FONTE: LISTA DE E-MAILS
Texto do professor Coggiola em resposta à reitora da USP e ao professor Gianotti.
Assunto: O INVERNO DE NOSSO DESCONTENTAMENTO
Na sua edição de 11 de junho, a página 3 da Folha de S. Paulo, chamada"Tendências & Debates", negou seu próprio nome, pois apresentou doisartigos da mesma tendência e, em conseqüência, nenhum debate. Os seusautores foram a Reitora da USP, Profa. Suely Vilela, e o professoremérito da FFLCH, José Arthur Giannotti. O tema: o conflito da USP e,em especial, os acontecimentos de 9 de junho.Para a Reitora, todo o problema reside em que "minorias radicaispretendem manter a universidade refém de suas idéias e métodos de açãopolítica, fazendo uso sistemático da violência para alcançar seusfins". O problema seria antigo, pois "há 20 anos um mesmo grupo demilitantes políticos profissionais domina alguns movimentos na USP". AReitora deve saber que, no Brasil ou na USP, a militância política nãoestá proibida; sua condenação dirigir-se-ia, portanto, ao"profissionalismo" da mesma, o que indicaria uma preferência sua peloamadorismo (seus três anos de gestão à frente da USP corroborariamplenamente essa suposição).O Prof. Giannotti reconhece a gravidade dos acontecimentos de 9 dejunho ("Felizmente só houve feridos", nos diz, o que significa,corretamente, que poderia ter havido mortes), e estende aculpabilidade pelos mesmos à "indiferença da maioria dos atores (que)termina criando espaço para os ditos "radicais"", ou seja, mesmo réu,mais cúmplices. A solução, para o autor, seria que os cúmplicesdeixassem de sê-lo, para "explorarem as ambigüidades da legislaçãovigente para mobilizar a sociedade civil visando forçar mudanças nasleis pelas leis", o que admite diversas interpretações, a mais óbviadas quais seria a de que os movimentos sindicais deveriam serliderados por juristas experts em ambigüidades legais. Piadas à parte,o Prof. Giannotti deve seguramente ignorar que essa "exploração"constitui o pão nosso de cada dia de cada professor, funcionário oualuno que se propõe, na USP ou na universidade pública, fazer algo amais do que obedecer a cartilha burocrático/privatis ta hegemônica.Condescendente, a Reitora admite que "tudo indica que, de modo geral,intelectuais e cientistas têm dificuldades em lidar com a violênciaquando esta se expressa no âmbito dos conflitos políticos e,especialmente, em eventos nos quais estamos diretamente envolvidos".Somos também informados que, felizmente, "alguns de nós se dedicam aoestudo da crescente violência na sociedade brasileira atual, eavançamos muito na compreensão desse fenômeno". Infelizmente,entretanto, não somos informados acerca da identidade desse grupo deestudiosos, e menos ainda de suas conclusões, que lhes permitiriam"lidar sem dificuldades" com a violência, o que poria o Brasil (e,especialmente, a USP) na vanguarda mundial da pesquisa a respeito. Sea ação da PM de 9 de junho foi produto desses "estudos" devemossuspeitar, porém, que eles não primam pela originalidade.Os acontecimentos de 9 de junho, segundo a Reitora, foram devidos aque "reduzido grupo de ativistas presentes na manifestação que sedesenvolvia pacificamente, decidiu partir para provocações seguidas doconfronto físico com os policiais", os quais, "provocados" (!),atacaram - com bombas de efeito moral, balas de borracha e cassetetes- o "reduzido grupo", os manifestantes todos, e toda pessoa ou coisaque se movimentasse, no percurso entre a rua Alvarenga e o prédio deHistória/Geografia, bastante longo. Para o Emérito Giannotti, "tendoos estudantes se associado a grupos baderneiros, não cabia à reitorachamar a polícia para garantir o patrimônio público?", premissa apartir da qual chegou-se a que quando "estudantes, funcionários eprofessores se manifestavam contra a presença da polícia no campus...alguns extravasaram os limites do bom senso, acuando a polícia, que,reforçada, reagiu com violência". Na mesma edição da Folha, a Profa.Maria Hermínia Tavares de Almeida, do Departamento de Ciência Políticada FFLCH, entrevistada, coincidiu: "Na televisão, parece que osmanifestantes foram atacados sem razão. Mas eles provocaram" (Informede dirigente do Sintusp à assembléia da Adusp afirmou que, aocontrário, as provocações partiram da PM, especificamente contra asmulheres manifestantes, provocações acompanhadas - detalhe para nadasecundário - da exibição de armas com poder letal).A certeza absoluta, bastante imprudente, da Reitora, do Emérito e daCientista, não revela, além disso, o teor das "provocações" que teriam"acuado" à PM (Teriam os manifestantes, ou um "grupo" deles, feitoperigosos gestos obscenos contra os policiais? Ou, talvez, gritado demodo ensurdecedor, ao ponto de seus insultos penetrarem capacetesespecialmente desenhados para impedir a passagem de altos decibéis?)nem estabelece qualquer (des)proporção entre a suposta "provocação" ea reação policial, tarefa que, no mesmo caderno da Folha, ficareservada para o Governador José Serra (a cada um sua tarefa), segundoo qual "a Polícia Militar não exagerou no confronto". (1)A Profa. Tavares de Almeida reconhece que "os salários da USP não sãoexcepcionalmente altos", pensando seguramente nos salários docentes.Os salários dos funcionários, com raras exceções, são simplesmentebaixos. Afirma, porém, que não se poderia "começar uma negociaçãosobre salário invadindo o prédio da direção da universidade" , o que éuma informação falsa. Na USP há 15.221 funcionáriostécnico-administrati vos, sem contar os aposentados (que também fazemparte da folha de pagamentos). Os salários dos docentes (5.434), emespecial em início de carreira, são também baixos, em relação àqualificação básica (doutorado).Poucas empresas ou indústrias do estado têm tal quantidade defuncionários, nenhuma os têm tão concentrados. Nessas condições, só sepoderia extirpar a luta de classes na universidade mediante o recursosistemático à polícia, ou governando sob Estado de Sítio, em nome,claro, da função precípua da universidade, produzir e transmitirconhecimento. É o sous-entendu de alguns discursos que parecem invejara "paz" da "uniberçydade pribada", com seus brilhantes dirigentes,elevado nível de ensino, pesquisa avançada e dotada de vastos recursos(extraídos dos lucros delirantes não-taxados das mantenedoras) ,democracia na discussão, e preocupação social (com as exceções depraxe).A Folha nos informa também que já temos, na USP, um certo CDIE(Comissão para a Defesa dos Interesses dos Estudantes), composto porestudantes de direito, economia e engenharia, que fez um abaixoassinado contra a greve (ou seja, não contra o piquete, ou qualqueroutra ação discutível, mas contra o direito elementar de uma categoriade trabalhadores se organizar em defesa própria), além de realizar,pelo que se sabe, outras ações bem menos pacíficas. Ou seja, que játeríamos um grupo com objetivos, e provavelmente métodos, de naturezafascista. A universidade seria, como outras vezes, um micro-cosmoantecipatório da sociedade em geral.Não houve nenhuma tentativa de invasão, logo de cara, na campanhasalarial (assim como não houve invasão pré-concebida dos estudantes em2007), mas só um piquete dos funcionários. Cabe supor que nossoscientistas políticos e eméritos não ignorem que, perto dos secondarypickets do movimento sindical inglês, ou dos históricos piquetesmóveis do movimento sindical norte-americano - dois países que osapóstolos da "excelência" e da "internacionalizaçã o" da USP não cansamde citar como exemplos - os piquetes do Sintusp parecem bailes deiniciantes na Ilha Porchat.A universidade pública não poderia deixar de ser palco dascontradições sociais gerais da sociedade, e de suas expressõespolíticas, a não ser que se pretenda (ilusoriamente) suprimi-lasmediante o tacão policial (suprimindo também, nesse caso, todo debateacadêmico ou científico, e matando com isso a produção e transmissãode conhecimento, crítico ou não - aliás, todo conhecimento é crítico).É por isso que ela só pode ser eficazmente administrada por um governooriundo da democracia em todos seus níveis de organização. O que osdetratores consideram a fraqueza da universidade pública (a expressãoaberta, social/sindical, política, ideológico/cientí fica, de seusconflitos internos) é justamente sua força, interna (para produzirconhecimento) e externa (para transformar a sociedade). Oautoritarismo só produz administrações incompetentes (sob pretexto de"eficiência") , ensino degradado (agora também "à distância") epseudo-conhecimento rotineiro, baseado na cultura do produtivismorelatorial - obsequioso.A democracia não suprime o conflito, nem o "institucionaliza" : fazdele a mola propulsora do progresso geral. O autoritarismo, aocontrário, o transforma no fator do impasse geral.O programa aprovado na assembléia da Adusp fixou os objetivos da lutaatual. Não estamos diante de um "conflito elementar" exagerado poradministradores incompetentes. O seu alcance é maior, é muito mais oque está em jogo, para a USP, para a universidade pública, para oBrasil.Osvaldo Coggiola(1)(1) P(1) Para que a obra de arte do Governador, da Reitora, doEmérito, da Cientista, e da Folha, ficasse completa, faltava, em nomeda "democracia" (diferente, claro, da "ditabranda" ), dar a palavra aalgum dissidente, no caso o professor, também emérito, Francisco(Chico) de Oliveira, quem afirma, em espaço menor, que o despreparo("ribeirãopretense" ) da Reitora transformou um "conflito elementar"num escândalo geral, devido à "decadência das instituições" (da USP):"Há uma crise geral de representatividade. O sindicato dosprofessores, por exemplo, é fraco. Não há com quem negociar". Chico éfavorável à renúncia da Reitora, e reconhece que o piquete dosfuncionários "é um direito".
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Um comentário:
O texto é bastante carregado de um marxismo vulgar, vazio. Defende a vitimização dos estudantes como se fossem uma "classe" blindada dentro de um redoma intocável, o campus, e que, portanto, não deve estar sujeita à coerção do Estado por meio da polícia.
Vocês querem subverter a "ordem burguesa"? Com métodos ludistas e um recorrente anacrosinsmo em suas análises fica patente a distorção com que tratam o termo democracia.
Uma boa dose de realismo e atenção ao tema da tolerância(coisa que alguns marxistas hegelianos lamentavelmente consideram mais um estratagema da ideologia) fariam com que tanto as condições de trabalho na USP quanto a propria relação entre os setores que a compõem melhorassem.
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