sexta-feira, 16 de maio de 2008

RAZÕES DE DEFESA NA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

FONTE: DHNET
RAZÕES DE DEFESA
NA APELAÇÃO INTERPOSTA PELO
MINISTÉRIO PÚBLICO

Egrégio Superior Tribunal Militar
A decisão proferida pelo emérito Conselho Permanente de Justiça merece a melhor acolhida por parte desse augusto Tribunal. Reconheceu o colendo Conselho, por maioria de votos, “a imprecisão da prova testemunhal” produzida em Juízo. “As testemunhas – diz a respeitável decisão absolutória – não foram capazes de afirmar qual dos três acusados distribuía os panfletos anexados ao processo. “Não consta dos autos – prossegue a douta sentença do Conselho – os panfletos que teriam sido recebidos pelo Tenente Cipriano, e muito menos o recebido, digo, o recibo do pagamento da “taxa de trote”. E continua a sentença: “A fragilidade da prova é de tal ordem que a testemunha Cipriano, bem assim a de nome Divaldo, em Juízo, ao lhes ser determinado indicassem nos acusados presentes o de nome Saulo, não conseguiram indicar a pessoa certa, recaindo essa indicação na pessoa do acusado Aristides.”
Como resultado de todas esses dúvidas e imprecisões, conclui o egrégio Conselho, majoritariamente:
“Assim, a prova coligida nos autos não consegue trazer ao julgador a convicção de que a ação dos acusados tipifique o delito previsto no Art. 38, inciso II, do Decreto-Lei 314, de 13 de março de 1967.”
Daí a absolvição dos réus.
De quantas decisões tem proferido a Justiça Militar de primeira instância, na Auditoria da 7ª Região Militar, foi esta, sem dúvida, a mais judiciosa, a mais equilibrada e a de maior teor de bom-senso, na opinião da advogada que as presentes razões subscreve. A mais judiciosa – porque se ateve às normas do Direito, no capítulo da apreciação das provas. A mais equilibrada – porque, ao sopesar todos os fatos, se inclinou, justiceiramente, pelo lado dos réus, em face das dúvidas e das imprecisões existentes nos autos. E a de maior espírito de bom-senso – porque, numa hora grave, em que aumentam as dissenções cavadas entre o governo e os estudantes, soube o egrégio Conselho, por sua maioria, agir com inteligência e tato político, reduzindo um pequenino incidente escolar às suas mínimas proporções, procurando, desse modo, aplacar, pela aplicação da mais pura Justiça, o ânimo de rebeldia de certos setores universitários, que, já agora, têm o dever de reconhecer e respeitar as decisões dos tribunais castrenses.
Por todos esses motivos, é de esperar que o colendo Superior Tribunal Militar mantenha a sentença absolutória, contribuindo, como tantas vezes o tem feito, para que a juventude não perca as esperanças no Direito e nos seus postulados inalienáveis – de justiça, de equilíbrio e de bom-senso.
O VOTO VENCIDO
Sem querer diminuir, nem por um instante, o respeito à inteligência e probidade dos cultos Juizes que se insurgiram contra a decisão da maioria do Conselho, entre eles o próprio Auditor Militar, não é de aceitar a fundamentação dos seus votos. O flagrante delito, de que tratam os autos, não é daqueles sobre os quais se acente, mansamente, a jurisprudência; nem é, tampouco, daqueles a respeito dos quais se harmonize a doutrina. Nas razões já produzidas pela Defesa, em alegações finais – que pedimos sejam tidas como peça integrante deste documento – examinamos as provas dos autos, conferindo, um a um, o depoimento contraditório das testemunhas de acusação.
O douto Juiz Auditor é o primeiro a reconhecer que, entre o ato de distribuição dos tais panfletos considerados subversivos e a prisão dos estudantes, houve o intervalo de DUAS HORAS, das 9:30 às 11:30. Ora, esse lapso de tempo é muito para caracterizar o flagrante delito, sobretudo em crimes de fugaz instantaneidade como o de que tratam os autos.
Se é certo, como alega o voto vencido, subscrito pelo Juiz Auditor e acompanhado pelo digno Presidente do Conselho, que a principal testemunha de acusação, o Tenente Cipriano, observou, durante mais de vinte minutos, a ação dos acusados – no ato de distribuição dos panfletos no recinto da Faculdade de Direito – como admitir-se que essa mesma testemunha, depondo em Juízo e chamada a identificar os réus, não soube fazê-lo, confundindo Saulo com Aristides? Essa imprecisão, no reconhecimento fisionômico dos réus, é essencial para caracterizar a dúvida sobre que se baseou a sentença absolutória.
Outro fato digno de registro é o que se refere à alegação do mesmo Tenente Cipriano, de que teria, no recinto da Faculdade, como vestibulando, pago a chamada “taxa de trote” a um dos acusados. Pois bem, entre os recibos apreendidos pelos militares, no flagrante, não consta o canhoto desse recibo do tenente Cipriano. Das duas uma: ou o tenente Cipriano não esteve no recinto da Faculdade , àquela hora, ou, então, tendo lá estado, não pagou a “taxa de trote”, não sendo, desse modo, verídicas as suas declarações.
A propósito disso, o douto Juiz Auditor procura explicar o desaparecimento do canhoto com estas palavras: “Houve uma diferença de duas horas, aproximadamente, entre o atendimento do Tenente Cipriano e a prisão dos acusados, e com toda certeza (sic) o talão de onde a acusada Lucinéa retirou o recibo para fornecer ao Tenente Cipriano esgotou-se e foi recolhido ao Diretório ou à Comissão encarregada de receber tal taxa de trote.”
Como hipótese, a versão admitida pelo inteligente e probo Juiz Auditor, “com toda certeza”, é das mais sibilinas, não se podendo construir sobre ela o fundamento de uma decisão condenatória, “com toda a certeza”...
Louvemos, daqui, as conjecturas do culto e digno Magistrado, que, inclusive, chegou a prever, não somente a hipótese do esgotamento do talão da “taxa de trote”, mas até para onde o mesmo talão havia sido enviado pela acusada Lucinéa, cobrindo-se de dúvida apenas quanto ao destinatário: se o Diretório Acadêmico ou a Comissão encarregada do recolhimento das taxas.
O voto vencido, nesse particular, revela somente a agilidade intelectual do Juiz Auditor, a quem nos acostumamos, em tão pouco tempo, a respeitar pelos seus grandes conhecimentos jurídicos e pelos dotes de caráter, de que é portador.
Mas, do ponto de vista eminentemente jurídico-processual,, o Direito não pode amparar-se sobre hipóteses; nem se pode condenar ninguém por meras suposições. A prova é a prova. Fora dela, tudo é frágil e contingente.
As razões do M. P.
O pedido de reforma da sentença de absolvição, apresentado pelo digno representante do Ministério Público, não procede – à vista do alegado. Suas razões de Apelação devem ter sido elaboradas por mero acolhimento às normas segundo as quais o Ministério Público não pode transigir com a acusação. (Art. 103, letra “Gregório”). Profissional sensível, homem culto e inteligente, o Procurador Militar cumpriu a sua obrigação, subscrevendo as razões de fls. Delas, como há de verificar à sua leitura, não consta, data vênia, nenhum argumento novo, tendente a ilidir – fundamentação da sentença absolutória. Limita-se o douto Procurador Militar a pedir a reforma da decisão do Conselho, pura e simplesmente. O que é, aliás, muito pouco, quase nada, para derruir o arcabouço de um veredito que se baseou, soberanamente, na incerteza e imprecisão das provas dos autos.
Eminentes Ministros:
A sentença que absolveu os réus deve ser mantida. Suas razões de sustentação representam a melhor prova de apego ao Direito, na fria, objetiva e desapaixonada apreciação dos fatos.
Recife, de março de 1969.
Mércia de Albuquerque Ferreira.

Nenhum comentário: