sexta-feira, 2 de maio de 2008

Movimento estudantil ressurge 40 anos depois de seu auge

fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u383070.shtml

30/04/2008 - 18h17
Movimento estudantil ressurge 40 anos depois de seu auge


WANDERLEY PREITE SOBRINHOColaboração para a Folha Online
A história do movimento estudantil no Brasil poderia ser dividida em antes e depois de 1968. Foi naquele ano que o regime militar aumentou a repressão, o que fez emergir a UNE (União Nacional dos Estudantes) como uma das protagonistas da resistência. Quarenta anos depois, o movimento estudantil ressurge com a invasão da reitoria da UnB (Universidade de Brasília), em abril deste ano, que culminou com a renúncia do então reitor Timothy Mullholand, suspeito de usar recursos de pesquisa na reforma do apartamento funcional.
De acordo com especialistas, o movimento só renasceu porque mudou o discurso e se afastou da UNE, que na década de 80 se partidarizou e, nos últimos anos, aderiu ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O período de maior atividade da UNE foi entre 1964 e 1968, quando, mesmo na clandestinidade, lutou contra o regime militar. Em 1968, a polícia invadiu o 30º Congresso da entidade --que acontecia em Ibiúna, no interior de São Paulo-- e prendeu cerca de 800 estudantes.
Ainda naquele ano, a UNE mobilizou 100 mil pessoas contra a ditadura na manifestação que ficou conhecida como "Passeata dos Cem Mil".
"A partir de então, a UNE foi desarticulada", afirma o historiador Marco Antonio Villa, professor da UFScar (Universidade Federal de São Carlos) especializado em movimentos sociais. "A entidade só voltou à ativa em 1979."
Quando ela retomou suas atividades, já havia perdido espaço para lideranças políticas. É que em 1978 o general Ernesto Geisel aboliu os Atos Institucionais, ponto fim à repressão, à cassação de parlamentares e ao bipartidarismo.
Sem a repressão dos militares, a influência dos políticos do MDB e dos novos partidos aumentou. Eles foram os principais organizadores do movimento pelas Diretas-Já --uma série de manifestações a favor da eleição direta para presidente que levou milhões de brasileiros para as ruas entre 1983 e 1984.
Partidarização
Foi nesse período que o movimento estudantil se ligou ao PC do B. "A UNE se torna um aparelho do partido desde então", afirma Antonio Villas.
A presidente da UNE, Lúcia Stumpf, rebate as acusações de que a entidade seja apenas um braço do PC do B no movimento estudantil. "Temos em nossos quadros representantes do PT, do PSOL, do DEM e do PSDB."
Ela também rejeita a tese de enfraquecimento da UNE. "A UNE parece perder visibilidade porque estamos em um regime democrático e dividimos a atenção e as lutas com outras entidades. Mas a UNE é uma sobrevivente. Enquanto nossos dirigentes eram assassinados, presos e exilados, outros movimentos eram perseguidos e acabavam desorganizados. Por termos resistido, somos tão importantes hoje como no passado."
Ressurgimento
O historiador afirma, no entanto, que a volta do movimento estudantil-- com a vitória dos estudantes da UnB e com as manifestações contra o reitor da Unifesp, Ulysses Fagundes Neto, acusado de usar irregularmente seu cartão corporativo-- só foi possível porque os universitários se afastaram da UNE.
"O movimento deu sinal de vida porque foi feito sem a direção da UNE", afirma o historiador. "Surgiram denúncias, e os estudantes, pelo DCE, desencadearam o movimento."
Segundo Fábio Felix, coordenador do DCE (Diretório Central dos Estudantes) da UnB, a participação da UNE no movimento foi pequena. "Quem começou a impulsionar as assembléias foi o DCE. Só no final que a UNE participou", diz. "Eles foram desfavoráveis à ocupação da reitoria."
Felix diz que a UNE não se engajou porque a saída de Mullholand atingiria indiretamente o governo federal. "Quando se faz um movimento como esse, você bate no governo, e a entidade está ligada a ele." O PC do B é um dos partidos da base aliada do presidente Lula.
Para o historiador, o sucesso dos universitários na UnB também se deve à mudança no discurso. "O movimento não lutou contra o capitalismo, ou pela reforma agrária. Eles pediram melhores condições de ensino e responsabilidade na administração dos recursos da universidade", diz Antonio Villas.
Felix diz que o movimento foi vitorioso porque as reivindicações focaram as necessidades dos estudantes. "Construímos uma autonomia em relação aos partidos políticos. Nossa pauta estava ligada às necessidades dos estudantes."
Antônio Villas diz que o futuro do movimento estudantil depende desse novo foco de reivindicações. "Não estamos mais no regime militar. Quando os estudantes percebem que a questão é concreta --como pedir responsabilidade na gestão de recursos públicos-- e que não são massa de manobra de partidos políticos, eles participam", diz.
Segundo pesquisa do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e do Instituto Pólis com 8.000 jovens de 15 a 24 anos, apenas 3% dos estudantes participam de associações estudantis. O estudo também indica que violência e desemprego são as principais preocupações dos jovens, enquanto política e corrupção aparecem na sétima colocação, de um total de nove itens.
Desinteresse
"A UNE não percebeu que a angústia dos estudantes de hoje é o mercado de trabalho", afirma o historiador. "Como a entidade não responde às necessidades estudantis, seu espaço político diminui."
Para Stumpf, o motivo do desinteresse dos alunos pelo movimento estudantil é social. "Foi o mundo que mudou. O individualismo está presente no dia-a-dia da juventude. O estudante enxerga o aluno da carteira ao lado como concorrente, seja no cursinho ou na universidade.
"O mundo é individualista a começar pelas propagandas universitárias. Nossas lutas sociais enfrentam uma séria dificuldade de dialogar com a juventude, sempre atraída por outros valores."
Já para a deputada federal Manuela D'Ávila (PC do B-RS), que ingressou na UNE em 1999 e no PC do B no ano seguinte, os jovens serão reconquistados se o movimento estudantil investir em cultura, ciência e esporte. "Além de atrair os jovens, esses são assuntos de política pública", diz.
Conlute
Insatisfeito com a atuação da UNE, um grupo de estudantes --muitos deles ligados ao PSTU-- criou em 2004 a Conlute (Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes), durante o Encontro Nacional contra a Reforma Universitária, no Rio.
Para o professor João Zafalão, diretor da Apeoesp (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) e um dos idealizadores do Conlute, a adesão da UNE ao governo Lula tirou a credibilidade da entidade. "A UNE foi cooptada pelo governo", afirma.
Segundo ele, a Conlute não apóia os programas do governo Lula para os estudantes. "A UNE apóia o ProUni, um projeto do governo que reverte dinheiro para as universidades particulares, quando poderia utilizá-lo para abrir vagas em instituições públicas", diz Zafalão. "A UNE também é a favor do Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), um programa que aumenta as vagas nas universidades federais, mas não cuida da estrutura delas, comprometendo a qualidade do ensino."
Para Zafalão, toda a vez que uma organização ligada à sociedade civil adere ao governo, ela perde legitimidade. "É por isso que a UNE vem perdendo força", diz. O historiador concorda: "Sua ligação com o governo federal a impede de ter vida própria".
Antonio Villas diz que a UNE só voltará ao centro do debate estudantil se aprender com o novo movimento estudantil, que rejeita bandeiras partidárias, exige transparência na utilização de dinheiro público e eficiência da universidade. "A entidade tem de deslocar seu discurso dos programas partidários para questões do cotidiano estudantil. Isso sim já mostrou que é eficaz."

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