sexta-feira, 4 de abril de 2008

FICHA DE LEITURA DO PREFÁCIO DE FERNANDO GASPARIAN AO LIVRO Política energética e crise de desenvolvimento a antevisão de Catullo Branco

BRANCO, Adriano Murgel (org.) Política energética e crise de desenvolvimento a antevisão de Catullo Branco. São Paulo: Paz e Terra, 2002.
Prefácio
Fernando Gasparian


p. 11

“Ao colher esse conjunto de informações e depoimentos, eu próprio, ainda estudante de engenharia civil e eletricista, fui recordando e até melhor compreendendo coisas que ouvi, desde o tempo em que presidi a União Estadual de Estudantes, em São Paulo (1952), de personagens importantes da política nacional, como o general Juarez Távora, o presidente João Goulart, entre outros.
No ano de 1952 a UEE organizou a Semana de Energia Elétrica, que se realizou em São Paulo entre os dias 11 e 19 de setembro. Para oferecer uma visão clara e independente acerca da grave crise no setor, vivida entre 1949 e 1953 e que dera origem a um dos mais sérios racionamentos de energia elétrica, foram convidados expoentes da administração pública do Estado, representantes do Grupo Light e homens públicos da dimensão do deputado federal Euzébio Rocha e do general Juarez Távora, dentre outros. Esses expositores enfrentaram um aguerrido auditório, composto por estudantes e personalidades como o deputado estadual Jaurés Guizard, o eng. Catullo Branco, vários diretores do Grupo Light e outros mais.
Para se ter idéia da dimensão da crise, basta recordar que, somente em 1951, a Light fora objeto de mais de 26 discursos no Senado, Câmara Federal, Assembléia Legislativa de São Paulo e Câmara Municipal da Capital. Em 1952, Jaurés Guizard apresentou projeto de encampação da Light, subscrito por mais 10 deputados estaduais.
Do desenrolar dessa Semana, dá conta minuciosamente o documento História e energia – estatização e privatização, de 1997, do departamento de ...

p. 12

... Patrimônjio Histórico da Eletropaulo. De todo o (...)

a) mostrou as diferentes posições existentes quanto à intervenção do Estado na produção de energia elétrica;
b) revelou à opinião pública que a CPI de 1948 não havia resolvido, de maneira satisfatória, as acusações à Light;
c) demonstrou como a Light conseguia manobrar o Congresso Nacional e o Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica;
d) denunciou como a empresa impedira a construção da Usina de Salto e continuava impedindo outras iniciativas que contrariassem seus interesses;
e) esclareceu a responsabilidade da Light na crise de racionamento;
f) revelou o aparente descaso da empresa quanto a uma solução global e de planejamento integrado para o Vale da Paraíba : isto era incompatível com o exclusivismo dos interesses da Light sobre os interesses nacionais.

Ao longo das discussões se demonstrou o favorecimento do governo federal à Light, representado pelo pedido de financiamento de 90 milhões de dólares ao BIRD, para repassá-lo à Concessionária que, nem por isso, conseguiu superar a crise. Por outro lado, ficou demonstrado que a Light, que desde 1921 possuía estudos sobre o grande potencial disponível para a construção da Usina de Caraguatatuba, em região de sua concessão desde 1926, nada fez para implantá-la e, quando o Estado decidiu fazê-lo, ela o impediu por todos os modos, contando com o apoio do Conselho Nacional de Águas e Energia Elétrica”.

p. 14

“É inevitável, diante desses fatos, recordar tudo aquilo que se discutiu na Semana de Energia Elétrica de 1952. parece se reproduzirem as injunções políticas que sempre favoreceram concessionários privados de serviços públicos, especialmente os de origem estrangeira, em detrimento do interesse nacional. Eu presidi todos os debates daquela Semana, apreendendo com clareza os solertes movimentos ocorridos nos corredores do Poder, que beneficiaram interesses privados e levaram o País à crise. Ouvi Catullo Branco, citando o Diário Oficial da União, de 8/2/52, referir-se ao grave relatório da CPI conduzida pelos renomados deputados Afonso Arinos, Armando Fontes e Gustavo Capanema, comprovando as acusações então formuladas por Juarez Távora ao Grupo Light. Mas ouvi também o próprio Juarez Távora citar Assis Chateaubriand, que dizia ser o Código de Águas “uma obra prima da imbecilidade humana”. Juarez discordava dele, mas esqueceu-se de dizer dos inúmeros “favores” que o grande chantagista Assis Chateaubriand recebia da Light para valorizar esse seu comportamento anti-nacional”.

Todos ouvimos, alto e bom som, o general Távora afirmar: “Para muitas de suas obras, a Light tem três orçamentos: um que indica o valor das obras; outro que inclui a comissão dos dirigentes; um terceiro, bem mais alto, que é o apresentado ao governo”. Recordo esse depoimento ao ver que, meio séculoi após essa advertência, o Brasil selecionou, para entregar algumas de suas concessões, subsidiárias da ENRON, que acaba de ser objeto da maior falência da história econômica dos Estados Unidos, acompanhada de manipulações contábeis gigantescas, acobertadas por uma desonesta auditoria, a cargo de Arthur Andersen que, além de praticar grave crime de responsabilidade, queimou os documentos que comprovavam as principais fraudes praticadas”.

p. 15

“Eu ouvi ainda o general Juarez Távora mencionar em plenário que forças contrárias ao desenvolvimento do Brasil retardaram, por décadas, as sondagens de petróleo no Reconcâvo Baiano.
Juarez Távora era um patriota. Mas às vezes mostrava-se cauteloso, não contando tudo o que sabia. Todavia, durante a Semana de Energia Elétrica eu pude ouvi-lo nos bastidores quando revelou episódios em que o Grupo Light cooptou deputados federais nas votações de seu interesse, fazendo com que, dentre outras coisas, a CPI que investigava as suas ações, no Brasil, desse em nada (ou “acabasse em pizza”, como se diz hoje”)”.

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