quarta-feira, 25 de junho de 2008

Paulo Egydio 3

E quanto ao tal impasse com Roberto Gusmão no tempo da
une, como terminou?


Não aceitei a indicação dele, nem aceitei ser candidato a
presidente da une.Vou explicar por que eu não quis aceitar,
além do lado ideológico. É que eu sabia que, naquele congresso,
Minas decidiria a eleição. E mineiro é muito mineiro,
mineiro vota em mineiro. Como eu sabia que o congresso
estava dividido, e que a bancada de Minas tampouco
estava unida, disse: “Não vou ser candidato porque, se for,
eu mantenho a bancada de Minas desunida e não vou ganhar.
Mas, se eu fizer um candidato de Minas, eu uno a bancada
e nós ganhamos”. No congresso – que naquele ano foi
feito em São Paulo – não havia nenhum nome mineiro mais
expressivo, mas alguém lembrou de um ex-presidente do
Diretório Central dos Estudantes de uma universidade em
Minas, chamado Olavo Jardim Campos. Mesmo sem estar
no congresso, Olavo foi eleito presidente da une. Ninguém
o conhecia, mas Minas votou unida... Eu podia ter tido a
vaidade de querer ser presidente da une, se tivesse aceito a
proposta do Roberto Gusmão de ter um deles na diretoria,
mas achei que era mais importante dar consistência ideológica
ao nosso movimento.


O senhor fez campanha para Olavo Jardim Campos?


Claro. Eu era o líder do nosso grupo. Fui eu que quis unir a
bancada mineira, que não aceitei a negociação com Roberto
Gusmão. Depois de tomada a decisão, e achado o Olavo, foi
simples. Olavo é um ótimo rapaz, diga-se de passagem,muito
simpático. Nunca se integrou no nosso grupo porque não participou
dos movimentos anteriores, mas foi na presidência
dele que eu fui secretário internacional da une. Foi ele, por
exemplo, que achou que eu devia ir ao Congresso Internacional
de Estudantes, depois que nós decidimos fazer uma coisa
muito importante: a desfiliação da une da União Internacional
dos Estudantes, que tinha sede em Praga, na Tchecoslováquia.
contatos internacionais


Como foi tomada essa decisão de desligar a une da União Internacional
dos Estudantes?


Isso foi decidido por voto direto em congresso realizado no
Rio de Janeiro, na presença do presidente da uie, Giovanni
Berlinguer. Deve ter sido no final de 1950, porque em janeiro
de 1951 eu fui representar o Brasil no Congresso Internacional
de Estudantes em Edinbourgh, na Escócia, junto com
mais dois companheiros: o Souzinha, José Augusto Amaral
de Souza, que depois foi vice-governador do Rio Grande do
Sul, e Salvador A. Xavier, representante de Minas, de quem,
com muita pena, nunca mais ouvi falar.
Por que Giovanni Berlinguer estava no Brasil na ocasião?
Porque eu o convidei. Comuniquei que nós tínhamos deliberado
nos desligar da uie, porque a uie era um instrumento a
serviço do Politburo, e não achávamos que isso devesse ocorrer
no meio estudantil. Eles estavam formando lideranças, inclusive
aqui no Brasil. E então nós fomos às últimas conseqüências.
A última coisa que faltava, depois de termos tomado
a une, era nos desligarmos da uie. É a tal história, ou se faz
ou não se faz, ou se é ou não se é. O meio-termo, não. Comuniquei
nossa intenção ao Berlinguer, mas disse que a decisão
seria tomada não pela diretoria, e sim por um congresso nacional
de estudantes, para o qual ele estava convidado e onde
poderia defender o ponto de vista que quisesse. Ele aceitou
vir ao Brasil, e nós tivemos um congresso na une com estudantes
de todo o Brasil, que, se não me falha a memória, levou
de três a cinco dias.Todo mundo se expressou à vontade.
Indivíduos que não eram nem estudantes, mas que nós recebemos,
também se manifestaram. Não me lembro agora dos
nomes, a não ser de um: Carlos Lacerda, que foi defender o
desligamento. Outros falaram contra. Sei que nesse clima de
plena liberdade de manifestação, com todo mundo podendo
se expressar, nós vencemos.
A democracia não é perfeita. Como a verdade não existe.
Você se aproxima da verdade o mais que pode.Você se aproxima
da democracia o mais que pode. Para obtermos a perfeição
absoluta, necessariamente teríamos um sistema totalitário ou
fundamentalista, e mesmo assim não chegaríamos lá. Hoje estou
convencido de que a democracia tem falhas enormes
como sistema de governo, mas ainda não se descobriu um sistema
melhor para substituí-la. É que a imperfeição não é do
sistema, é do ser humano. Naquela época, sem ter a maturidade
que tenho hoje, eu já sintonizava isso. E num congresso
realizado dessa forma, debaixo de debates intensíssimos, com
manifestações de estudantes e de indivíduos de expressão nacional
de fora do meio estudantil, o desligamento foi aprovado
pela maioria.


Giovanni Berlinguer se manifestou durante o congresso?


Várias vezes! Era brilhante, diga-se de passagem, um grande
orador. Falava em italiano, alguém traduzia, e às vezes ele
próprio misturava com português. Sei que houve uma comunicação.
Ele era irmão do Enrico Berlinguer, que foi presidente
do Partido Comunista Italiano depois do Togliatti,
me parece.32 Foi o Enrico que iniciou a primeira dissidência
da linha de Moscou. Não me lembro se isso foi antes ou depois
do xx Congresso do pcus, que foi um ponto crítico em
todo esse processo político, com as denúncias do Kruschev,
mas sei que ele iniciou o eurocomunismo, uma linha de
maior independência dos partidos comunistas europeus em
relação a Moscou. No fim de tudo, sabendo que eu iria ao
congresso na Escócia, Giovanni me convidou para passar em
Roma na volta, para termos uma discussão lá também. Fui
para o congresso de Edinbourgh, mas achei que os estudantes
ditos contra a União Internacional dos Estudantes eram
muito fracos, com uma tendência de querer aparecer. Foi
um fracasso absoluto esse tal congresso.


Esse congresso da Escócia era da União Internacional dos Estudantes?


Não, era contra a União Internacional dos Estudantes. Era para
criar uma União Democrática dos Estudantes, mas foi um fracasso.
Eu me lembro, por exemplo, de que a delegação americana foi uma calamidade. Eles não tinham representatividade.
Tive a oportunidade, antes inclusive de assumir a diretoria
internacional da une, de fazer uma conferência em Vassar,
que é um dos mais tradicionais colleges femininos americanos.
Fica numa cidade chamada Poughkeepsie, no estado de Nova
York. Era o primeiro ou segundo college feminino, top de linha,
disputava com Radcliffe, em Boston, ao lado de Harvard.
Depois de Vassar, falei para um grupo de Harvard, e percebi
que eles não entendiam nada de política estudantil. Existia
uma União Nacional dos Estudantes lá, mas totalmente desconhecida,
sem organização estatutária, sem aquela estrutura
de ter uma constituição, um tribunal eleitoral. Era um negócio
muito bagunçado, cá entre nós.
Só houve um fator positivo nessa reunião: é que um dos
estudantes perguntou qual era o meu esporte, respondi que
era o remo, e ele disse que remava no oito de Harvard. O
oito de Harvard disputa com o oito de Yale no Charles River,
da mesma maneira que Oxford e Cambridge, na Inglaterra,
disputam aquela famosa regata no Tâmisa. Esse rapaz perguntou
se eu não gostaria de fazer uma experiência de remar
com ele no dia seguinte, e eu fui. O treinador deles me colocou
num barco em seco – é um oito que fica enterrado no
chão e tem duas canaletas de água do lado para o remo passar,
e o treinador poder ver os defeitos do remador. Eu remava
aqui no número seis, que é o contra-voga, e ele me botou
no número seis – não sei se conhecem remo, mas num
oito cada um dos remadores tem uma função a desempenhar;
o seis é aquele que alivia o oitavo, ou seja, o voga, cujo
papel é manter o ritmo e só entrar pesado no final. Bom,
quando o treinador me viu remar com a técnica do Keller,
disse: “O senhor quer vir amanhã aqui às seis horas para nós
sairmos?” No dia seguinte eu estava lá. Remei no oito de
Harvard, no Charles River, e não destoei! Foi uma experiência
muito mais interessante do que falar sobre política estudantil,
porque não achei ambiente.

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