quarta-feira, 28 de maio de 2008

Maio de 1968: repercussões no Brasil


FONTE: http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=926

Maio de 1968: repercussões no Brasil
Alberto Aggio - Maio 2008


Especialista em temas como democracia, intelectuais e pensamento e história política, Alberto Aggio é graduado em História e mestre e doutor em História Social pela USP. Realizou estudos de pós-doutoramento na área de História da América Contemporânea na Universidade de Valência (Espanha). Defendeu sua livre-docência em História da América na Faculdade de História, Direito e Serviço Social da Unesp, câmpus de Franca, onde leciona. Lançou, em abril, Uma nova cultura política, pela Fundação Astrojildo Pereira. Para Aggio, o legado dos anos 1960 na Europa será forte no Brasil da década seguinte “e será reinterpretado sempre de maneira bastante progressista” (Oscar D’Ambrosio).
Qual é a sua avaliação dos movimentos estudantis de 1968 com um distanciamento de 40 anos?
Hoje é mais fácil entender que 1968 é um ano que representa toda uma década e talvez mais do que ela. Os movimentos estudantis daquela época expressavam um descontentamento geral em relação a uma forma de vida que subsistia frente a todo o desenvolvimento econômico e tecnológico que o mundo ocidental vivenciava no pós-guerra. Havia uma contradição profunda entre as possibilidades de emancipação, que eram dadas pela tecnologia e por uma nova infra-estrutura de transportes e comunicação, e o modo de vida aristocrático, hierárquico e inflexível que se vivia na família, nas instituições, na escola, na política. Aquela explosão queria destruir e desmontar tudo isso e “inventou” a idéia de que a “juventude” — os filhos do baby-boom do pós-guerra — é que teria o dever e a legitimidade de fazê-lo. Aquele movimento conquistou para si a imagem de “força da natureza”, de um movimento que não podia ser parado, mas não era outra coisa senão a expressão verdadeira, mas limitada, de tudo que é histórico. E, nesse sentido, como mostra acertadamente o filme de Bernardo Bertolucci, aqueles jovens eram “sonhadores”. Havia toda uma ilusão na fórmula: “a imaginação no poder”, que hoje podemos avaliar com um olhar mais crítico.
Qual foi o grande mérito dos anos 60?
O movimento questionou os partidos políticos, e seu grande mérito foi o de mostrar que se pode fazer política também fora dos partidos. Descobriu também que a sociedade se movimentava de maneira mais difusa e tinha muito mais questões do que aquelas que vinham tradicionalmente do movimento operário-sindical. Aliás, pode-se dizer que a própria noção de “movimentos sociais” foi criada nesse contexto. Em termos gerais, com os olhos de hoje, posso dizer que eram absolutamente justas as reivindicações daqueles jovens em relação às questões de ordem existencial que atravessaram o movimento. A luta deles por uma liberdade mais alargada e mais profunda acabou por instaurar uma nova sensibilidade no mundo ocidental, exigindo que se repensasse as relações sociais de forma profunda. Há uma simultaneidade e, em certo sentido, uma causalidade entre os movimentos estudantis e a explosão do rock, o avanço das drogas, a liberação do corpo, a emancipação das mulheres, etc. O mundo depois disso tudo seria efetivamente outro!
Como, na sua avaliação, esses movimentos repercutiram no Brasil de então e, de certa forma, no de hoje?
Creio que há alguma diferença entre os movimentos estudantis que ocorreram aqui e os que ocorreram na Franca, nos Estados Unidos, na Itália. No exterior, as questões da vida cultural tiveram mais peso e, em certa medida, adquiriram uma centralidade maior. Aqui havia uma ditadura, e os estudantes se transformaram nos principais ativistas em defesa das liberdades democráticas. No Brasil, aqueles que se expressavam exclusivamente como contestadores de comportamentos sociais e morais foram malvistos pelas lideranças políticas do movimento; eram chamados de “alienados”. Depois, algumas dessas lideranças aderiram à luta armada contra o regime militar.
De qualquer forma, pode-se dizer que, de um ponto de vista geral, o Brasil acompanhou aquelas transformações, mesmo com algum retardo. Hoje, vejo que o Brasil mesclou as perspectivas inovadoras que estavam em 1968 com outras dimensões da nossa vida social e cultural que possibilitaram novas facetas emancipatórias. As demandas extremadas por liberdade que vieram de fora combinaram-se aqui com uma perspectiva de vida assentada no “deixe cada um viver da sua forma”, que já fazia parte, de alguma maneira, da nossa cultura. Quando se adentra a década de 1970, apesar da ditadura, os ecos de 1968 serão fortes entre nós e serão reinterpretados sempre de maneira bastante progressista.
1968 e os jovens de hoje: as imagens e representações correspondem ao que de fato ocorreu no período?
Em relação a todo fato histórico existe uma memória em disputa. É como se o passado sempre estivesse presente, e sua imagem altera-se conforme as interpretações que se fazem dele. Há
uma batalha de interpretações que muda e se desdobra conforme o olhar e conforme o tempo; há sedimentações e rupturas em torno dessa memória. Assim, se produz uma memória sobre os movimentos estudantis de 1968 a partir de várias leituras do passado, tornando praticamente impossível estabelecer uma correspondência estrita com o que, “de fato, ocorreu”.
Contudo, é possível dizer que há, sim, muita idealização a respeito desse processo. Entendo que compreender aqueles jovens como “sonhadores” corresponde a um olhar crítico sobre aqueles movimentos que ajuda os jovens de hoje a penetrarem naquele universo cultural. Em relação aos jovens brasileiros que nessa época acabaram aderindo à luta armada, há ainda um longo caminho a ser percorrido no sentido de se ultrapassar o “mito da inocência” — e suas correspondentes ilusões autoritárias —, que representa uma memória cristalizada sobre eles.
Fonte: Jornal da Unesp & Gramsci e o Brasil

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