terça-feira, 8 de abril de 2008

DEPOIMENTO DE PEDRO EUGÊNIO DE CASTRO TOLEDO CABRAL

UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
Projeto “O debate da relação educação e sociedade nas tradicionais escolas de Engenharia de Ouro Preto e Recife”


DEPOIMENTO DE PEDRO EUGÊNIO DE CASTRO TOLEDO CABRAL


ENTREVISTADOR: OTÁVIO LUIZ MACHADO
DEPOENTE: PEDRO EUGÊNIO DE CASTRO TOLEDO CABRAL
LOCAL: RECIFE – PE
DATA: 23/03/2005


OTÁVIO: Estamos no dia 25 de março de 2005 aqui em Recife para uma entrevista com Pedro Eugênio. Primeiramente vou pegar seus dados pessoais. Qual seu nome completo?

PEDRO EUGÊNIO: Pedro Eugênio de Castro Toledo Cabral.

OTÁVIO: e a data de nascimento?

PEDRO EUGÊNIO: 29 de Março de 1949.

OTÁVIO: qual sua profissão?

PEDRO EUGÊNIO: sou economista. E Professor concursado de Economia do Departamento de Economia da UFPE. Atualmente exerço a função de Diretor de Gestão e Desenvolvimento do Banco do Nordeste do Brasil (BNB).

OTÁVIO: qual sua cidade natal?

PEDRO EUGÊNIO: Recife, Pernambuco.

OTÁVIO: e sua origem familiar? O que seus pais faziam?

PEDRO EUGÊNIO: meu pai faleceu em 1963. Ele era militar aposentado. Era coronel do Exército reformado. E na época do seu falecimento ainda era advogado e militante do fórum do Recife. Era paranaense de nascimento, mas oriundo de uma família alagoana. Minha mãe era Gerardina de Castro Toledo Cabral, a Nadina, como era chamada. Faleceu recentemente. Na época era dona de casa, mas era uma professora que não mais exercia a profissão, pois tinha que dar duro com meu pai. Era mineira de São João Del Rei.

OTÁVIO: enquanto estudante militou em grupos dentro ou fora da universidade?

PEDRO EUGÊNIO: Na universidade, quando eu ingressei em Engenharia. Na realidade eu fiz vestibular em 1968, no final de 68. E ingressei na universidade em 69. Simultaneamente na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), no curso de Economia, e na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), no curso de Engenharia. E passei a cursar os dois cursos: Engenharia pela manhã e tarde, e Economia na Católica à noite. Naquela ocasião, assim que eu ingressei na universidade, eu procurei amigos meus do período secundarista, já que tinha estado fora do Estado, no exterior, entre 67 e 68, por conta de uma bolsa que eu ganhei para estudar naqueles programas de intercâmbio cultural, que era um intercâmbio com os Estados Unidos. Passei um ano fora. E quando saí do Brasil – vou fazer uma digressão rápida pra contextualizar –em fins de 67, saí justamente para ir para esse intercâmbio. Eu cursava o segundo ano ginasial no Colégio Militar, onde eu estudava. Aliás, o segundo ano científico eu estudava no Colégio Militar, tinha feito todo o ginásio no colégio Militar, desde, se não me engano, 61 ou 62, que foi o período quando eu ingressei no colégio militar. De modo que nesse período de 67 e 68, que já era o período de efervescência do movimento estudantil, eu não tive participação nenhuma no movimento estudantil devido ao fato de que, estando no Colégio Militar, a inserção dos alunos nesse processo era praticamente nula. Havia um movimento cultural lá dentro do colégio, mas as pessoas não tinham participação nenhuma no movimento estudantil. Eu retornei ao Brasil um ano depois. Foi justamente no período da minha ausência que o movimento estudantil e o movimento da sociedade em geral – mais muito fortemente o movimento estudantil – tinham um acesso muito grande, com muitas manifestações de ruas, como todos sabem, que vem caracterizar o ano de 68. E ao retornar, em junho ou julho de 68, eu passei a atender um cursinho pré-vestibular no Colégio Nóbrega. E revendo uns colegas meus do Colégio Militar, encontrei-os já fora do Colégio, pois tinham saído pra se preparar para o vestibular no último ano, mas tinham também muitos deles engajados no movimento estudantil e já me chamavam pra reunião. Só que eu como estava defasado por ter passado um ano fora decidi dá um tempo esperando o vestibular. Quer dizer, eu não tive nenhuma participação, porque o objetivo principal era me dedicar fortemente ao vestibular com o intuito de entrar na universidade. Nesse período eu tive apenas uma rápida atuação em 68, quando me juntei a uns colegas pra fazer a segurança de um colega nosso que era da UEP (União dos Estudantes de Pernambuco) num comício relâmpago que foi feito na Faculdade de Medicina. Eu dei apoio nisso aí com outros colegas, mas sem significação, ou seja, sem estar engajado de forma sistemática em qualquer atividade.

OTÁVIO: quem foi esse candidato que estava à frente da UEP?

PEDRO EUGÊNIO: foi o (João Roberto) Peixe. Ele foi a pessoa que estava a frente da UEP. Eu não sei se era na Presidência da entidade. Foi mais ou menos na época do atentado a Cândido. Eu acredito que o Peixe já estava lá por conta disso. Foi num comício lá em Medicina, justamente naquele hall grande da faculdade de medicina bem ali na entrada. Bem, depois disso então eu - essa foi a única participação que eu tive nesse período – tinha passado no vestibular quando, logo no primeiro dia do 477 - no início de 69 -, foi fechado um DA (Diretório Acadêmico) da Católica. Na Escola de Engenharia (da UFPE), os DA’s foram fechados, também Os DA’s ativos de Pernambuco foram fechados, com exceção de Arquitetura e de Geologia, que não sofreram intervenção. Mas não eram DA’s tão ativos. Na Católica chegou até a ocorrer a disjunção física por tratores dos locais que funcionavam os diretórios acadêmicos das diversas faculdades que lá existiam. Então, na Engenharia, quando eu voltei, já encontrei esse clima de desarticulação ou de ofensiva do governo, dada com medidas repressivas pelo 477. É nesse processo aí houve uma procura minha pelos colegas que eu conhecia. Assim que eu entrei após passar no vestibular, acho que mesmo antes das aulas começarem, eu procurei alguns colegas que me apresentaram colegas que faziam parte do movimento estudantil em Engenharia. Mas já na primeira aula não havia mais diretórios acadêmicos. O Diretório estava suspenso. E aí eu comecei a participar de algumas reuniões, pois eu entendi e sabia que eram reuniões do movimento estudantil. Portanto eram reuniões clandestinas, porque naquela altura com o 477 e o fechamento do DA, supunha que qualquer tipo ou nível de organização que fosse – até uma simples reunião – tinha que ocorrer de forma clandestina, pois eram ilegais. Nós fazíamos – comecei a participar de um grupo que se reunia em engenharia – reuniões para discutir questões da universidade ou questões mais gerais. Esse grupo se revelou mais adiante para mim como um grupo na realidade do PCBR, o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, que tinha na universidade uma atuação através de um movimento chamado “Integração e luta”. Foi algo assim que aconteceu simultaneamente. A partir do meu atendimento a essas reuniões eu me tornei simultaneamente um participante do movimento estudantil através da “Integração e Luta”. Na prática, um membro do PCBR. Embora as condições ilegais de atuação das organizações que contestavam o regime naquela época impusessem uma informalidade nessas relações, não houve nenhum momento de filiação a esse ou aquele partido. Era um processo que se dava, digamos assim, a partir do engajamento no dia-a-dia dessas reuniões e discussões. Mas eu passei atuar e a atender a essas reuniões do partido muito focado especificamente na questão estudantil.

OTÁVIO: Como ficou o movimento estudantil da Engenharia da UFPE após o fechamento do D.A.?

PEDRO EUGÊNIO: Nesse momento o DA à medida que a direção ficou numa posição e os estudantes ficaram em outra, isso determinou um isolamento muito grande do DA. E assim o movimento estudantil praticamente desapareceu na faculdade de engenharia, que tinha tradição de luta. Então houve um esvaziamento muito grande e, a partir daí, todo o processo passou a se resumir a um grupo pequeno de estudantes que se reuniam clandestinamente e distribuíam alguns panfletos em alguns momentos de denúncia ou coisa desse tipo. Ou pichando paredes ou fazendo a campanha do voto nulo. Mas a coisa do dia-a-dia do movimento estudantil praticamente desapareceu.

OTÁVIO: agora você é daquela visão que o DA radicalizou ao invés de pisar no acelerador? Ele radicalizou naquele momento?

PEDRO EUGÊNIO: não. O protesto foi liderado claramente pelo DA. O DA teve uma posição de liderança consciente nesse protesto. Eu participei pouco desse momento. Mas comecei a me envolver em reuniões, porque a minha participação foi depois disso tudo. Então naquele momento eu tinha acabado de entrar na faculdade e estava ali no meio como mais um estudante participando de reunião específica, mas sem estar ligado a nenhum grupo. Eu não estava engajado no movimento naquele momento exato, embora estivesse refazendo meus contatos. E só depois quando tinha havido todo um processo de fechamento, de refluxo do DA e tudo mais que eu participei. A minha leitura é leitura de fora do ponto de vista de quem não estava no centro do DA, não era do DA e não participava. A visão que eu tenho é de que foi um processo muito maior. E o D.A. que vinha muito combativo e atuante, ficava difícil não tomar uma posição forte em relação aos acontecimentos. Talvez naquele momento da justificativa a um inquérito da Diretoria, o D.A. pudesse ter ele próprio encaminhado uma justificativa aparentemente não política pra poder driblar. Mas na realidade o diretor estava jogando e estava fazendo política. O diretor estava criando uma oportunidade de saída pra todo mundo, inclusive que livrasse também a posição dele e ao mesmo que desse uma oportunidade para os estudantes. Mas a leitura que o DA teve é de que seria um ato para desmoralizar o DA. E convenhamos, para quem via a liderança num processo crescente de mobilização e até de radicalização eu acho que seria pedir muito para parar. Inclusive no contexto do país em que os partidos políticos que estavam na clandestinidade todos eles faziam oposição, com exceção da ala do PMDB, que fazia – como se dizia na época – uma oposição consentida. Os demais grupos praticavam e atuavam na clandestinidade. E tendiam cada vez mais para um caminho de radicalização. É praticamente impossível imaginar que naquele momento do DA surgisse uma posição de amadurecimento político capaz de manter a liderança ao mesmo tempo firme e conciliadora, não é? Se o D.A. fizesse ou não uma aliança com o diretor – que era visto naquela época como preposto da ditadura – poderíamos de toda forma imaginar que o DA cometeu um erro. Se houve um erro aí foi o grande erro da tragédia brasileira que foi a ditadura militar. Então eu acho o que o pessoal do DA fez foi conseqüência inevitável do processo que eles vinham enfrentando, que não tinha muita saída. A possível posição politicamente correta que o DA poderia ter tido era ele próprio ter encaminhado essa posição com uma justificativa mais ampla, menos política e sem se isolar. Mas de qualquer forma a intervenção já estava decidida. Só faltava justificar.

OTÁVIO: o PCBR iniciou uma mobilização paralela ali pra tentar encaminhar uma luta?

PEDRO EUGÊNIO: É. Nesse movimento ele procurava se recompor também dentro do movimento estudantil. Eu passei a integrar um núcleo de organização do PCBR nesse período. Eu fiquei fazendo esse papel dentro do partido, mas atuando no movimento estudantil como um todo. Nas faculdades eu ia a muitas reuniões, como na Arquitetura e na Geologia, que eram os D.As que permaneceram funcionando. Atuávamos juntos com a AP da Universidade Rural. E eventualmente fazíamos reuniões conjuntas para uma campanha conjunta. Também foi um momento de muita falta de alternativa ao realizarmos campanhas ou mobilizações abertas. Então se fazia um comício relâmpago aqui ou uma panfletagem ou pichação acolá, que eram essas as manifestações que nós dedicávamos algum tempo pra organizar para procurar também juntar alguns companheiros que atuavam. Buscávamos atrair nossos colegas estudantes para discussões políticas internas.

OTÁVIO: e essa prisão do sua com o pessoal do PCBR?

PEDRO EUGÊNIO: Foi no começo de 72. Houve um desastre automobilístico e a polícia ostensivamente começasse a atuar no caso. E a investigação tomou curso. Aí começaram a fazer prisões no movimento estudantil e eu saí de casa. Fiquei na casa de um amigo meu chamado Ivanildo lá em peixinhos. Fiquei escondido lá mais depois de algum tempo a polícia descobriu que eu estava lá, cercou a casa e me prendeu. A polícia não sabia direito quem eu era, nem sabia o papel que eu exercia dentro do partido. Na realidade a polícia queria desbaratar o braço armado do partido e não estava com interesse no movimento estudantil. Mas o fio da meada pra chegar lá passou pelo movimento estudantil. Eles prenderam muita gente. Prenderam uns 20 ou 30 estudantes, dois profissionais liberais e um comerciário. Mas o grosso foi gente do movimento estudantil. Mas a polícia agiu sempre no afã de desenrolar o fio da meada com o pessoal que fazia luta armada no partido. Foi essa a prisão do grupo todo, que ainda ficou durante nove meses aguardando julgamento. Ficamos um mês no DOI-CODI. Fomos torturados, tanto os rapazes, como as moças. Eu era o mais velho, pois tinha 23 anos. O mais novo era um menino que tinha 18 anos. Então era essa a faixa de idade. Mantiveram o processo deixando a gente preso na Secretaria de Segurança durante 9 meses, incluindo um mês de muita tortura no DOI-CODI. Finalmente fomos absolvidos no final do ano de 1972.

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