terça-feira, 6 de maio de 2008

Ações afirmativas em três universidades

FONTE: http://revistapesquisa.fapesp.br/?art=4696&bd=2&pg=1&lg=

Notícias
Ações afirmativas em três universidades


Enquanto USP e Unicamp dão bônus no vestibular, Unifesp reserva cota de 10% das vagas
Fabrício Marques
Edição Online - 30/04/2008


Pesquisa FAPESP -
Um debate realizado na noite da segunda-feira (28/04), no teatro da Livraria Cultura, em São Paulo, revelou um saldo bastante favorável das experiências de ações afirmativas para ingresso nas universidades brasileiras. Enquanto a Universidade de São Paulo (USP) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) conseguiram ampliar o contingente de alunos socialmente desfavorecidos em seus quadros graças a esquemas de bônus na pontuação no vestibular, a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) aproveitou a ampliação das vagas oferecidas e do número de campi em cidades paulistas para reservar 10% das vagas para descendentes de negros e índios egressos de escolas públicas. A comparação dos resultados dos dois sistemas – bônus no vestibular, que apenas dão um empurrão em estudantes com boa classificação no concurso, e cotas, que garantem a entrada de um número fixo de alunos, mesmo que não tenham rendimento elevado – mostra que os beneficiados, salvo exceções pontuais, têm bom rendimento durante o curso e, em vários casos, até mesmo superam a performance dos demais colegas. Participaram do debate a pró-reitora de graduação da USP, Selma Garrido Pimenta, o coordenador-adjunto do vestibular da Unicamp, Renato Pedrosa, e o pró-reitor de graduação da Unifesp, Luiz Eugênio Mello. O debate foi um dos “Encontros com a Pesquisa”, parceria entre a revista Pesquisa FAPESP e a Livraria Cultura que promove todos os meses discussões acerca de temas abordados em reportagens da revista.
Para ler a reportagem que inspirou o debate, clique
aqui.
A professora Selma Garrido mostrou dados que evidenciam o bom desempenho dos alunos beneficiados pelo programa Inclusão Social na USP (Inclusp), que nos últimos três anos conferiu um bônus de 3% nas notas das duas fases do vestibular para candidatos que fizeram todo o ensino médio em escolas públicas. No desempenho geral dos alunos da instituição em 2007, os beneficiados pelo bônus tiveram nota média de 6,3, ante 6,2 dos demais. A boa performance é observada inclusive em cursos de alta demanda, como Direito e Medicina. Selma discorreu sobre a nova fase do programa. A partir deste ano, alunos de escolas públicas estaduais que participarem de uma avaliação seriada promovida pela USP e forem bem avaliados terão direito a mais 3% de bônus na nota do vestibular. Somados aos 3% de bônus universal concedidos a qualquer aluno de escola pública e a outros 6% dados a alunos de escolas públicas e privadas com boa classificação no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a soma de todos os bônus, para alunos de escolas públicas, poderá chegar a 12% das provas, o que promete ampliar ainda mais o seu ingresso na USP. Das matrículas feitas em 2007, 2.719 foram de alunos vindos do ensino público, o equivalente a 26,7% do total. O índice superou o dos últimos anos – em 2006 foi de 24,7%, o equivalente a 2.448 alunos. “Queremos romper com a auto-exclusão que os alunos de escolas públicas se impõem. Muitos deles nem sequer cogitam prestar o vestibular da USP porque não crêem que a universidade está ao alcance deles”, disse Selma.
O professor Renato Pedrosa, da Unicamp, apresentou uma série de dados recém-compilada, que mostra a evolução do desempenho dos estudantes que ingressaram no vestibular de 2005 da Unicamp – e já fizeram três anos de curso. Um dos destaques foi o de evasão. Entre os estudantes pelo programa de ação afirmativa que ingressaram em 2005, apenas 13% desistiram e deixaram a universidade – taxa idêntica à dos alunos que ingressaram sem ajuda do bônus na pontuação do vestibular. “Essa turma é muito boa porque, historicamente, a evasão dos alunos da Unicamp chega a até 22%”, diz Pedrosa, ressalvando que é preciso aguardar mais um tempo – a evasão também atinge alunos em final de curso – e avaliar o desempenho de outras turmas nos próximos anos para poder afirmar que se trata mesmo de uma tendência. Vistos sob diversos ângulos, como a escolaridade do pai e da mãe, a origem social ou ou a raça, os alunos beneficiados pelo programa que ingressaram em 2005 tiveram um desempenho crescente que acabou superando o dos demais colegas por volta do terceiro semestre do curso. E a distância entre os dois grupos, embora não seja grande, continua a crescer. A iniciativa da Unicamp, conhecida como Paais (Programa de Ação Afirmativa e Inclusão Social), desde 2004 passou a beneficiar com 30 pontos na nota do vestibular os egressos de escolas públicas e em mais 10 pontos os negros e índios. Tais bônus são aplicados sobre um referencial de cerca 500 pontos, atribuído à média do desempenho de todos os alunos em cada prova. Em 2005, primeiro ano de implantação do programa, a admissão na Unicamp de alunos oriundos de escolas públicas cresceu de 29,6% do total para 34,1%. O ingresso de negros e índios cresceu 44% em relação aos 2 anos anteriores, subindo de 10,9% para 15,7% do total – um índice, porém, ainda abaixo dos 23% de matriculados do ensino médio do estado de São Paulo que pertencem a essas etnias.
O professor Luiz Eugênio Mello expôs as primeiras avaliações do programa de cotas da Unifesp – 10% das 1.200 vagas oferecidas pela instituição destinam-se a descendentes de africanos e indígenas que freqüentaram escolas públicas. No caso da Unifesp, há exemplos de estudantes que, sem as cotas, jamais teriam ingressado na instituição, pois sua colocação no vestibular estava até 2 mil lugares distante dos ingressantes da lista geral do vestibular. Curiosamente, o desempenho desses estudantes ficou próximo dos demais na maioria dos cursos. Mas foram encontradas duas exceções importantes. Nos cursos de Engenharia Química e Ciência da Computação, alguns cotistas tiveram problemas e seus rendimentos ficaram aquém do restante das turmas. “São cursos que têm exigência elevada de conhecimentos em matemática. A dificuldade é fácil de entender quando se avaliam os dados do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo, o Saresp, segundo os quais pouco mais de 4% dos estudantes paulistas têm conhecimentos adequados ou avançados em matemática”, diz Luiz Eugênio. Nos últimos quatro anos, a Unifesp quadruplicou o número de vagas que oferece e criou campi em Guarulhos, na Baixada Santista, em Diadema e em São José dos Campos, que se somaram ao de São Paulo, cujo berço é a antiga Escola Paulista de Medicina.
Perguntas da platéia - Após as apresentações individuais, os três debatedores responderam a questões feitas pela platéia. Dois representantes do movimento negro interpelaram a pró-reitora da USP, Selma Garrido, sobre o programa Inclusp. Uma das indagações referia-se ao fato de a universidade buscar a inclusão social de estudantes de escolas públicas, mas não fazer qualquer tipo de recorte para negros – ao contrário do modelo de bônus adotado pela Unicamp e das cotas da Unifesp. A pró-reitora informou que o consenso possível obtido dentro da universidade ateve-se à inclusão de egressos das escolas públicas. Embora houvesse grupos dentro da USP que propusessem regimes de cotas, também havia outros contrários a qualquer tipo de benefício que fugisse da estrita avaliação de mérito feita pelo vestibular. “Estamos dando o passo possível neste momento. Pela primeira vez, a temática da inclusão social está sendo debatida na universidade. Estamos realizando um trabalho intenso para enraizarmos essa experiência, de modo que a USP possa dar passos adiantes”, disse Selma, acrescentando que o número de negros admitidos no vestibular vem crescendo e sofreu um impacto positivo com o bônus na pontuação para alunos de escolas públicas. “Não dá para falar que houve embranquecimento do nosso corpo discente”, disse Selma. A professora também respondeu a uma indagação sobre os cursos oferecidos pela USP Leste, campus criado na Zona Leste para atender ao público da região. Ela desmentiu a insinuação de que sejam oferecidos apenas cursos tecnológicos. “São cursos multidisciplinares avançados. Não podemos oferecer cursos como Medicina e Direito porque os estatutos da USP impedem que um mesmo curso seja oferecido na mesma cidade por unidades diferentes.”
Renato Pedrosa, da Unicamp, discorreu sobre as razões do bom desempenho dos alunos beneficiados por ações afirmativas. “Em geral, eles são um pouco mais velhos do que os outros alunos, trabalham e sabem que dificilmente terão outra oportunidade, então a agarram com entusiasmo”, afirmou. Ele observou, porém, que a ação afirmativa que teria maior impacto no ingresso de jovens desfavorecidos seria a ampliação da oferta de cursos noturnos. “O principal fator de exclusão da universidade é a necessidade de trabalhar. Isso se observa inclusive no ensino médio, onde alunos abandonam o curso em momentos de aquecimento da economia porque há a ampliação da oferta de emprego.”

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