infantil, nada sabia de organização comunista... Eu vi montanhas de livros presos, bíblias apreendidas como material subversivo porque tinham capas vermelhas... Há muitas histórias tragicômicas, que seriam só cômicas se não houvesse tanto sofrimento envolvendo as pessoas. Mas, voltando à pergunta, ouso dizer que defendi alguns milhares de clientes. Não sei quantos, porque também tive que destruir documentos ao longo das perseguições que eu mesmo sofria. Tive que destruir até dois livros que escrevi sobre essa temática em períodos diferentes, depois de 68, principalmente, e antes de 78.
A partir de quando o senhor começou a ser perseguido? Desde 64?
Nesse momento não, até porque eu não era uma pessoa muito “queimada”. Mas depois perdi o emprego e fui muito perseguido. Fui seqüestrado, finalmente. Nos primeiros anos consegui me esgueirar, mas depois me seqüestraram.
Depois de 64, que tipo de atuação o senhor teve no Partido Comunista?
Pequena, no começo. E depois, dada aquela situação especial, eles também tinham uma relação especial comigo. Eu tinha um contato prudente com a alta direção. Além disso, fui advogado do Prestes, embora o advogado ostensivo dele sempre tenha sido Sobral Pinto. Mas eu também fui: dele, da filha Anita e da irmã Heloísa.
(...)
Como e quando o senhor foi seqüestrado?
No dia 13 de dezembro de 1968, dia do Ato 5, eu tinha uma audiência numa auditoria da Marinha, que era aquele terror. O clima político estava muito tenso. Nós tínhamos sabido que Sobral Pinto tinha sido seqüestrado numa viagem de Brasília para Goiânia, onde ia paraninfar uma turma de advogados, e os advogados dos processos daquela audiência ou resolveram não comparecer, ou não puderam fazê-lo. Eram Evaristinho, George Tavares, Heleno Fragoso, e nenhum compareceu. Mas eu compareci, até porque pensei: se tenho que ser preso, é melhor que o seja dentro da Justiça, porque aí se torna mais difícil desaparecerem comigo. Fui à auditoria, dentro do Ministério da Marinha, e lá denunciei a perspectiva do meu seqüestro.
Aconteceu o seguinte. Quando percebeu que os advogados não tinham ido, o promotor fez uma catilinária contra os ausentes: “Um desrespeito dos advogados, não comparecerem aqui! O país está na mais perfeita ordem, por que eles não comparecem?” — querendo intrigar, até para pedir algumas prisões preventivas. O juiz então me nomeou para substituir os outros, mas antes me consultou. Eu disse que teria muita honra em representar os meus colegas ausentes desde que os clientes deles concordassem, e aproveitei para, à moda shakespeareana no Júlio César, ironizar o promotor: “Diz o promotor que o país está na mais perfeita ordem. Mas todos nós sabemos que o decano dos advogados brasileiros, o professor Sobral Pinto, foi preso em Brasília quando ia para Goiânia. Os nossos colegas, advogados deste processo, podem ter tido o mesmo destino. E aliás, eu, por estar dizendo estas verdades, nada me assegura que, ao sair daqui, não seja também seqüestrado. Do lado de fora ou, quem sabe, até dentro da área do ministério.” E continuei: “Se eu desaparecer das próximas audiências, não pense o senhor promotor que é desrespeito ou desídia do advogado. Seguramente será por uma impossibilidade de altíssimo grau, como por exemplo um seqüestro em minha casa.” Isso, em 1968, me poupou quase dois anos. Só vim a ser seqüestrado em 1970. Fui então levado para o Doi-Codi, mas pensei: esta não foi a pior das coisas que me aconteceram. Por exemplo, as minhas filhas eram todas pequenininhas. Às vezes eu estava falando durante uma audiência numa auditoria militar e via um escrivão angustiado. Mal terminava a minha fala, e ele vinha rápido, dizendo: “Doutor, corra! O telefone está chamando o senhor!” Eu ia ao telefone e alguém dizia: “Ah, dr. Modesto? Eu queria avisar ao senhor que a sua filhinha fulana de tal, aquela pequenininha” — dava até o tipo da menina — “acabou de ser atropelada aqui na rua Humaitá. Ela está morrendo.” Eu, em desespero, ligava para casa e via que era um mero terror psicológico. Não era verdade, a menina estava lá muito bem. Esse tipo de coisa aconteceu muito. E também cartas anônimas fazendo ameaças, às vezes até sugestões diretas. Quantos desses torturadores, os famosos coronéis de IPM, me perguntavam sugestivamente: “O senhor não tem medo?” “Mas medo de quê?” “Ah, de sofrer alguma coisa…” “O que eu posso sofrer? Sou cuidadoso, não faço nada errado.” “Não, mas o senhor não pode ser atropelado? O senhor vive com a cabeça cheia...” Às vezes até diretamente falavam. É claro que eu entendia o recado de ameaça, que vinha de mil formas e em mil ocasiões diferentes. Por isso é que eu digo que esse seqüestro que sofri foi talvez o menos grave que me aconteceu nesse período. E eu não fui o único, como ia dizendo. Além de Sobral Pinto, quase todos os advogados da área sofreram não só pressão, como seqüestro também. Houve um fim de semana — em geral eles preferiam fim de semana, sobretudo fim de semana longo — em que seqüestraram Heleno Fragoso, George Tavares, Sussekind… O meu seqüestro foi assim: eu quase nunca tinha tempo de passear, nem de coisa nenhuma, mas, quando tinha, telefonava para minha mulher e perguntava se ela queria fazer alguma coisa. Nesse dia, nós conseguimos ir a um cinema, sessão das 10. Quando cheguei em casa vindo do cinema, à meia noite e meia, por aí, percebi que o meu seqüestro estava montado na rua, pelo ambiente, pelo clima e pelas pessoas espalhadas. Fui seqüestrado e levado inicialmente para o meio do mato, para uma estrada que sai da avenida Niemeyer, no número 550. Hoje é um pequeno bairro que sobe, mas naquela época havia muito poucas casas lá no fundo. Eu nem conhecia aquilo. Me levaram para lá, e na minha frente iam carros, metralhadoras, fuzis — até metralhadoras semipesadas eles tinham, dessas pesadíssimas para um homem. Era uma equipe grande. Enquanto estava sendo levado, pensei: “Eles vão me fuzilar.” O AI-5 em plena vigência, total impunidade para o torturador e para o assassino oficial e oficioso… “Eles vão me matar aqui nesse mato e ainda vão fazer uma montagem no meu escritório. Vão lá tirar o meu material profissional, furtar documentos, e dizer que foram os comunistas.” Aí, o que eu fiz? Eu tinha a chave do escritório num bolsinho. Perguntei a um dos seqüestradores, o que me pareceu mais acessível: “Escuta, você não disse que nós íamos para o Doi-Codi?” Ele, do mesmo jeito que estava, respondeu ríspido: “Vamos fazer uma diligência. Depois iremos.” Enquanto eu falava com ele, tirei do bolsinho a chave do meu escritório, passei-a por cima do ombro, a janela estava aberta, e a chave caiu no mato, enquanto a caminhonete subia aquela estradinha em ziguezague. Depois de uma certa altura eles pararam, ficaram dois comigo e os outros foram lá para seqüestrar mais alguém. Depois voltaram e ouvi um dizendo: “Chefe, ela não está aí” — era uma mulher que mais tarde eu vim a saber quem era —, “foi para Santa Catarina.” Não puderam levar essa pessoa, e dali realmente fomos para o Doi-Codi, naquele quartel da PE, na Barão de Mesquita, e lá fui interrogado. Já de começo, quando cheguei, havia uma mesa grande, e me levaram para a frente dessa mesa. Veio um nazista daqueles, sem nome, à paisana, sentou e botou as botas em cima da mesa — pelas botas eu vi que era militar, depois vim a saber que era major ou coronel — bem na minha direção. Meu rosto ficou entre o V das botas dele. Ele me olhou, e em volta de mim, em meia-lua, estavam todos os torturadores que foram me buscar. Disse: “Aqui não tem doutor. Doutor somos nós.” Realmente, eles se chamavam de doutores e chefes, nunca se chamavam pelo nome na frente de um preso. “Aqui não tem habeas-corpus, habeas-corpus somos nós. Aqui não tem Justiça, Justiça somos nós. E vai falando, doutor!” Quando ele disse isso, eu percebi: “Bom, ele não está tão seguro assim. Se diz que não tem doutor e me chama de doutor, é porque ele mesmo não está certo se tem ou não tem.” Aí eu disse: “Falando o quê? O que os senhores querem saber?” Ele: “Tudo o que sabe!” Eu: “Tudo o que eu sei, qualquer um pode saber. O senhor tem direito. Se quiser, pode ir à Justiça, porque pela lei os processos são públicos. Qualquer pessoa habilitada e interessada pode ir lá e pode até tirar certidão se quiser. Tudo o que eu sei está lá.” Ele: “Ah, não vai falar não? Leva!” Aí me levaram para uma salinha pequena. Ele próprio veio, mais uns poucos, porque a sala era menor, e de novo fiquei de frente para uma mesa, ele com os pés em cima. Também sobre a mesa, um revólver e um aparelho de choque, daqueles de campanha, que foram muito usados. As paredes sujas de sangue e de tudo quanto é porcaria. Um ambiente já de constrangimento, de coação. Ele dizia: “Não vai falar?” Eu: “Falo o que sei e posso. Mas o que sei e posso não lhe interessa. O senhor lê no processo que é mais exato. Eu posso não ter boa memória.” Ele: “Mas não tem mais nada?” Eu: “Mais nada.” Aí, eles trouxeram uma senhora toda quebrada, e ele perguntou: “Esse é o dr. Modesto?” “É, sim senhor.” “A senhora se encontrou com ele?” “Encontrei sim.” Ela foi confirmando coisas que até eram verdadeiras, mas que não diziam nada. “Encontrou onde?” “Em Niterói.” “Qual era a finalidade?” “Dar dinheiro a ele.” Enfim, foi fazendo perguntas nesse nível, e ela realmente não estava dizendo nada de criminoso. Afinal ele disse: “Podem levar”. Levaram-na. “Então, não tem nada a dizer?” Eu: “Não. O que ela disse é verdade. Só não está explicado. Recebi o pagamento dela num dia de audiência em Niterói.” Quando o cliente podia e queria pagar, nós recebíamos. Se não podia ou não queria, não cobrávamos, e isso era a maioria: 90% deles jamais pagaram um centavo; ao contrário, às vezes nós é que tínhamos despesas para ajudá-los. Às vezes também acontecia de uma pessoa aparecer com um dinheiro vindo da chamada solidariedade familiar. As pessoas ou as organizações pediam: “A mulher do fulano está morrendo de fome com os filhos. Por favor, o senhor pode passar esse envelope com dinheiro para ela?” Eu dizia: “Claro, tudo bem.” Era apenas um ato de humanidade, não havia nenhuma irregularidade nisso, nenhum crime. Pois bem. Quando eles se convenceram de que eu não tinha nada a dizer, senão o que estava nos processos, e que eu insistia em não dizer nem mesmo isso — “o processo é público, o senhor vá e veja”, ou então “o senhor pode pedir até certidão, trazer e ler, que eu não tenho nada a dizer, até porque minha memória não é boa para isso” —, começaram a pensar em me mandar embora. Passei a noite toda sob ameaças, respondendo a questionários infinitos e burros, nesse mesmo nível, sem dizer nada. Ao mesmo tempo, a OAB tomou conhecimento do meu seqüestro, pois quando saí de casa soprei para a minha mulher: “Telefone para a OAB e dê a informação”, e agiu rapidamente. Na mesma hora nomeou Evaristo de Moraes e George Tavares para me darem assistência como advogados, e eles atuaram rápido. Por outro lado, eu não tinha nenhuma atividade ilegal, minha atuação era toda fundada na legislação conservadora e reacionária existente, da qual nós aproveitávamos as brechas mais humanísticas para abrandar as penas ou absolver as pessoas — isso era conseguido na imensa maioria das vezes, graças a muitos juízes sensíveis e competentes. Afinal, no outro dia, à tarde, me soltaram. Acharam que eu não valia o preço de uma denúncia de tortura a advogado, até porque àquela altura meu nome era bastante conhecido, mesmo internacionalmente. Havia realmente muitas organizações internacionais e ONGs que acompanhavam o nosso trabalho. Vou dar um exemplo. Uma ocasião, quando houve o julgamento da Niomar Sodré, que era dona do Correio da Manhã, eles montaram um esquema teatral muito simpático e legal na auditoria militar, porque a ONU resolveu mandar como observador um dos seus maiores assessores jurídicos, Sebastián Soler, um jurista argentino muito respeitado, um doutrinador. Sebastián Soler veio e ficou bem impressionado com o julgamento. Mas, como ele queria conversar conosco, eu, Heleno Fragoso, Evaristo e se não me engano Jansen fomos bater um papo com ele e tomar um refresco. Ele nos disse: “Fiquei bem impressionado. Eles se conduziram corretamente, como um tribunal, não vi nada de anormal.” Aí eu pedi a palavra: “Mas o senhor me permita dizer que aquilo não é o normal, não é a rotina.” E contei: “Ao mesmo tempo que aquela sessão teatralizada se passava, eu tive uma audiência um pouco antes em que a minha cliente foi torturada dentro da sala de outra auditoria.” E dei o nome, da cliente e da auditoria. “Aconteceu isso, isso e isso. E nós próprios, para chegarmos à nossa mesa, tínhamos que passar por um corredor de soldados com metralhadoras e fuzis de baioneta calada. E cada um de nós estava sob a mira de um fuzil.” Ele perguntou ao Heleno se isso podia ser verdade, e o Heleno respondeu: “É exatamente isso.” Todos confirmaram. E aí nós demos para ele o AI-5. Ele lia português e chegou a emitir expressões assim: “Isto é uma antilei!”
Qual foi o papel da OAB nessa época?
A OAB passou a ter um papel importante depois do AI-5, quando nós conseguimos ganhá-la. Ganhamos em parte e depois, finalmente, no todo. Até então a OAB era conservadora e tradicional. A advocacia, fundamentalmente, é uma profissão conservadora. Como o advogado existe para manter o que está na lei, para conservar a lei, a tendência dele é ser conservador. Mas o conservador da lei, numa etapa autoritária de governo, já está avançado. Para nós isso já ajudava alguma coisa. E mais tarde a OAB veio a ajudar mais ainda, quando passou a ter uma maioria de liberais e progressistas na sua direção.
Pode-se concluir que houve então dois momentos distintos na história da OAB sob o regime militar?
Sim. A OAB, como quase toda organização profissional tradicional, tem resquícios de corporação de ofício. Ela funcionou, quase que desde a sua criação, como corporação de ofício dos advogados ricos, sobretudo dos advogados da Light. Mas mesmo esses davam alguma ajuda porque, como eu disse, eram conservadores, mas em geral não eram reacionários nem concordavam com torturadores. Para nós, um conservador já era, em alguns momentos, quase um aliado. Mas como eles ajudavam muito pouco, nós começamos uma campanha, exatamente em 68, para eleger quem prestasse para a OAB e para, dessa maneira, colocá-la numa posição de luta em favor do associado. Sem dinheiro, sem preparação, com toda a manipulação, pusemos seis nomes da maior categoria na direção da OAB.
(...)
Os exilados voltaram em função da lei de anistia. Como o senhor viu essa lei, promulgada em 28 de agosto de 1979?
Aquela lei restrita de anistia, a 6.683, que nós conseguimos fazer passar, não era o que queríamos. Nós lutávamos pela anistia ampla, geral e irrestrita e conseguimos apenas aquilo, num acordo interpartidário em que o governo tinha a maioria. Mas aquele arremedo de anistia que saiu já beneficiou uma boa parcela de perseguidos políticos. Foi graças àquela lei que conseguimos fazer voltar, se não todos, quase todos os exilados e perseguidos políticos lá de fora.
Afinal a lei se mostrou mais ampla do se supôs de início, não?
Só foi ampla para os torturadores, para os torturados não. Se parte deles teve algum benefício, foi porque o momento era de amplitude e abertura. Se fosse um momento de fechamento político, não funcionaria. Depois vieram outras leis de anistia, amplificações da 6.683: a Emenda Constitucional nº 26, de 1985, e o artigo 8º do ato das disposições constitucionais transitórias da Constituição de 1988. Mas o fato é que, além de ter saído a lei da anistia, em 1979 começou o fracionamento dos partidos. E eu era favorável à manutenção da unidade por mais uma eleição, talvez.
Depoimento de Alipio Freire
http://www2.fpa.org.br/portal/modules/news/index.php?storytopic=436&start=20
Alipio Freire
em 11/12/1998
Alipio Freire*
Aquela sexta-feira 13 de dezembro de 1968 foi tensa. O clima vinha nervoso havia alguns dias e pela manhã recebi um telefonema do Jeremias (nome de guerra) que trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil, ali na avenida São Luís. Marcava um almoço no Chá Mon – na Galeria Metrópole, o primeiro self service de São Paulo. Com outros companheiros da Ala Vermelha, formávamos a base de jornalistas, organismo do qual eu começava a ser deslocado para atuar no "setor militar" (unidades de combate).No almoço, Jeremias passou algumas informações que davam conta da prevalência das teses dos setores mais duros do regime: era iminente um fechamento maior, com intervenção no Legislativo, suspensão das garantias individuais que haviam sobrevivido à razia de 1964 e prisões. Um novo ato institucional seria anunciado nas próximas horas. Eu deveria repassar essas informações à direção da organização, com a qual teria um ponto no final da tarde, e deveríamos reforçar a segurança nas próximas horas. Nada de ficar circulando, dando bandeira. Confirmamos nossa reunião para a manhã seguinte. Voltei ao meu trabalho na Medisa – uma editora de revistas técnicas –, na Barão de Itapetininga. A tarde pareceu se arrastar, infinita, entre o rádio de pilha, os comentários dos companheiros da redação (todos de esquerda) e a revisão de textos sobre medicina e medicamentos.Nas ruas do Centro, as pessoas caminhavam como bons transeuntes. Será? Vá lá saber o que se passa nos corações e mentes dos aparentemente pacatos transeuntes. Eletricidade no ar, ou era apenas o meu espírito? Por fim, o ponto na Livraria Ler, atrás do Caetano de Campos. Seguimos para um boteco próximo à Vieira de Carvalho onde pedi uma dose de Otard Dupuy. O companheiro de direção que foi ao encontro, creio ter sido o Machado. Na verdade, apenas confirmamos um ao outro informações que já trazíamos, mas que não eram públicas nem oficiais. Não éramos inocentes: sabíamos que estava fora do nosso alcance reverter de imediato o quadro que se armava. Sabíamos também que aquelas divergências (qualquer que fosse seu desfecho) não produziriam no poder qualquer aliado – sequer pontual – para a nossa causa. A ditadura radicalizava. De certo modo, era o esperado, mesmo antes dos episódios que envolviam o Congresso Nacional. Era intrínseco à lógica do projeto dos golpistas. Inscrevia-se em sua escalada. Tratava-se antes de evitar quedas, proteger os militantes e a organização, e tirar algumas orientações políticas gerais para a ação junto aos movimentos onde atuávamos. E depois, bem... depois, prosseguir. Coberto pelo álibi que me conferia a condição de jornalista, circulei por lugares "manjados" pela repressão, inclusive a Maria Antônia. Cruzei caras conhecidas, mas não encontrei os militantes das outras organizações de esquerda com os quais mantinha contatos. Evitei procurá-los em suas casas.Nas ruas, os transeuntes caminhavam, os carros transitavam, a vida ia indo, mas não me parecia que essas coisas acontecessem normalmente.Conforme combinara com Machado, fui dormir no apartamento dos meus pais, na Luís Coelho, em frente ao que hoje é o Center 3.Lá ouvi e vi o locutor, acompanhado do ministro da Justiça Gama e Silva, anunciar as medidas: "... após ter ouvido os membros do Conselho de Segurança Nacional, resolveu baixar um ato institucional que tem como finalidade fundamental preservar a revolução de março de 1964 ..." Condensavam-se no anúncio oficial os motivos de nossas preocupações, as informações do Jeremias batiam.(Usei recentemente a imagem e o áudio dessa proclamação num vídeo: Viva o povo brasileiro, 1994. Ainda me perturba, ainda me deixa indignado.)À noite, não consegui dormir. Precisava trocar idéias, discutir, estar com os meus pares. Conspirar.Mas tinha que esperar a reunião do dia seguinte. Fora o combinado. Passei a noite dividido entre pensamentos, anotações para a reunião da manhã de sábado (nas quais pus fogo durante a madrugada) e desenhos com grafite, lápis de cor, nanquim e outras tintas à base de água. Folheei livros de história da arte.Às 7 horas em ponto desci, tomei um café na esquina da Luís Coelho com a Augusta, e na Paulista o ônibus Hospital das Clínicas-Cambuci, rumo à casa do Nei. Este fora convocado momentos antes pelo jornal onde cobria a área de política e tivemos que mudar o local do encontro.As 11 horas da manhã nos encontrou sentados no gramado do monumento à Independência, às "margens plácidas" do Ipiranga. Éramos uns seis ou oito, entre jornalistas e membros da Direção Regional. A idades variavam entre 23 e 27 anos. Lembro nitidamente das expressões nos rostos de Pedro, Tânia e Jeremias: traduziam nossos temores e nossas esperanças. O que derivava do Ato era óbvio. O que nos esperava depois do Ato era ainda mais óbvio. Nossos esforços (e não apenas da Ala Vermelha) de travar uma luta de massas contra o regime e o sistema sofreria um corte, mal começavam a florescer algumas dessas iniciativas. Era preciso recuar as lideranças que emergiam nas lutas de organização da oposição dos bancários, dos jornalistas, do movimento estudantil (universitário e secundarista), entre os artistas e intelectuais e outros setores médios urbanos. Novas levas de companheiros desses setores passavam à clandestinidade. À mais absoluta clandestinidade. Do nosso pequeno setor operário, a maioria já estava clandestina desde 1964. Virava-se mais uma página. Dispersamo-nos cheios de maus presságios, mas decididos a construir novos caminhos. Definíramos algumas tarefas mais urgentes, marcáramos pontos, combináramos reuniões.Em todo país, milhares de pequenas reuniões semelhantes à nossa devem ter acontecido naquele dia ou nos subseqüentes. Como nós, milhares de militantes das diversas tendências reafirmaram seus compromissos.Peguei uma carona com Pedro e Tânia num fusca verde escuro. Falamos do "setor militar" da organização e de medidas a serem encaminhadas no que dizia respeito à unidade de combate. A partir daquele momento, esse setor passaria a ocupar cada vez mais as nossas energias – resultado de nossas análises políticas, nosso instrumental teórico e, até mesmo, pela necessidade de mantermos uma pesada estrutura clandestina. Deixaram-me na avenida Paulista, no meio do caminho. Despedimo-nos. Acompanhava-nos a sensação – que desde então seria cada vez mais intensa e recorrente – de que poderia ser a última vez que nos encontrávamos.Sentei-me numa mesa na calçada do Fasano, no Conjunto Nacional, e pedi um sorvete de creme e chocolate, um misto quente em pão de forma e uma água. O garçom me olhou apenas estranhando a composição do pedido, enquanto eu olhava os transeuntes e os carros como se os estranhasse. Havia algum sol e brisa. Depois, fui cumprir minhas tarefas – enfim, a luta sempre continua.No final da tarde, voltei para o quarto-e-sala onde morava. Li jornais do Rio e de São Paulo. Queimei uns poucos papéis, mexi em pastas onde guardava desenhos de amigos, pus na vitrola portátil sucessivos LPs e me servi de conhaque. Tomei um banho para esperar a namorada. Já me sentia pronto para participar do novo capítulo que se abria.No som, Janis Joplin insistia: "no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, don’t you cry ... ".Começava uma longa noite. Uma longa agonia.
Nela imergíamos todos. De cabeça erguida.
*Tem 53 anos, é jornalista e escritor. Editor da Revista Sem Terra, do MST, é também membro do conselho de redação da revista Teoria & Debate. Militou na Ala Vermelha em São Paulo, e esteve preso de agosto de 1969 até outubro de 1974.
FONTE: FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
Alipio Freire
em 11/12/1998
Alipio Freire*
Aquela sexta-feira 13 de dezembro de 1968 foi tensa. O clima vinha nervoso havia alguns dias e pela manhã recebi um telefonema do Jeremias (nome de guerra) que trabalhava na sucursal do Jornal do Brasil, ali na avenida São Luís. Marcava um almoço no Chá Mon – na Galeria Metrópole, o primeiro self service de São Paulo. Com outros companheiros da Ala Vermelha, formávamos a base de jornalistas, organismo do qual eu começava a ser deslocado para atuar no "setor militar" (unidades de combate).No almoço, Jeremias passou algumas informações que davam conta da prevalência das teses dos setores mais duros do regime: era iminente um fechamento maior, com intervenção no Legislativo, suspensão das garantias individuais que haviam sobrevivido à razia de 1964 e prisões. Um novo ato institucional seria anunciado nas próximas horas. Eu deveria repassar essas informações à direção da organização, com a qual teria um ponto no final da tarde, e deveríamos reforçar a segurança nas próximas horas. Nada de ficar circulando, dando bandeira. Confirmamos nossa reunião para a manhã seguinte. Voltei ao meu trabalho na Medisa – uma editora de revistas técnicas –, na Barão de Itapetininga. A tarde pareceu se arrastar, infinita, entre o rádio de pilha, os comentários dos companheiros da redação (todos de esquerda) e a revisão de textos sobre medicina e medicamentos.Nas ruas do Centro, as pessoas caminhavam como bons transeuntes. Será? Vá lá saber o que se passa nos corações e mentes dos aparentemente pacatos transeuntes. Eletricidade no ar, ou era apenas o meu espírito? Por fim, o ponto na Livraria Ler, atrás do Caetano de Campos. Seguimos para um boteco próximo à Vieira de Carvalho onde pedi uma dose de Otard Dupuy. O companheiro de direção que foi ao encontro, creio ter sido o Machado. Na verdade, apenas confirmamos um ao outro informações que já trazíamos, mas que não eram públicas nem oficiais. Não éramos inocentes: sabíamos que estava fora do nosso alcance reverter de imediato o quadro que se armava. Sabíamos também que aquelas divergências (qualquer que fosse seu desfecho) não produziriam no poder qualquer aliado – sequer pontual – para a nossa causa. A ditadura radicalizava. De certo modo, era o esperado, mesmo antes dos episódios que envolviam o Congresso Nacional. Era intrínseco à lógica do projeto dos golpistas. Inscrevia-se em sua escalada. Tratava-se antes de evitar quedas, proteger os militantes e a organização, e tirar algumas orientações políticas gerais para a ação junto aos movimentos onde atuávamos. E depois, bem... depois, prosseguir. Coberto pelo álibi que me conferia a condição de jornalista, circulei por lugares "manjados" pela repressão, inclusive a Maria Antônia. Cruzei caras conhecidas, mas não encontrei os militantes das outras organizações de esquerda com os quais mantinha contatos. Evitei procurá-los em suas casas.Nas ruas, os transeuntes caminhavam, os carros transitavam, a vida ia indo, mas não me parecia que essas coisas acontecessem normalmente.Conforme combinara com Machado, fui dormir no apartamento dos meus pais, na Luís Coelho, em frente ao que hoje é o Center 3.Lá ouvi e vi o locutor, acompanhado do ministro da Justiça Gama e Silva, anunciar as medidas: "... após ter ouvido os membros do Conselho de Segurança Nacional, resolveu baixar um ato institucional que tem como finalidade fundamental preservar a revolução de março de 1964 ..." Condensavam-se no anúncio oficial os motivos de nossas preocupações, as informações do Jeremias batiam.(Usei recentemente a imagem e o áudio dessa proclamação num vídeo: Viva o povo brasileiro, 1994. Ainda me perturba, ainda me deixa indignado.)À noite, não consegui dormir. Precisava trocar idéias, discutir, estar com os meus pares. Conspirar.Mas tinha que esperar a reunião do dia seguinte. Fora o combinado. Passei a noite dividido entre pensamentos, anotações para a reunião da manhã de sábado (nas quais pus fogo durante a madrugada) e desenhos com grafite, lápis de cor, nanquim e outras tintas à base de água. Folheei livros de história da arte.Às 7 horas em ponto desci, tomei um café na esquina da Luís Coelho com a Augusta, e na Paulista o ônibus Hospital das Clínicas-Cambuci, rumo à casa do Nei. Este fora convocado momentos antes pelo jornal onde cobria a área de política e tivemos que mudar o local do encontro.As 11 horas da manhã nos encontrou sentados no gramado do monumento à Independência, às "margens plácidas" do Ipiranga. Éramos uns seis ou oito, entre jornalistas e membros da Direção Regional. A idades variavam entre 23 e 27 anos. Lembro nitidamente das expressões nos rostos de Pedro, Tânia e Jeremias: traduziam nossos temores e nossas esperanças. O que derivava do Ato era óbvio. O que nos esperava depois do Ato era ainda mais óbvio. Nossos esforços (e não apenas da Ala Vermelha) de travar uma luta de massas contra o regime e o sistema sofreria um corte, mal começavam a florescer algumas dessas iniciativas. Era preciso recuar as lideranças que emergiam nas lutas de organização da oposição dos bancários, dos jornalistas, do movimento estudantil (universitário e secundarista), entre os artistas e intelectuais e outros setores médios urbanos. Novas levas de companheiros desses setores passavam à clandestinidade. À mais absoluta clandestinidade. Do nosso pequeno setor operário, a maioria já estava clandestina desde 1964. Virava-se mais uma página. Dispersamo-nos cheios de maus presságios, mas decididos a construir novos caminhos. Definíramos algumas tarefas mais urgentes, marcáramos pontos, combináramos reuniões.Em todo país, milhares de pequenas reuniões semelhantes à nossa devem ter acontecido naquele dia ou nos subseqüentes. Como nós, milhares de militantes das diversas tendências reafirmaram seus compromissos.Peguei uma carona com Pedro e Tânia num fusca verde escuro. Falamos do "setor militar" da organização e de medidas a serem encaminhadas no que dizia respeito à unidade de combate. A partir daquele momento, esse setor passaria a ocupar cada vez mais as nossas energias – resultado de nossas análises políticas, nosso instrumental teórico e, até mesmo, pela necessidade de mantermos uma pesada estrutura clandestina. Deixaram-me na avenida Paulista, no meio do caminho. Despedimo-nos. Acompanhava-nos a sensação – que desde então seria cada vez mais intensa e recorrente – de que poderia ser a última vez que nos encontrávamos.Sentei-me numa mesa na calçada do Fasano, no Conjunto Nacional, e pedi um sorvete de creme e chocolate, um misto quente em pão de forma e uma água. O garçom me olhou apenas estranhando a composição do pedido, enquanto eu olhava os transeuntes e os carros como se os estranhasse. Havia algum sol e brisa. Depois, fui cumprir minhas tarefas – enfim, a luta sempre continua.No final da tarde, voltei para o quarto-e-sala onde morava. Li jornais do Rio e de São Paulo. Queimei uns poucos papéis, mexi em pastas onde guardava desenhos de amigos, pus na vitrola portátil sucessivos LPs e me servi de conhaque. Tomei um banho para esperar a namorada. Já me sentia pronto para participar do novo capítulo que se abria.No som, Janis Joplin insistia: "no, no, no, no, no, no, no, no, no, no, don’t you cry ... ".Começava uma longa noite. Uma longa agonia.
Nela imergíamos todos. De cabeça erguida.
*Tem 53 anos, é jornalista e escritor. Editor da Revista Sem Terra, do MST, é também membro do conselho de redação da revista Teoria & Debate. Militou na Ala Vermelha em São Paulo, e esteve preso de agosto de 1969 até outubro de 1974.
FONTE: FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO
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