quinta-feira, 4 de junho de 2009


FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0406200909.htm


São Paulo, quinta-feira, 04 de junho de 2009
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TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação básica: qualificação ou "burnout"?
RUDÁ RICCI
É preciso afastar as opiniões que são meros palpites. A Reorganizar o tempo e as condições de trabalho é a pauta urgente na educação
ALGUMAS OPINIÕES divulgadas largamente na grande imprensa criam a falsa impressão (para os leitores, já que pesquisas recentes indicam que a grande maioria dos brasileiros não compartilha dessa análise) de que o problema central da educação básica é a baixa qualificação dos professores. Esquecem-se dos milhões de dólares investidos nos anos 90 a partir de acordos com o Banco Mundial, carreados para amplos programas de qualificação desses educadores. Os recursos não foram poucos, oscilando ao redor de US$ 100 milhões em programas estaduais que deslocaram professores para uma imersão em longas programações que ocorreram em hotéis confortáveis sob a orientação de consultorias particulares, como foi o caso na reforma educacional no Espírito Santo, para citar um exemplo. Para quem não vive o cotidiano das escolas públicas de ensino básico, o problema central não aparece: a total falta de tempo e a sobrecarga de trabalho dos professores. Os professores de ensino básico não têm tempo para se prepararem ou acolher os novos projetos que os transformam em meros executores. A qualificação, então, surge como saída fácil, assim como a premiação por desempenho de alunos. Carta que a professora Áurea Regina Damasceno enviou recentemente à secretária municipal de Educação de Belo Horizonte insurge-se contra esses palpites porque revela o cotidiano das salas de aula. Por esse motivo, já está se tornando um best-seller na internet. A seguir, reproduzo uma passagem dessa carta. "Hoje, dia 19 de março de 2009, vou mais um dia para a escola, (...) busco entusiasmo não sei onde, entro para a sala de aula e inicio repetindo o que tenho falado com os alunos desde o primeiro dia de aula: coloquem o material escolar sobre a mesa e guardem a mochila debaixo da carteira ou dependurada no encosto da cadeira (muitos se deitam, durante a aula, na mochila para dormir ou se escondem atrás dela para dar gritos ensurdecedores sem motivo algum ou para atirar bolinhas de papel enfiadas no corpo das canetas esferográficas). Essa atividade demanda mais ou menos uns 20 minutos, pois metade da sala não ouve ou finge que não ouve, continua a correr pela sala, está virada para trás conversando, está subindo nas bancadas sobre as janelas e de lá pulando de cadeira em cadeira e outros tantos estão a olhar no vazio, sem nada fazer." A professora Áurea é doutora em educação pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). A carta continua e parece o roteiro do filme "Entre os Muros da Escola" (2008), de Laurent Cantet. Recentemente, o Sinesp patrocinou uma pesquisa com diretores e especialistas da rede de ensino municipal da capital paulista. Para a maioria, os principais problemas relacionados às condições de trabalho são: acúmulo de funções, demanda burocrática e falta de equipamentos. É recorrente a crítica às demandas sempre urgentes, sem planejamento ou repetidas que os órgãos superiores do sistema educacional impõem regularmente. O principal problema de saúde apontado (31% das respostas) é estresse e depressão. A situação se reproduz em diversas outras pesquisas realizadas pelo país. O SindUTE-MG realizou em Minas Gerais pesquisa com professores da rede estadual de ensino básico e constatou o mesmo que em São Paulo. O nome desse fenômeno é síndrome de "burnout". Originário do inglês "burn out" [queimar-se no fogo], significa a síndrome da estafa profissional. Ela foi descrita pela primeira vez pelo psicólogo H. J. Freudenberger, em 1974, para descrever um sentimento de fracasso e exaustão. Essa síndrome constitui um quadro bem definido, caracterizado por exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal. A exaustão emocional representa o esgotamento dos recursos emocionais do indivíduo. A UnB (Universidade de Brasília) já constatou esse fenômeno que acomete professores do ensino básico do nosso país. Assim, parece urgente um mergulho no mundo real da educação básica para que afastemos opiniões que não conseguem ser algo mais que meros palpites, sem base científica. A carta da professora Áurea revela que, mesmo sendo doutora, não tem as condições mínimas para fazer valer esse título. A reorganização do tempo e das condições básicas de trabalho é a pauta urgente do momento. Menos turmas por professor, apoio multidisciplinar e tempo para se recompor num trabalho tão intenso é o mínimo que se pode exigir. RUDÁ RICCI, sociólogo, doutor em ciências sociais, é consultor do SindUTE-MG (Sindicato Único dos Trabalhadores em Educação de Minas Gerais) e do Sinesp (Sindicato dos Especialistas de Educação do Ensino Público Municipal de São Paulo).
rudaricci.blogspot.com

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