FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u397274.shtml
30/04/2008 - 18h02
"Movimento estudantil está parado no tempo", diz protagonista da resistência de 1968
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WANDERLEY PREITE SOBRINHOcolaboração para a Folha Online
Vladimir Gracindo Soares Palmeira, 63, foi um dos principais líderes estudantis durante o regime militar. Entre outros feitos, Palmeira ajudou a organizar da Passeata dos Cem Mil. Por esse e outros motivos, ele acabou preso pelos militares três vezes.
17.dez.2005/Folha Imagem
Wladimir Palmeira foi um dos líderes do movimento estudantil em 1968 no Rio
Sua última prisão ocorreu durante um congresso clandestino da UNE (União Nacional dos Estudantes) em Ibiúna (SP) em 1968, quando o ex-ministro José Dirceu também foi detido.
Palmeira foi libertado somente em setembro de 1969, quando a resistência armada seqüestrou o embaixador americano Charles Burke Elbrick e pediu em troca a libertação dele e de outros 14 líderes estudantis. Depois de solto, Palmeira ficou dez anos no exílio.
Em entrevista para a Folha Online, Palmeira lembra de sua atuação naquele período e fala com desânimo sobre o movimento estudantil do século 21. "O movimento tenta repetir o que fizemos no passado. Os tempos são outros", diz.
06.ago.1968/Folha Imagem
Polícia contém manifestação contra prisão de Vladimir Palmeira, no centro do Rio
Folha Online - Quando foi que o senhor decidiu cuidar não só dos interesses universitários e lutar contra a ditadura?
Wladimir Palmeira - Era impossível ser de outro jeito. Em primeiro lugar, eu já era de esquerda antes do movimento estudantil. Eu achava que para evitar a derrubada de Jango, [presidente deposto pelo golpe militar], nós deveríamos aderir à luta armada. Mas quando ingressei no movimento, acabei sendo impelido a lutar contra a ditadura porque a própria polícia politizava tudo. Não podíamos pedir qualquer melhoria na universidade que a polícia invadia e reprimia tudo. A solução era lutar contra todo o sistema político.
Folha Online - Qual foi o momento que o colocou entre os líderes estudantis?
Palmeira - Fui líder de massa quase por acaso. Eu nem sabia que tinha vocação. Tudo começou quando o diretor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em 1966 suspendeu o nosso candidato ao centro acadêmico e tirou do cargo do então presidente Antonio Serra. Contra essa medida, organizamos um protesto, mas ele estava sendo mal conduzido. Eu estava cuidado da segurança e fui para assembléia. Como faltava um discurso que desse força à manifestação, acabei tomando a palavra e falando aos estudantes. Todo mundo gostou, eu gostei e, a partir de então, fui me tornando uma liderança. Meu início foi naquele ano, quando eu já estava no terceiro de faculdade. Eu já estava velho para militar porque o quarto e quinto anos de faculdade são os mais difíceis e é quando os universitários diminuem sua militância para estudar.
Folha Online - O senhor foi preso três vezes. Chegou a ser torturado?
Palmeira - Não fui torturado. Só levei uns tapas da polícia de Minas quando me recusei a responder as perguntas que me faziam. As duas primeiras noites foram as mais tensas. Eles colocaram revolver na minha cabeça, tiraram minhas roupas e sumiram com meus remédios contra a asma. Não vi gente morrer, mas ouvia muitas torturas. Eu escutava tudo da minha cela: das surras, aos pedidos de clemência. Às vezes, algum torturado passava na frente da minha cela sendo arrastado pelo chão para outro lugar. Mas terrível mesmo era ouvir os policiais no banheiro contando os detalhes da tortura como quem comenta com jogo de futebol.
Folha Online - O senhor não pegou em armas, mas pensou em aderir àquele movimento?
Palmeira - Eu sempre apoiei a violência para tirar a ditadura militar porque ela sim era violenta. Mas eu tinha muitas restrições. Não apoiava assalto a banco e nem que uma pequena vanguarda decidisse mudar tudo de uma hora para outra. Para mim, a luta armada só faria sentido se camponeses, operários e estudantes participassem dela. Seria preciso mobilizar a sociedade. Quando fui preso, fiz um discurso em que não reconhecia as autoridades que me detinham e defendia um exército revolucionário, mas não falava daquele tipo de luta armada que tivemos no país.
Folha Online - Mas foi o seqüestro do embaixador americano, Charles Burke Elbrick, que libertou o senhor e outros 14 presos da cadeia. O senhor não apoiou aquela ação?
Palmeira - É claro que sou muito agradecido por aquela ação, mas eu realmente não aprovava o método. O seqüestro foi feito por uma pequena vanguarda. Sem um apoio popular, aqueles métodos ficaram muito acima das nossas forças, tanto que pagamos muito caro por ela. Muita gente morreu pelo caminho. Por outro lado, ela atingiu o objetivo de soltar as lideranças estudantis e de abalar a credibilidade dos militares.
Folha Online - O senhor sabia que estava na lista dos 15 estudantes que deveriam sair da cadeia?
Palmeira - Eu nem sabia o que estava acontecendo. Foi um oficial provisório, um cabo que não era de carreira, que me avisou da "libertação dos terroristas". Mas eu não acreditei e nem sabia que a Dissidência [Comunista da Guanabara], o grupo que eu tinha ajudado a fundar, tinha entrado na luta armada. Eu só tive certeza de que algo tinha acontecido quando certa noite eles queimaram meus papeis de anotação, mandaram arrumar a roupa e me mandaram sair. Lá fora estavam vários generais. Assim que eu entrei no camburão, disseram que iriam me matar. Depois chegaram José Dirceu, Luís Travassos [então presidente da UNE e Antônio Ribas [líder secundarista da Ubes]. Eles me olharam e perguntaram por que eu estava emburrado. Foi então que eu soube de tudo.
Folha Online - O senhor achava mesmo que iria morrer?
Palmeira - Sim! Aquela não tinha sido a primeira vez. Quando fomos presos depois do congresso da UNE em Ibiúna, fomos levados para o Dops (Departamento de Ordem Política e Social), em Santos. Nós três e outros estudantes paulistas fomos colocados no Camburão. Em certo ponto da viagem, a gente sabia que se dobrássemos à esquerda, iríamos para o Dops, mas se virássemos à direita iríamos para Itaipu ou seríamos assassinados. Quando chegamos naquele ponto, dobramos a direita e o veículo passou de Itaipu. Não tínhamos dúvidas de que morreríamos. Então fiz um discurso em voz alta para que todos os presentes e os oficiais soubessem que morreríamos com honra. Mas logo depois o carro parou e os policiais disseram que tinham errado o caminho. Quase morri de vergonha (risos).
Folha Online - Depois de solto o senhor foi para o exílio. Qual foi o momento mais difícil nos 10 anos que o senhor passou fora do Brasil?
Palmeira - Foi em Cuba. Fiquei três anos brigando com cubano. Eu nunca gostei de ditadura. Mas apesar do regime intolerável, o povo foi fantástico. Fui bem acolhido e recebi livros, comida e casa, mas não podia trabalhar e manter uma vida social. No último ano, fui obrigado a fazer luta militar.
Folha Online - Obrigado por quem?
Palmeira - Não é que eu fui obrigado, é que eu fazia parte de um grupo e me submetia à decisão da maioria, e muitos de nós quis o treinamento. Eu sempre me alinhei às decisões da minha organização, mas sempre fui muito crítico a ela internamente. Dentre os que defendiam a luta armada, eu era tido como um moderado.
Folha Online - E como era esse treinamento militar?
Palmeira - A luta de guerrilha em Cuba era muito tradicional mesmo antes da revolução. Mas depois virou um mito. E todo mundo que se exilava em Cuba, acabava passando por ele. Depois essas pessoas voltavam para seu país de origem, entravam para a guerrilha e acabavam morrendo porque não estavam mesmo preparados.
Folha Online - Sobre a Passeata dos Cem Mil. Como foi que vocês tiveram a idéia de uma manifestação tão ambiciosa?
Palmeira - Não tivemos essa idéia. Íamos fazer só mais uma. Sabíamos apenas que ela seria grande. Uma semana antes, decidimos usar a violência pela primeira vez porque fomos acusados pelo jornal "O Globo" de só fazer agitação e não resolver nada. Na quinta-feira ocupamos a reitoria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Levamos coquetel molotov, pedra, bastões. A polícia cercou a reitoria, e tivemos de sair na marra. Depois da confusão, ninguém sabia quem estava vivo ou preso. Na sexta, cheguei à praça Tiradentes às 8h. Os donos das bancas de jornal nos viam chegando e fechavam a porta, mas durante a passeata fomos aplaudidos pela população. Terminamos na embaixada dos Estados Unidos. Quando nos viram, a polícia partiu para o ataque, mas, ao reagir, muitos manifestantes acabaram mortos e presos. Depois dessa "Sexta-Feira Sangrenta", [como aquele dia ficou conhecido], marcamos uma passeata para a semana seguinte.
Folha Online - Era a Passeata dos Cem Mil?
Palmeira - Sim. Saímos daquela confusão já com a idéia de fazer uma grande manifestação para terça-feira. O governo passou a discutir a possibilidade de permitir a passeata, então adiamos o evento por mais um dia. A gente sabia que seria grande, mas não esperava aquelas 100 mil pessoas.
Folha Online - O senhor acha que iria tanta gente se o governo tivesse proibido o protesto?
Palmeira - Certamente não iriam as 100 mil pessoas, mas apareceria muita gente porque a população estava muito descontente com a repressão. E mesmo permitindo a passeata, o governo decretou ponto facultativo naquele dia com a intenção de esvaziar o protesto.
Folha Online - Depois de 40 anos, como o senhor avalia o movimento estudantil?
Palmeira - Não dá para comparar. Naquele tempo a gente vivia para mudar o mundo. Hoje quem dá a vida por um deputado? Mas a verdade é que o movimento estudantil ficou parado no tempo. Ele é muito partidarizado. As entidades ficam nas mãos dos partidos políticos, que passam a elas seus programas. O resultado é que os dirigentes não conseguem tratar objetivamente das reivindicações estudantis. A luta agora é corporativa, luta política e muita dependência do governo federal.
Folha Online - Mas o movimento era essencialmente político, não?
Palmeira - É por isso mesmo. Eu me espanto com o fato de o movimento estudantil tenta repetir o que fizemos no passado. Os tempos são outros. É preciso renovar.
Folha Online - E o que deveria ser feito?
Palmeira - Eles deveriam discutir o atual papel da universidade com a população. O movimento perdeu de vista o que pode fazer pela sociedade. A dengue, por exemplo: como a universidade pode ajudar na conscientização das pessoas? As faculdades não estão inseridas na sociedade. Ficar tentando eleger deputado está ultrapassado. Tínhamos de fazer uma política de outro tipo. Os estudantes têm um horizonte enorme pela frente, mas é preciso se renovar.
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