FONTE: http://cecemca.rc.unesp.br/ojs/index.php/educacao/article/viewFile/1139/1045
EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - vol. 10, nº 18, jan.-jun.-2002 e nº 19, jul.-dez.-2002, p. 5-14.
A (Des)articulação do Movimento Estudantil: (Décadas de 80 e 90)
Andreza Barbosa
Resumo
O artigo procura analisar o movimento estudantil nas décadas de 80 e 90, tendo como referência o movimento estudantil
nas décadas de 60 e 70. Levanta hipóteses sobre as causas responsáveis pela desarticulação deste movimento nas
décadas citadas, levando-se em conta as diferenças históricas entre os períodos estudados. Aponta a partidarização
descontrolada do próprio movimento, como sendo uma das principais causas da desarticulação do mesmo, ou seja, a
falta de controle, por parte dos estudantes, da influência de partidos políticos que têm controlado o movimento estudantil,
estipulando, muitas vezes, as diretrizes a serem seguidas e, causando assim, divergências quanto à forma de se conduzir
o movimento, deixando de lado os interesses gerais dos estudantes e assumindo os interesses do partido.
Palavras-chave: movimento estudantil, partidos políticos, desarticulação.
Abstract
The paper makes an analysis of the student movement on 80’s and 90’s, having as reference the student movement on
60’s and 70’s, taking hypothesis about the responsible causes of this movement unarticulation in these years; considering
the historical differences among the studied periods. It shows up the uncontrolled political party influences of the
movement like one of the principal causes of its unarticulation, or the lack of control of the political party influences,
by the students, that have controlled the student movement, stipulating, many times, the directions to be followed and,
causing in this way, differences in the form to lead the movement, forgetting the general interests of the students and
adopting the party interests.
Key words: student movement, political parties, unarticulation.
Introdução
Houve épocas em que, no Brasil, os estudantes
tiveram grande importância enquanto força política, principalmente
de oposição. Segundo Poerner (1979), os estudantes
brasileiros, diferentemente dos estudantes de alguns
países, protestavam contra coisas muito palpáveis e concretas.
Como exemplo disso, pode-se citar a campanha do
“Petróleo é Nosso”, lançada pela União Nacional dos Estudantes
(UNE) em 1947 no Rio de Janeiro e em São Paulo,
com grande repercussão.
A principal forma de manifestação desses jovens se
dava através do movimento estudantil que, apesar de existir
desde os anos 30, ganhou força na década de 60, devido ao
contexto sócio-econômico e político da época. Inicialmente,
os estudantes lutavam pela Reforma Universitária e por mais
verbas para a educação. Posteriormente, acabaram se aliando
a outros setores da sociedade e se envolvendo com
causas políticas mais amplas, como a luta pela derrubada
da ditadura militar, implantada no país através de um golpe
de Estado a partir de 1964. Nesse período, além da UNE,
ganharam força organizações como a Juventude Universitária
Católica (JUC), a Ação Popular (AP), e outras.
O movimento estudantil atingiu um alto nível de
organização em 1968, tendo a partir dessa época sofrido
um processo de desarticulação, sobretudo a partir da chamada
“queda de Ibiúna”, com a prisão das principais
lideranças do movimento estudantil no XXX Congresso
da UNE, realizado em 1968 na cidade de Ibiúna-SP. Essa
desarticulação se agravou, principalmente, depois do Ato
Institucional n.º 5 (AI-5), em dezembro de 1968, e do Decreto-
Lei n.º 477, de fevereiro de 1969. O primeiro, dentre
outras coisas, suspendia todas as garantias constitucionais
e individuais e desencadeava uma violenta campanha
repressiva; e o segundo, proibia toda e qualquer manifestação
política ou de protesto no interior dos estabelecimentos
de ensino públicos ou particulares.
De acordo com Pellicciotta (1997), a década de 70
se caracterizou, inicialmente, por uma série de movimentações
de resistência e, posteriormente, pela recomposição
das organizações estudantis seguindo uma certa estrutura
hierárquica - primeiro os DCEs, depois as UEEs e, por fim,
a UNE, em 1979. Nesta década, o movimento estudantil
assumiu, principalmente a partir de 1977, importante papel
na luta pela anistia e pelas “Liberdades Democráticas”.
No entanto, segundo Cavalari (1987), o movimento
estudantil, na década de 70, apresentava certos limites, ou
seja, encontravam-se, presentes no movimento, algumas
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Andreza BARBOSA. A (des)articulação do movimento estudantil: (décadas de 80 e 90)
contradições e ambigüidades. Dentre outras coisas, podese
citar, como exemplo, as duas reivindicações concomitantes
que aconteceram na época: a defesa do ensino público
e gratuito e verbas para as instituições particulares.
Apresentava, ainda, limites, principalmente por refletir os
interesses da classe social a qual pertencia – a pequena
burguesia que, por sua vez, só estava interessada em ampliar
seu processo de ascensão, o que também é apontado por
Foracchi (1977).
Mesmo considerando que o movimento estudantil
tivesse sérias limitações, não podemos deixar de reconhecer
sua importância enquanto força política organizada nas décadas
de 60 e 70, principalmente pelo fato de sua atuação
se dar em um momento histórico de grande violência e
repressão.
Apesar de a UNE ter sido reconstruída em 1979, o
movimento estudantil, nesta época, já começava a apresentar
sinais de declínio e, desde então, assistimos a uma crescente
despreocupação e desarticulação dos estudantes.
No entanto, quase sempre, quando pensamos em
Movimento Estudantil nos vêm à cabeça as grandes manifestações
do final da década de 60 e início da década de 70,
quando os estudantes lutavam contra a Ditadura Militar.
Isso acontece com a maioria das pessoas, afinal, o Movimento
Estudantil das décadas de 60 e 70 acabou se tornando
um mito e modelo a ser seguido. No entanto, sabemos que
o novo contexto não comporta mais esse modelo de movimento,
que só se caracterizou como tal num determinado
momento histórico em que a situação política e econômica
do país oprimia e, ao mesmo, tempo, impelia os jovens a
lutarem contra as arbitrariedades do regime militar.
Frente a isso, uma grande questão surge: O que
aconteceu com o Movimento Estudantil nas décadas de 80
e 90? Por que ele se tornou tão fragmentado e desarticulado?
Por que as organizações estudantis, na atualidade, estão
quase sempre, tão ligadas a partidos políticos, deixando de
lado seus interesses para assumir os interesses do partido
ao qual se aliou? Neste artigo1 , tentarei esboçar algumas
hipóteses explicativas para responder a essa questão.
Para levantar tais hipóteses, foi realizada uma pesquisa
de natureza bibliográfica no acervo sobre o Movimento
Estudantil, Edgard Leuenroth, do Instituto de Filosofia
e Ciências Humanas (IFCH), da UNICAMP. O levantamento
de todos os documentos produzidos sobre o movimento
estudantil nas décadas de 80 e 90, mostrou grandes
lacunas que, ao meu ver, poderiam ter dois significados: a
despreocupação dos estudantes com os registros ou a
desarticulação do movimento estudantil. Procedi, ainda, ao
levantamento da bibliografia sobre o Movimento Estudantil
nas décadas de 60 e 70, as quais tive como referência e a
bibliografia sobre o movimento estudantil nas décadas de
80 e 90 (que era muito escassa), bem como os documentos
produzidos pelo movimento nos últimos anos. Com isso,
posso dizer que busquei entender as décadas de 60 e 70 e a
situação do Movimento Estudantil atual para identificar as
causas das lacunas encontradas nas décadas de 80 e 90.
O Movimento Estudantil na década de 80
Os anos 80 se iniciaram com o Movimento
Estudantil já muito debilitado. Muito pouco sobrou do
movimento da década de 60 e da de 70. Cabe lembrar, porém,
que os contextos históricos e políticos também eram
extremamente diferentes. O regime militar só veio findar
em 1985, mas já no início da década de 80 não se apresentava
da mesma forma como fora em 60 e também em
70, tão violento e repressivo. No entanto, a época em que a
violência atingiu seu ápice deixou marcas profundas.
Segundo Corraldi (1986, In: SOUZA, 1999), foi o medo
que trouxe a despolitização, a redução das atividades
associativas, o apoio à privatização da economia, a adoção
de estratégias egoístas de sobrevivência, a competição e a
especulação.
Em meados da década de 80, a abertura política já
estava traçada para uma geração seguinte, que carregava
as marcas de uma sociabilidade fragmentada e repleta de
inseguranças decorrente do autoritarismo do regime militar.
Segundo Sousa (1999), pesquisas sobre os regimes políticos
latino-americanos demonstram que o autoritarismo desencadeou
uma brutalidade em todos o níveis da vida social,
até mesmo em suas microrrelações. A constituição do público
sob este princípio disseminou o individualismo e a
falta de solidariedade na vida cotidiana, e o trabalho passou
a ser uma realidade para a parcela jovem da população. Já
não havia a mesma preocupação com o social. O medo
instituíra o individualismo.
Ainda de acordo com Sousa (1999), a militarização
do Estado colaborou para a acentuada redução da militância
após os anos 70, que não se recuperou depois da chamada
Abertura. No entanto, os estudantes acabaram seguindo os
caminhos possíveis após a ditadura, o da tentativa de reerguimento
do movimento estudantil e do acompanhamento
de outros movimentos sociais urbanos. Durante o processo
de reconstrução da UNE, em 79, pode-se perceber a falta
de sentido coletivo da atuação estudantil. Não era mais
possível falar do movimento estudantil sob os moldes da
1 Esse artigo é resultado de uma pesquisa realizada para
elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso de Pedagogia,
intitulado “O Movimento Estudantil nas Décadas de 80 e 90”,
sob orientação da Profª Drª Rosa Maria Feiteiro Cavalari.
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EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - vol. 10, nº 18, jan.-jun.-2002 e nº 19, jul.-dez.-2002, p. 5-14.
década de 60, pois a sociedade estava mudando, assim como
os próprios setores dos quais os estudantes eram oriundos.
A própria Universidade caracterizada como um agrupamento
de escolas voltadas a objetivos diferentes dentro de
um mesmo campus, onde a formação técnica e a humanista
eram antagônicas, já representava a fragmentação do conhecimento
proposta nos anos 60; ou seja, a Universidade já
não tinha mais muito de “universal”. Essa fragmentação
atingiu o movimento estudantil à medida que este já não
podia reconhecer um território próprio, por causa da falta
de protagonistas que o assumissem. O estudante não se via
mais como categoria social, mas sim como futuro
profissional de uma área específica, que só estaria de passagem
pela Universidade, conforme análise feita por Sousa
(1999).
Não era mais possível manter a concepção política
dos anos 60 pois, apesar de tudo, a esquerda experimentava,
de certa forma, uma atuação coletiva mais democrática em
contraposição aos anos anteriores. Com isso, não cabia mais
tentar fazer a adaptação de velhas condutas políticas a essa
nova realidade. O que se nota, porém, é que a reprodução
da história dos anos 60 no final dos anos 70 e em 80 acabou
fechando os estudantes nas discussões coletivas de suas
próprias organizações, transformando-os, segundo Ribeiro
Neto (1985, In: SOUZA, 1999), em estamento político que
é, por definição, detentor do poder de refletir e de saber, ou
seja, o único com direito à verdade. Fez-se a mistificação
do movimento estudantil de 60, tomando-se a concepção
única de política enquanto assalto ao poder. No entanto,
essa concepção já não tinha mais território nos anos 80
como teve em 60. Ribeiro Neto considera as entidades estudantis
da década de 80 como sendo “fantasmas
desencarnados das entidades e práticas do passado (...)
apenas órgãos que repetem infindável e tristemente a mesma
história, alheios e contra a vida e as experiências das pessoas
que seriam a sua substância” (1985, In: SOUZA, 1999,
p.47).
Ainda de acordo com Ribeiro Neto (1985, In: SOUZA,
1999), passado o autoritarismo da ditadura, restou o
autoritarismo da desarticulação e da falta de referencial
adequado diante dos graves problemas sociais impostos por
relações sociais em crise presentes também nos anos 80. O
princípio autoritário do regime militar alcançou a sua vitória
máxima com a aceitação dessa situação como normal,
expressando também um cotidiano que substituiu o protesto
pelo “deixa pra lá” e pelo “tudo bem”.
A partidarização do Movimento Estudantil já era
sentida desde a época da reconstrução da UNE, em 1979,
quando alguns segmentos do movimento estudantil já
concebiam a divisão do movimento em diversas tendências
e a vinculação do mesmo a entidades externas a ele, como
os partidos políticos, como sendo erros cometidos no passado
e que não deveriam se repetir. A nova UNE deveria
ser independente à medida que organizasse os estudantes
com as forças oriundas do meio estudantil, e não de entidades
externas a ele contra o regime militar e seus instrumentos.
Havia grandes expectativas acerca da reconstrução
da UNE, como podemos ver na entrevista concedida por
José Genoino Neto, em maio de 79, ao Jornal UEB Urgente:
Para a reconstrução existir de fato é preciso que
os estudantes sintam realmente a necessidade de
ter sua entidade. É imprescindível que eles se
unam em torno da bandeira da União Nacional
dos Estudantes, num programa comum, tirado das
lutas que estão sendo travadas por todo o povo
brasileiro. Acho que ela será recriada com o
objetivo de conquistar uma representatividade
expressiva, de ganhar respaldo, e não podemos
imaginar que ela só deva ser recriada quando
tivermos todas as entidades de base reconstruídas,
pois a UNE não é uma soma de entidades. Para
ser uma entidade forte é necessário que ela nasça
com uma política de fortalecimento, tanto a nível
das escolas quanto das universidades.
No entanto, essa reconstrução não aconteceu dessa
forma. Ainda em meados da década de 80, pode-se perceber
que houve uma preocupação muito grande em explicar os
vínculos com partidos políticos apregoando a autonomia
do movimento estudantil, atrelada à idéia de união às lutas
dos trabalhadores oprimidos, classe que se pensava ser capaz
de atacar de forma mais direta o regime militar, conforme
o seguinte trecho de um jornal da UEE-SP:
Devemos deixar claro, de início, a autonomia de
nossas entidades com relação a qualquer partido
político. Isto não quer dizer, no entanto, que não
devemos discutir entre nós as diferentes posições
partidárias. Esta é uma discussão pública na qual
todos, inclusive os líderes estudantis, tem o direito
de colocar suas posições. Nossa posição sobre esta
questão é de apoio à construção de uma grande
frente dos trabalhadores e do povo contra a
ditadura e a exploração. Neste rumo a maior
contribuição viria do Partido dos Trabalhadores,
proposta nova e que queremos que se viabilize
enquanto um grande partido de massas e legal.
(Jornal da UEE., jun/ 80; s/p.)
Como pode ser observado, apesar da defesa feita
anteriormente pela autonomia do movimento estudantil,
acabou-se atrelando o mesmo a partidos políticos, pois não
se tratou de uma posição particular de alguns dirigentes do
movimento estudantil (que é o nível de envolvimento com
os partidos políticos que, de acordo com o trecho citado,
foi considerado de direito), tratou-se do posicionamento
mais geral da entidade, visto que se faz menção explicita8
Andreza BARBOSA. A (des)articulação do movimento estudantil: (décadas de 80 e 90)
mente ao PT, apoiando-o.
Após 84, encontra-se uma lacuna no movimento
estudantil, pois quase não há registros sobre essa época e
os poucos encontrados são panfletos e jornais de centros
acadêmicos, que divulgavam eventos culturais ou relativos
à área específica a qual pertencia a entidade. Bem pouco se
encontra sobre o movimento geral nesse período.
Essa lacuna aparece justamente no período após a
ditadura militar. Apesar de o Brasil ter saído de um regime
de extrema repressão e violência, continuávamos a ter problemas
internos e externos influenciando a vida dos estudantes
e da população brasileira com um todo. No entanto,
parece que os estudantes já não encontravam mais tantos
motivos pelos quais lutarem. Sobre isso, Sousa afirma que
“a visão que se tem dos anos 80, tanto do movimento
estudantil quanto dos movimentos sociais, é de que, após o
final da ditadura militar, em 85, houve um esmorecimento
no entusiasmo participativo” (1999, p. 92).
Como já citei inicialmente, algumas hipóteses podem
ser levantadas para explicar essa lacuna: pode referir-se a
um movimento estudantil sem memória que bem pouco se
preocupou com registros, ou a uma juventude que já não
via motivos pelos quais lutar, ou a uma época em que o
individualismo começava a imperar na sociedade, ou ainda,
a uma geração impedida de atuar no âmbito da política
devido às marcas do medo que recebeu durante a violência
do regime militar.
Sobre o final da década de 80, um boletim da UEESP
apresentava a inquietação dos estudantes ao constatarem
a apatia na qual se encontrava o movimento estudantil na
época. Esse Boletim também faz menção a vários eventos
culturais e científicos, não só os de caráter político, como
fora no passado. Pode-se notar também a emergência do
“movimento de área”, que passava a ser compreendido por
alguns estudantes como uma forma alternativa de organização
frente à aparente desarticulação do movimento geral
e à apatia dos estudantes em relação à situação política nacional.
O envolvimento com questões ligadas aos cursos
poderia vir a ser um dos caminhos para se retomar as questões
mais gerais do movimento estudantil.
Essa apatia do movimento estudantil também era
sentida e comentada no jornal Quarup, patrocinado pelo
DCE da UNICAMP que, no final da década de 80, já fazia
uma série de questionamentos ao movimento estudantil.
Em um texto escrito por uma estudante de Ciências Sociais,
da UNICAMP, percebe-se a crítica feita a respeito da rebeldia
estudantil dos estudantes do final da década de 80, no
texto intitulado “Estudantes universitários do fim da década
de 80: Quem somos nós?” (ILARI, In:QUARUP-mai/89,
p.2.). Neste texto, fica evidente que, apesar de o atraso das
nações subdesenvolvidas persistir tão grande ou até maior
que na década de 60, os estudantes já não mais se importam
com isso, parecendo estar mais preocupados com outras
questões, que pouco tem a ver com os problemas do povo
brasileiro. Estudantes estes, agora adeptos do consumismo
capitalista e, oriundos, em sua maioria, de classes sociais
mais privilegiadas. Veja-se:
Formamos a geração classe – média que se solidariza
com o naufrágio do Bateau Mouche e a
morte de Chico Mendes, mas que é incapaz de
perceber a miséria das crianças, dos mendigos e
de nossas próprias empregadas domésticas em
quem tropeçamos todos os dias. Quantos heróis e
anti-heróis ainda serão necessários? (Ibidem)
Essa estudante vai mais além na sua crítica, à medida
que questiona o caráter revolucionário do movimento estudantil,
inclusive na década de 60, levantando a questão de
ser um movimento da burguesia. Veja-se: “É óbvio que a
camada estudantil jamais seria a peça fundamental para
uma eventual (e atualmente muito longínqua, penso eu)
reforma da ordem social. (...) Os jovens dos anos 60 queriam
a revolução e as vantagens da cultura burguesa” (Ibidem).
Aponta ainda para o fato de que as perspectivas (e a
esperança) da revolução praticamente inexistem, tomando
ainda um caráter pejorativo, de mau gosto, fora de moda e,
por fim, questiona:
Será que ainda há possibilidade de se fazer um
movimento estudantil com estudantes conscientes
e politizados? Estará a utopia eternamente separada
da política? E entre estudantes comunistas,
ou politiqueiros, ou apáticos, ou utópicos, alienados,
festivos, etc. o que efetivamente poderia ser
mudado com tal movimento? Estará a nossa geração
Coca-Cola disposta a batalhar por uma utopia
ou ideal em prol de sua sociedade, ou ainda,
apenas de si mesma? ... (Ibidem)
Críticas ao movimento estudantil também foram feitas
na edição de setembro do mesmo jornal, em que se questionava
a representatividade da UNE, visto que essa se distanciava
cada vez mais dos estudantes. Também assinalava
a falta de iniciativas por parte do movimento estudantil
para que novos objetivos fossem despertados nas pessoas,
fazendo deles instrumentos de transformação. De acordo
com esse jornal, o modelo do movimento de 68 já não mais
correspondia à situação do Brasil na época e não se tinha
outro modelo claro e definido, assim como não tinham claros
seus objetivos, seus nortes. Já que não se convivia mais
com a ditadura militar, era necessário mudar as formas de
atuação dos estudantes:
O movimento estudantil hoje não desperta mais
objetivos nas pessoas para que se apropriem dele
enquanto instrumento de transformação, canalização
de seus anseios e alcance de seus objetivos.
O modelo de vanguarda, típico de 68 não mais
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EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - vol. 10, nº 18, jan.-jun.-2002 e nº 19, jul.-dez.-2002, p. 5-14.
responde à situação e nós não temos outro modelo
claro e definido hoje, muito menos os “nortes” a
serem seguidos. A situação política do país está
muito modificada. Não convivemos mais com a
fachada ditatorial, o movimento sindical e popular
com grande organização, os estudantes possuem
um perfil diferenciado. A legitimidade, a representatividade
e o compromisso político são fundamentais
a serem resgatados; a que princípios apontam
para a “democracia” do movimento? (QUARUPset/
89, p.9)
Criticava, ainda, a forma de organização da UNE,
apresentando uma nova tese para a diretoria da entidade,
como saída aos impasses vividos pelo movimento estudantil.
Veja-se:
... há um grande fosso entre a UNE e os estudantes,
que se aprofundou muito depois do Congresso de
São José dos Campos. Portanto, para definirmos
nosso projeto, precisamos trabalhar para reaproximar
da UNE todos os estudantes que trabalhem
organizados em entidades ou não (movimento
cultural, social, ...). (...) Está dada a necessidade
de uma entidade nacional que represente, de fato,
os estudantes, nas suas mais diferentes e legítimas
formas de expressões.
O potencial que esta entidade tem de crescimento,
de criação, de trabalho, de expressão é imenso.
Mas toda essa crise e indefinição traz em si um
questionamento que precisamos encarar de frente:
o que queremos da UNE? (Ibidem)
Ainda nesse documento são propostas alterações na
organização da UNE, visando, segundo o texto, a reaproximar
os estudantes da entidade, a resgatar seu caráter democrático
e de luta, a interferir na Universidade de modo a
colocá-la voltada aos interesses da maioria da população e
a dar transparência às atividades da UNE.
Como pode ser observado pelos documentos analisados,
a desarticulação do movimento estudantil após 84
era sentida até mesmo pelos próprios estudantes que viveram
essa época, reconhecendo, algumas vezes, seus limites
e erros cometidos. No entanto, esses estudantes ainda
eram minoria.
O Movimento Estudantil na década de 90
Para muitas pessoas, o ano de 1992 parece ter sido
um importante exemplo da reaproximação efetiva dos jovens
da política, através da participação no processo de impeachment
do então presidente Fernando Collor de Mello,
incluindo a participação dos jovens em uma das maiores
manifestações políticas da história do país. Em todas as capitais
houve protestos contra a corrupção, pela ética e a
favor do impeachment.
O movimento estudantil parecia ressurgir, no entanto,
com características muito diferentes do movimento
das décadas anteriores. Apesar de ainda ser comparado às
décadas de 60 e 70, várias características os diferenciam.
Nesses períodos, os estudantes enfrentavam uma ditadura
militar altamente repressiva e violenta. Na década de 90,
os estudantes encontravam, geralmente, nas ruas a aceitação
do seu protesto, e as forças policiais agora os protegiam,
organizando o trânsito para as suas manifestações. Ao
contrário do movimento estudantil de 20 anos atrás, os estudantes
pareciam ter ganho a simpatia da grande maioria
da população, dando margem à participação de outros setores
que aderiram ao movimento pró impeachment. As
passeatas lideradas tanto por estudantes secundaristas como
universitários eram caracterizadas por um misto de repúdio,
saudosismo e irreverência, ao som de músicas que mobilizaram
os estudantes em anos anteriores e também levando
faixas que continham críticas ferozes ao presidente e seus
assessores diretos. Os rostos foram pintados, num gesto
simbólico, com as cores verde e amarela, ficando essas manifestações
conhecidas como o “movimento dos cara-pintadas”
(SOUZA, 1999, p.53).
Tudo isso remetia a pensar que o Brasil contava com
o renascimento político do movimento estudantil, mas isso
não aconteceu de fato, visto que essas manifestações foram
episódicas, caracterizando alguns momentos de euforia coletiva
sem muita articulação sólida de sustentação, ou ainda,
sem perspectiva de se manter como forma organizativa mais
permanente ou como eventual possibilidade de interferência
histórica nos processos que se seguiriam.
De acordo com Sousa (1999), os estudantes, assim
como a juventude no geral, não pareciam querer se envolver
mais efetivamente com questões políticas e sociais, estavam
muito influenciados pelo espírito individualista da sociedade,
não vendo espaço para esse tipo de participação, pois
agora seus interesses pareciam ser outros, como a carreira
profissional e sua inserção no mercado.
Essa mesma autora ainda faz a seguinte referência
aos jovens nesse período:
A geração indefinida, chamada pela mídia de
geração X, que é uma parte desse segmento de
jovens, começa a se definir na relação com a
tecnologia. As maiores evidências, no entanto,
estão no campo cultural, na linguagem direta da
música. Veja-se, por exemplo, a “cultura clubber”,
em que a música tecno substitui, pela batida do
som forte e excitante, a dificuldade de
comunicação entre os jovens. Eles se unem em
torno dessa música, que adquire contornos de
cultura “underground dos anos 90”, estimulando
a sensação de pertencimento a um grupo ou
núcleo, a um “nós”, por intermédio da condição
de um individualismo coletivo.
Parece impossível reagir ao autoritarismo, que
obriga tudo a se uniformizar, aproximando as
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Andreza BARBOSA. A (des)articulação do movimento estudantil: (décadas de 80 e 90)
pessoas, os jovens, a ponto de criar, em qualquer
parte do mundo, e ao mesmo tempo, uma só
necessidade, bastando estar “conectado”
(SOUZA, 1999, p.54-55).
Os documentos encontrados sobre o movimento estudantil
na década de 90 são escassos, e quase sempre se resumem
em jornais de centros acadêmicos. Novamente aqui,
pode-se perguntar pelas razões responsáveis por essa
“lacuna”: desorganização e ausência da preocupação com
os registros ou ausência do movimento nessa época?
Independente da razão responsável, o que fica claro, pelos
poucos documentos encontrados, é que o movimento
estudantil, nessa época, assumiu características bem
diferentes do movimento das décadas de 60 e 70.
Devido à diferença do contexto sócio econômico,
como já foi mencionado, pode-se notar que as preocupações
estudantis estavam mais individualizadas. Os estudantes
envolviam-se, com menos freqüência, em questões de ordem
política. As discussões passaram a girar mais em torno de
questões específicas dos cursos. Um exemplo disso, pode
ser dado com o jornal “A cachaça operária”, do Centro
Acadêmico de Ciências Humanas, da UNICAMP que, em
92, no início das críticas ao atual presidente Fernando Collor
de Melo, limitava-se a apresentar eventos culturais,
discussões específicas da área de História e, em um texto
apenas, uma crítica ao presidente Collor. Essa crítica ocorre
de maneira equivocada, pois ao invés de argumentos de
natureza política, apela para xingamentos e agressões,
resumida na seguinte frase “Collor: você já encheu o saco!”
(A Cachaça Operária, mar/92. s/p.).
Como já foi apontado, em 92, durante o movimento
pró-impeachment, do presidente Fernando Collor de Melo,
os estudantes vão às ruas juntamente com outros setores da
sociedade. No entanto, a ênfase é dada mais sobre os
estudantes quando se aborda esse episódio. Isso talvez se
deva, segundo Mattos (1993), ao estranhamento das pessoas
em ver os jovens nas ruas no mês de agosto de 1992,
protestando contra a corrupção no governo, visto que o país
acostumou-se a ver os jovens sob os tetos de shoppingcenters.
Sobre o movimento dos caras - pintadas, esse autor
ainda afirma:
O que ficou de concreto, é que os jovens
quebraram uma letargia de 20 anos e arrancaram
a classe média de uma submissão fatalista na qual
estava submetida. (...) Os “carapintadas” lotaram
praças e ruas, empunhando faixas de todas as
cores, gritando slogans e palavras de ordem, não
muito criativas, mas marcadas pela irreverência.
Os filhos da geração que em 1968 foi reprimida
duramente pelo regime militar fazem hoje seu
protesto de forma mais livre e alegre, numa salada
de tendências composta por bandeiras e camisetas
que vão do PC do B ao PDS. (MATTOS, 1993, p.
79).
Ainda, segundo Mattos, o que aconteceu durante as
manifestações pró-impeachment foi, “uma fusão entre os
espíritos de duas épocas: as grandes manifestações de massa
de cunho político, típicas dos anos 60 e 70, se realizaram
com a diversidade cultural e estética dos anos 80 e 90”
(1993, p.80).
Rodrigues (1992) afirma que, apesar da importância
do movimento dos “caras pintadas”, este não pode ser
compreendido como um indicativo do renascimento do
movimento estudantil na década de 90. De acordo com esse
autor, o contexto da época era pouco favorável às manifestações
de rua e uma das razões responsáveis por essa situação
era o fato de o país encontrar-se na vigência do regime
democrático com o pleno funcionamento das instituições
políticas e de Imprensa. Veja-se:
Nada indica que o contexto que caracterizou a
década de 60 venha a se reproduzir. Essa
afirmação não exclui alguma forma de manifestação
estudantil, em particular, e da sociedade
civil, em geral. Mas é preciso considerar que
atualmente as instituições mais adequadas para o
trato das questões políticas, como o Congresso e
os partidos, estão funcionando. Além disso, a
imprensa ocupa um espaço grande como fator de
crítica e vigilância dos atos do poder. A democracia
política, por outro lado, permite que os estudantes,
enquanto eleitores, possam expressar a sua
opinião no momento do voto. Provavelmente, essa
é uma das razões pelas quais as mobilizações de
rua contra a corrupção têm sido tão escassas.
(RODRIGUES, 1992, p.3).
É importante destacar ainda que os estudantes, durante
as manifestações contra o governo Collor, não estavam
sozinhos, constituindo-se parte de uma ampla mobilização
da sociedade civil e política e contanto com o apoio dessas.
Segundo Mische,
Nesse clima, a participação entusiasmada dos jovens
nas passeatas pelo impeachment – organizados
pelas entidades estudantis, apoiados pelos
partidos e entidades civis, e divulgados pela grande
imprensa – não pode ser chamada de ‘independente’
ou “espontânea”, pois eles receberam
amplas formas de apoio oficial e não-oficial ...
(1997, p. 47).
Após o movimento pró-impeachment, o movimento
estudantil parecia ter desaparecido. Poucas foram as manifestações
e lutas. Apresenta-se novamente uma grande lacuna,
que só deixará registros novamente a partir de 99,
visto que são poucos os documentos encontrados até 99.
Quando encontrados, estes referem-se apenas à questões
culturais, eventos científicos, discussões específicas de área.
11
EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - vol. 10, nº 18, jan.-jun.-2002 e nº 19, jul.-dez.-2002, p. 5-14.
Dificilmente fazem menção à situação política e social do
país. Parece mesmo que a geração pós-ditadura tinha motivos
muito fortes para não se envolver com as lutas políticas
mais amplas. Diante desse fato, algumas questões podem
ser levantadas: Será que agora não se têm mais motivos
para lutar? Serão as marcas do medo? Será a individualização
da sociedade brasileira? Será o equivoco de tomar
como modelo o movimento estudantil do passado e não
conseguir adequar-se a ele? Ou será ainda um pouco de
tudo isso?
O movimento estudantil nos dias atuais
O presidente Fernando Henrique Cardoso, reeleito
em 1998, deu continuidade a um governo de privatizações
e acordos com entidades internacionais, de acordo com essa
política neoliberal, tantas vezes denunciada pelos
estudantes, mas na maioria das vezes, as argumentações
não vão muito além do “Fora FHC e FMI”. Ou seja, a
participação do povo tem sido muito escassa e, no caso do
movimento estudantil, quase sempre ocorre sem fundamentos
teóricos que permitam a compreensão maior da
conjuntura econômica e política em nível mundial e nacional.
Esse contexto de desigualdades, injustiças e sucateamento
da educação se constituiu, bem fundamentado ou
não, em motivos para manifestações e protestos por parte
dos estudantes. É assim, em torno de questões como essas,
que o movimento estudantil passa a fixar seu alvo, porém
de forma ainda muito fragmentada e partidarizada.
O movimento estudantil nesse período (1999-2001)
deve ser pensado, novamente, de forma muito diferente da
década de 60 ou ainda 70. Além das diferenças dos contextos
nos quais se inseriam, também há um sério agravante: encontra-
se muito dividido, principalmente o movimento
estudantil geral. Essa divisão é, quase sempre, devida à
diferença entre os partidos políticos aos quais as diferentes
“tendências” do movimento estudantil estão vinculadas.
Geralmente, são partidos “de esquerda” e, às vezes, têm o
mesmo objetivo, no entanto, discordam terminantemente
com relação a forma de se conduzir o movimento. Nos
últimos congressos da UNE, por exemplo, podemos observar
a disputa de alguns partidos políticos pela diretoria da
entidade (PC do B, PSTU, PT, PCB, PSB, PCO, PTB, PFL,
PDT, PPB, PPS, PSDB, PMDB e outros). As teses para a
diretoria da entidade são apresentadas e sempre estão relacionadas
a algum partido político. Essa presença dos
partidos é tão marcante a ponto dos estudantes se referirem
uns aos outros como militantes do partido X ou Y sem, às
vezes, citar sequer o nome da entidade que o estudante representa.
Esses mesmos estudantes, que às vezes recebem o
título de “militantes profissionais”, quando saem da universidade
e do movimento estudantil, continuam militando
no partido, alcançando, algumas vezes, cargos na política.
As divergências são muitas: ideológicas, políticas e
estruturais. Em matéria no “O Globo”, o repórter Vilhena
(Mídia Impressa, jun/2001, s/p.) comenta as novas táticas
do que chamou “moderno movimento estudantil” que, numa
estratégia da UEE do Rio de Janeiro, durante manifestação
dos estudantes do Rio, distribuiu cerveja no campus e jornais
que tratavam tanto de funk e rap como de política. Frente
às críticas recebidas, o tesoureiro-geral da UEE, Fabrício
Marchi, filiado ao PC do B, argumenta: “Temos que evitar
o discurso carrancudo. Não adianta mais subir na cadeira e
falar alto. A forma do discurso tem de interessar aos estudantes”
(O Globo, 20/06/00, p.4, In: Midia Impressa, jun/
01).
Em contraposição, o vice-presidente, Carlos de Souza,
filiado ao PT, é a favor de palavras de ordem e ações
mais agressivas: “Temos de ocupar as ruas. Desde 92,
ficamos no conchavo político” (O Globo, 20/06/00, p.4,
In: Midia Impressa, jun/01).
Dessa forma, muitas vezes, as discussões acabam se
desviando de suas intenções iniciais, como a defesa dos interesses
dos estudantes em geral, para se deslocarem para
o campo político partidário, originando quebras, discrepâncias
de idéias, rivalidades, impedindo que o movimento
estudantil se articule em favor de suas lutas específicas.
A estreita vinculação do movimento estudantil aos
partidos políticos atingiu um tal nível que até mesmo alguns
membros da antiga diretoria da UNE começam a acreditar
que todo movimento estudantil deve ser apartidário, com
ações voltadas para ideais conjuntos dos jovens, como o
ex-diretor de universidades públicas da UNE, Almir Ribeiro,
que, mesmo sendo filiado ao PSB, defende: “O jovem quer
lutar por uma sociedade feliz, independente, quer garantia
de moradia e do primeiro emprego. E tudo isso não está
ligado a partidos políticos”. (Diário de Natal, 30/03/00,
p.10, In: Midia Impressa, jun/01).
Se o caráter transformador do movimento estudantil
já fora questionado em outras épocas, até mesmo na década
de 60 em que, apesar das divergências, alcançou-se uma
unidade aparentemente maior dos estudantes pelos seus interesses
e causas, agora então, com rupturas ainda maiores,
esse caráter pode ser colocado, mais do que nunca, em
dúvida.
Considerações finais
As gloriosas lembranças do movimento estudantil
nas décadas de 60 e 70, sempre tão marcadas por heróis e
12
Andreza BARBOSA. A (des)articulação do movimento estudantil: (décadas de 80 e 90)
mártires, ideais e utopias permeiam nosso tempo nos fazendo
sentir falta do mesmo entusiasmo que movia os jovens
daquelas épocas. No entanto, o movimento estudantil de
60 e 70 não pode ser parâmetro para o movimento atual,
isto porque os tempos eram outros e o novo contexto não
mais comporta aquele tipo de militância estudantil que só
se caracterizou como tal num determinado momento
histórico em que a situação política e econômica do país
levava os jovens a agirem de tais formas. Podemos retomar
então, o questionamento feito no início desse artigo: O que
aconteceu com o movimento estudantil nas décadas de 80
e 90?
Na tentativa de entender isso, encontrei, como já
citei várias vezes aqui, lacunas. E, sob o meu ponto de vista,
essa ausência de documentos pode ter tanto significado
quanto se tivesse encontrado uma vasta fonte de registros.
A ausência de registro sobre o Movimento Estudantil
nesse período pode ter, também como já foi citado, duas
hipóteses explicativas: a primeira seria a desarticulação do
movimento estudantil, ou seja, pode significar que o movimento
estudantil quase não se fez presente na vida política
do Brasil nesse período, daí a falta de material. A segunda
seria resultado de uma despreocupação por parte dos estudantes
que compunham o movimento com os registros ou
com a conservação dos mesmos, o que não deixa de indicar,
entretanto, uma certa desorganização.
Tendo em vista a primeira hipótese, pode-se considerar
ainda alguns fatores que teriam contribuído para a desarticulação
do movimento estudantil nas décadas de 80 e 90.
O primeiro deles diz respeito à apatia que se abateu
sobre o meio estudantil e sobre a população brasileira como
um todo após o ano de 84, com o término do regime militar.
Essa apatia pode ter ocorrido em decorrência das marcas
de medo que a ditadura deixou muito fortes nas pessoas
que viveram essa época. No entanto, o que me parece mais
provável é que, nesse período, predominava a sensação de
que não se tinha mais pelo que lutar. Os estudantes estavam
acostumados a uma forma de organização do movimento
estudantil que só cabia no regime militar e, por isso, não se
encaixava no novo contexto político brasileiro. Já não se
podia sair às ruas clamando pelo fim da ditadura ou pela
derrubada da mesma. O autoritarismo se dá, nas décadas
de 80 e 90, de forma mais sutil, à medida que impõe uma
ideologia da privacidade que tomou conta de toda a nossa
geração que, por sua vez, assumiu princípios baseados no
respeito à liberdade e aos desejos de cada um, conforme
análise feita por Sousa (1999), ou seja, o individualismo e,
aí, já entramos no nosso segundo motivo possível.
O segundo motivo que poderia ter causado o desaparecimento
do movimento estudantil das ruas é, como citei
no fim do parágrafo anterior, o individualismo da sociedade
brasileira que vem como uma conseqüência da política neoliberal
e globalizante que vivemos. De acordo com Saliba
(1999), os jovens vão às universidades buscando uma
formação que lhes permita exercer uma profissão reconhecida
e, assim, possa sobreviver e obter êxito pessoal. A preocupação
com o coletivo quase sempre se resume a atitudes
de solidariedade e filantropia. O afastamento das questões
políticas indica um conformismo e uma passividade de
quem já não se vê mais como sujeito da história, mas sim,
como objeto passivo dela.
Com isso, ainda segundo Saliba (1999), para poderem
recuperar minimamente a condição de sujeitos, os jovens
assumiram uma ideologia subjetivista expressa através
de questões individuais de comportamentos, como as ideologias
de bem estar do corpo, do sexo, do psiquismo, típicas
das sociedades de consumo, busca de práticas alternativas,
histeria consumista, abandono do espaço público e desinteresse
da luta política organizada. Tudo isso, portanto,
indica as novas características de uma juventude que não
mais se identificava com a geração que a antecedeu.
Por fim, a terceira e última hipótese da desarticulação
do movimento estudantil nas décadas de 80 seria, como
pode-se observar ao fazer a análise dos poucos registros
que foram encontrados sobre o movimento estudantil nesse
período e também ao fazer a análise do movimento
estudantil nos nossos tempos (1999 a 2001), a partidarização
do mesmo. Apesar de os estudantes formarem uma
categoria que, inicialmente, teria os mesmos interesses e
objetivos, sua conduta não condiz com a de uma classe
unificada. Muito pelo contrário, muitas das lutas maiores e
mais abrangentes que o movimento estudantil se propôs
nesse período parecem não ter vingado, devido às muitas
brigas internas causadoras de muitas cisões no movimento.
A relação dos estudantes com partidos políticos, no
entanto, não é necessariamente uma coisa negativa, como
já foi apontado. O que não é adequado é o aparelhamento
do movimento estudantil aos partidos políticos, ou seja,
quando os interesses do movimento estudantil são deixados
de lado para se assumir a disputa entre os partidos que
assumiriam as lideranças estudantis. Essa relação já vem
sendo percebida há muito tempo pelos estudantes; no
entanto, o afastamento do movimento estudantil dos partidos
políticos se torna cada vez mais difícil, como pode-se
observar nos últimos congressos da UNE. A política no
movimento estudantil e a militância nem sempre precisam
ser partidárias. Aí, uma das justificativas dadas pelos dirigentes
de entidades estudantis do movimento geral, hoje, é
que a relação com os partidos políticos é necessária, pois o
movimento estudantil não tem condições estruturais de se
13
EDUCAÇÃO: Teoria e Prática - vol. 10, nº 18, jan.-jun.-2002 e nº 19, jul.-dez.-2002, p. 5-14.
manter sozinho, visto que com a expansão do ensino
superior ocorrida nas últimas décadas, o número de
universidades no país cresceu muito. Por isso, a estrutura
atual do movimento estudantil não tem condições de atender
a todos os estudantes.
Se este argumento é verdadeiro, pode-se colocar uma
outra questão: será que a estrutura do movimento estudantil
não precisa ser revista? Se a UNE, por exemplo, tem condições
de se manter como um órgão central de representação
dos estudantes de todo o país, como fora na década de 60 e
até mesmo na de 70, não seria necessário pensar a estrutura
do movimento estudantil de outra forma, por meio de
organizações menores que possam abranger todos, ou ao
menos, grande parte dos estudantes, com suas discussões?
O chamado “movimento de área” tem se constituído, na
prática, em um exemplo dessa forma de organização, uma
vez que vem conseguindo congregar estudantes por áreas
de estudo para sustentar discussões relativas às suas áreas,
além de discussões mais gerais em uma estrutura possível
e não em uma estrutura gigante que acabe inviabilizando o
aprofundamento das discussões.
Até quando o movimento estudantil continuará
insistindo no antigo modelo de organização central liderado
pelas chamadas vanguardas? Não vivemos mais o regime
militar, mas vivemos formas mais sutis de opressão das
quais os estudantes precisam se dar conta sem, contudo,
perder de vista seus limites e sua condição de estudantes
que vivem um novo contexto, no qual não se encaixam
mais os antigos parâmetros de movimento estudantil. Além
disso, a militância precisa ser repensada para além da militância
partidária, como expressão real dos interesses dos
estudantes.
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Gestão 81/82.
Boletim da UNE de Circulação para as Entidades. Nº 2.
Gestão 81/82.
Boletim da UNE de Circulação para as Entidades. Nº 3.
Fevereiro de 81.
Boletim da UNE de Circulação para as Entidades. Nº 4.
Abril de 81.
Boletim da UNE para o CONEB de Circulação para as
Entidades. Julho de 81.
Boletim Informativo da UEE-SP. Nº 1. 16 de junho de 89.
14
Andreza BARBOSA. A (des)articulação do movimento estudantil: (décadas de 80 e 90)
Boletim Informativo da UEE-SP. Nº 9. 26 de setembro de
83.
Boletim Informativo da UNE. Nº 5. Novembro de 82. Gestão
81/82.
Boletim Informativo da UNE. Nº 15. Setembro de 83.
Gestão 82/83.
Boletim Informativo da UNE. Nº 26. Junho/Julho de 84.
Jornal da UEE – Órgão de Divulgação e Debate da UEESP.
Março de 81.
Jornal da UEE – Órgão de Divulgação e Debate da UEESP.
Nº4. Maio de 79.
Jornal da UEE – Órgão de Divulgação e Debate da UEESP.
Número especial do Congresso. Junho de 80. Ano II.
Mídia Impressa – Gestão 1999-2001. Diretoria de Comunicação
da UNE. São Paulo. Junho de 2001.
Quarup. Impressões, Campinas. Maio de 89. Ano I. Nº 1.
Quarup. Impressões, Campinas. Setembro de 89. Ano I. Nº
3.
UEB Urgente – Proposta para a UNE Unitária e Independente.
Nº5. Maio de 79.
Andreza Barbosa
Mestranda do Programa de Pós Graduação em Educação
da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo –
USP;
Ex-professora do Ensino Fundamental da Rede Municipal
de Ensino de Rio Claro;
Pedagoga licenciada pela UNESP – Campus de Rio Claro.
Endereço para contato: Avenida 62-B, Nº 37, Jardim
Panorama, Rio Claro-SP.
E-mail: andrezabarbosa@usp.br
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