FONTE: Lista de E-mails
Carta aberta à comunidade e entidades do movimento GLBT
No próximo mês de maio acontecerá a primeira Conferência Nacional GLBT, impulsionada e organizada pelo governo federal, evento que está criando grandes expectativas em importantes setores do movimento de gays, lésbicas, transexuais e transgêneros e no interior da própria comunidade.
Muito destas expectativas brotam da necessidade que nós, GLBT´s, sentimos em nos organizarmos para combater a opressão que sofremos cotidianamente. Uma opressão que, transformada em violência homofóbica que não poupa sequer nossas entidades, como foi o lamentável ataque à sede da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo.
Para muitos, o próprio "ineditismo" do fato de um governo chamar gays e lésbicas para debater é visto como uma oportunidade que não pode ser desprezada. Nós ousamos pensar o contrário. Esta Conferência não é a alternativa de que precisamos.
O jogo de cena do governo Lula
Há mais de 20 anos, o movimento vem apresentando suas propostas e não vem sendo ouvido pelos sucessivos governos. Há quem diga que o governo Lula é "diferente" e por isso essa Conferência é um marco em nossa história.
Não acreditamos nisto. A única diferença do governo Lula é que ele chegou ao poder apoiado nos movimentos sociais e, exatamente por isso, vive acenando com medidas que, aparentemente, atendam nossas reivindicações históricas. Mas, na prática, o que temos visto é exatamente o oposto.
Preso aos compromissos com o capital internacional e com seus novos "companheiros" banqueiro e empresários, Lula é um fiel defensor da lógica neoliberal: tudo para o mercado, nada, ou apenas migalhas, para todo o "resto" (alimentação, moradia, emprego, salário etc).
Particularmente no que se refere à luta dos oprimidos, Lula virou especialista em fazer jogo de cena "para inglês ver". Há anos, por exemplo, o projeto "Brasil sem homofobia" permanece adormecido no papel, já que nunca recebeu a verba necessária.
Como também há anos, uma Conferência semelhante foi realizada sobre a questão racial, sem que, até o momento, nada tenha sido posto em prática, o que fez com que, lamentavelmente, a Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir) tenha se tornado mais conhecida pelos gastos com o Cartão Corporativo de sua ex-ministra, Matilde Ribeiro, do que com projetos anti-racistas.
O mesmo pode ser dito em relação à luta das mulheres. Se este governo, por exemplo, editou a lei Maria a Penha, criminalizando as agressões contra a mulher, e cortou 42% dos recursos para combater a violência contra a mulher. Isso só vem a confirmar o caráter formal das iniciativas governistas.
E se não bastasse a lógica neoliberal que domina o governo, é preciso lembrar das suas "ligações perigosas", que tem como vice-presidente o senhor José de Alencar, ligado a Igreja universal do Reino de Deus, que trata os homossexuais como um câncer social.
Por estas e muitas outras, queremos dizer a todos os ativistas preocupados com nossas reivindicações que essa conferência não é nossa. No máximo, é mais um evento destinado a cooptar e "domesticar" os setores GLBT organizados, "amarrando-os" a promessas e compromissos com o governo e o Estado, retirando sua autonomia, sua combatividade e sua capacidade crítica.
Por isso chamamos a todos os grupos e entidades do movimento GLBT a não participarem deste evento que, nada mais será do que uma camisa de força para nossas lutas.
Independência para lutar, liberdade para viver
Acreditamos que a tarefa dos movimentos é se organizar de forma independente para lutar pela satisfação de nossas exigências. Não é, de forma alguma, ajudar o governo a governar. Para isso nossa autonomia frente ao Estado é fundamental.
Uma autonomia literalmente impossível numa conferência que, além de tudo, será total e burocraticamente controlada pelo governo, que já garantiu para si 40% dos delegados, e, de diversas formas, têm privilegiado seus aliados no movimento GLBT durante o processo de "eleição" dos demais representantes.
O que precisamos é avançar na construção de um movimento realmente combativo, tal como ele foi em seu surgimento nos EUA e no Brasil, apoiado em outros movimentos sociais como o sindical, o de negros e negras e de mulheres. Uma necessidade que se impõe por um fato bastante "simples": nossas principais reivindicações – da parceria civil ao fim da violência homofóbica – se opõem à lógica do capital e visão de mundo dos setores reacionários e preconceituosos da sociedade, para quem Lula governa diretamente.
Homofobia se combate com luta
Seria uma irresponsabilidade de nossa parte defender a não participação na conferência governamental sem apresentar uma alternativa de organização para o movimento. Mas há uma nova alternativa para todos aqueles que sofrem com a opressão e a exploração, a Coordenação Nacional de Lutas (Conlutas). Uma entidade que agrupa importantes setores dos movimentos sindical, sem-terra, estudantil, de desempregados, entre outros.
No interior da Conlutas, foi criado um Grupo de Trabalho (GT) para debater e organizar os GLBTs que estão na base dos sindicatos, nos movimentos afiliados e nos grupos do movimento GLBT dispersos pelo país. O objetivo deste GT é organizar gays, lésbicas e transgêneros nos marcos da unidade com a classe trabalhadora, resgatando a combatividade e a independência tanto dos governos quanto da burguesia, tendo como norte uma proposta alternativa de sociedade, o socialismo.
Por isso, como forma de organização alternativa tanto à conferência quanto aos setores do movimento hoje alinhados com o governo, convidamos a todos aqueles que não se sentem representados pela iniciativa de Lula a participarem da Reunião Nacional do GT GLBT da Conlutas, no dia 20 de abril, no Clube Regatas Tietê, em São Paulo, onde pretendemos avançar na nossa organização e reivindicações, para participarmos do 1º Congresso Nacional da Conlutas, a ser realizado entre os dias 1º e 3 de julho, em Minas Gerais.
Queremos fazer destes dois espaços e da própria Conlutas uma alternativa de organização para o movimento, incorporando ativistas, militantes e grupos dispostos a construir um movimento gay classista, combativo e politizado.
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