sexta-feira, 20 de junho de 2008

Um diálogo truncado?

FONTE:
http://www.ondajovem.com.br/materiadet.asp?idtexto=336


Matéria publicada na Edição 11 - junho / 2008 -
Professores

Um diálogo truncado?

Pesquisas indicam que alunos e professores valorizam aspectos diferentes da educação, produzindo incompreensão e frustração Yves de La Taille

Elizabeth Harkot-de-La-Taille e eu realizamos, em 2005, uma ampla pesquisa sobre valores de jovens. Alguns itens referiam-se à escola e aos professores. Os resultados são de deixar qualquer educador feliz! Com efeito, os jovens, alunos do ensino médio da Grande São Paulo (de escolas particulares e públicas) julgam, na sua ampla maioria (71%), que os professores são agentes importantes para o progresso da sociedade. A maioria (78%) também acredita que, na escola, adquirem saberes que podem ser úteis para compreender e resolver problemas sociais. Há mais: a quase totalidade dos sujeitos pesquisados pensa que o que se ensina na escola é importante tanto para o desenvolvimento da sociedade quanto para o desenvolvimento pessoal de cada aluno. Finalmente, 71% afirmam que a escola é instituição digna de confiança e 67% pensam que os professores exercem influência sobre seus próprios valores. Dois anos mais tarde, Maria Thereza Perez Soares coordenou uma pesquisa, também sobre valores, mas dessa vez com professores de vários estados brasileiros. Foram pesquisados 1.584 sujeitos, do ensino fundamental e médio. O relatório da pesquisa, cujo título é “As Emoções e os Valores dos Professores Brasileiros”, pode ser consultado nos links ao lado. Alguns dos dados mostram educadores navegando em ‘céu de brigadeiro’, pois 60% se dizem contentes com suas condições de trabalho, 77% satisfeitos em serem professores e 66% afirmam que não mudariam de emprego mesmo se aparecesse outro que atendesse às suas necessidades. E a quase totalidade deles (82%) pensa que ser professor corresponde a uma vocação. Porém duas nuvens carregadas parecem estragar a tranqüila viagem profissional. Uma delas é atinente à relação com os alunos: 53% avaliam que o que mais lhes causa insatisfação é a falta de respeito por parte destes. Coerentemente, 32% dos professores pensam que a indisciplina é o aspecto da educação que mais suscita dificuldades, e 34% pensam que é a educação de valores. A outra nuvem é a falta de reconhecimento profissional: 79% julgam que a sociedade não os valoriza. Cotejando as duas investigações, saltam aos olhos duas oposições entre os juízos discentes e docentes. A primeira: por que será que os professores se queixam de falta de valorização social se as pessoas com as quais lidam diariamente – os alunos – pensam serem eles agentes sociais importantes, serem eles portadores de conhecimentos úteis para resolver problemas sociais e para o progresso social e individual? A segunda: por que será que os professores se queixam de desrespeito, de indisciplina, de dificuldades em educação de valores, se os alunos os vêem como pessoas dignas de confiança – e, portanto, de respeito – e influentes justamente no que tange a seus próprios valores? Não há razões para se duvidar da boa fé dos sujeitos de ambas as pesquisas e equivaleria a cair numa ‘cilada empírica’ pensar que somente uma investigação, ou outra, apresenta dados confiáveis. Mas uma coisa é clara: os alunos mostram ter uma opinião positiva da escola e de seus professores, mas estes últimos não somente parecem desconhecer o fato como interpretam as atitudes de seus alunos como prova de desvalorização e desrespeito. Parece haver, portanto, um mal-entendido entre as partes, uma falta de comunicação. Parece haver um diálogo truncado. Entre as várias causas que podem ser atribuídas a esse fenômeno, eu gostaria de sublinhar uma possível, que reflexões e outros dados sugerem. Há dois dados interessantes (e inquietantes) coletados por Maria Tereza Perez Soares. Ambos dizem respeito ao conhecimento. Perguntados sobre qual é a principal virtude em seu trabalho com os alunos, apenas 14% dos professores optam pela alternativa ‘tenho conhecimentos atualizados’, mas somam 50% aqueles que julgam ser sua virtude máxima ‘ter boas relações com os alunos’ e ‘se preocupar com todos eles’. E quando perguntados sobre o que eles pensam que os alunos mais valorizam no trabalho dos professores, a dimensão do conhecimento novamente aparece com porcentagem mínima: apenas 13% pensam que os alunos mais valorizam os ‘conhecimentos dos professores’, enquanto 19% optam pelo ‘carinho que dedicam aos alunos’, 23% pela ‘dinâmica agradável das aulas’ e 29% pela ‘valorização que manifestam pelos seus alunos’. Em suma, os dados levam a crer que a maioria dos professores elege como dimensão mais importante de seu trabalho a relação com os alunos, que devem ser por eles valorizados, que devem ser objeto de carinho, de dedicação, e merecedores de aulas agradáveis. Porém o conhecimento, cuja socialização é, por um lado, tarefa primeira da escola e, por outro, a mediação da relação professor/aluno, o conhecimento, dizia eu, fica em segundo plano. Coerentemente, quando perguntados sobre o que mais lhes dá satisfação no seu trabalho com os jovens, chegam a 30% os docentes que optam pela ‘boa relação com os alunos’. Em poucas palavras, os professores elegem como prioritária para seu trabalho a dimensão afetiva e a dimensão moral. Ora, cabe nos perguntarmos agora se, reciprocamente, os próprios alunos dão tanta importância à sua relação com os professores. Embora os dados das pesquisas citadas não incidam sobre essa questão, creio ser possível inferir que a resposta é, pelo menos em parte, negativa. Digo ‘pelos menos em parte’ porque é claro que, como qualquer ser humano, os alunos apreciam uma relação social agradável e respeitosa e, logo, gostariam que tal acontecesse com seus professores. No entanto não vamos esquecer que, nessa faixa etária, a relação aluno/aluno é a mais importante para eles. É nessa relação que eles constroem suas identidades, é nela que aprendem a resolver conflitos, é nela que investem seus sentimentos, seus amores e seus ódios. É a relação aluno/aluno que lhes traz as maiores satisfações e também os maiores medos, como o atesta o fenômeno chamado bullying. Eles querem, é claro, uma boa relação com seus professores, mas, antes, desejam e precisam de uma boa relação entre pares. Mas, então, o que querem eles de seus professores? Ora, se, como vimos, eles julgam que a escola é a instituição na qual se encontram conhecimentos importantes para se resolverem problemas sociais, se eles acreditam que tais conhecimentos podem participar do desenvolvimento social e se pensam que os professores são agentes institucionais relevantes para o progresso da sociedade, eles querem professores que, de fato, encarnem essa função social, professores que possuam e valorizem os referidos conhecimentos e que façam da sua socialização seu papel mais relevante. Mas, como também acabamos de vê-lo, não parece ser esse o papel com o qual os próprios professores se identificam, tanto é verdade que apenas 14% pensam ser virtude docente reciclar seus conhecimentos, e mínimos 13% julgam ser valorizados, pelos alunos, pelos saberes que já possuem. E quando os alunos dizem que seus professores são pessoas capazes de influenciar seus valores, eles, os professores, parecem relutar em fazê-lo, pois, em outro item da pesquisa de Perez Soares, ficamos sabendo que 63% pensam que não devem expressar suas posições políticas em sala de aula. Tal relutância em se posicionar politicamente pode ser atribuída a um legítimo receio de fazer proselitismo. Porém, como dizer o que se pensa não implica querer convencer, o silêncio professoral sobre ‘as coisas da vida’ pode frustrar os alunos, que querem ter, na frente deles, não apenas uma pessoa generosa e atenciosa, mas também um agente social que se assume como tal. Em suma, o ‘diálogo truncado’ entre professores e alunos talvez se deva, por um lado, ao fato de os primeiros valorizarem aspectos internos à educação (como relacionamento, valorização dos alunos, respeito, etc.), e os segundos prezarem aspectos que a transcendam: pensar o mundo afora, o porvir da humanidade, o sentido da vida etc. Os alunos sabem que os professores podem cumprir essa função e se frustram quando verificam que não a desempenham a contento, pois relegam a ‘matéria-prima’ de sua profissão, o conhecimento, a um plano valorativo inferior. Todavia, por outro lado, os alunos, ao desprezarem a generosa atenção que muitos professores sinceramente lhes dedicam, ignoram uma dimensão fundamental das relações humanas, a dimensão moral. Então a relação professor/aluno torna-se tensa, desagradável, conflituosa, como costuma acontecer com toda relação humana não mediada por algo que a transcende, com toda relação humana não fundada num contrato claro e compartilhado pelas partes.


Depoimento De uma conversa com colegas do colégio sobre preferências sobre um ou outro professor, surgiu a idéia de pesquisar a relação entre professores e alunos. Nós queríamos participar da Feira Brasileira de Ciências e Engenharia, a Febrace, com um trabalho e, até apresentar a idéia para nosso professor, não tínhamos idéia de que o assunto era tão atraente. Um dos objetivos era checar a idéia veiculada pela mídia de que escola pública é ruim e escola particular é boa. Resolvemos abordar o tema examinando aspectos como se gostar do professor faz o aluno render mais na matéria, o que atrai mais o aluno na prática pedagógica, em que se baseia o vínculo entre estudantes e docentes. Entrevistamos 60 professores e 360 alunos. O resultado foi muito interessante, a começar pelo fato de que a relação entre os jovens e os professores, que eles afirmam envolver respeito e até amizade, é mais intensa na escola pública, porque o professor representa uma referência de educação que muitas vezes o aluno não tem na família. Na escola particular, o vínculo do estudante é maior com seus colegas e a relação com o professor às vezes é autoritária: ele é visto como empregado do aluno, que paga por seus serviços. O que interessa é que quando o aluno gosta do professor, há mais respeito e melhor desempenho de ambos. Esse é, talvez, o ponto mais importante para uma boa relação na escola. O aluno quer uma aula interessante, dinâmica, criativa. Quando tem isso, ele aprende mais; quando aprende mais, pergunta mais; e assim estimula o professor a dar mais. Essa cadeia gera o principal: o diálogo necessário para ampliar o aprendizado e a relação de respeito e amizade. Foto: Rafaela Strobach, 16 anos, estudante do 3º ano do ensino médio no Colégio Positivo, em Curitiba (PR), é uma das autoras da pesquisa A Relação entre Professores e Estudantes de Ensino Médio: Uma Comparação entre Escolas Públicas e Privadas.

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