Direitos Humanos, Democracia e a memória do movimento estudantil: esquecimento e instrumentalização política
*Otávio Luiz Machado
Levando-se em consideração os aspectos que iremos expor no texto abaixo, cabe-nos alertar que a história dos movimentos juvenis e estudantis precisa ser levada mais a sério, pois o que está em jogo é o conhecimento que a sociedade brasileira terá sobre o tema no futuro, a necessidade de contribuirmos hoje com os estudiosos que certamente se interessarão pelo tema amanhã e a importância da História para a formação cidadã de crianças e jovens do nosso país.
O Brasil, que é um país com contradições enormes, marcha, desde a redemocratização, em 1985, para o encontro de um novo rumo em direção à valorização da democracia como valor fundamental para a construção dos direitos humanos. A renovação do Brasil nos quadros do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) indica o quanto o país tem reconhecido os avanços nesse campo.
Por fim, espero que minha contribuição aqui seja no sentido de gerar um debate e contribuir com um aspecto efetivo para a democracia brasileira. É o que temos feito nos últimos anos com projetos de reconstituição da história dos estudantes brasileiros. Temos uma produção não muito grande, mas que é uma base para que os nossos filhos e netos possam conhecer a história do seu país de forma mais aberta.
Um pouco do que fizemos pode ser observado aqui:
http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2008/05/o-que-o-proenge-e-qual-sua-histria-luta.html
Já encaminhamos ao Secretário Executivo da Secretaria Nacional de Juventude um texto com sugestões sobre o tema, que pode ser visualizado aqui:
http://sejarealistapecaoimpossivel.blogspot.com/2008/05/histria-da-juventude-e-do-movimento.html
Por fim, espero que minha contribuição aqui seja no sentido de gerar um debate e contribuir com um aspecto efetivo para a democracia brasileira. É o que temos feito nos últimos anos com projetos de reconstituição da história dos estudantes brasileiros. Temos uma produção não muito grande, mas que é uma base para que os nossos filhos e netos possam conhecer a história do seu país de forma mais aberta.
Não se trata aqui de combater grupos políticos e estudantis que estão agindo de uma ou de outra maneira, mas de situar a sociedade brasileira sobre o que está sendo feito e o que pode ainda ser feito pelo tema na atualidade.
Nos últimos dias venho apontando alguns problemas que demonstram como a direção do PC do B (Partido Comunista do Brasil) que tomou conta da União Nacional dos Estudantes (UNE) infelizmente está legislando em causa própria. Depois de escrever um artigo intitulado “O monopólio da UNE”, que retoma questões de um texto anterior intitulado “Memórias nada estudantis”, o principal questionamento é no sentido da capacidade do PC do B de administrar projetos a partir de recursos do Estado.
O texto aqui irá focar no projeto “História da U.N.E.”, que é divulgado pela própria UNE e pela Fundação Roberto Marinho como “Memória do Movimento Estudantil”. A análise do produto final do projeto, o livro “Memórias estudantis: da fundação da UNE aos nossos dias,” (de Maria Paula de Araújo, 2007), também é imprescindível.
Inicialmente, em qualquer projeto de pesquisa, a escolha dos parceiros é importante. No caso da parceria entre UNE e Globo, que nada tinham um com o outro, muitos jovens brasileiros protestaram na PUC-SP quando da ocorrência de um seminário por lá. A direção da UNE também não consultou suas bases quando da realização da parceria com a Globo, o que gerou menção em várias teses apresentadas nos congressos da entidade após o episódio. Obviamente nunca considerados ou debatidos entre a direção da UNE e base estudantil.
Um segundo aspecto, creio que a escolha das fontes é fundamental. No caso dos depoimentos, a escolha dos depoentes ocorre em função dos objetivos claros e definidos do projeto. É para se questionar que, ao se gastar tempo e recursos para entrevistar depoentes que porventura seriam importantes para a “história da UNE”, o projeto tenha escolhido os ex-presidentes que estiveram recentemente na UNE: Gustavo Petta (Presidiu a entidade entre 2003 e 2007), Felipe Maia (2001-2003), Wadson Ribeiro (1999-2001), Ricardo Capelli (1997-1999), Orlando Silva Júnior (1995-1997), Fernando Gusmão (1993-1995). Ou ainda Mauro Guimarães Panzera, que foi presidente da UBES em 1990, bem como Felipe Chiarello, o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) de 1999 a 2001, que também participou de campanhas contra o corte de bolsas do Programa de Educação Tutorial, juntamente com a Coordenadora Técnica do Projeto da UNE, Angélica Muller.
O mais enigmático dos entrevistados “selecionados” é Marcelo Britto da Silva, o Gavião, que foi Presidente da União Juventude Socialista (UJS) em 2007 e da UBES em anos anteriores, que garantiu mais uma vez a continuidade do PC do B na direção da UNE, pois para ele, “a UJS é uma entidade que tem uma responsabilidade para com a UNE muito grande. Tratamos a entidade com muito carinho e atenção no cotidiano do conjunto da nossa militância”.
Mas o que permitiu a entrada de tantos depoentes no projeto da UNE/Globo foi a sua ligação com o PC do B ou a sua União Juventude Socialista (UJS), pois nada possuem de contribuição com a reconstituição da história da UNE.
Sem falar em tantos outros depoentes que tiveram pouca participação da UNE, mas que foram “eleitos” como depoentes do projeto. Um pelo menos nos chamou a atenção em especial: Cesar Maia. Ele contribuiu muito com a UNE atual ao desapropriar o atual terreno da entidade que estava nas mãos dos proprietários de forma ilegal. Militou pouco na UNE nos anos 1960.
O critério de escolha de vários depoentes pela contribuição importante para a UNE atual e não exclusivamente com a história da UNE é muito questionável. E com implicações éticas e jurídicas muito profundas, pois se a juventude do PC do B quis demonstrar a sua participação no movimento estudantil o nome do projeto deveria mudar para a “história do PC do B na UNE”, o que deveria ser pago pelo próprio partido e por seus militantes, não com recursos públicos.
Não é porque Lula assumiu a Presidência que a juventude do PC do B irá desfrutar de tudo o que não tiveram com FHC. Não é porque apóiam o Presidente Lula que agora deverão ser “compensados”. A palavra que define tais práticas é fisiologismo.
É bom dizer, também, que a propaganda da juventude do PC d B em cima da derrubada de Collor deve ser questionada, pois inúmeras variáveis devem ser consideradas nesse episódio. Sobrevalorizar o papel dos “caras-pintadas” é perigoso, principalmente por ser um argumento conveniente para as elites que essa versão da história permaneça, pois retira a imagem do reacionarismo histórico de nossas elites.
Tira a imagens de que a elite é golpista e que se quiser tirar e põe presidente na hora que quiser. Não foi o PC do B e sua direção na UNE que evitou um golpe a Lula durante o episódio do mensalão: as elites e o povo.
A liderança, o carisma, o discurso direto e a capacidade de Lula que contornou a situação. O apoio dos movimentos sociais também foi importante. E a esperança da elite na continuidade da política econômica do Governo .
Um terceiro aspecto foi a estranha campanha de arrecadação de documentos da UNE, bem como o levantamento feito visando a produção de um guia de fontes, que o projeto UNE/FRM divulgou a todo canto que daria publicidade às fontes existentes e contribuiria para o acesso as mesmas.
O produto final do projeto, o livro “Memórias Estudantis”, foi noutro sentido, o de dar publicidade ao próprio projeto e ao grupo que comanda a UNE há vários anos, o que indica mais uma vez que quis monopolizar toda a história do movimento estudantil no Rio de Janeiro e, com muita estranheza, não contribuir com novas questões sobre a história da UNE. Eis a explicação da autora:
“Este livro pretende recuperar um pouco dessa história e dessa memória recorrendo, de um lado, ao amplo acervo de depoimentos de antigos e atuais militantes e dirigentes de da entidade, coletados e organizados pela equipe do Projeto Memória do Movimento Estudantil; e, de outro, à historiografia mais recente, que discute a história do Brasil contemporâneo e o papel dos estudantes nessa história” (Araujo, 2007, p. 18).
A autora também deixou de recorrer aos acervos do PROEDES (UFRJ) – apoiando-se apenas nas fontes secundárias dos livros produzidos por sua coordenadora. Também não utilizou o rico acervo de entrevistas do CPDOC /FGV (Rio de Janeiro), que guarda relevantes entrevistas de José Talarico (que vivenciou os primeiros tempos da UNE), de Roberto Gusmão (Presidente da UNE em 1947) e de tantos outros.
A autora nem fez mérito ao acervo do Edgar Leuenroth (Unicamp), sem falar nas inúmeras teses, dissertações e monografias produzidas a partir das universidades. Centrou as imagens do livro em sua brutal maioria nos arquivos no Rio de Janeiro (sobretudo do Jornal O Globo), omitindo imagens fantásticas de jornais como Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, Estado de Minas, Jornal do Commercio (Recife) e tantas outras referências.
O mais impressionante é o descaso com as fontes, pois a autora abandona autores e fontes preciosíssimas da própria história da UNE, como o livro de depoimentos publicado por Jalusa Barcelos, o livro “UNE: Reencontro do Brasil com a sua Juventude”, o “História da UNE” (Nilton Santos) e o trabalho precioso de Dulles que trata da história da Fundação da UNE, também.
Com tal atitude, o projeto da UNE/FRM quis apenas mostrar que os seus produtos são originais. Ao buscar fugir do formato acadêmico onde o debate, o compartilhamento de saberes e o rigor técnico são próprios da produção do conhecimento, a UNE/FRM também em nada ajuda a contribuir com um dos princípios das Diretrizes originais do Programa Memória do Mundo da Unesco, que é o de garantir o acesso universal e lutar pela preservação dos documentos. Quando é dada publicidade a um conjunto documental raro – que consideramos tratar quando falamos do movimento estudantil – se está contribuindo para alertar governos e a sociedade de modo geral quanto aos riscos de perda e de sua importância como patrimônio documental.
Nesse aspecto o projeto UNE/Globo peca sensivelmente. Além do fato da instrumentalização do esquecimento e do consequente silêncio dos vencidos, o projeto da UNE/FRM está mais ligado à instrumentalização política da história
Para Francisco Carlos Teixeira da Silva, a instrumentalização do esquecimento é uma arma política contra as democracias. Apoiando-se no projeto da UNE/Globo, o passado é utilizado pela direção do PC do B na UNE para massacrar o que pesquisadores, instituições e o próprio país têm produzido em termos de história do movimento estudantil.
Ademais, a UNE ao associar-se à Rede Globo, também pautou-se no desperdício dos recursos públicos pois: 1) A produção em vídeo acabou beneficiando muito mais a parceira do que a UNE, pois se montou um acervo importante para novos produtos da empresa; 2) O apoio da Globo ao projeto foi reduzido, pois não doou muito sua estrutura ao projeto; 4) como é próprio da televisão apenas nomes consagrados vão para a telinha; 5) E nomes consagrados não produzem novidades, pois já falaram milhares de vezes em tantos e tantos veículos.
Por fim, o que mais chamou a atenção do Projeto "História da UNE" foi o obscurecimento ao invés de um maior esclarececimento sobre a data de criação da UNE, pois o Projeto sempre recorreu a alguns argumentos pouco convincentes. Se tivessem consultado realmente os novos estudos sobre o movimento estudantil poderia ter refletido um pouco melhor sobre a origem da UNE. E não ficaria nos argumentos vazios apresentados. Ademais, a própria Coordenadora Técnica do Projeto MME, Angélica Muller, que inclusive produziu dissertação de mestrado que passa pela origem da UNE e é clara que a UNE faria 70 anos em dezembro de 2008, tem seu próprio trabalho sumido de tudo que o projeto da UNE produziu. É frustrante a omissão da autora diante da história oficial da UNE, a entidade que encomendou o projeto MME à Fundação da Rede Globo.A partir daí, cremos que o marketing dos 70 anos da UNE foi a forma encontrada para a captação de recursos públicos aos milhões, pois a UNE sequer estudou as conclusões do Projeto MME sobre a data correta de fundação da UNE. A Coordenadora Técnica do Projeto afirmou à Revista de História da Biblioteca Nacional que a UNE foi fundada oficialmente em 1938. Ao ser questionada sobre o pôrque da UNE divulgar que a data de fundação foi agosto de 1937, Muller novamente confirma a data da criação, mas sem questionar a data fictícia da entidade: “Porque naquele ano a Casa do Estudante do Brasil, no Rio de Janeiro, criou o Conselho Nacional de Estudantes. Foi, de fato, a principal origem da UNE, mas, pelo seu estatuto, o Conselho não podia ter fins políticos. Inclusive proibia os membros de abordar assuntos políticos. Quando houve o Segundo Congresso Nacional dos Estudantes, em dezembro de 1938, militantes do Partido Comunista já haviam tomado conta do Conselho e conseguiram aprovar uma pauta explicitamente política. Com isso, deram outro perfil à iniciativa e propuseram a criação de um novo órgão: a União Nacional dos Estudantes do Brasil. A carta-circular que menciona a UNE pela primeira vez é datada de dezembro de 1938” (http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=1089). Da história da Fundação da UNE, é lamentável que um único nome que ali não se trabalhou adequadamente foi o de Antônio de Franca, sobretudo no que se refere ao tema da sua tese apresentada ao II Congresso da UNE: a “criação da UNE”. Que são questões já exploradas em trabalhos de fôlego como os de Arthur José Poerner (O Poder Jovem) e John Dulles (A Faculdade de Direito de São Paulo e a Resistência Anti-Vargas: 1938-1945).
O projeto “História da U.N.E.”, que foi pago com recursos públicos na ordem de R$2,3 milhões é o grande exemplo de manipulação de recursos públicos para fins privados. A direção da UNE já exigiu mais R$2,2 milhões para tal tarefa.
Um aspecto que irá afetar significativamente a correlação de forças dos movimentos sociais será quando o país privilegiar um investimento de R$30 milhões para o PC do B da UNE tomar conta na construção de uma futura sede da UNE.
É bom lembrar que em 2007, a empresa que fornece carteirinhas estudantis para a UNE doou R$602,8 mil – de um total de R$874,8 mil recebidos pelo PC do B por meio de doações de Pessoas Jurídicas – ao partido político que comanda a direção da UNE. É difícil à direção do PC do B na UNE explicar porque tal doação não poderia ter sido feita a trabalhos de interesses dos estudantes brasileiros, levando-se em consideração que a empresa fatura alto em cima das carteirinhas estudantis.
O que há mais a considerar é que tais trabalhos de reconstituição histórica do movimento estudantil, a exemplo da parceria UNE/Globo, em nada contribuem para animar a sociedade a repensar a sua história. E também em nada contribuem para sensibilizar as instituições que possuem documentos do período da ditadura militar a abrirem seus arquivos, levando-se em consideração a necessidade de criar uma multiplicidade de pequenas aberturas para chegarmos até lá.
Um aspecto que irá afetar significativamente a correlação de forças dos movimentos sociais será quando o país privilegiar um investimento de R$30 milhões para o PC do B da UNE tomar conta na construção de uma futura sede da UNE.
É bom lembrar que em 2007, a empresa que fornece carteirinhas estudantis para a UNE doou R$602,8 mil – de um total de R$874,8 mil recebidos pelo PC do B por meio de doações de Pessoas Jurídicas – ao partido político que comanda a direção da UNE. É difícil à direção do PC do B na UNE explicar porque tal doação não poderia ter sido feita a trabalhos de interesses dos estudantes brasileiros, levando-se em consideração que a empresa fatura alto em cima das carteirinhas estudantis.
O que há mais a considerar é que tais trabalhos de reconstituição histórica do movimento estudantil, a exemplo da parceria UNE/Globo, em nada contribuem para animar a sociedade a repensar a sua história. E também em nada contribuem para sensibilizar as instituições que possuem documentos do período da ditadura militar a abrirem seus arquivos, levando-se em consideração a necessidade de criar uma multiplicidade de pequenas aberturas para chegarmos até lá.
Um comentário:
é preciso coragem pra falar do povo da UJS
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