terça-feira, 16 de junho de 2009

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão do Conselho de Direitos Humanos

FONTE: http://www.info.planalto.gov.br/download/discursos/pr1293-2.doc

Discurso do Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão do Conselho de Direitos Humanos
Genebra-Suíça, 15 de junho de 2009



Senhoras e senhores,

É com grande satisfação que me dirijo ao Conselho de Direitos Humanos.
Gostaria de cumprimentar a Alta Comissária, Navanethem Pillay. O histórico da vida de Pillay é a maior prova de seu comprometimento com a causa dos direitos humanos. Em abril último, sua contribuição foi fundamental para o sucesso da Conferência de Revisão de Durban.
Senhor Presidente, tive a grande satisfação de recebê-lo em recente visita ao Brasil durante a assinatura, em Manaus, do compromisso “Mais Amazônia pela Cidadania”. Permita-me expressar a satisfação do governo brasileiro com o sucesso da primeira presidência africana do Conselho de Direitos Humanos sob sua sábia liderança. Ao longo de seu mandato, este Conselho fortaleceu-se em sua vocação para o diálogo, em seu compromisso com a universalidade de seus temas.
Senhor Presidente,
De certo modo, a luta pelos direitos humanos se confunde com a minha trajetória pessoal e política. (incompreensível)
Em sua curta e marcante gestão, Vieira de Mello defendeu um enfoque abrangente e equilibrado, que leva em consideração os princípios de universalidade, interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos.
A figura de Sérgio Vieira de Mello estará para sempre associada aos mais altos valores defendidos pelas Nações Unidas.
Senhor Presidente,
Sabemos que o tratamento dos direitos humanos é um dos principais desafios do sistema multilateral. A criação deste Conselho, para a qual o Brasil tanto contribuiu, representou avanço importante. Reflete a necessidade de substituir a dinâmica contraproducente de tempos passados por um ambiente de cooperação e convencimento.
Um de seus instrumentos inovadores é o Mecanismo de Revisão Periódica Universal. Ao garantir avaliação abrangente e transparente da situação de direitos humanos em todos os membros da ONU, o Mecanismo tornou o sistema mais racional e mais equilibrado.
O Brasil se orgulha de ter sido um dos primeiros países a apresentar seu relatório nesse novo modelo. O Conselho está mais apto a responder prontamente a situações que merecem atenção especial e urgente da comunidade internacional.
Estou certo de que a maior ênfase na cooperação produzirá resultados tangíveis. Uma agenda positiva é mais eficaz para melhorar as condições de vida da população afetada e prevenir novas e sistêmicas violações de direitos humanos.
Agradeço a forte aprovação deste Conselho à proposta brasileira sobre Metas Voluntárias em Direitos Humanos, como parte das comemorações dos 60 anos da Declaração Universal de 1948. Este documento é importante para a conjugação entre igualdade e liberdade em cada país, indispensável à conquista da paz entre os povos.
É fundamental estender a mão a governos nacionais e atraí-los para colaborar com a comunidade internacional de forma aberta e receptiva. Governos acuados tendem ao isolamento e ao radicalismo. Não interessa a ninguém um ambiente que incentiva o rancor e alimenta a intransigência. Este Conselho deve buscar no diálogo, e não na imposição, o caminho para fazer avançar a causa dos direitos humanos.
O Brasil trabalha para que este Conselho se afirme como uma instância universal, objetiva e cooperativa, à qual todos – governos, sociedade civil, indivíduos – possam recorrer para garantir que os direitos humanos sejam plenamente respeitados em todos os países.
A universalidade só tem consistência quando incorpora a diversidade e a pluralidade, respeitando diferentes costumes, tradições, visões científicas, racionalidades, crenças e pensamentos (incompreensível).
Senhor Presidente,
A realização dos direitos econômicos, sociais e culturais não é apenas essencial para garantir um padrão de vida digno a todos. Ela é, sobretudo, importante para preservar direitos civis e políticos, para consolidar o Estado de Direito e para construir sociedades democráticas justas e prósperas.
Acredito que o exemplo é a melhor forma de persuasão. É preciso passar das palavras às ações concretas. O Brasil investe na cooperação Sul-Sul como forma de promover os direitos humanos.
Em diversas regiões do continente africano, prestamos cooperação técnica na área de pesquisa agrícola com vistas a promover o direito à alimentação. Na área da saúde, estamos participando dos esforços para ampliar o acesso a medicamentos para Aids, por meio da construção de fábrica de antirretrovirais em Moçambique.
No Haiti, emprestamos um novo significado às operações de paz da ONU ao demonstrar que, para se obter a verdadeira paz, não basta combater a violência pela força das armas: deve-se, ao contrário, promover o desenvolvimento econômico e, com ele, a inclusão e justiça social. Na Palestina, além de importante contribuição financeira, estamos implementando, juntamente com a África do Sul e com a Índia, projeto de inclusão social em Ramalá.
Quero fazer um apelo à paz. Junto-me a outras vozes que vêm proclamando mudanças no Oriente Médio. Não podemos desperdiçar os novos ventos de mudanças.
Senhor Presidente,
Em momento de crise econômica mundial como o que vivemos precisamos, mais do que nunca, unir esforços. A atenção aos direitos humanos é parte indispensável de qualquer estratégia para superar os efeitos da crise mundial que eclodiu em setembro de 2008. Foi esse o espírito que animou o Brasil, juntamente com os companheiros africanos e com a Rússia, Índia e China, a promover Sessão Especial do Conselho sobre a dimensão humana da atual crise econômica e financeira.
No Brasil, a consolidação da democracia e a consagração dos direitos humanos avançam com o esforço do governo e a determinação da nossa sociedade. Desde 2003 definimos uma moldura institucional para tratar do tema dentro do governo. Conferimos status ministerial à Secretaria de Direitos Humanos e à Secretaria da Promoção da Igualdade Racial e à Secretaria de Políticas para as Mulheres.
Adotamos políticas econômicas e financeiras responsáveis, sem comprometer os investimentos na área social. O programa Fome Zero, por meio do Bolsa Família, assegura alimentação regular e adequada e já atinge 11 milhões de famílias pobres no Brasil. Ao longo dos últimos seis anos e meio, nos esforçamos para garantir emprego e renda para as pessoas. Reduzimos a desigualdade, diminuindo pela metade a pobreza extrema. Dez milhões de brasileiros saíram da miséria, 20 milhões migraram para a classe média. O salário mínimo real cresceu 65%. Criamos mais de 10 milhões de empregos formais. Foram medidas importantes e essenciais, mas ainda insuficientes para saldar o legado de desigualdades no meu país. Temos muito caminho pela frente.
Assinarei, em breve, um decreto presidencial instituindo o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, que o Brasil introduziu já em 1996, atendendo às recomendações da Conferência de Viena, de 1993. A terceira edição do Programa se baseia nas resoluções de uma ampla conferência nacional concluída em Brasília, em dezembro passado, envolvendo a participação direta de milhares de cidadãos. Incorpora, também, propostas aprovadas em 50 conferências nacionais que meu governo promoveu desde 2003, somando 4 milhões de pessoas num debate democrático sobre as políticas públicas que concretizam direitos humanos: da saúde à educação profissional, da diversidade sexual à segurança alimentar, do desenvolvimento agrário à proteção do meio ambiente.
Senhor Presidente,
Como governante de um país em desenvolvimento, espero que dessa crise possa emergir uma ordem internacional que recompense a produção e não a especulação, que respeite padrões ambientalmente viáveis, que faça do comércio internacional um instrumento do desenvolvimento, que apoie os esforços para combater a pobreza e os desequilíbrios que maculam o mundo hoje.
A crise financeira, que nasceu da desregulação das economias mais ricas, não será pretexto para incentivar o descumprimento das obrigações de cada Estado com a promoção e proteção dos direitos humanos. Tampouco deve conduzir a que sejam descumpridos compromissos com os mais necessitados.
O Congresso brasileiro acaba de aprovar, por iniciativa do Executivo, legislação que regulariza a situação de centenas de milhares de migrantes no País. O Brasil foi e continuará a ser um país aberto e solidário aos trabalhadores migrantes e suas famílias.
Apesar do empenho da comunidade internacional em eliminar todas as formas de intolerância, nossas sociedades continuam a testemunhar os flagelos causados pela discriminação.
Há menos de dois meses, na Conferência de Revisão de Durban, reafirmamos nosso compromisso coletivo de combater o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas correlatas de intolerância. Agora é preciso zelar pelo cumprimento dessas promessas. Não pode haver respeito integral aos direitos humanos em um mundo onde é crescente a desigualdade entre pessoas e entre nações. A reforma das instituições internacionais, com maior participação dos países em desenvolvimento em suas decisões, é essencial para assegurar uma governança mais justa e eficaz.
O mais importante é garantir que a dignidade dos seres humanos esteja sempre no centro das atenções e preocupações da comunidade internacional. Tenho certeza de que, com esse enfoque, será muito mais fácil promover uma cultura de respeito aos direitos humanos em todo o mundo.
Garantir e promover a paz é a razão de existir das Nações Unidas. Não haverá paz no mundo enquanto persistirem injustiças, desigualdades e intolerância. A tolerância está na base da verdadeira paz e concórdia, é a base para a efetiva realização de todos os direitos humanos.
Uma das maiores conquistas dos direitos humanos é a democracia, é a convivência democrática na diversidade. Ninguém precisa falar a mesma língua, ninguém precisa ter a mesma cor. Não precisam ter as mesmas idéias ou credos. Precisamos, sim, é de ter a grandeza de sentar em torno de uma mesa, discutir nossas propostas e fazer avançar nossas ideias.
Senhor Presidente,
Amigos e amigas aqui presentes,
Alta Comissária,

Eu queria dizer a vocês que é exatamente no lugar em que se discute direitos humanos que nós precisaríamos fazer uma discussão sobre a crise econômica mundial, suas causas e seus (incompreensível).
O que nós estamos percebendo é que, em vez de os países pobres ficarem reclamando dos efeitos da crise, nós temos a oportunidade, pela primeira vez de, junto com os países ricos, debatermos a crise com profundidade, as suas causas, os seus efeitos e as soluções para que a crise não repercuta mais fortemente na parte mais pobre da humanidade.
Essa crise traz um efeito perverso, sobretudo quando os imigrantes – sobretudo os pobres africanos, latino-americanos, asiáticos – que transitam pelo mundo à procura de oportunidade de trabalho, começam a ser enxergados como responsáveis por ocupar um lugar das pessoas filhas dos países.
Como disse em meu documento, no Brasil nós acabamos de legalizar centenas de milhares de imigrantes que viviam ilegalmente no País, para dar uma resposta, para dar um sinal aos preconceituosos, àqueles que imediatamente querem encontrar os responsáveis pela sua própria desgraça, pelo seu desemprego. E não são os imigrantes os responsáveis pela crise, não são os pobres do mundo [os] responsáveis pela crise. Os responsáveis pela crise são os mesmos que durante séculos sabiam como ensinar a administrar os Estados. Sabiam ter ingerência nos Estados pobres da América Latina e da África. E esses mesmos senhores, que sabiam de tudo há algum tempo, hoje não sabem mais nada. Não conseguem explicar como davam tantos palpites sobre as políticas dos países pobres e que não têm sequer uma palavra para analisar a crise dos países ricos.
Este é um momento em que os países pobres precisam fazer valer a soberania dos seus Estados. Os países não são respeitados porque são ricos. Os países não são respeitados porque têm alta tecnologia. Os países não são respeitados apenas porque têm um grande sistema de defesa. Os países são respeitados quando seus dirigentes se respeitam. Os países são respeitados quando seus dirigentes falarem [falam] exatamente aquilo que o povo deseja que eles falem. Não existe, na história da humanidade, nenhum interlocutor que respeite outro interlocutor que não se respeita.
A discussão econômica, neste momento, embora eu faça parte do G-20, exige a participação de todos os países do mundo. Disse ao secretário Ban Ki-Moon que a ONU deveria trazer para dentro das Nações Unidas o debate sobre as questões econômicas, para que pudéssemos ouvir o presidente Obama, para que pudéssemos ouvir o presidente Hu Jintao, mas que também pudéssemos ouvir os países menores do mundo. Porque, de forma direta ou indireta, todos estão sofrendo a consequência da irresponsabilidade de um sistema financeiro desregulado e que durante tanto tempo viveu da especulação e não da produção.
Nós não temos um momento mais importante do que este. Falo a vocês com a convicção de um país que foi o último a entrar na crise e será o primeiro a entrar [sair] na [da] crise, mas que estava vivendo um momento excepcional, como todos os países. A África está consolidando a sua democracia, na América Latina estamos consolidando a nossa democracia. E nós temos clareza que os princípios elementares dos direitos humanos é o direito de a pessoa [se] levantar de [pela] manhã e tomar um café, almoçar, jantar, ter acesso à cultura, ter acesso à educação. Não é mais aquele tempo em que direitos humanos era apenas o direito de nós gritarmos que queríamos (incompreensível).
Hoje, nós não queremos gritar. Nós queremos comer, queremos estudar, e queremos que o bolo da riqueza produzida no mundo seja distribuído de forma mais justa, mais solidária, para que a gente possa concretizar, definitivamente, os direitos humanos no planeta Terra.
Muito obrigado.

($211B)

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