segunda-feira, 19 de maio de 2008

Especial sobre a Greve de 1978 (Folha de S. Paulo)

12/05/2008 - 08h15
Marco da movimentação trabalhista, greve da Scania completa 30 anos

KAREN CAMACHOEditora-assistente de Dinheiro da Folha Online
Às seis da manhã do dia 12 de maio de 1978, mais de 3.000 metalúrgicos da Scania, em São Bernardo, entraram na fábrica, mas não ligaram as máquinas. Tinha início a primeira greve dez anos após a última mobilização, em 1968, ano da promulgação do AI-5 (Ato Institucional), que acabou com a liberdade de expressão e a representação política.
O país, sob a ditadura militar, era governado por Ernesto Geisel. Os metalúrgicos da empresa do ABC eram liderados pelo ferramenteiro Gilson Menezes. De um lado a luta por aumento salarial e melhores condições de trabalho, do outro, o medo da repressão, já que até reunião pública podia ser considerada ato subversivo.
Nesse clima, a greve "Braços cruzados, máquinas paradas" iniciaria um movimento que acabaria por inflamar os ânimos em outras empresas, que também pararam dias depois, e serviria de exemplo para outros movimentos, mais organizados e alastrados, em 1979 e 1980.
Folha Imagem

Greve dos metalúrgicos em 1978, a primeira desde o AI-5; no ano seguinte, paralisações em massa foram retomadas; veja mais fotos
Há exatos 30 anos, metalúrgicos desafiaram os patrões, mas também a ditadura militar e o risco das celas do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Eles queriam compartilhar os ganhos das empresas, mas também ajudaram a transformar a relação capital/trabalho, iniciaram uma nova organização sindical e ajudaram no processo de redemocratização do país.
Organização
"A greve foi organizada com lideranças das seções nos banheiros da Scania. Nada podia vazar, era muito arriscado. Se alguém soubesse, eu seria preso e levaria um pau no Dops", lembra Gilson Menezes.
Os encontros secretos começaram na segunda-feira daquela ano, dia 7 de maio, e a greve foi marcada para a sexta-feira. "Eu cheguei no sindicato [dos metalúrgicos] na quinta e disse que na sexta nós iríamos parar na Scania. Teve companheiro que não acreditou e alguns nem me deram muita atenção. Mas eu sabia que tinha de fazer aquilo", lembra Gilson.
Para o ex-ferramenteiro, a descrença era justificada. Greve, naquele momento, era algo muito arriscado. "Alguns colegas da Scania chegaram a propor mais tempo para organização. Mas se havia o risco da greve, pior seria se alguém descobrisse."
O então presidente do sindicato e hoje presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, soube da greve apenas na manhã daquela sexta-feira.
Rosane Marinho/Folha Imagem
Gilson Menezes, ex-prefeito de Diadema (SP), liderou a greve
Em 2007, durante evento na Scania, quando a montadora completara 50 anos, Lula lembrou o episódio. "Foi aqui, na Scania, neste pátio, que nós começamos a conquistar a redemocratização do nosso país. Aqui, no dia 12 de maio de 1978, um grupo de trabalhadores resolveu exercitar --depois de muitos anos, porque o regime militar não permitia o direito de greve-- uma conquista universal, que é o exercício da greve. Eu estava no sindicato, às 8h da manhã, quando recebi o telefonema de que a Scania tinha parado."
"Era um clima de muita efervescência política no país. Havia briga por democracia, por organização partidária, e os trabalhadores começaram, então, a levantar a cabeça", descreveu Lula.
Gilson, então com 28 anos, casado e com duas filhas pequenas, conta a tensão daquele momento. Antes das 9h representantes da Secretaria do Trabalho e do Dops estavam dentro da empresa, negociando o fim da greve, mas sem muita diplomacia, já que as ameaças, veladas ou não, davam o tom da conversa.
"Eu sempre me despedia das minhas filhas antes de sair para o trabalho. Naquele, não consegui", conta Gilson, lembrando do medo de que aquela fosse uma despedida definitiva. "A gente ia para luta, mas não sabia se iria voltar".
A greve duraria até a noite de segunda-feira, dia 15. Lula foi chamado para negociar o reajuste. Na terça, os metalúrgicos voltaram a trabalhar, sob a promessa de um aumento de 20% e vigilância de seguranças.
"Certamente, aquele ano de 78 marcou a conquista e o começo da democratização. Portanto, haverá sempre alguém reconhecendo que foi aqui na Scania que homens e mulheres, vestidos com seus uniformes, resolveram dizer: 'nós queremos conquistar a democracia e a democracia significa melhoria das condições de vida do povo trabalhador deste país'", afirmou Lula ano passado, ao visitar a Scania novamente, mas como presidente da República.
Ford
Naquela mesma semana, metalúrgicos da Ford também cruzaram os braços; paralisações pontuais ou parciais também ocorreram na Mercedes e na Volkswagen, todas no ABC. Um novo acordo foi fechado, pois àquela altura a Scania havia retirado sua oferta.
"Outras greves aconteceram nas fábricas da nossa base, até que em 1979 houve uma greve geral dos metalúrgicos, outras categorias também pararam. No início, havia gente dentro do sindicato que não acreditava. Mostramos que era possível", afirma Menezes.
12/05/2008 - 08h18
Líder da greve da Scania se tornou primeiro prefeito do PT
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KAREN CAMACHOEditora-assistente de Dinheiro da Folha Online
Gilson Correia de Menezes, 58, era ferramenteiro em 1978 e liderou mais de 3.000 metalúrgicos na greve da Scania, a primeira depois do AI-5 (Ato Institucional) e que seria um marco do movimento pelas melhorias nas condições de trabalho e de resistência ao regime militar.
"A greve foi organizada com lideranças das seções nos banheiros da Scania. Nada podia vazar, era muito arriscado. Se alguém soubesse, eu seria preso e levaria um pau no Dops", lembra Gilson Menezes.
Os encontros secretos começaram na segunda-feira daquela ano, dia 7 de maio, e a greve foi marcada para a sexta-feira. "Eu cheguei no sindicato [dos metalúrgicos] na quinta e disse que na sexta nós iríamos parar na Scania. Teve companheiro que não acreditou e alguns nem me deram muita atenção. Mas eu sabia que tinha de fazer aquilo", lembra Gilson.
Rosane Marinho/Folha Imagem
Gilson Menezes, ex-prefeito de Diadema (SP), liderou a greve
Para o ex-ferramenteiro, a descrença era justificada. Greve, naquele momento, era algo muito arriscado. "Alguns colegas da Scania chegaram a propor mais tempo para organização. Mas se havia o risco da greve, pior seria se alguém descobrisse."
Gilson, então com 28 anos, casado e com duas filhas pequenas, conta a tensão daquele momento. Antes das 9h representantes da Secretaria do Trabalho e do Dops estavam dentro da empresa, negociando o fim da greve, mas sem muita diplomacia, já que as ameaças, veladas ou não, davam o tom da conversa.
"Eu sempre me despedia das minhas filhas antes de sair para o trabalho. Naquele, não consegui", conta Gilson, lembrando do medo de que aquela fosse uma despedida definitiva. "A gente ia para luta, mas não sabia se iria voltar".
Perfil
Ele continuou na Scania até 1980. Quando o sindicato sofreu intervenção federal e seus dirigentes perderam a estabilidade, Gilson também perdeu o emprego. Virou o diretor do Fundo de Greve.
Em 1982, Gilson foi eleito o primeiro prefeito petista do país, em Diadema, no ABC. Assumiu de 1983 a 1988. Durante seu governo, o PT montou um espécie de tropa de elite de partidários nas secretarias e departamentos.
Gilson deixou o cargo e, depois, deixou o PT. Voltou a ser prefeito de Diadema (1997-2000), já pelo PSB, depois de ser deputado estadual. Atualmente, é pré-candidato a vice-prefeito pelo PSC. O cabeça de chapa, Mário Reali, é do PT.
12/05/2008 - 08h00
Greves ajudaram na redemocratização do país
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KAREN CAMACHOEditora-assistente de Dinheiro da Folha Online
As reivindicações dos trabalhadores eram muitas, sociais, políticas e trabalhistas. Algumas foram atendidas, outras nunca saíram do papel. Bandeiras foram esquecidas. Mas uma contribuição daqueles movimentos é certa entre políticos e estudiosos: as greves e manifestações dos metalúrgicos do ABC, que começaram em 78 e se consolidaram no ano seguinte, ajudaram no processo de redemocratização do país, que seria concluído em 1984.
Para o sociólogo Francisco Weffort, ex-secretário-geral do PT (Partido dos Trabalhadores) e ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso, o movimento teve um peso importante no processo de redemocratização. "Logo a seguir [das greves de 78 e 79] veio o processo de reforma partidária, quando surge o PT. É um momento de recuperação do sistema partidário. Não é que a democracia dependa apenas disso, mas foi importante", afirmou.
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Lula discursa durante greve de metalúrgicos promovida 1979, em São Bernardo; veja fotos
O deputado federal Vicente de Paula da Silva, o Vicentinho, afirma que havia perseguição aos líderes sindicais pela ditadura militar, por questões políticas, e por parte das empresas, que tentavam impedir novas greves. "Muita gente foi presa, apanhou da polícia. A gente entrava com jornalzinho do sindicato escondido nas calças pra distribuir dentro das fábricas. Era tudo clandestino", lembra.
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), afirma que o contexto daquele ano de 1979 era de resistência e de reivindicação por espaço de negociação dos direitos trabalhistas. "Era também uma resistência ao regime autoritário, uma contestação."
Os líderes, acredita Ganz, tinham consciência das questões políticas envolvidas nas greves. "Até porque, o Estado proibia greve ou qualquer manifestação pública. Então os metalúrgicos sabiam que estavam contestando o regime".
Para ele, o clima em 1978 era de medo, mas a repressão já não era tão dura quando em 1968. "Se a greve da Scania fosse em 1968, provavelmente, o Gilson estaria no fundo mar", afirmou em alusão às suspeitas de que o regime militar desaparecia com os presos jogando seus corpos no mar.
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Assembléia no cine Piratininga para decidir sobre início de greve, em 29.out.1979
Para Weffort as duas épocas --a greve da Scania em 1978 e as greves de Osasco e Contagem, em 1968-- foram marcadas pela repressão da ditadura, mas admite que o pior período, depois do AI-5, já havia passado.
O início
Em 1968, trabalhadores de empresas de Contagem (MG) e de Osasco (na Grande SP) realizaram greves e manifestações por aumento salarial e contra a ditadura militar. O clima era afervorado pelas manifestações estudantis da época.
No 1º de Maio daquele ano, durante as comemorações do Dia do Trabalho, trabalhadores praticamente expulsaram o governador Abreu Sodré de evento na praça da Sé, no Centro de São Paulo, e incendiaram o palanque. O governador e outras autoridades teriam se refugiado na Cetedral da Sé.
Embora inflamados, os embates entre manifestantes e polícia só não se transformaram em carnificina porque Abreu Sodré não ordenou a repressão.
As greves de 1968 serviram como exemplo, para o bem e para o mal, para as paralisações que aconteceriam dez anos mais tarde, em 1978. Se os trabalhadores tinham o exemplo de que a categoria poderia se organizar, também se lembravam de como a ditadura poderia ser repressora.
12/05/2008 - 08h10
Movimento organiza sindicalismo, mas parte das bandeiras fica para trás
KAREN CAMACHOEditora-assistente de Dinheiro da Folha Online
As greves dos metalúrgicos do ABC de 1978, 1979 e 1980 resultaram no chamado novo sindicalismo. Os protestos, manifestações e discussões levantaram bandeiras que foram encampadas, defendidas, viraram grito de guerra. Trinta anos depois, algumas dessas pautas foram acatadas, como a recuperação dos salários e a redução da jornada de trabalho, outras, no entanto, ficaram nas faixas.
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem

Em evento da Scania, no ano passsado, Lula relembrou a greve realizada em 1978
Entre as principais queixas da época estava a autonomia e absoluta independência dos sindicatos, mantidos apenas pelas contribuições dos associados. "Alguns eram contra o imposto sindical, mas sempre mantiveram", critica o sociólogo Francisco Weffort., ex-secretário-geral do PT e ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso.
Para ele, os sindicatos ainda dependem do Estado. "[Após os movimentos] houve maior liberalização do movimento sindical dentro da estrutura corporativista do Estado", afirma.
O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, afirma que a figura do delegado sindical, que atuaria dentro das empresas, era outra reivindicação da época que nunca aconteceu.
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), afirma que ainda há mudanças a acontecer, mas que a relação trabalho/capital avançou muito. "Acabou de sair o reconhecimento das centrais. Mas é preciso modernizar os sindicatos e garantir o direito de organização sindical dentro das empresas", afirmou.
Em evento em São Bernardo, em 2007, o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos da época e atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ressaltou as transformações positivas. "De lá [greve de 1978] para cá, eu sou testemunha da evolução da relação capital/trabalho. Eu sou testemunha das conquistas que vocês [trabalhadores] obtiveram nessa relação."
12/05/2008 - 11h28
Greve de 78 teve "efeito detonador" para mobilizar o país, diz Lula
LETÍCIA SANDERda Folha de S.Paulo, em Brasília
Para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a greve que se iniciou em 12 de maio de 1978 teve um "efeito detonador extraordinário" de um processo de mobilização no país. Trinta anos depois, Lula afirma que, no "essencial", sua percepção sobre as greves não mudou.
"Se hoje o Brasil é o que é, se sou o que sou, devemos muito àquela companheirada", disse, em resposta por e-mail à Folha, enviado por sua assessoria.
Segundo o presidente, a greve permitiu que sua formação política não nascesse de um "aprendizado meramente intelectual", mas de uma elaboração a partir da "prática de luta".
Folha Imagem

Lula discursa durante greve de metalúrgicos promovida 1979, em São Bernardo; veja fotos
GREVE COMPREENDIDA"A greve da Scania tem que ser compreendida dentro de um contexto de lutas que não só o movimento sindical, mas toda a sociedade civil fazia naquele momento: nós lutávamos pela reposição salarial, quando tinha ficado claro que o governo havia praticado em 1977 um engodo em relação à inflação. Ao mesmo tempo, havia o movimento da Anistia, o movimento do Custo de Vida e tantas outras manifestações de resistência à ditadura e de conquista de direitos civis. Agora, é claro que a greve da Scania [...] teve um efeito detonador extraordinário... afinal, desde as grandes greves de Osasco e Contagem, não havia greves importantes no país."
MOBILIZAÇÃO"A greve da Scania desencadeou e estimulou um grande processo de mobilização [...] em todo o país, que se traduziu num crescimento dos movimentos e na ocorrência de greves importantes, em muitos Estados, nos anos seguintes, particularmente em 1979."
IMPACTO NA DITADURA"A greve e tudo o que ela desencadeou fez crescer o movimento contra a ditadura e mostrou aos cidadãos brasileiros que ela já não era imbatível, que seria possível destruí-la com forte mobilização popular."
FORMAÇÃO POLÍTICA"É desta rica convivência, e da reflexão que ela provocou em nós, do movimento sindical e do movimento popular, que cresceu nossa formação política. Veja bem, uma formação política que não nasceu de um aprendizado meramente intelectual, mas de uma elaboração a partir da prática de luta."
CRIAÇÃO DO PT"Daí para a criação do PT foi um passo: concluímos que não adiantava a gente ficar lutando contra a inflação, repondo perdas, ano a ano, correndo atrás do prejuízo. Era necessário mudar a política que concentrava renda, que impunha perdas enormes aos trabalhadores e permitia lucros sem limite ao empresariado, além de tolher a liberdade e os direitos mais elementares. Decidimos que precisávamos mudar a política do país, precisávamos governá-lo e para isso fundamos o PT."
GREVES, APÓS 30 ANOS"Eu diria que o essencial não mudou. A disposição, a vontade de mudar, de fazer justiça, de estimular a produção de riquezas no país e distribuir esta riqueza com justiça para todos é a mesma. Eu diria até que aumentou esta disposição [...] Confesso que minha grande alegria como presidente da República é ver o país crescendo da maneira como está crescendo [...] isso compensa todo o sofrimento, toda a angústia e o peso da responsabilidade que o cargo de presidente impõe [...] Quero finalizar prestando minha homenagem e reconhecimento emocionado a toda aquele peãozada que acreditou que era possível, foi para a luta, pagou preços duríssimos tantas vezes, mas venceu. Se hoje o Brasil é o que é, se sou o que sou, devemos muito àquela companheirada."
12/05/2008 - 09h37
Sindicalização cai pela metade depois da década de 80

KAREN CAMACHOEditora-assistente de Dinheiro da Folha Online
A taxa de sindicalização atual é quase metade da verificada na década de 1980. Nos anos 1990, chegou a ser ainda menor. A explicação, para alguns, foi o aumento do desemprego, que gerou apreensão entre os trabalhadores. Para outros, o sindicalismo enfraqueceu porque abandonou algumas bandeiras.
De acordo com o economista Marcio Pochmann, presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a taxa de sindicalização no Brasil era de 11% ao final do anos 1970. Na década de 1980, chegou a 32%, caiu para 15% na década de 1990 e, atualmente, está em 18%.
"Houve reestruturação da produção das empresas. O país mudou e diminuiu o poder sindical", explica Pochmann.
Para ele, no entanto, a taxa atual de 18% não pode ser analisada como um enfraquecimento dos sindicatos, porque a sindicalização está crescendo. "Há um descolamento de perfil entre os líderes sindicais e a base de trabalhadores, que hoje são mais jovens e com escolaridade maior", afirma.
Outro ponto defendido por Pochmann para justificar a queda nos trabalhadores sindicalizados é o desemprego, que atualmente apresenta taxas maiores.
Clemente Ganz Lúcio, diretor técnico do Dieese, também acredita que a queda na sindicalização pode ser explicada pela preocupação em perder o emprego. "Foram 15 anos de recessão, queda de salário e redução do emprego."
Para ele, essa apreensão sufoca a luta trabalhista e o envolvimento da base. "Na década de 1990, os trabalhadores tinham medo de greve ou manifestações porque sabiam que o facão podia passar por suas cabeças", diz.
Lucio e Pochmann defendem que o crescimento da economia e o aumento do emprego, aliados à estabilidade econômica, podem dar mais força aos sindicatos.
Já o sociólogo Francisco Weffort, ex-secretário geral do PT e ex-ministro da Cultura do governo Fernando Henrique Cardoso, acredita que os sindicatos abandonaram algumas bandeiras e causaram uma certa descrença no trabalhador.
"Naquele tempo [durante as greves do final dos anos 1970 e 1980], havia o sindicalismo combativo e o corporativista. Hoje nenhum é combativo. Eles dependem do Estado e fazem lobby, como qualquer outro setor da sociedade", afirma.
Weffort lembra que, tanto nas greves de 1968 como nas de 1978, a autonomia dos sindicatos era umas das bandeiras defendidas pelos líderes, mas hoje, mesmo no governo do PT, que se originou naqueles movimentos, o imposto sindical ainda vigora.
Menos greve
As paralisações atualmente também acontecem em número bem mais reduzido do que na década de 1980.
Ao final daquela década, os trabalhadores brasileiros chegaram a realizar 4.000 greves por ano, perdendo apenas para a Espanha.
Atualmente, o Brasil registra, em média, 500 greves por ano.
Entre as explicações para isso está a inflação. Nos anos 1980, com inflação de 30%, 40% e até 80% ao mês, os trabalhadores perdiam o poder de compra muito rápido.
Por isso, as reivindicações salariais chegavam a ser trimestrais.
Como a recuperação salarial sempre foi o ponto central das mobilizações trabalhistas, o sindicato parava na porta da fábrica, discurso, assembléia, e os funcionários cruzavam os braços.
Com a estabilidade econômica, o quadro mudou. Atualmente, com inflação de cerca de 4,5% ao ano, as negociações passaram a ser anuais.
Mudança de base
Outra característica do sindicalismo atual é a mudança no perfil do trabalhador, ou seja, de sua base, também em função das mudanças da economia e dos processos de produção.
Na década de 1980, a cada dez trabalhadores no país, entre cinco e seis estavam na indústria. Atualmente, menos de um terço continua nesta área enquanto que sete estão no setor de serviços.
Isso muda o perfil do trabalhador, dos meios de produção, da relação com o empregador e, naturalmente, as prioridades e as reivindicações.

12/05/2008 - 08h03
Leia o decreto de 1964, conhecido como lei antigreve
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da Folha Online
O direito de greve é uma garantia constitucional assegurada ao trabalhador. No entanto, em 1º de junho de 1964, decreto sancionado pelo presidente Castello Branco detalhou tanto as regras para a realização de greve, que na prática elas ficam proibidas. Se a ditadura impedia reuniões públicas, por exemplo, ficava impossível realizar uma simples assembléia. Confira, abaixo, a íntegra da lei número 4.330, que foi apelidada de "lei "antigreve".
*
LEI Nº 4.330 - DE 1 DE JUNHO DE 1964 - DOU DE 3/6/64
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
TITULO I
DO DIREITO DE GREVE
CAPÍTULO I
Conceito e extensão
Art. 1º O direito de greve, reconhecido pelo art. 158 da Constituição Federal, será exercido nos têrmos da presente lei.
Art. 2º Considerar-se-á exercício legislativo da greve a suspensão coletiva e temporária da prestação de serviços a empregador, por deliberação da assembléia geral de entidade sindical representativa da categoria profissional interessada na melhoria ou manutenção das condições de trabalho vigentes na emprêsa ou emprêsas correspondentes à categoria, total ou parcialmente, com a indicação prévia e por escrito das reivindicações formuladas pelos empregados, na forma e de acôrdo com as disposições previstas nesta lei.
Art. 3º Só poderão participar da greve as pessoas físicas que prestem serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência dêste e mediante salário.
Art. 4º A greve não pode ser exercida pelos funcionários e servidores da união, Estados, Territórios, Municípios e autarquias, salvo se se tratar de serviço industrial e o pessoal não receber remuneração fixada por lei ou estiver amparado pela legislação do trabalho.
Art. 5º O exercício do direito de greve deverá ser autorizado por decisão da assembléia geral da entidade sindical, que representar a categoria profissional dos associados, por 2/3 (dois têrços) em primeira convocação, e, por 1/3 (um têrço), em segunda convocação, em escrutínio secreto e por maioria de votos.
§ 1º A Assembléia Geral instalar-se-á e funcionará na sede do Sindicato ou no local designado pela Federação ou Confederação interessada, podendo, entretanto, reunir-se, simultaneamente, na sede das delegacias e seções dos Sindicatos (Consolidação das Leis do Trabalho, art. 517, § 2º), se sua base territorial fôr intermunicipal, estadual ou nacional.
§ 2º Entre a primeira e a segunda convocação deverá haver o interregno mínimo de 2 (dois) dias.
§ 3º O quorum de votação será de 1/8 (um oitavo) dos associados em segunda convocação, nas entidades sindicais que representem mais de 5.000 (cinco mil) profissionais da respectiva categoria.
CAPÍTULO II
Condições para o exercício do direito de greve
SEÇÃO I
Das Assembléias Gerais
Art. 6º A Assembléia Geral será convocada pela Diretoria da entidade sindical interessada, com a publicação de editais nos jornais do local da situação da emprêsa, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias.
§ 1º O edital de convocação conterá:
a) indicação de local, dia e hora para a realização da Assembléia Geral.
b) designação da ordem do dia, que será exclusivamente destinada à discussão das reivindicações e deliberação sôbre o movimento grevista.
§ 2º As decisões da Assembléia Geral serão adotadas com a utilização das cédulas "sim" e "não".
§ 3º A mesa apuradora será presidida por membro do Ministério Publico do Trabalho ou por pessoa de notória idoneidade, designada pelo Procurador-Geral do Trabalho ou Procuradores Regionais.
Art. 7º Apurada a votação e lavrada a ata, o Presidente da Assembléia providenciará a remessa de cópia autenticada do que foi deliberado pela maioria ao "Diretor do Departamento Nacional do Trabalho ou Delegado Regional do Trabalho".
Art. 8º É vedada pessoa físicas ou jurídicas, estranhas à entidade sindical, qualquer interferência na Assembléia Geral, salvo os delegados do Ministério do Trabalho e Previdência Social, especialmente designados pelo Ministro ou por quem o represente.
Art. 9º Não existindo Sindicato que represente categoria profissional, a Assembléia Geral será promovida pela Federação a quem se vincularia a entidade sindical ou, na hipótese de inexistência desta, pela correspondente Confederação.
Parágrafo único. Quando as reivindicações forem formuladas por empregados, ainda não representados por Sindicatos ou entidade sindical de grau superior, a Assembléia Geral será promovida pelo Diretor do Departamento Nacional do Trabalho, no Distrito Federal, e pelos Delegados Regionais dos Interessados.
SEÇÃO II
Das notificações
Art. 10. Aprovadas as reivindicações profissionais e autorizada a greve, a Diretoria da entidade sindical notificará o empregador, por escrito, assegurando-lhe o prazo de 5 (cinco) dias para a solução pleiteada pelos dias para a solução preiteada pelos empregados, sob pena de abstenção pacífica e temporária do trabalho, a partir do mês, dia e hora que nela mencionará, com o interregno mínimo de 5 (cinco) dias nas atividades acessórias e de 10 (dez) dias nas atividades fundamentais.
§ 1º A Diretoria enviará cópias autenticadas da notificação às autoridades mencionadas no art. 7º desta lei, a fim de que adotem providências para a manutenção da ordem, garantindo os empregados no exercício legítimo da greve e resguardando a emprêsa de quaisquer danos.
§ 2º Recebendo a comunicação prevista no parágrafo anterior, o Diretor do Departamento Nacional do Trabalho ou o Delegado Regional do Trabalho a transmitirá ao Ministério Público do Trabalho, que poderá suscitar, de ofício, dissídio coletivo para conhecimento das reivindicações formuladas pelos empregados, sem prejuízo da paralisação do trabalho.
SEÇÃO III
Da Conciliação
Art. 11. O Diretor do Departamento Nacional do Trabalho ou o Delegado Regional do Trabalho adotará tôdas as providências para efetivar a conciliação entre empregados e empregadores, com a assistência do Ministério Público do Trabalho ou do Ministérios Públicos local, onde não houver representante daquele, no prazo de 5 (cinco) dias, a partir da deliberação da Assembléia Geral, que tiver autorizado a greve.
CAPÍTULO III
Das atividades fundamentais
Art. 12. Consideram-se fundamentais as atividades nos serviços de água, energia, luz, gás, esgotos comunicações, transportes, carga ou descarga, serviço funerário, hospitais, maternidade, venda de gêneros alimentícios de primeira necessidade, farmácias e drogarias, hotéis e indústrias básicas ou essenciais à defesa nacional.
Parágrafo único. O Presidente da República, ouvidos os órgãos competentes, baixará, dentro especificando as indústrias básicas ou essências à defesa nacional, cuja revisão será permitida de 2 (dois) em 2 (dois) anos.
Art. 13. Nos transportes (terrestres, marítimo, fluvial e aéreo) a paralisação do trabalho em veículos em trânsito e dos respectivos serviços, só será permitida após a conclusão da viagem, nos pontos terminais.
Art. 14. Nas atividades fundamentais que não possam sofrer paralisação, as autoridades competentes farão guarnecer e funcionar os respectivos serviços.
Art. 15. A requerimento do empregador e por determinação do Tribunal do Trabalho competente, os grevistas organizarão turmas de emergências, com o pessoa estritamente necessário à conservação das máquinas e do título que, na emprêsa, exija assistência permanente, de modo a assegurar o reinicio dos trabalhos logo após o término da greve.
Art. 16. Será de 72 (setenta e duas) horas o pré-aviso para a deflagração da greve, nas atividades fundamentais e nas acessórias, quando motivada pela falta de pagamento de salário nos prazos previstos em lei ou pelo não cumprimento de decisão, proferida em dissídio coletivo, que tenha transitado em julgado.
CAPÍTULO IV
Do exercício do direito de greve
Art. 17. Decorridos os prazos previstos nesta lei, e sendo impossível a conciliação preconizada no art. 11, os empregados poderão abandonar pacificamente, o trabalho, desocupando o estabelecimento da emprêsa.
Parágrafo único. As autoridades garantirão livre acesso ao local de trabalho aos que queiram prosseguir na prestação de serviço.
Art. 8º Os grevistas não poderão praticar quaisquer atos de violência contra pessoas e bens (agressão, depredação, sabotagem, invasão do estabelecimento, insultos, afixação ou ostentação de cartazes ofensivos às autoridades ou ao empregador ou outros de igual natureza), sob pena de demissão, por falta grave, sem prejuízo da responsabilidade criminal, de acôrdo com a legislação vigente.
CAPÍTULO V
Das garantias dos grevistas
Art. 19. São garantias dos grevistas:
I - O aliciamento pacífico;
II - a coleta de donativos e o uso de cartazes de propaganda, pelos grevistas, desde que não ofensivos e estranhos às reivindicações da categoria profissional;
III - proibição de despedida de empregado que tenha participado pacificamente de movimentos grevistas;
IV - proibição, ao empregador, de admitir empregados em substituição aos grevistas.
Parágrafo único. Nos períodos de preparação, declaração e no curso da greve, só empregados que dela participarem não poderão sofrer constrangimento ou coação.
Art. 20. A greve licita não rescinde o contrato de trabalho, nem extingue os direitos e obrigações dêle resultantes.
Parágrafo único. A. greve suspende o contrato de trabalho, assegurando aos grevistas o pagamento dos salários durante o período da sua duração e o cômputo do tempo de paralisação como de trabalho efetivo, se deferidas, pelo empregador ou pela justiça do Trabalho, as reivindicações formuladas pelos empregados, total ou parcialmente.
Art. 21. Os membros da Diretoria da entidade sindical, representativa dos grevistas, não poderão ser presos ou ditados, salvo em flagrante delito ou em obediência a mandado judicial.
CAPÍTULO VI
Da ilegalidade da greve
Art. 22. A. greve será reputada ilegal:
I - Se não atendidos os prazos e as condições estabelecidas nesta lei;
II - Se tiver objeto reivindicações julgadas improcedentes pela justiça do Trabalho em decisão definitiva, há menos de 1 (um) ano;
III - Se deflagrada por motivos políticos, partidários, religiosos, sociais, de apoio ou solidariedade, sem quaisquer reivindicações que interessem, direta ou legitimamente, à categoria profissional;
IV - Se tiver por fim alterar condição constante de acôrdo sindical, convenção coletiva de trabalho ou decisão normativa da Justiça do Trabalho em vigor, salvo se tiverem sido modificadas substancialmente os fundamentos em que se apoiam.
TÍTULO II
DA INTERVENÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
CAPÍTULO I
Do dissídio coletivo
Art. 23. Caso não se efetive a conciliação prevista no art. 11, o Ministério Público do Trabalho ou o representante local do Ministério Público comunicará a ocorrência ao Presidente do respectivo Tribunal Regional do Trabalho, instaurando-se o dissídio coletivo, nos têrmos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.
CAPÍTULO II
Das revisões tarifárias e das majorações de preços
Art. 24. Sempre que o atendimento das reivindicações dos assalariados importar em revisão tarifárias e majorações de preços das utilidades, o Ministério Público do Trabalho promoverá a realização de perícia contábil para verificação da aplicação total dos aumentos obtidos nas majorações salariais e indicará ao Poder Executivo a redução dos aumentos excessivos, segundo o apurado pela perícia.
Parágrafo único. Não devem ser considerados os aumentos deferidos aos Diretores e auxiliares diretos da emprêsa os créditos de companhias subsidiárias ou a conversão da dívida em moeda estrangeira, com o propósito de reduzir os lucros e onerar a despesa.
CAPÍTULO III
Da cessação da greve
Art. 25. A. greve cessará:
I - por deliberação da maioria dos associados, em Assembléia Geral;
II - por conciliação;
III - por decisão adotada pela Justiça do Trabalho.
Art. 26. Cessada a greve, nenhuma penalidade poderá ser imposta pelo empregador ao empregado por motivo de participação pacífica na mesma.
TÍTULO III
DA INFRINGÊNCIA DISCIPLINAR E DA INFRAÇÃO ILEGAL
CAPÍTULO I
Das sanções disciplinares
Art. 27. Pelos excessos praticados e compreendidos no âmbito da disciplina do trabalho, os grevistas poderão ser punidos com:
a) advertência;
b) suspensão até 30 (trinta) dias;
c) rescisão do contrato de trabalho.
Parágrafo único. Se imputada ao empregado no decorrer da greve, a prática de ato de natureza penal, ao empregador será lícito suspende-lo até decisão final da justiça criminal. Se o empregado fôr absolvido, terá direito de optar pela volta ao emprêgo, com vantagens devidas, ou pela percepção, em dôbro dos salários correspondentes ao tempo da suspensão, sem prejuízo da indenização legal.
Art. 28. As penas impostas aos grevistas, nos têrmos do artigo 27, poderão ser examinadas e julgadas pela Justiça do Trabalho.
CAPÍTULO II
Dos crimes e das penas
Art. 29. Além dos previstos no TÍTULO IV da parte Especial do Código Penal, constituem crimes contra a organização do trabalho:
I - promover, participar o insuflar greve ou lock-out com desrespeito a esta lei;
II - incitar desrespeito à sentença normativa da Justiça do Trabalho que puser têrmo à greve ou obstar a sua execução;
III - deixar o empregador, maliciosamente, de cumprir decisões normativas da justiça do Trabalho, ou obstar a sua execução;
IV - iniciar à greve ou lock-out, ou aliciar participantes quando estranho à profissão ou atividades econômicas;
V - onerar a despesa com dívidas fictícias ou de qualquer modo alterar maliciosamente os lançamentos contábeis para obter majoração de tarifas ou preços;
VI - adicionar aos lucros ou fazer investimentos com os rendimentos obtidos com revisão tarifárias ou aumento de preços especificamente destinados a aumentos salariais de empregados;
VII - praticar coação para impedir ou exercer a greve;
PENA: Reclusão de 6 (seis) meses a 1 (um) ano e multa de Cr$5.000,00 (cinco mil cruzeiros) a Cr$10.000,00 (cem mil cruzeiros). Ao reincidente aplicar-se-á a penalidade em dôbro.
Parágrafo único. Os estrangeiros que infringirem as prescrições desta lei serão passíveis de expulsão do território nacional a juízo do Govêrno.
Art. 30. Aplicam-se no que couber, as disposições desta lei à paralisação da atividade da emprêsa por iniciativa do empregador (lock-out).
TÍTULO IV
DISPOSIÇÕES FINAIS
Art. 31. A. autoridade que impedir ou tentar impedir o legítimo exercício da greve será responsabilizada na forma da legislação em vigor.
Art. 32. Revogam-se as disposições em contrário, especialmente o Decreto-lei nº 9.070, de 15 de março de 1946.
Brasília, 1º de junho de 1964; 143º da Independência e 76º da República.
H. Castello BrancoArnaldo SussekindMilton Campos
11/05/2008 - 11h03
Militantes questionam rumos do sindicalismo 30 anos após greve
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LAURA CAPRIGLIONEda Folha de S.Paulo
Em 1978, uma greve que parecia amalucada, organizada em menos de uma semana na fábrica de ônibus e caminhões Scania-Vabis, em São Bernardo do Campo, alastrou-se por boa parte do ABC paulista. Questionou a legislação sindical então ultra-restritiva, ampliou o direito de greve, deixou perplexos os patrões e na defensiva a ditadura militar; construiu novos paradigmas para a ação dos sindicatos e projetou pela primeira vez o nome de Luiz Inácio da Silva, o Lula, para fora dos meios metalúrgicos. Trinta anos depois, alguns destacados militantes dessa jornada se perguntam: "Acabou?"
"É uma amargura ver como está o movimento sindical", diz o ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos Manuel Anisio Gomes, 63. "Hoje, até o próprio sindicato contrata serviço temporário de trabalhadores terceirizados. Muitos dirigentes sindicais aceitam precarizar o mercado de trabalho e negociar direitos que estão na CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] desde 1943. É uma tristeza para a gente", afirma Rubens Teodoro de Arruda, Rubão, 70, ex-vice-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema.
"Sempre fomos contra o imposto sindical porque achávamos que o sindicato deveria ser mantido pela contribuição voluntária dos associados. Agora, até a CUT [Central Única dos Trabalhadores], que era contra o imposto sindical, usa argumentos sem pé nem cabeça para defender que ele seja mantido. É muita contradição entre o discurso e a prática. Como você pode querer liberdade e autonomia sindical se você depende do imposto? Por que é que o dirigente vai fazer campanha de sindicalização se ele pode ficar esperando o dia de receber o dinheiro do imposto?", diz o ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos Djalma Bom, 69.
"Não existe mais solidariedade e companheirismo. O salário está difícil, o emprego está difícil. Todos contra todos, acaba essa confiança de um no outro, base da ação sindical", diz Isaias Urbano da Cunha, 68, ex-diretor do sindicato dos metalúrgicos de Santo André.
Manuel chorou. Djalma também. Isaias e João idem. Foi uma choradeira o encontro de dirigentes e militantes da greve de 78, que aconteceu na última quinta-feira em São Bernardo. Um dos participantes explicou a emotividade. Segundo ele, a greve de 78 exige muito da memória afetiva porque aqueles acontecimentos não podem ser resgatados a partir de fotos, hinos ou palavras de ordem.
Como o movimento grevista aconteceu dentro das fábricas, dele há poucos registros fotográficos e nada do charme "nouvelle vague" do maio de 68 francês, por exemplo. Também não houve hinos nem palavras de ordem. Aliás, uma marca original dessa greve foi o silêncio, conforme relata João de Oliveira da Silva, o "João Chapéu", 74, taxista agora, operário da Mercedes Benz há 30 anos:
"No dia 15 de maio, eu estava trabalhando normalmente, quando veio a notícia sussurrada: "Os tornos automáticos pararam". Saí da máquina para cumprimentar os companheiros. Quando voltei para a minha seção, que era a 21, bem no meio da fábrica, eu só ouvia o prrrrr-prrrrr-prrrrr --era uma máquina sendo desligada, depois outra e outra. Dali a pouco, silenciou a fábrica inteira. O encarregado-geral veio e falou: "Ninguém é contra greve nenhuma. Cada um fica sentado na sua máquina. E sem formar rodinha". Naquele silêncio, eu me sentia numa festa."
"Vamos fazer uma greve no fim desta semana?", assim começou a organização da greve na Scania. O autor da proposta foi Gilson Menezes, hoje com 58, que tinha acabado de ser empossado como diretor do sindicato, na chapa de Lula.
Segundo Gilson, se a greve fosse marcada para dali a 15 dias, a direção da empresa ficaria sabendo. No dia 12, nos ônibus que transportavam os operários para a fábrica, todos foram avisados: "Primeiro, vai parar a ferramentaria. O resto vai parando na seqüência".
Coincidentemente, a diretoria do sindicato tinha reunião marcada para o mesmo dia 12. Às 8h, Gilson deu fichas telefônicas a um outro operário e pediu-lhe que fosse a um orelhão ligar para o sindicato. "Fala que eu mandei avisar que a Scania está parada." "A diretoria vibrou. Teve até quem chorasse."
Segundo Manuel Anisio, a partir daí começou a pipocar greve em todos os lugares. A Volkswagen parou de produzir o Passat, sucesso da época. Durante nove dias, o Corcel parou de sair da fábrica da Ford. A reivindicação era 20% de aumento real, mas parou-se também por falta de papel higiênico, para conseguir os 15 minutos de café que as empresas não tinham, contra o cartão de ponto para registrar idas ao banheiro.
Em Santo André, vizinha a São Bernardo, as notícias da greve chegaram já na sexta-feira. Isaias se lembra de ter reagido mal à greve da Scania. "A gente achou aquilo uma loucura. Como? Vai fazer greve numa sexta-feira? Como é que segura no final de semana?" Mas eles conseguiram. Na segunda-feira, continuaram com a paralisação. "A gente não acreditava."
"Aí, umas meninas corajosas começaram a parar a seção de anéis da Cofap. Foi a nossa deixa. A gente chamava os homens de covardes. Graças às meninas dos anéis, todo mundo foi parando. Era dia 15 de maio."
"Meninas"
As "meninas" eram poucas na categoria (em São Bernardo, não superavam os 8% do total. Na diretoria do sindicato, era zero representante). Maria Teixeira Vilella, a Mana, 60, trabalhava no Comando de Diadema e era do sindicato quando ajudou o pessoal a parar fábricas pequenas e médias. Perdeu o emprego em 1980, após uma greve. Nunca mais foi aceita em nenhuma empresa. Tornou-se costureira. "Fico triste, porque a gente dá o sangue e depois as pessoas fingem que não conhecem. Sinto-me descartável. As mulheres que brigaram naquela época, como eram poucas, ficaram marcadas. Sou metalúrgica ferrada."
Os homens parecem mais aconchegados. "Se a gente sabia que um colega tinha ficado doente, ou estava numa pior, em meia hora corria uma lista dentro da fábrica para ajudar. Sempre tinha alguém que comprava o remédio e fazia a visita. Amigo de fábrica era melhor do que parente", diz Isaias.
Lula, que tinha tomado posse em 21/4/1978 para o novo mandato sindical, havia dito em seu discurso de posse que "os patrões e a Fiesp só ouviriam as vozes dos trabalhadores quando eles estivessem com os braços cruzados e as máquinas paradas".
Duas semanas depois das greves em 30 empresas, das quais participaram 50 mil operários de um total de 120 mil só em São Bernardo, a Lei de Greve tornara-se um trapo. Apesar da decretação da ilegalidade do movimento, o sindicato havia conseguido de várias empresas o aumento real de salários e o não-desconto dos dias parados. E agora? "Novas tecnologias, informática, telecomunicações, robotização e terceirização da mão-de-obra são a forma atual de exploração da classe trabalhadora. O sindicato que o Lula de então dizia que tinha de funcionar na porta de fábrica é mais necessário do que nunca", diz Djalma Bom. "Ainda posso lutar", diz Rubão.

Um comentário:

Anônimo disse...

eu n tive coragem de ler td isso quem teve?